CAPÍTULO 6 – O ESPELHO DA ALMA

Ayumi e Kazuaki se sentiram honrados com a presença de Tomoyo, assim como Eriol e Nakuru. O casal convidou-os de bom grado para que sentassem junto à mesa. Todos assentiram, e caminharam para o local reservado, embora Hiroyuki e Eriol estivessem pouco a vontade.

Sentaram-se, sendo que Tomoyo ficou na ponta da mesa, com Hiroyuki de um lado e Eriol de outro. A garota sentia que estava presa, de algum modo. Escolheu o prato rapidamente, e sentiu-se aliviada quando Nakuru chamou-a para fazer um favor para ela, enquanto ia ao banheiro.

Ao entrarem no banheiro femino, Nakuru virou para Tomoyo:

- Tomoyo!! De onde veio aquele deus grego?

- Quem?

- O garoto que está do seu lado, que parece ser filho daqueles dois! – Nakuru voltou um olhar para Hiroyuki, da porta do banheiro.

- Ah! Esse é o violinista que vai tocar comigo, na festa da empresa da minha mãe! Quer que eu a apresente?

- Mais tarde, mais tarde... Qual é o nome dele?

- Hiroyuki Atsuhiro.

- Ele é lindo!

- Ei! Ele vai ensaiar em casa! Pode ir lá amanhã acidentalmente!

Nakuru ergueu uma sobrancelha:

- Acidentalmente?

- É, nós fingimos... Eu esqueci que tinha ensaio e convidei você para ir em casa. Explico para ele, e você assiste o ensaio!

A garota sorriu:

- Tomoyo, Tomoyo... Eu exerci uma má influência sobre você!

As duas saíram do banheiro rindo. No caminho de volta à mesa, Tomoyo perguntou:

- Eriol já conhecia Hiroyuki?

- Sei lá, acho que não... – ela bocejou – Parecem bravos, não?

- Bravos não é a definição correta. – observou Tomoyo.

- Concordo! – uma vozinha saiu de dentro da bolsa de Nakuru. Ela se espantou e abriu a bolsa, encontrando Suppi alojado no meio das suas coisas.

- Suppi! O que você está fazendo aqui?

- Eriol prometeu que quem o ajudasse almoçaria fora! E eu também ajudei! – o bichinho protestava.

- Anh, será que vocês não poderiam falar mais baixo? Têm algumas pessoas olhando para cá... – Tomoyo sussurrou.

- Ok, ok... Suppi, fique quieto e não atrapalhe, tá bom?

- Mas eu ia ficar na mesa, como sempre!

- Mas hoje tem gente estranha! Nem pense nisso!

Suppi suspirou, e voltou para a bolsa de Nakuru.

- Tão teimoso...

- Ah, você não chegou a conhecer o que o Kero aprontava com a Sakura! Cada situação... – lembrou Tomoyo.

E conversando, as duas voltaram à mesa. Todos pediram o que lhes apetecia, e Tomoyo voltou-se para Eriol:

- Eriol, este é o rapaz que vai tocar comigo no concerto!

- Muito prazer. – Eriol estendeu a mão para Hiroyuki – Tomoyo falou-me de você. Você copiou a sua partitura para ela, não foi?

- Sim, e muito prazer também. – o outro jovem apertou a mão da reencarnação do Mago Clow – Eu não gostaria de ver a minha parceira triste – a acrescentou um sorriso para Tomoyo.

- Ah! Eu não te falei, mas acharam a minha partitura!

- Sério? – Hiroyuki tinha uma cara intrigada

- Sim, o amigo de uma amiga minha achou. Estava até em um envelope, em ótimo estado! Senti falta das minhas anotações!

- Entendo.

A comida veio rapidamente, e ninguém conversou muito depois disso. Eriol e Nakuru tiveram que sair antes, devido a certas coisas para fazer na casa deles. Despediram-se formalmente. Mas antes de ir embora, Eriol pediu:

- Tomoyo, será que poderia fazer o favor de ligar mais tarde?

- Claro. Eu ligo assim que acabar o meu ensaio de hoje!

- Obrigado. Até logo.

- Até!

Eriol e Nakuru saíram, e Hiroyuki perguntou:

- Nervosa com a proximidade do concerto?

- Para falar a verdade, não. Sabe, eu costumava cantar nos festivais da minha escola, no primário e durante o colegial. Mas aprendi piano para poder entrar na faculdade, e acabei gostando.

- Você tem um dom para a música muito raro, Tomoyo.

- Obrigado, mas não chega a tanto. Eu sou bem pior ao piano do que cantando. Aliás, o melhor pianista que já vi até hoje foi Eriol.

- Eriol?

- Sim, Eriol. Ele toca muito bem. Na quinta série, fizemos um dueto na sala de música da escola – um sorriso divertido passou pelo rosto de Tomoyo – e Sakura estava assistindo. – Hiroyuki ergueu uma sobrancelha, mas Tomoyo não notou – Foi muito legal.

- Imagino.

O resto do almoço correu da melhor maneira que alguém poderia desejar, sendo que Tomoyo e Hiroyuki não foram esquecidos nas conversas, pois os adultos não tocaram nos negócios. Ambos os jovens ficaram muito aliviados com tal coisa.

Depois de algum tempo, Tomoyo e Sonomi se levantaram, e despediram-se dos Atsuhiro. Hiroyuki foi um pouco mais emotivo do que da última vez, fato que Tomoyo anotou mentalmente.

De volta no carro para casa, Sonomi perguntou à Tomoyo:

- Viu como Ayumi e Kazuaki olhavam para você?

Ela suspirou:

- Mãe, diga para eles que eu não gosto do filho deles, está bem?

- Mas filha, eles adoram vocês, e Hiroyuki também! Por acaso ele tem algum defeito sério, na sua opinião? – Sonomi inclinou-se para o lado da filha.

- Não, defeito algum, mãe. Ele é um ótimo rapaz, mas não... – Tomoyo tomou fôlego – Não o amo.

Sonomi arregalou os olhos, e Tomoyo continuou:

- Não quero nada com Hiroyuki, ele apenas é o meu parceiro no concerto, e é filho dos seus futuros sócios por coincidência. Portanto, acho que a senhora Ayumi e o senhor Kazuaki devem desistir do que quer que estejam tramando.

Chegaram naquele instante na casa, e Tomoyo desceu rapidamente, subindo para seu quarto. Tinha de telefonar para Eriol, como prometera, e era isso que faria.

Enquanto discava o número do seu vizinho, Tomoyo surpreendeu-se com sua atitude. Nunca tinha afrontado a sua mãe com isso antes. Queria muito poder saber o porquê que os adultos achavam tão fascinante que Tomoyo se relacionasse mais profundamente com Hiroyuki, não encontrando um termo certo para descrever isso.

- Alô?

- Alô e boa tarde! – respondeu uma animada voz feminina, que Tomoyo conhecia muito bem.

- Boa tarde, Nakuru! – Tomoyo riu um pouco – Tudo bem?

- Sim senhora, cara detentora dos poderes da Lua!! Em que posso servi-la? Talvez passando o telefone para o meu superior?

- Aiai Nakuru... Bom, eu gostaria de falar com Eriol, é verdade.

- Só um minutinho, eu vou correndo lá em cima!

Tomoyo podia ouvir o barulho dos passos de Nakuru, ao mesmo tempo que esta cantava algo pelo caminho. De repente, Nakuru gritou e, com um barulho forte, a ligação caiu.

Tomoyo segurou o telefone intrigada. O que aconteceu? No momento seguinte, o aparelho trepidava em sua mão, tocando.

- Alô.

- Tomoyo? Sou eu, Eriol.

Não era precisa a identificação. Tomoyo reconheceria aquele tom de voz sério e ao mesmo tempo brincalhão em qualquer lugar:

- Eu sabia. O que houve?

- Bom, eu escutei Nakuru subir a escada, pois escutei a conversa dela lá em baixo. Já ia ao encontro dela quando ela caiu na escada. O telefone bateu e se desligou.

- Ah, entendo. E como ela está?

- Tudo bem, não foi nada sério. Escorregou numa embalagem de doce que estava na escada.

- Spinnel andou comendo escondido?

- Isso mesmo.

- Coitadinhos... Bom, espero que melhore logo.

- Direi isso a eles, esteja certa disso.

- Ah sim! Queria que eu ligasse por algum motivo especial, Eriol?

- Claro. Eu gostaria de falar sobre... Espere um pouco, Tomoyo.

A garota ouviu ele dizer o discurso, libertar o báculo e usar um encantamento. Em seguida, pediu à Nakuru que cuidasse de Suppi até melhorar.

- Mil perdões, mas tive que prender Spinnel naquela hora, para que ele não criasse encrenca. Ah, sim. Gostaria de falar sobre Hiroyuki Atsuhiro.

- Hiroyuki Atsuhiro? – Tomoyo estranhou – Tudo bem.

- Mas não desejo falar ao telefone. Pode me encontrar na loja de música em 15 minutos? Aquela em que compramos nosso material. Acho que conhece a balconista.

- Claro, nos vemos lá.

- Até logo.

Tomoyo desligou. Até Eriol queria falar sobre Hiroyuki. Até parecia que Tomoyo se encontrava na época em que os pais escolhiam o marido das filhas... Os pais... Tomoyo sentou-se por um momento em sua cama. Não lembrava de ter tido um pai nas horas difíceis, apenas uma mãe que exercia a função de pai. Não, não estava reclamando. Tomoyo sempre tivera tudo de Sonomi, e era muito grata por isso, mas às vezes sentia muita falta de um pai.

Sonomi nunca lhe falou com clareza sobre esse assunto, sempre parecendo desconfortada. Tomoyo percebia isso, e não insistia com perguntas. Mas há algum tempo, Tomoyo descobriu uma coisa...

Ela estava estudando para uma prova da escola, junto com sua mãe. Mas, ao encontrar uma questão difícil, teve de recorrer à enciclopédia que se encontrava no quarto de sua mãe. Se dirigiu para lá.

Entrou, passou pela cama e deu a volta, pegando um grosso e pesado livro. Ia voltando para seu quarto quando algo caiu do enorme livro. Um livro menor.

Tomoyo examinou a capa, parecendo já um pouco velha. Não tinha um título nem nada, apenas a capa preta, ligeiramente desbotada. Conforme abriu na primeira página, com letras douradas estava escrito: Sonomi Daidouji.

A garota estranhou aquilo, e virou na primeira página. Tinha uma data e uma porção de coisas escritas. Começava com:

"Hoje aconteceu algo sério. Era o que eu temia. Não posso fazer nada, não posso desabafar com Nadeshiko, como faria há alguns meses, pois ela não está mais aqui. Mas tenho que registrar isso em algum lugar. O meu relacionamento com o pai de minha filha."

Tomoyo estremeceu, e guardou aquilo rapidamente. Voltou, terminou seus estudos, e se retirou mais cedo para ler o tal livro. Não era politicamente correto, ela sabia. Mas era a sua chance de descobrir um pouco sobre seu passado, sua história e seu pai.

Sonomi relatara uma linda história de amor, desde quando conheceu o pai de Tomoyo até o seu casamento. O nascimento de Tomoyo. Uma coisa estranha era que Tomoyo não vira uma única vez o nome de seu pai escrito.

Enfim, quando começou a ler sobre o seu nascimento, notou que a letra caprichosa de sua mãe estava mais mal feita e mais tremida, como que com raiva ou ódio, ao escrever.

Nesta parte, Tomoyo descobriu uma grande coisa, o porquê de sua mãe nunca falar sobre seu pai. Talvez fosse um defeito dela, guardar rancor por tanto tempo, mas Tomoyo não era ninguém para julgá-la.

Seu pai, após o nascimento de Tomoyo, abandonou Sonomi e fugiu com outra mulher. Mais tarde, descobriu-se que aquela mulher já mantinha uma espécie de caso com seu pai enquanto ele estava casado. Sonomi se revoltou. Resolveu que iria cuidar de tudo sozinha, sem precisar da ajuda dele.

Seguia-se uma história de como ela conseguiu alcançar o sucesso como empresária, e também uma parte de seus segredos. Tomoyo sentia-se envergonhada de estar lendo meio que a "alma" de sua mãe, mas descobriu coisas que sabia que nunca iria conhecer por meio de sua mãe. Além do mais, o que está feito, está feito.

A garota não conseguia acreditar que o pai dela fizesse algo tão terrível assim. E porque o pai dela não vinha visitá-la? Será que ele não se interessou pela filha que tinha gerado? Isso sempre entristeceu Tomoyo, e muito, sendo que esta foi uma das principais razões de ser um pouco mais triste e melancólica que a maioria das crianças de sua idade. Este fato mudou após conhecer Sakura, claro.

Se bem que mais tarde, achou uma carta endereçada no meio daquele diário para sua mãe, falando de seu pai. O nome dele tinha sido rasgado. Mas Tomoyo pôde ler o que estava ali escrito: seu pai viera a falecer quando ela tinha sete anos.

A carta estava borrada e rasgada em alguns trechos, mas ela entendeu que foi morto pelo marido da mulher com quem fugira após abandonar sua mãe. No fim das contas, aquela espécie de amante custou-lhe a vida.

Mas como seu pai teria sido antes disso? Antes de tudo, quando todos eram felizes. Ela não tinha um pai, e sinceramente, não gostava do pai que tinha conhecido. Não sabia como. Não deveria ser uma obrigação? Ela não deveria amar o pai?

- Tomoyo?

Não, ele não merecia o amor dela. Não mesmo. Largara sua mãe, a única mãe e pai que conheceu e ainda queria o amor e respeito dela? Não, de jeito nenhum. Ele nunca se interessou por ela, não é mesmo?

- Tomoyo... Está me escutando?

Mas... Mas... Ela não era tão durona. Tinha certeza de que daria muita coisa para ter sua família normalmente, vivendo em paz...

Sentiu que uma lágrima sua escorria pela face mas era estranho... A lágrima encontrou um obstáculo pelo caminho...

Virou-se, e encontrou um lenço, que tinha secado sua lágrima. O lenço era segurado por uma mão, que era ligada a um braço, que estava ligado a um corpo, que por sua vez pertencia a...

- Eriol?

Ele sorriu:

- Desculpe a invasão de privacidade, mas fazem mais de quarenta minutos, do horário que nós marcamos. Achei que algo estava errado, e me deixaram entrar. Falaram-me que estava aqui e vim ver o que tinha acontecido; chamei-a duas vezes, mas acho que não me escutou.

Tomoyo não lembrava de ter sido chamada, mas não tinha importância.

- Tomoyo, posso saber por que estava tão abatida?

- Lembranças... Tristes.

Eriol percebeu na hora que ela não desejava tocar no assunto, embora não tivesse falado isso, estava nas entrelinhas.

- Se algum dia, achar que me contando essas lembranças se sentirá melhor, me procure.

Ela balançou a cabeça.

- Ah, Eriol... Devaneei muito. O que tínhamos marcado mesmo? Não lembro direito.

- Eu queria lhe falar sobre Hiroyuki Atsuhiro, lembra-se?

Um espasmo de ódio passou pela face de Tomoyo, que rapidamente voltou ao normal, porém, Eriol percebeu.

- Hiroyuki... Ele que me trouxe tantas lembranças...

Eriol franziu a testa, mas não disse nada.

- Prefere dar uma volta, Tomoyo? Falo-lhe no caminho, além do que, parece muito abatida; uma boa caminha há de lhe fazer melhor.

Sem argumentos convincentes na hora, Tomoyo aceitou. Enquanto desciam as escadas, e saíam da casa ela mordia o lábio de raiva. Era odioso o modo como aquelas lembranças tinham voltado, tudo graças a Hiroyuki. Estavam muito bem guardadas há dez anos, por que tinham de acordá-las?

- Bom, Tomoyo, percebo que gosta muito de Hiroyuki, não?

- Sim. – respondeu a garota mecanicamente, quase sem dar atenção a Eriol, tamanho ódio que sentia.

- Bom, receio que talvez não acredite em mim, ou irei arruinar a imagem dele para você, mas tenho coisas nada agradáveis a respeito dele para falar.

A mente de Tomoyo deu um estalido e ela focou a atenção em Eriol. Puxou o rapaz para um banco, na plácida rua e sentaram.

- Pode falar. Eu escutarei.

Eriol suspirou antes de começar. Será que era certo tudo aquilo? Deveria mesmo contar suas suposições? O problema era que Tomoyo tinha uma índole tão meiga e doce que dificilmente iria acreditar em tudo aquilo. Mas tinha que falar. Com certeza.

- Tomoyo, hoje, durante o almoço, tive más impressões sobre Hiroyuki. Não pareceu-me que era alguém bom.

Tomoyo intensificou o seu olhar em Eriol e continuou em silêncio esperando que ele continuasse:

- Eu pude perceber pelos olhos dele, que demonstrou grande desconforto ao me ver. Aos meus olhos, todas as atitudes dele de cortesia e educação me soavam falsas, assim por dizer. Tinha a impressão de que o garoto inteiro era puro fingimento.

Tomoyo arregalou os olhos. Eriol parecia muito certo de tudo o que falava.

- Também devo falar que após tanto tempo no mundo da magia, acabei por ganhar habilidade para ler os pensamentos das pessoas. É fácil fazer isso apenas olhando a expressão no rosto, mas os olhos são a parte que mais nos dizem coisas. Tomoyo, já ouviu falar que os olhos são o espelho da alma?

A garota assentiu em silêncio, com a cabeça.

- Os olhos de Hiroyuki destoavam do seu conjunto de perfeição e polidez. Ele esconde algo. Não age de maneira natural, me é uma criatura estranha. Não sei o porquê das atitudes dele, mas peço um favor: não se descuide.

- Acha que ele é perigoso?

- Não em termos normais. Para a terra inteira, com exceção das pessoas que lêem os pensamentos e distinguem o caráter de alguém, Hiroyuki Atsuhiro é um modelo. Todos deveriam imitá-lo e fazer o que ele faz. Todos acham que seus pais o criaram muitíssimo bem, e se tiverem filhas, não hesitarão em querer casá-las com alguém assim.

Tomoyo sentiu um baque. Era... Era mais ou menos a atitude de sua mãe... Algumas palavras começaram a ecoar na sua mente:

"Não quero nada com Hiroyuki, ele apenas é o meu parceiro no concerto, e é filho dos seus futuros sócios por coincidência. "

Era a frase que tinha dito depois do almoço para sua mãe.

Coincidência.

- Não existem coincidências; apenas o inevitável.

Eriol voltou-se para Tomoyo, e pôde ver que o olhar da garota estava fixo em um ponto no horizonte, quando ela pronunciou essas palavras. Eram da autoria de Kaho e Touya, ele tinha certeza. Era uma frase de grande impacto, mas Eriol não tinha pistas do porquê que Tomoyo a lembrara tão subitamente.

A garota virou-se para ele, como que tomada de um impulso invisível:

- Eriol, acredita em coincidências?

Ele espantou-se com a pergunta de Tomoyo. Ela tinha um olhar perspicaz, muito misterioso.

- Tomoyo, acredito no que Kaho costumava dizer. Coincidências não existem, apenas o inevitável, o que nós não podemos mudar.

- Então, acredita que tudo já está determinado?

- Acredito que temos um destino. Alguém que, desde o momento em que nascemos, cria uma razão para a nossa vida. Não é de todo imutável; com as nossas ações, construímos ou arruinamos aquilo que estava a nós destinado.

De repente, o brilho no olhar de Tomoyo desapareceu, e ela escorregou a cabeça no encosto do banco.

- Eriol... A minha vida está tão confusa...

- Eu sei.

- Ganhar poderes mágicos, em seguida várias coisas parecem me ligar a um jovem que desconheço, todos ao meu redor vêem coisas falsas, visões, desmaios, perda de controle e falta de esperança... Tudo o que nunca imaginei acontecer.

Eriol prestou muita atenção nas palavras de Tomoyo. Primeiro, sobre coincidências e destino. Agora, sobre coisas que a ligavam a Hiroyuki. Parecia que algo estava começando a tomar forma.

- Tomoyo? Lembrou-se de alguma coisa daquela visão?

Tomoyo balançou a cabeça, desanimada:

- Não, nada. Me parecia importante, mas não consigo resgatar mais nada da minha memória do que aquilo que lhe contei: parecia um profecia, me avisando sobre... Sobre... Eriol! Me lembrei! Me avisando para tomar cuidado, porque a pessoa que causaria todo aquele mal ao mundo estava próxima de mim. Mais do que imagino. Mas não era essa a profecia.

Eriol espantou-se. Agora várias coisas estavam começando a fazer sentido, mas Tomoyo não iria perceber tão cedo. Por ora, era melhor esquecer o assunto.

- Tomoyo, me acompanha até uma casa de ferragens a dois quarteirões daqui?

- Claro.

A garota sorriu e se levantou. Eriol analisou que ela parecia normal. Mas o estado "normal" de Tomoyo era trancafiar todos os seus medos, receios, as lembranças tristes e tudo mais dentro de si. Era muito forte; não extravasava seus sentimentos.

- O que vai fazer lá, Eriol? – perguntou Tomoyo enquanto caminhava

- Vou comprar uma válvula. Lembra-se daquela da estufa que se quebrou?

- Mas você não tinha comprado-a no sábado?

- Não pude, estava ocupado. Tenho que instalá-la o mais rápido possível. Todas as flores que plantamos lá vão morrer se dependerem de Nakuru e sua mangueira.

Tomoyo riu. O riso dessa vez, parecia sincero.

- Ela que vem cuidando dos canteiros, então?

- Sim, é ela.

- Faço idéia do tamanho da bagunça que as estufas devem ficar.

Ainda conversando sobre coisas rotineiras, os dois chegaram à loja. Eriol rapidamente comprou o que precisava e começaram a voltar. Porém, ele mudou de caminho repentinamente.

- Por que viemos por aqui? Vamos dar uma volta maior por este lado até nossas casas.

- Sim, eu sei. Mas acho que talvez compense. Veremos.

Seguindo Eriol meio sem entender direito, eles chegaram a uma floricultura, na qual Eriol entrou, pedindo que Tomoyo esperasse do lado de fora. Tomoyo achava que ele tinha ido comprar sementes para a estufa que iria ser consertada.

Depois de cinco minutos, Eriol saiu com um lindo ramalhete de flores da loja. Por sinal, eram magnólias.

- Vamos? – perguntou o rapaz

- Claro. Quer ajuda?

- Não, acho que é uma grosseria que uma dama carregue isso tudo durante o caminho de volta para casa. – ele deu um dos seus sorrisos ímpares.

- Tudo bem.

Chegaram rapidamente, até que Eriol se despediu de Tomoyo no portão de sua casa.

- Bom, boa noite, Tomoyo.

- Boa noite, Eriol. Mande um abraço para todos da sua casa.

- Pode deixar.

- Ah! Onde vai colocar as flores na estufa? Tenho um bom vaso em casa, bonito, acho que ficariam bem com essas flores. Está vazio, no corredor lá em cima.

- Verdade?

- Sim, verdade. Minha mãe ficaria muito feliz se pudesse ser usado novamente.

- Então creio que ficará. – ele se aproximou de Tomoyo – Estas flores não são para a estufa, mas para você. Acho que é sua preferida, depois de flores de cerejeira, lógico. Coloque-as no vaso, e cuide bem. Acho que sua mãe ficará satisfeita.

A garota segurava o lindo ramalhete boquiaberta.

- Mas, Eriol... Eu poderia ter carregado até aqui!

- Não, seria grosseria minha. Boa noite. – inclinou-se, beijando a mão de Tomoyo e foi para dentro de sua casa.

Tomoyo ficou estarrecida na porta de sua casa, segurando o ramalhete. Por fim, decidiu entrar e seguir o conselho de Eriol. Colocou água fresca no vaso, em seguida depositando ali as flores. O contraste tinha ficado muito bonito. Mudou o vaso do corredor para a sua varanda, onde as flores poderiam desfrutar de sol, para ficaram ainda mais bonitas do que já eram.

Assim que terminou todo esse processo, Tomoyo sentou-se na varanda, admirando as flores, e percebeu que o sol se punha. Fitou o astro rei até que ele sumisse, voltando para dentro do seu quarto. Senta-se bem melhor agora, livre das lembranças tristes e incômodas daquela tarde.

Desceu para cumprimentar sua mãe e jantar. Conversou normalmente, mas quando questionada sobre porque não desceu na hora marcada para sair com Eriol, respondeu mentindo que esquecera-se do tempo, enquanto assistia um recital que pegou na televisão por acaso.

Antes de ir dormir, Sonomi lembrou Tomoyo que teria seu último treino antes da apresentação com Hiroyuki na manhã de segunda-feira. Tomoyo agradeceu o aviso, fingindo sono, e foi recolher-se também. Tinha que convidar Nakuru para ir a sua casa "acidentalmente", como tinha prometido.

Porém, achou que ligar para falar algo que mencionasse Hiroyuki aquela hora ia lhe causar uma explosão de raiva; preferiu esperar pela manhã, quando tivesse recobrado o seu controle emocional. Além disso, tinha que tomar cuidado. Eriol não parecia falar em tom de brincadeira.

Trocou de roupa e caiu na cama. Felizmente, com a lembrança das lindas flores em sua mente, o sono não tardou, e foi tranqüilo.

Na manhã seguinte, Tomoyo acordou e espreguiçou-se vagarosamente. Estava mais calma, e com parte da alegria costumeira. Porém, sentia um nervosismo anormal. Examinado-se para descobrir o porquê, percebeu que era a proximidade do recital. Agora, mesmo sabendo que estava firme, tinha um medo estranho. Mas por que haveria de dar errado? Sacudindo a cabeça, levantou e começou a se preparar para mais um dia.

Depois do banho, colocou um twin set roxo escuro, da cor de seus olhos. Ela gostava daquela peça porque sentia que seus olhos eram realçados, além do conjunto lhe cair muito bem. Colocou uma calça jeans preta, e prendeu o cabelo na altura do pescoço com uma fivela, deixando uma mecha solta na frente. Recolocou o pingente, na verdade seu báculo, e desceu.

Após a sua refeição, notou que sua mãe não havia descido. Uma das empregadas falou que Sonomi havia saído muito cedo, a apenas tomou alguma coisa antes de sair.

Tomoyo estranhou o fato, mas não lhe deu importância. Decidiu praticar um pouco mais, já que não queria fazer nenhum vexame na frente do famoso violinista. Depois que tirou a sua partitura do envelope, notou uma coisa engraçada: a partitura que foi cedida por Hiroyuki tinha anotações, e foram feitas com a mesma caligrafia que escreveu "Tomoyo Daidouji" no envelope. Mas quando a garota lançou um olhar ao relógio, esqueceu de tudo e começou a tocar.

Ensaiou até a hora do almoço, saindo depois, para ir até a casa de Eriol buscar Nakuru. Encontrou o portão aberto, e sabia que Eriol previra sua visita. Tocou a campainha:

- JÁ VAAAI!!!!

Depois de instantes, a porta foi escancarada, e Nakuru, com avental e espanador na mão apareceu:

- Tomoyo! Entre, entre, por favor!

- Obrigado, Nakuru.

A jovem entrou na mansão, acompanhada de Nakuru, que a conduziu até o sofá.

- Sente-se, por favor.

Tomoyo e Nakuru se sentaram. Tomoyo começou:

- Nakuru, eu vim aqui para levar você em casa. Vou ensaiar com ele logo mais.

Nakuru abriu um sorriso lindo, que em seguida se fechou. Ela levantou:

- Vê isto? – segurou o avental – E isto? – apontou para o espanador – Eu virei uma empregada qualquer!! Tenho um monte de coisas para fazer hoje, Eriol mandou. O Suppi é um folgado, não faz nada, mas eu tenho que fazer o jantar, lavar a louça do almoço, arrumar a válvula da estufa, polir os conjuntos de jantar, colocar cloro na água da piscina e arrumar dois quartos.

Quase não sobraram dedos para Nakuru enumerar seus afazeres. Ela largou-se no sofá:

- Não agüento isso. Tenho dezenas de coisas para fazer e nunca ganho nenhuma folga!

- Pois hoje é o seu dia de folga. – uma voz masculina conhecida falou. As duas se viraram para a escada, de onde a voz vinha. Eriol estava ali, com um sorriso no rosto, trajando uma calça preta social e uma camisa bege. Ele sempre se vestia de jeito social. – Está autorizada a ir para a casa de Tomoyo, "acidentalmente".

Nakuru piscou, e deixou o espanador cair da mão.

- Sério?

- Sim, sério.

- Seríssimo?

- Palavra de honra.

- Aiaiai, obrigada Eriol! – a garota saltou até a escada e se pendurou no pescoço de Eriol, quase o sufocando.

- Tu-tudo bem, Nakuru... P-pode descer?

- Anh? Ah! Desculpa! Bom, eu vou trocar de roupa! Volto em instantes!

Eriol fez uma massagem na área dolorida no pescoço, enquanto caminhava para o sofá. Tomoyo tinha um sorriso nos lábios.

- Decidiu pelo dia de folga por quê?

- Ela merece. Vem trabalhando duro, é verdade. O pior é que não posso contratar uma empregada, devido a estranheza de nossa casa, se é que me compreende. – disse Eriol com um sorriso.

- Entendo. Ah, muito obrigada pelas flores! São lindas, estão na minha varanda.

- Imagine. Não acho que seja algo extraordinário, mas estou feliz que tenha surtido um efeito positivo no seu ânimo.

- Ahhhh, flores, Eriol? Você não me contou na-da!!!

Nakuru descia as escadas, com o velho brilho atacando novamente no olhar. Tinha colocado uma blusa vermelha com ideogramas bordados dourados. Usava uma mini-saia preta, assim como sua meia-calça e trazia na mão botas de cano alto. Nakuru tinha amarrado seus cabelos fartos em uma elegante trança. Ele suspirou e falou:

- Comprei flores para Tomoyo ontem, Nakuru. Mas você estava ao telefone animadíssima, e achei que se interrompesse aquela ligação uma vez, não viveria muito para contar.

Nakuru ficou da cor de sua blusa, e não disse nada. Era incrível como Eriol conseguia desviar o que seria embaraçoso para ele na direção de outras pessoas. Ela desceu rapidamente e se despediu de Eriol, já mais espalhafatosa como era no dia a dia. Tomoyo também se despediu e as duas voltaram para a casa de Tomoyo.

Quando chegaram em casa, Hiroyuki e Sonomi encontravam-se na sala, conversando. Quando Tomoyo apareceu, escondendo Nakuru, Sonomi sorriu:

- Ah! Que bom que você está aí, Tomoyo! Saí para buscar Hiroyuki e não a encontro quando chego em casa! Onde esteve?

- Estive ensaiando, e, como tinha combinado ontem com Nakuru, a trouxe aqui para mostrar-lhe algumas coisas que comprei. – respondeu Tomoyo. De repente, a garota assustou-se, e bateu com a mão na testa – O ensaio! Hiroyuki, me perdoe, esqueci completamente dele! Minha mãe tinha me avisado, mas estava com sono, não prestei atenção...

O rapaz em questão sorriu, e apenas disse:

- Está tudo bem. Vamos ensaiar agora, então.

- Mas... E Nakuru?

A jovem aproximou-se da sala, saindo de seu esconderijo na parede. Sonomi sorriu ao vê-la:

- Nakuru! Como vai?

- Sonomi!

As duas abraçaram-se e começaram a conversar. Tomoyo então aproveitou a deixa:

- Será que se importa se Nakuru assistir ao ensaio? – em seguida baixou o tom de voz, como se não quisesse que Nakuru ouvisse – Não queria fazer uma desfeita...

Ele pareceu hesitar por segundos ínfimos, mas respondeu sorrindo:

- Não, não me importo. Será uma honra.

Tomoyo interrompeu as risadas e comunicou que ia para a sala de música ensaiar, e queria saber se Nakuru gostaria de assistir em primeira mão ao pequeno concerto. Nakuru sorriu e confirmou com a cabeça. Então, os três retiraram-se e Sonomi voltou ao seu estado sério, normalmente afetado por Nakuru.

Já na sala, Tomoyo ajudou Hiroyuki a tirar seu violino da mala, com todo o cuidado. Pediu para que Nakuru a substituísse, enquanto pegava uma cadeira. Tomoyo saiu e voltou do aposento em minutos, e encontrou Nakuru atenta às explicações de Hiroyuki:

- Entende o valor do arco agora? É impossível tocar sem ele, não sairia som algum das cordas. Ah, Tomoyo! Podemos começar?

- Claro. Sente-se aqui, Nakuru.

Todos se acomodaram, e Hiroyuki fez questão de começar pela favorita de Sonomi. O conjunto do piano com o violino ficou muito bonito, porém com algumas dissonâncias, pois os dois tinham ensaiado com tons diferentes. Mas depois de tudo ajustado, Nakuru bateu palmas:

- Lindo!! Maravilhoso!! Tomoyo, Hiroyuki, quem estiver assistindo vocês vai adorar! Que belo concerto!

- Obrigado, Nakuru. – agradeceu o violinista, sendo acompanhado de Tomoyo.

- Ah, imaginem! Mas me expliquem uma coisa: sua mãe e seu pai são empresários, que vão fazer uma aliança comercial com a Sonomi?

O jovem assentiu com a cabeça:

- Sim, meus pais vão se tornar sócios da senhora Sonomi nesta reunião.

- Pena que não posso vê-los no próprio concerto... – suspirou Nakuru, desapontada.

- Ora, claro que pode! Posso levar um convidado. Escolho você como minha convidada de honra! – sugeriu Hiroyuki com um sorriso.

- Sério? Nossa, hoje é o meu dia de sorte!! – Nakuru abriu um lindo sorriso, e abraçou o rapaz, com bem menos força do que usou com Eriol – Obrigada.

- Então, acho que vou levar Eriol. – falou Tomoyo – O que acham?

- Maravilhoso!! Mas, Tomoyo, não deixa ele ser chato, tá bom?

- Tudo bem, de acordo! – respondeu Tomoyo a Nakuru.

Os três riram, e voltaram a ensaiar. Já era tarde da noite quando os dois foram embora, e Hiroyuki não aceitou jantar na casa de Tomoyo, assim como Nakuru. Tomoyo resolveu subir e ir dormir.

A garota entrou cantando alegremente no quarto, às vezes dando pequenas voltas, acompanhando o ritmo da música. Quando Tomoyo deitou na sua cama e apagou a luz, sentiu uma ventania repentina.

Virou-se para ver o que era. Estranho, parecia que o vento tinha cessado. Como podia? Sentou-se na cama e decidiu levantar, intrigada com tudo aquilo.

Caminhou até a janela. Trancada. Então do nada, uma ventania mais forte que a primeira surgiu, seguida de uma luz que se aproximava e quebrou a janela. Isso fez Tomoyo cair para trás, ao lado de um vulto que não estava lá...

FIM DA SEXTA PARTE

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Abraços e beijos para todos,

Mari-chan.