CAPÍTULO 1 - VOLTA ÀS AULAS
Tomoyo suspirou durante mais uma aula de história da música. Era incrível como aquele período era monótono! A música tinha se desenvolvido praticamente só na Europa. E em mais nenhum lugar.
Vários compositores clássicos estavam sendo estudados, e o grupo se reuniu. Era algo bastante complexo. O professor tinha pedido que criassem um trabalho criativo em cima de algum dos célebres compositores clássicos europeus.
Os seis se viraram, para conversar sobre o escolhido:
- O que vocês acham?
- Sei lá, história da música é chato, eu queria fazer sobre coisas modernas! - suspirou Yuki.
- Mas, Yuki, nós não podemos, ainda. Vamos, temos que escolher alguém desta lista. - Nathalia desenrolou uma lista, com vários nomes.
- Ué, mas não são da mesma época!
- Tudo bem, desde que seja um compositor clássico.
- Humm... Acho que Bethoveen e Mozart vão ser muitos conhecidos. - comentou Eriol, olhando a lista.
- Vamos fazer algo diferente neste trabalho! - empolgou-se Sakin - com alguém mais diferente! Que tal... Vejamos... - Sakin passeou com o dedo pela lista da amiga - Chopin ou Bach?
- Acho que ainda não. O que acham de Tchaikovski? - sugeriu Hiroyuki
- Aprovo.
- Eu também!
- De acordo, então. Vamos fazer sobre Piotr Ilitch Tchaikovski! - Sakin quase se engasgou no meio do difícil nome - Ele é...
- Um russo. - sorriu Hiroyuki.
-Ah, sim. Obrigada! - a garota sorriu de volta.
- Eu vou dar os nomes para o professor e o compositor.
Tomoyo se levantou, deixando o resto do grupo decidindo sobre o que iriam fazer. Caminhou calmamente entre as mesas de outros alunos, notando o que Eriol havia falado. Era bom escolher um tema menos conhecido.
Percebeu que o professor se ocupava com listas de chamadas e não interrompeu-o, até que ele tivesse a notado.
- Senhorita Daidouji! Me desculpe, não percebi que estava atrás de mim!
- Não tem problema, professor. Posso dar os nomes do meu grupo?
- Claro, por favor.
- São Eriol, Hiroyuki, Sakin, Yuki, Nathalia e eu.
- Certo. Anotei. O compositor?
- Tchaikovski.
O professor ergueu uma sobrancelha:
- Tchaikovski? Interessante. Ninguém escolheu nada muito fora dos padrões.
A garota sorriu:
- É, eu sei. Bom, posso me sentar?
- Claro, o sinal já vai tocar mesmo.
O professor de história da música pediu para os alunos voltarem aos seus lugares, e arrumarem a sala. Era última aula do dia, e todos estavam bastante cansados. O professor acabou liberando os alunos cinco minutos antes do término da aula, tendo em vista que ninguém renderia mais nada aquele dia.
- Ufa! O Shiro segura muito a gente!
- Não acho, Sakin. Ele tem as últimas aulas, quase nunca prende depois do horário, que nem a professora Arakami.
- Argh! Análise musical! Essa é a pior!
- Mas a Kazumi é super legal! A aula dela não é chata...
O grupo continuou conversando sobre os professores, até o portão da faculdade. Eles ainda tinham que decidir o que fariam com Tchaikovski.
- Sei lá, viu... O professor pede cada coisa!
- Não é nada do outro mundo, mas se vocês querem inovar... - comentou Eriol - por que não um arranjo do "Lago dos Cisnes"?
- Boa idéia! - aprovou Tomoyo - então vamos ao laboratório de música pegar algum material!
- Hum, não posso agora, Tomoyo! - Nathalia olhou no relógio - Eu e Vincent vamos sair com nossos pais, temos que ir embora agora. Ele saiu mais cedo da faculdade também.
- Você também, não é, Sakin? - perguntou Hiroyuki, meio malicioso.
Ela riu:
- Sim, eu tenho que ir também. Yuki?
- Eu tenho que voltar para a loja.
- Bom, eu vou com a Tomoyo no laboratório. - ofereceu-se Eriol.
- Eu tenho que ir. Confio em vocês.
- Tudo bem, Hiroyuki. Até amanhã, pessoal.
- Até!
Todos se despediram, e os dois restantes voltaram para dentro do prédio, caminhando para o laboratório de música.
- Percebeu que a Sakin chama sempre os professores pelo primeiro nome?
- Notei! - riu Tomoyo - Ainda bem que o professor Kawauchi não sabe de nada e...
- O quê disse, senhorita Daidouji?
- Professor Kawauchi!!
Atrás dos dois jovens, com a cabeça saindo de dentro de uma das salas, encontrava-se o professor de história da música, Shiro Kawauchi. O professor tinha por volta dos trinta e dois anos, e era bastante alegre. A aula de história ganhava cor com ele. Mesmo naquela parte monótona.
Tinha a estatura de um homem japonês comum, e sua franja caía na frente dos olhos, e era freqüente o número de vezes que o professor tinha que remover o cabelo enquanto explicava algo. Diziam as más e desocupadas línguas da escola que o professor outrora tivera uma "quedinha" pela professora música contemporânea, o ponto oposto de sua matéria, Suzuki Maeda. Mas não era nada comprovado...
- Ouvi meu nome ou estou enganado?
- Não, não está enganado. Estávamos comentando sobre o trabalho, e queríamos perguntar sobre o que acha da nossa idéia de fazer um arranjo.
O professor saiu para o corredor, parando ao lado dos jovens, aprovando a idéia, e conversaram por quase meia hora, sobre o projeto. O professor deu a autorização para que usassem o laboratório em tempo integral, para eventuais testes ou pesquisas. Minutos depois da conversa, voltavam para casa.
- Bom, ainda bem que amanhã não temos nada para fazer, só o início do trabalho! - espreguiçou-se Tomoyo, encanto caminhava.
- É verdade. Acho que vou ter que sair com Nakuru amanhã depois de aula. Quer comprar roupas novas.
Tomoyo riu:
- Você não parece à vontade.
- Não estou muito à vontade, pode ficar certa disso. Mas eu tenho que fazer isso.
Os dois se despediram no portão da casa de Tomoyo, e Eriol devolveu os livros de Tomoyo para a dona.
- Obrigada, Eriol. Não precisava tê-los trazido até aqui.
- Tudo bem, Tomoyo. Nos vemos amanhã, então.
- Não quer entrar para tomar alguma coisa ou comer uma fatia de bolo? Mando servir no meu quarto.
- Tudo bem, aceito. Mas não tem problema?
- Claro que não! Entre!
Algum tempo depois, eles estavam na espaçosa varanda de Tomoyo, comendo e conversando. Como de costume, o bolo pedido por Tomoyo não veio sozinho, e sim acompanhado por sucos, chá, biscoitos, doces, chocolates e por aí vai.
- Eriol...
- Sim?
- Por que fez aquilo?
- Aquilo?
- Sim. Sabe do que falo.
Os dois se recordaram do momento, que com certeza tinha marcado a vida de ambos os jovens.
Os dois se separaram do beijo devido a um barulho estranho, de um copo quebrando. Ao se virarem, o resto da turma estava na porta do recinto. As meninas estavam com uma cara surpresa e ao mesmo tempo sonhadoras. O único garoto, por sua vez, Vincent, parecia feliz. Hiroyuki não se encontrava por perto.
A mão de Yuki segurava absolutamente nada no ar. A taça, com o conteúdo de alguma coisa avermelhada, manchava o piso branco do lugar.
Todos se entreolharam, até que Yuki começou a rir. Em seguida, Nathalia e Vincent a seguiram, acompanhados depois por Sakin, então pelos dois jovens, ainda chocados pelo barulho da taça. Logo, se aproximaram, sendo que Sakin quase escorregou no piso molhado, sendo amparada elegantemente por Vincent. A jovem sorriu e deu-lhe um beijo apaixonado, e todos aplaudiram em seguida. Rindo, todos se levantaram e voltaram para o salão, onde dançaram durante um bom tempo.
Hiroyuki apareceu depois, dizendo que estava com uma dor de cabeça horrível. Tomoyo o acompanhou até a casa dele mais tarde, e de lá foi levada por empregados dos Atsuhiro para a sua casa.
Depois da noite de sábado, Tomoyo enfrentou um período de confusão. Havia sido beijada duas vezes, com sentimento, em um curto espaço de tempo. Não teve tempo de analisar nada para concluir uma coisa: os beijos tinham sido diferentes, assim como a reação de Tomoyo aos dois fatos.
Hiroyuki foi algo estranho. Ela parecia entorpecida, como se não conseguisse parar e não estivesse no controle de seu corpo. Na verdade, ela não estava. Lembrou-se da presença de Eriol, e tinha certeza de que até não respiraria de novo se não tivesse sentido a presença do amigo.
Amigo? Será que aquela era a palavra certa para definir Eriol, como ela se indagava?
Tomoyo pensou em várias vezes que Eriol sentia muita falta de Mizuki, e que fazia coisas com ela que faria normalmente com Kaho. Só que ela achava que o jovem tinha autocontrole suficiente para não beijá-la, mesmo que tivesse adquirido leves características daquela professora de matemática.
Por que será então que Eriol a tinha beijado?
Se fosse por ver nela algo de Mizuki, Tomoyo teria uma resposta.
Se não fosse por Mizuki, então Tomoyo ainda não teria uma resposta.
Ainda não?
Tudo era estranho. Eriol parecia querer conforto, naquela hora. Mais nada.
Então as aulas começaram, e um novo tormento se iniciou. Ela tinha certeza de que Hiroyuki não sabia de nada do ocorrido, do contrário, conhecendo o rapaz como conhecia, ele teria dado uma mínima demonstração de tal fato. Se ele sabia, Tomoyo estava abismada. Desta vez, a máscara de desinformação do garoto estava muito bem amarrada.
Máscaras... Ela voltou a pensar nelas com muita freqüência. Depois dos fatos recentes, ela começou a prestar mais atenção nos verdadeiros sentimentos das pessoas ao seu redor, não se deixando levar pelo exterior. Ela nunca tinha se deixado enganar pelas aparências, mas desta vez, as máscaras estavam muito bem colocadas.
Ela não conseguia parar de pensar naquilo. Às vezes, era capaz de sentir que um olhar lhe queimava a pele, mesmo que estivesse sozinha. Sentia-se estranha quando estava perto demais, longe demais de Eriol. O mesmo não acontecia com Hiroyuki.
Teoricamente, não deveria agir igual?
Sim, era a resposta que martelava na sua mente. Mas por que então não seguia o que sua mente respondia?
Ela não sabia dizer, era mais complicado do que ela conseguia entender. Mais difícil do que passar por algum de seus desafios anteriores. Do que fazer Yue sorrir ou mesmo da dor que foi superar a perda de Sakura para uma outra pessoa.
Às vezes, o sentimento que tinha para com Sakura apresentava vagas semelhanças com o de Eriol. Teria algo a ver ou só imaginava, ou melhor, sentia coisas?
Olhou para o rapaz a sua frente, que tinha a cabeça baixa.
- Tomoyo, amanhã é sexta-feira. Venha comigo depois da aula para minha casa, precisamos conversar.
- Mas... E Nakuru?
- Tudo bem, ela fará suas compras no sábado.
Tomoyo confirmou com a cabeça, em um tímido sim.
O silêncio imperou entre os dois. Ninguém falava nada. Um lenço seria capaz de ser ouvido ali, se caísse no chão, até que o telefone tocou.
Tomoyo apressou-se em atender o aparelho:
- Residência dos Daidouji.
- Por favor, a senhora Daidouji se encontra?
- Sim, só um momento, por favor. Quem gostaria?
- A secretária das Corporações Daidouji.
- Senhorita Iwano?
- Sim, sou eu. Quem está falando?
- Tomoyo Daidouji.
- Ah, senhorita Tomoyo! Como vai?
- Muito bem, senhorita Mirai. Já vou chamar minha mãe.
- Obrigada, minha querida.
- De nada, apenas um minutinho.
Tomoyo cobriu digitou alguns números no teclado do telefone:
- Alô? Mãe, é a senhorita Mirai, no telefone.
- Obrigada, Tomoyo. Transfira para cá, por favor.
Tomoyo digitou mais algumas teclas e a ligação foi para o escritório de sua mãe. Desligou a extensão do seu quarto e voltou à varanda, com Eriol.
Ambos colocaram máscaras de novo, e o assunto do beijo foi esquecido. Os dois se comportavam normalmente, conversando como se nada tivesse acontecido. Se alguém de fora os visse, não notaria nada de anormal. Mas os corações dos dois jovens sabiam que aquela não era uma conversa sincera.
No dia seguinte, após as aulas, o grupo decidiu ir ao laboratório para começar o ensaio do arranjo. Tomoyo olhou para Eriol, como que questionando sobre a conversa que ele queria ter com ela. Ele apenas disse à noite, e ela esqueceu o assunto momentaneamente.
No meio da tarde, receberam a visita de Vincent. Ele tinha saído da faculdade, e viera trazer um recado para sua irmã, mas resolvera ficar por ali mesmo. No momento que ele chegou, Yuki teve que retornar para seu trabalho.
- Vejamos... Se substituirmos este compasso por este aqui e cancelar esta repetição...
- Vai ficar mais curto, Eriol.
- Sim, é o que eu pretendo.
- Certo. Tomoyo, tem as partituras originais?
- Sim, aqui. Não, espera, estão com a Nathalia.
- Aqui! Pegue Eriol. Veja se fica legal com a nossa modificada.
Os quatro sentaram apreensivos. Eriol tocou a melodia criada pelo grupo, que encaixou-se perfeitamente no que eles desejavam. Nathalia, Eriol, Tomoyo e Hiroyuki suspiraram aliviados.
- Pronto! Mais uma parte! Já foi quase um quarto do trabalho! - murmurou Tomoyo folheando a partitura completa.
- Vai, Sakin...
- É verdade. O professor Kawauchi gostou da idéia.
- Não, Vincent!
- Gostou?
- Sakin! Só um, o que custa?
- Adorou! Ele ficou bastante empolgado.
- Muito, muito, senhor O'hana...
- É, o resto da sala vai fazer o tradicional, não é?
- Sakin!
- Vão sim... É uma pena!
- Vincent! Ah, larga, larga!!! Me solta, Vincent!
- DÁ PARA PARAR AÍ ATRÁS?
Nathalia estava de pé, enfurecida. Os outros três jovens só olhavam a cena. Nunca tinham visto a garota tão brava como agora. Apenas Tomoyo tinha visto a menina brava, mas não estava consciente.
- VINCENT! SAKIN!
As caras culpadas dos dois jovens mencionados surgiram atrás da mesa da sala. Sakin segurava uma embalagem de biscoitos aberta, e lutava para manter o pacote longe do alcance do outro, que tentava, a todo custo, alcançar a comida.
- Se vão brigar por comida, façam isso lá fora!
- Mas...
- Nada de "mas"! Vincent, você vai para casa já! E, Sakin, ou ajuda no arranjo ou vai embora! Ajuda que nem a sua nós não estamos precisando!
Os dois coraram, e o pacote foi esquecido em cima da mesa. O jovem americano foi embora, e Sakin resolveu sair também, dizendo-se indisposta para fazer o trabalho. Compensaria mais tarde.
Sobrando apenas os mais dedicados ao projeto, mais duas longas horas se passaram, até que completassem metade do arranjo.
- Nossa...Estou quebrada! - Nathalia espreguiçou-se na cadeira que ocupava, enquanto Hiroyuki e Tomoyo relaxavam o pescoço de ficar tanto tempo inclinados sobre partituras. Eriol fazia uma pequena massagem nos dedos de suas mãos, um pouco doloridos da prática no piano.
- Eu estou com vontade de pedir para o professor diminuir a nota da Sakin!
- Calma, Nathalia. Ela falou que vai compensar.
- Claro! E nós vamos ter que escrever de novo a parte dela! Não vai sair direito!
- O que houve com vocês duas? Eram tão amigas! - observou Tomoyo
- Somos amigas, Tomoyo. - a jovem desabou numa cadeira - mas desde aquele nosso passeio a discoteca, eles engataram firme no namoro. Tudo bem, o namoro não seria motivo para problema na teoria. O pior é que este é o motivo! De uma hora para outra, meu irmão não tem mais tempo para mim! E ela também não!
Tomoyo passou um braço pelo ombro da amiga:
- Calma, isso é uma euforia passageira. Tenho certeza que vai melhorar.
Nathalia sorriu em agradecimento:
- Obrigada, Tomoyo. Eu espero que sim.
- A Tomoyo está certa. Eles vão perceber que erraram cedo ou tarde.
As duas jovens viraram-se para Hiroyuki, que sorria charmosamente. Nathalia não corou, felizmente, devido ao seus esforços para se controlar. Tomoyo reprimiu uma risadinha.
- Obrigada, Hiroyuki.
- Eu acho que já fizemos o bastante por hoje e está tarde. Vamos indo para casa? Eu te acompanho, Nathalia. - ofereceu-se Hiroyuki.
- Claro! Vamos indo então. Até amanhã Tomoyo, Eriol!
- Até! - disseram os dois em coro.
Quando o casal saiu, os dois afundaram nos respectivos lugares.
- O Atsuhiro sabe mesmo confortar uma garota, não é?
- Sabe, muito bem. Ainda mais uma apaixonada por ele.
Os dois riram com gosto, enquanto se levantavam e colocavam ordem no laboratório. O horário já beirava as oito da noite, e aula os esperava no sábado.
Recolheram as partituras, fecharam o piano, colocaram as cadeiras nos lugares antigos e pegaram o pacote de bolacha, alvo de discórdia daquela tarde.
- Vamos indo?
- Vamos, acho que não esqueci nada.
Tomoyo apagou a luz e os dois iniciaram a volta para casa. No caminho, conversando sobre coisas triviais, terminaram o pacote de biscoito. Quando finalmente chegaram, ambos pararam para resolver o horário da conversa.
- Não vai dar hoje, estou cansada do trabalho.
- Eu também. Quer fazer companhia a mim e Nakuru amanhã? Ela certamente vai ficar feliz e podemos deixá-la passeando pelo shopping, enquanto resolvemos nossos assuntos.
- Claro.
- Está combinado. Um pouco depois da aula, para você poder trocar de roupa e tomar banho, está bom?
- Perfeito. Nos vemos amanhã, então.
- Até amanhã.
Os jovens beijaram-se no rosto e cada um foi para sua casa. Quando entrou, encontrou a sua mãe andando em círculos pela sala, com aparente ar de preocupação.
- Sim, sei, eu sei! Mas eu não entendo isso!
Tomoyo passou atrás de sua mãe, que não notou sua presença, e ficou observando da escada.
- Não, esqueça aqueles recibos. Provavelmente estão errados.
Uma empregada apareceu na sala, com uma postura tímida:
- Aceita uma bebida, senhora Daidouji? Está há muito tempo sem comer nem beber!
Sonomi gesticulou um "não" apressado, e a empregada voltou aos seus afazeres na cozinha. Tomoyo aproveitou e a seguiu.
- Por favor.
- Ah, senhorita Daidouji! Em que posso servi-lhe? Aceita um suco, um chá?
Tomoyo ia abrir a boca para perguntar de sua mãe, mas acabou aceitando um copo de chá. Quando começou a beber, sentada na mesa da cozinha, notou o quanto estava com sede, principalmente depois daquele pacote de bolacha.
- O que houve com minha mãe?
- A mãe da senhorita?
- Sim, você disse que ela está a horas sem comer nem beber...
- Ah, sim! É verdade, senhorita. Sua mãe chegou no meio da tarde, desde então, está o telefone, andando de um lado para o outro, conversando com alguém da empresa, é tudo que sabemos.
Tomoyo olhou para os rostos apreensivos das funcionárias. Que estranho, o que poderia ter sido?
Ela agradeceu o chá e foi para a sala, tentar descobrir o que podia ter acontecido. Sua mãe agora estava sentada no sofá, ainda no telefone, de olhos fechados.
- Mãe?
Sonomi abriu os olhos devagar:
- Tomoyo! Minha filha, onde esteve? Anh? Ah, só um pouco, minha filha acabou de chegar. Já retorno.
Sonomi desligou e colocou o telefone sobre a mesa, e abraçou a filha. Tomoyo pôde sentir a tensão que dominava o corpo da mãe.
- Como foi de trabalho? O arranjo está difícil?
- Não, não muito. Já fizemos metade.
- Que bom, filha! Vão ficar amanhã também para trabalhar?
- Não, depois da aula não. A propósito, vou sair com Eriol e Nakuru. Vamos acompanhá-la para comprar roupas novas.
Sonomi deu um sorriso cansado:
- Que bom, querida! Divirta-se amanhã. Acho que não vou poder almoçar com você, como tinha prometido. Aconteceram muitas coisas na empresa hoje.
- Que coisas? Mãe, porque não me conta durante o jantar? Vá tomar um banho e relaxar um pouco, você está muito estressada.
Ela sorriu:
- É verdade. Eu vou sim.
Sonomi se levantou e beijou a testa da filha, indo para o seu quarto. Tomoyo se levantou e foi para o seu quarto, tomar um banho também. Não sabia o porquê da agitação da mãe, mas tinha certeza de que era algo envolvendo de médias a grandes proporções.
Logo depois, Tomoyo descia com uma calça jeans bordada, verde escuro, com uma blusa leve verde-água. Com apenas o pingente sobressaindo, prendeu o cabelo com um elástico comum, deixando duas mechas na frente. Sentou-se na sala, esperando a mãe.
Enquanto sua mãe não descia do banho, Tomoyo começou a ler um livr de histórias fantásticas, escrito por Naoko. A garota tinha acabado de lançar seu livro em Tóquio, e dissera, na carta que Tomoyo recebeu juntamente com o livro, que enviara uma cópia para cada um de seus amigos.
A garota estava no meio de uma emocionante batalha entre um dragão negro e uma delicada fada, quando ouviu barulho e viu que sua mãe tinha descido. Marcou a página do livro rapidamente e acompanhou sua mãe até a mesa.
Sonomi vestia uma cacharrel vermelha na parte de cima e uma saia preta na parte de baixo, com um lenço preto amarrado no pescoço. Não usava muitas jóias, apenas uma pulseira e um par de brincos dourados. Ela sorriu e ambas sentaram-se à mesa.
Enquanto eram servidas, Tomoyo perguntou à sua mãe:
- E então, mãe? O que aconteceu?
Sonomi respirou fundo:
- Dias atrás, Mirai recebeu algumas mensagens pela internet falando de contas no estrangeiro da nossa empresa.
Tomoyo ergueu uma sobrancelha:
- Contas em paraísos fiscais?
Sonomi confirmou com a cabeça.
- Sim, isso mesmo. Nas Bahamas.
Tomoyo forçou a memória, e colocando um mapa-múndi na sua cabeça, localizou o arquipélago na porção insular da América Central.
- Mas o que tem a ver a empresa com isso? Todas as finanças estão aqui no Japão, não estão?
- Sim, claro. Menos algumas ações, que são do estrangeiro. Mas isso é menos que 5% da empresa.
Tomoyo fez que compreendia com a cabeça e deixou que a mãe prosseguisse.
- Então, hoje de manhã, Mirai recebeu uma carta oficial do governo, decretando que uma investigação havia comprovado que uma imensa quantia de dólares estava sendo guardada nas ilhas, fruto de negócios ilegais!
Tomoyo não pôde evitar que seu queixo caísse. Um arrepio percorreu toda a sua espinha, mas não um arrepio comum, de medo, angústia, adrenalina. Parecia que ela já tinha sentido aquilo antes, em algum lugar. Alguma coisa na sua cabeça dizia que aquilo não era por acaso. Mas tão rápido como apareceu, o pressentimento foi-se embora.
- Como?
- Eu não sei, querida. Simplesmente aconteceu.
- Mas... Eu não entendo isso!
- Nem eu, filha.
- Acha que alguém fez isso para colocar você em uma situação desfavorável?
- Não creio. Todos os meus aliados comerciais são de longa data, assim como os acionistas. Não sei quem pode ter feito isso, se é que realmente existe dinheiro em nosso nome nas Bahamas.
- No nosso nome?
- Não, no de Mirai. O dinheiro está lá em nome de Mirai Iwano.
- Mirai! A mãe da Sakin! Que absurdo!
Sonomi se limitou a concordar com a cabeça.
- É verdade... Sakin andava meio estranha...
- Estranha, Tomoyo?
- Estranha não é a palavra certa...Aérea, meio avoada. Desligada de tudo e todos, e Nathalia estava se queixando disso hoje.
- Hoje, durante o trabalho?
- É sim. Ela e Vincent estavam ignorando-a.
- O próprio irmão e a melhor amiga...Nossa, deve ser horrível para ela!
- É, mas não é sobre Nathalia que estamos falando.
- Sim, conte-me mais sobre a Sakin.
- Bom, é basicamente isso...Não tem muito mais, mas se ela sabe de alguma coisa, é de se esperar que vá buscar conforto no namorado, não é?
- É, sim.
Tomoyo e Sonomi conversaram mais um pouco, até que Tomoyo resolveu que estava tarde e foi deitar-se. Quando já estava deitada, começou a pensar que era absurda a acusação feita contra a sua mãe e a de Sakin. Que coisa estranha... Em tanto tempo de funcionamento das Corporações Daidouji , nada tinha acontecido... Nada. Por que isso agora?
Ainda pensando, Tomoyo ouviu duas batidas suaves na sua janela. Estranhando, virou-se na cama, de modo que pudesse ver o vidro da sacada. A sombra de uma figura encontrava-se do lado de fora, e com a luz da lua, podia-se distinguir uma forma alada através da cortina de seu quarto.
Levantou-se e começou a caminhar lentamente, um pouco com sono. Quando abriu a cortina, deu-se conta que não tinha vestido nada por cima de seu pijama, uma camisola. Mas não teria problema se fosse Ruby Moon. Mas ela teve problemas, porque Yue encontrava-se parado ali.
Ela corou e colocou a cortina na frente, bem rápido. Yue pareceu não notar o constrangimento da garota, para alívio de Tomoyo. Ela destrancou silenciosamente a porta da sacada, deixando que a criatura adentrasse seu quarto, enquanto vestiu um casaco próximo por cima.
- Yue. O que faz aqui a esta hora?
- Me desculpe, Tomoyo. É realmente inconveniente este horário, mas eu não pude vir até que Yukito terminasse seus deveres de hoje. Percebi que anda ligeiramente irritado toda vez que saio e ele deixa tarefas pendentes.
Tomoyo não conseguiu conter uma risada, e sentou na beirada da cama. Ofereceu uma cadeira para Yue, que agradeceu, mas continuou de pé, como sempre.
- Me diga, o que aconteceu?
- Não sei se tem muitas preocupações, mas não sentiu uma energia estranha hoje?
- Hoje?
- Sim, hoje. Kerberus disse que recebeu uma carta de Sakura, que falou ter sentido algo forte, por alguns momentos, em Hong Kong. Mais nada.
Tomoyo fechou os olhos e se concentrou no dia que ela tivera. Não sentira nada de estranho durante todo o dia. A não ser...
- Bom, eu tive... Um arrepio durante o jantar, como se eu tivesse tido uma premonição, não sei...
Yue olhou mais atentamente para a garota.
- Faz tempo que não usa magia?
Tomoyo balançou a cabeça negativamente.
- Não, venho treinando durante as aulas também. Ora com Eriol, ora com Spinnel, ora com Ruby Moon, Kerberus e...
- Eu mesmo, eu sei. Bom, eu não nego que senti algo por volta da hora do jantar de Yukito. Bastante rápido.
- Mas... Não era uma energia, parecia um pressentimento.
Yue balançou a cabeça negativamente:
- É, eu sei. Mas se você prestar bastante atenção, verá que era uma presença.
- Presença?
- Sim, era. E, se você concentrar-se ainda mais nela, perceberá que era a presença que sempre sentimos quando algo acontece, ou está para acontecer.
- A mesma!?
- Tomoyo? Está tudo bem?
A voz de Sonomi veio do lado de fora, acompanhada de passos que vinham aumentando em matéria de volume. Tomoyo olhou aflita para o guardião da Lua, e falou mal abrindo a boca.
- Rápido, atrás daquele armário!
O guardião escondeu-se rapidamente, enquanto Tomoyo entrava de novo na cama, virava-se para o lado onde estivera antes e fechava os olhos, no exato momento que sua mãe irrompeu pela porta.
- Tomoyo?
A garota virou-se para encarar a mãe, a claridade do corredor afetando a sua visão e dando a impressão de sono.
- Mãe? O...O que aconteceu?
- Ah, minha filha! Você estava dormindo...Me desculpe... - Sonomi adentrou o quarto escuro, deu um beijo na filha e desculpou-se outra vez, indo na direção da janela - Um dos funcionários do jardim disse ter visto alguma coisa na sua sacada, branca, esvoaçando agora pouco. Ele me avisou e vim ver, fiquei preocupada.
Tomoyo levou a mão ao pingente, e com um breve clarão, seu báculo estava em suas mãos, debaixo dos lençóis. Sonomi virou-se:
- O que foi essa luz?
- Luz? Deve ter sido o corredor, a lâmpada vem estranha há dias...
Sonomi começou a abrir a porta da sacada, e Tomoyo, rezando para que desse certo, pensou com toda as forças no que queria que acontecesse lá fora.
- Ah... Então era isso! Tomoyo ouviu o barulho da mãe ajeitando alguma coisa, e aproveitou para fazer o báculo retornar ao seu estado de pingente sem que a mãe presenciasse o clarão novamente.
Segundos depois, Sonomi voltava ao quarto de Tomoyo e saía:
- Me desculpe querida, era apenas a toalha branca da mesa. Ela se desprendeu e estava presa em um dos vasos do chão, metade dela flutuando no ar. Parecia até a asa de um anjo com as pregas! Bom, boa noite.
Sonomi fechou a porta, e Tomoyo contou os passos, até que eles tivessem morrido. Tomoyo suspirou, e imaginou ter ouvido um segundo suspiro bastante discreto.
- Pronto.
Yue se retirou das sombras, e voltou a ocupar seu lugar de antes.
- Por pouco sua mãe não descobre.
- Temos que correr riscos nesta vida.
- Com certeza. Mas, voltando ao assunto, era aquela presença sim. Sakura se referiu com energia porque não a tinha sentido antes.
Tomoyo confirmou com a cabeça. Coisas estranhas estavam acontecendo naqueles dias. Uma mais estranha que a outra.
- Bom, eu me retiro agora, Tomoyo.
Tomoyo levantou, abriu a porta da sacada e Yue foi embora, tomando o máximo de cuidado para que não fosse visto. Não daria para disfarçar uma segunda aparição de algo na sacada.
Tomoyo finalmente deitou-se e dormiu, tendo sonhos acompanhados pela melodia do arranjo que faziam para o "Lago dos Cisnes".
No dia seguinte, as aulas transcorreram sem maiores problemas, e era visível que o estado emocional de Nathalia encontrava-se recuperado. A garota sorria durante todas as aulas, e não parava de conversar com Hiroyuki. Durante o intervalo, eles começaram a falar em inglês, sendo que o violinista fazia visíveis progressos no idioma.
Sakin e Vincent pareciam um pouco indispostos, cansados, até. Segundo fofocas de Yuki, que parecia saber através de fontes que ninguém conhecia sobre o que tinha acontecido com as pessoas, os namorados tinham saído até tarde, e não voltaram cedo para casa, resultando naquele cansaço aparente.
No fim da aula, todos se despediram cordialmente, e Tomoyo foi para casa, para depois finalmente sair com Nakuru e Eriol. Fazia um bom tempo que não via Nakuru, desde que suas aulas tinham começado, para ser mais exata. A faculdade tomou quase todo o tempo de Tomoyo. A antiga tarde livre de sábado que ela tinha, agora era dedicada a deveres variados.
Tomoyo comeu algo rapidamente na cozinha, tomou banho e vestiu-se informalmente, com uma saia vermelho escuro, acompanhado de uma blusa verde escuro, de mangas compridas, com detalhes na frente da cor da saia. Prendeu o cabelo com uma presilha normal, colocou brincos em forma de Lua, mais o seu pingente, a apanhou os sapatos, da cor da sua blusa.
Sua mãe não se encontrava em casa naquela hora. Devia estar no escritório, muito provavelmente. Era muito triste o estado em que Sonomi andava. Desde que aquelas contas estranhas apareceram, envolvendo ela, Mirai, a mãe de Sakin, e a empresa, a mãe de Tomoyo andava com um esgotamento físico e mental muito grande. Ela deveria fazer algo para relaxar um pouco, senão não conseguiria colocar os pensamentos em ordem e agir com clareza.
A garota apanhou uma bolsa e saiu da casa, tocando a campainha da casa vizinha nos momentos seguintes. Nakuru atendeu, alegre e jovial como sempre.
A garota estava vestida com uma calça bailarina preta, justa, bastante brilhante. Na parte de cima, usava uma blusa de manga três quartos laranja, com bordados em forma de luas nos pulsos, barra e gola da peça. Dois anéis ostentando miniaturas de planetas e os brincos em forma de sóis gigantes completavam o visual, com o seu cabelo solto, apenas com a trancinha costumeira.
- Oiiii, Tomoyo! Bem-vinda!
- Oi, Nakuru! Tudo bem?
As duas se abraçaram e cumprimentaram. Tomoyo elogiou o figurino da amiga:
- Ah, obrigada! Mas sabe como é, os brincos são em homenagem para o Suppi!
Nisso, o outro guardião do Sol vinha voando sobre as escadas, e cumprimentou Tomoyo polidamente.
- Suppi! Estávamos falando de você!!!
- Suppi? Quem é Suppi?
- SUPPI! NÃO SEJA GROSSO!
- Vê algum Suppi aqui, Tomoyo?
A garota riu:
- Não, Spinnel.
- Ah, seu boneco chato! É um nome tão bonito!
- Spinnel Sun é bonito.
- Suppi!!!
- Quem é Suppi?
Neste momento, Eriol surgiu no topo da escada, e, com uma voz calma como sempre, apartou a briga. Ele vestia uma roupa que lembrava muito a que usou quando foi à casa de Tomoyo. Calça semi-social azul, com sapatos azuis muito bem engraxados. Na parte de cima, uma camisa branca era usada. Tinha um casaco azul nas mãos, e parecia que iria colocá-lo mais tarde.
Todos se despediram de Spinnel e saíram para o shopping. Nakuru não se agüentava de felicidade, e ia conversando pelo caminho sobre as tendências da moda com Tomoyo, que aconselhava a outra.
Em pouco tempo, o trio chegou no paraíso das compras de Nakuru. Ela saiu saltitando, com um telefone celular na mão, para chamá-los quando tivesse acabado. Os dois se dirigiram para uma sorveteria.
Sentaram-se, e fizeram os pedidos. Momentos depois, ambos tiravam os casacos, devido ao calor do ambiente. Do nada, os funcionários do estabelecimento saíram correndo, de repente. Mas... Sem motivo?
Então ambos compreenderam o porquê de um calor repentino...
FIM DA PRIMEIRA PARTE
Há quanto tempo, pessoal! Tudo bem? Eu finalmente coloco o primeiro capítulo da 2ª fase! Desculpem pela demora, eu prometo escrever mais rápido, agora! Qualquer coisa, emeiem-me! O endereço continua sendo mari-chan.mlg@bol.com.br. Espero que gostem dessa nova fase, e continuem com as reviews! ^^
Beijos para todos,
Mari-chan.
