Parte 1: Rin – Protegida
Shikon no Tama...Dez anos se passaram desde que esta jóia mágica desapareceu deste e do próximo mundo.E, como a memória humana é curta, agora tudo é apenas mais um conto sem importância da Era Sengoku.Mas, nas densas florestas do território de Musashi, ainda existe alguém que conserva as lembranças dessa "lenda".
- SSSESSSHOUMARU-SSSAMAAAAAAAAAAA!!!!!!!!!!!!!!
Jaken apareceu repentinamente, carregando com dificuldade o Bastão de Duas Cabeças enquanto corria.Parou ao lado do mestre, arfando, com os olhos mais arregalados do que o normal.
- Ande logo com isso, Jaken.O que tem a dizer? – Sesshoumaru não se dava ao trabalho de olhar o servo, aparentemente perdido em pensamentos.Jaken recuperou-se e transmitiu as notícias.
- Sssessshoumaru-sssama...Esstamos no caminho scerto...As árvoress a nordesste comesçam a mudar...Sse continuarmoss sseguindo o rio, chegaremoss lá com certesza!!!
- Ótimo. – apesar de não compartilhar da empolgação de Jaken, Sesshoumaru sorriu levemente, satisfeito com aquilo.
- Rin, vamos!
Não era preciso chamar duas vezes para a garota atender, se o pedido viesse de Sesshoumaru-sama.Em menos de um minuto, a figura de Rin surgiu dentre as folhagens.Ela agora perambulava pela selva tão bem quanto Jaken, claro que muito mais graciosamente.Sorria, como sempre, para o seu senhor.
- Estou aqui, Sesshoumaru-sama! – parou na frente dele, como que esperando instruções.
- Olhe suas roupas, Rin.Está coberta de folhas secas.Os cabelos também.Limpe-se, não é assim que uma moça deve apresentar-se. – repreendeu-a sem olha-la no rosto, e seguiu indiferente na direção do rio.Rin não expressou desapontamento diante da advertência.Para ela, eram verdadeiros elogios, vindos de quem vinham.
- Sim, Sesshoumaru-sama! – ainda sorrindo e sacudindo as folhas, ela o acompanhou.
Podiam ouvir o barulho da água em volta.É sempre melhor viajar próximo a um rio, se ele existir.Mais seguro.Não que Sesshoumaru precisasse de alguma proteção, mas Jaken não era tão forte, e Rin, ora, era pouco mais que uma criança humana.
Nesse mesmo momento, a voz dela quase se sobrepunha aos ruídos da natureza.Como alguém pode falar desse jeito?Era o que o sempre calado Sesshoumaru costumava se perguntar, antes.Mas, depois de tanto tempo, era como se aquela voz fizesse mesmo parte do som ambiente.Simplesmente, acostumara-se.
- Nossa, como as árvores são diferentes desse lado da floresta!
E como ela podia fazer isso?Segui-lo, sem fazer a menor questão de saber para onde iam.Por anos havia sido assim...Se ele não dizia, ela não perguntava.Apenas acompanhava.
E só por uma vez havia sido diferente.
- Vamos parar um pouco.Está anoitecendo, e os homens voltam para suas casas.Aproveitamos esse horário para uma ceia, assim não nos vêem e não precisamos nos incomodar.
Jaken ocupava-se de preparar a fogueira.E, se as mãos se concentravam na tarefa, o pensamento parecia voar longe.Isso não combinava com ele.
- Em que está pensando, Jaken?Parece receoso de algo.
- Bem, Sssessshoumaru-sssama... – Jaken media as palavras cuidadosamente – É ssobre nosssa misssão...
- Alguma reclamação, Jaken?
- Não-não-não, Sssessshoumaru-sssama, longe de mim!!!!!!!Ssó esstou um pouco nervosso...porque esstá por perto!Eu ssinto issso, dessde que passsamos pelo Posço Come-Osssos...
- Poço Come-Ossos?Ah, lembrei...
Sesshoumaru acertou o Bastão de Duas Cabeças em Jaken antes que ele se desse conta de qualquer coisa.E não foi nada de leve.
- Sssessshou...maru...sssama...por que...me...bateu??????
- Você apenas lembrou-me da existência daquele ser irresponsável que fez uma bagunça, desperdiçou todas as chances que teve e desapareceu deste mundo por aquele poço.
- Oh!!!! – Jaken entendeu, e ficou desconcertado – Bem...ele parescia bastante felisz...
- É.Um bobo alegre que desistiu de se tornar um legítimo youkai usando a desculpa de..."amor"... – pronunciou a palavra "amor" com ironia e desdém, além de uma ponta de raiva – Foi mesmo melhor que tenha partido com a fêmea dele.
Com estas palavras, Sesshoumaru tomou o cominho para a mata e desapareceu de vista.Jaken suspirou, aliviado por não ter levado outro castigo, e voltou a seus afazeres, agora com liberdade para pensar alto.
- Por maiss que diga que não fasz diferensça, ele não conssegue perdoar Inuyassha pelo que fesz.Também...Aquilo pegou todo mundo de ssurpresa...
A cena de dez anos atrás passou pela mente de Jaken.Inuyasha segurando o Shikon completo, Naraku morto a seus pés.O brilho da jóia envolvendo a todos, que esperavam um imponente lobo surgir a qualquer momento.Apenas os olhos arregalados de Jaken devem ter captado a angústia do rosto de Kagome...
E quando a luz amenizou-se, qual deles não se sentiu confuso ao encarar um jovem humano de cabelos e olhos negros em frente ao youkai morto?
- Kagome, desculpe dar motivos para você duvidar de mim.De que me valeria ser um youkai completo e infeliz?Mesmo que hajam outras coisas envolvidas, eu não tive dúvida alguma na minha escolha por um só motivo...eu só poderia ter escolhido você!Kagome, eu te amo!
Surpresa e feliz, Kagome deixara as lágrimas correrem...
- É. E foi asssim que o Sshikon purificado dessapareceu desste mundo, a Miko morta ficou em pasz e...Sssessshoumaru-sssama nunca pôde lutar com o Inuyassha de youkai para youkai...Ele essperava por isso, mass...Já faz uma década que o casalszinho sse foi...E issso é muito para um humano...É ssó ver por Rin...Falando nela, onde a diabinha sse meteu?
Rin sacudiu os cabelos com força, espalhando água como uma criança levada.Mas não havia ninguém que pudesse ser atingido e reclamar disso.Sempre conseguia encontrar algum lago ou córrego escondido entre as plantas, onde podia lavar-se e reinar à vontade.Além disso, deixava que os pensamentos voassem...
- "Jaken já deve ter terminado de cozinhar..."
Fez menção de mover-se, mas desistiu.
- "Acho que vou ficar mais um pouco..".
Relaxou o corpo, boiando com um tronco oco no meio do lago.
- "Lindas estrelas...e a Lua está cortada ao meio...Exatamente como a lua de Sesshoumaru-sama..."
Fechou os olhos, aproveitando melhor o bem-estar da água morna.
- "Será que...Sesshoumaru-sama olha as estrelas?Deve olhar, sim.As estrelas são a coisa mais linda do mundo..."
Ainda de olhos fechados, Rin relembrou a caminhada dos últimos dias.Aquela era a primeira parada grande em três noites.Sesshoumaru estava apressado...
- "Para onde será que estamos indo? Deve ser importante..."
Abriu os olhos, contemplando novamente o céu.
- "Por isso mesmo preciso estar sempre por perto... Não quero me afastar de novo... No momento mais importante..."
- Você só vai atrapalhar, entendeu?
Rin viu-se de novo com sete anos de idade, exatamente no momento mais difícil da sua segunda vida.
- Rin não quer atrapalhar Sesshoumaru-sama...
O coraçãozinho de Rin estava mais apertado do que na ocasião do seqüestro.Não era apenas com ela, agora.Algo grande ia acontecer, e Sesshoumaru-sama poderia nunca mais voltar...era o que ela sentia.
- Se me seguir, não vou ter paciência com você!
- Sesshoumaru-sama...Alguma coisa vai acontecer, não é?
- É claro que vai, sua sonsa!Já está acontecendo!E o máximo que você poderia fazer seria assistir!
- Então...Rin quer fazer o máximo possível!
Aquela atitude deixava Sesshoumaru incomodado.Naquele momento decisivo, em que precisava estar um passo à frente o tempo todo, perdia seu tempo tentando garantir que Rin ficasse a salvo!Não entendia aquilo, porque tomava tanto cuidado com ela?E além de tudo isso, ela ainda dificultava as coisas, teimando em segui-lo!Que irritante!
- Rin...se você for, vai morrer!Você já morreu uma vez, lembra-se?Quer sentir isso de novo???
- Sesshoumaru-sama também!Também pode...não voltar...
Ele percebeu que, pela primeira vez, a garota lutava contra muitas lágrimas.Ela, que nunca quis parecer fraca para ninguém.E agora, estava prestes a chorar por Sesshoumaru, alguém que conhecera toda a sua violência, toda a sua frieza.E isso foi demais até para um orgulhoso youkai.
- Escute, Rin.Vê aquela colina cheia de árvores?É alta e segura.Fique lá.Até que eu chame, não saia de lá!
- Se...Sesshoumaru-sama...
- Não me siga.Eu venho te chamar quando voltar.
Tomou o caminho do campo de batalha aonde seria decidido o destino do Shikon no Tama, de Naraku, Inuyasha...E o seu.A meio caminho de sumir de vista, virou-se para a colina.Rin, sentada como uma criança de castigo, o observava partir, com uma expressão de resignação que não conseguia esconder seu medo.
- E não pegue chuva!
Sem um sorriso ou olhar de consolo, ele se foi.Mas, apenas naquela tola última frase, Rin pôde ler toda a confiança que uma pessoa é capaz de transmitir à outra.
Uma folha levada pelo vento pousou suavemente sobre o nariz de Rin, tirando-a dos devaneios.Com um sopro expulsou-a, e mergulhou uma última vez antes de sair do lago e vestir-se.Já pronta, olhou mais uma vez as estrelas, como se buscasse um conselho.
- Será que deveria perguntar...Aonde vamos?
Caminhando pela mata, Sesshoumaru dissipava sua raiva aos poucos.Sempre se aborrecia a qualquer menção da existência do irmão, ainda mais depois da escolha que Inuyasha fizera...
- Não faça essa cara pra mim, Sesshoumaru!
- Se me contassem, eu nunca acreditaria.Mesmo vendo, ainda me custa...
-...Entender?Eu não posso fazer nada.Quem sabe um dia você não me entenderá?
- Bah...Entendê-lo como, se ele mesmo não entendeu nada...Dizendo que era besteira decidir qual de nós dois havia conseguido superar o pai...Não me conhece, mesmo.O que no mundo me faria tomar atitude semelhante?
De repente, alguma coisa cortou sua linha de pensamento.
- "Tem alguém ali".
Espiando através das árvores, ele localizou a presença que sentira, e aliviou-se.
- "É só a Rin... Sonhando acordada, para variar".
Demorou-se um pouco observando a garota.Já era uma moça, mas seu semblante era o mesmo da criança amável e sorridente que sempre fora.Sentada com a cabeça apoiada nos joelhos e os braços enlaçando as pernas, ela olhava as estrelas sem pressa, completamente distraída do mundo.Aquela cena trouxe outras lembranças para Sesshoumaru, sem que ele pudesse evitar.
- E não pegue chuva!
Foi o que disse naquele dia.Idiota, não?Ele sentia que não poderia sair secamente, como se fosse uma despedida.Normalmente, pensou mais tarde, essas situações exigem uma demonstração de confiança, um sorriso, um olhar amigo, algo assim.Mas nenhuma dessas atitudes fazia parte da natureza dele, portanto, o máximo que conseguiu foi aquela frase estúpida.Que belo consolo deixara!
E quando voltou, ela estava lá.Na mesma posição que a vira pela última vez, sentada com a cabeça apoiada nos joelhos e os braços enlaçando as pernas.Mas não olhava para lugar algum; a cabeça afundava-se nos membros, fazendo-a parecer um bichinho adormecido.Ele preocupou-se por um momento.
- Ri...Rin!
Aos poucos, ela se moveu.Ao levantar a cabeça, sua expressão era de exaustão, mas, no momento seguinte, pareceu ter sua energia renovada.
- Se-sesshoumaru-sama!!!!
Mal havia acabado de falar, correu colina abaixo, praticamente levada pelo impulso da descida e da surpresa.Só parou quando sentou seu rosto encontrar o kimono macio de Sesshoumaru, que não tentou impedi-la.Deixou que ficasse ali o tempo que precisasse.
- Cheiro de...Sangue...?"
- Foi um preço barato.Olhe para mim agora. – levantou o rosto dela – Que olheiras são essas?E está pálida.Há quanto tempo não toma um banho?E tem se alimentado direito?Aposto que...Rin, o que é isso?
Lágrimas quentes corriam pelo rosto da menina, que, independente disso, sorria. Sem dizer palavra, agarrou-se com mais força ao kimono.Todos os seus sentimentos, a esperança, o medo, a solidão, o amor, e agora, a felicidade, se reuniram nesse ato. Sesshoumaru sentiu como se ela estivesse renascendo em seus braços mais uma vez, quando o tempo parou só para contemplar a cena.Por isso, nem percebeu a ternura que tomou conta de sua voz.
- Rin...Você está com febre.
Ela levantou os olhos molhados, tentando acreditar que aquela voz terna e a mão que afagava sua cabeça eram mesmo reais.E encontrou, além deles, um sorriso sincero e um olhar amigo.Era o sorriso que ele gostaria de ter deixado como consolo, mas que servia agora de recompensa.Rin sorriu mais, ofuscando as lágrimas, e voltou a apoiar-se nele.
- Jaken, vá à frente e prepare uma boa ceia.Não se esqueça dos cobertores e de água limpa, e uma boa fogueira!
Enquanto falava, ele pegou Rin com todo o cuidado, aninhando-a em seu colo. Jaken ficou tão surpreso com tudo aquilo que foi preciso um segundo olhar do chefe para que ele se mexesse.
- OH!Ssssim, imediatamente, Sssessshoumaru-ssama!!!!
- Sesshoumaru-sama!
Numa piscada, Rin voltou a ter 17 anos e os cabelos molhados do banho demorado.Sorria para Sesshoumaru, que nem havia se dado conta da aproximação dela.
- Sesshoumaru-sama está longe...Está tudo bem?
Ele se recompôs em uma fração de segundo.
- Sim.Você não deve ficar distraída no meio da floresta.Pode ser perigoso.Vamos.
- Sim.
Ela começou a segui-lo, mas ele parou poucos passos depois.Não se virou para falar, como sempre.
- Rin.
- Sim?
- Pode andar ao meu lado?
Rin precisou de um momento para recuperar o controle das emoções, algo que passara a vida fazendo sem problemas.
- Si...Sim.
Apesar do susto inicial, o sorriso que ela manteve foi o mais feliz e sincero de todos.Sesshoumaru teria percebido isso se não estivesse mergulhado em seus próprios pensamentos.
- "Naquele dia de lágrimas, eu percebi... percebi a verdadeira responsabilidade que assumi aquela noite, a noite em que a Tesseiga mostrou seu poder pela primeira vez... Existe algo que merece minha proteção mais do que qualquer coisa...mais até do que aquilo que venho procurando..."
Olhou as estrelas, grandes e radiantes como elas devem ser à meia-noite, como se procurasse uma resposta.
- "Isso vai ficar ainda mais difícil...".
