CAPÍTULO 3 - CONCLUSÕES PRECIPITADAS
A jovem encarou o rapaz que colocara-se na sua frente, com um olhar desprovido de algum calor humano ou simpatia.
- Eriol?
- Tomoyo.
- O que faz aqui?
- Eu? Nada de importante.
- Bom, tenha uma boa tarde, eu preciso me encontrar com Sakin.
Tomoyo avançou, porém seu braço foi retido por Eriol.
- Me solta, por favor, Eriol.
Ele não respondeu.
- Me solta, Eriol. Por favor.
Nada.
- Eriol! Por favor, eu tenho pressa! - Tomoyo começou a girar seu braço, tentando se desvencilhar do garoto.
- Pressa? Para se encontrar com Sakin?
- É, Eriol, pressa. Me solta, está me machucando!
Ela sentiu que a mão de Eriol tinha afrouxado um pouco, mas nem por isso era mais fácil se livrar.
Ele se virou e encarou Tomoyo. Os dois se olharam, profundamente, nos olhos. O vento começou a soprar feroz, e os cabelos voavam. O longo e farto cabelo de Tomoyo esvoaçava atrás de sua cabeça, enquanto a franja de Eriol era soprada com força para cima de seu rosto.
Tomoyo sentia que aquele vento não era muito normal. Tinha influência da magia de Eriol. Isso era um pouco comum. Eriol era fechado, e, geralmente, o ambiente a sua volta demonstrava melhor como estavam suas impressões, sentimentos e etc.
Tomoyo mal podia ver direito os olhos do jovem mago, cobertos pela franja. O fato de o vento ir contra o seu rosto também não ajudava, tendo dificuldade de manter os olhos abertos.
De repente, Tomoyo foi puxada para bem perto de Eriol. Ela podia ouvir a respiração dele, centímetros de seu rosto. Os olhos quase tinham se equiparado em altura, mas os de Eriol continuavam mais altos. Tomoyo tentava manter Eriol mais afastado, com a mão direita, empurrando o ombro esquerdo do rapaz, que parecia não notar.
- Está com bastante pressa?
- Estou. Me solta, Eriol.
- Não vou soltar tão cedo até me contar algumas coisas.
- Eriol, o que deu em você? Me solta, me deixa ir!
Tomoyo começou a se mexer de novo, tentando se soltar, mas ele afastou ainda mais a mão que prendia o braço dela, e passou a mão livre que tinha pela cintura de Tomoyo, quase que em uma posição para a dança. Teria sido mais ou menos compreensível se não fossem as circunstâncias e o comportamento extremamente anormal de Eriol, tão gentil e calmo no dia a dia.
- Eriol, me solta...
- Me fale de uma vez por todas: por isso que se esconde?
Tomoyo relaxou o corpo:
- Me...Escondo? Do quê? De quem?
- De mim. Você foge de mim.
- Eu não fujo de você! Nunca fugi, apenas quero explicações!
- Eu não tenho que dá-las a você!
- Como pode dizer uma coisa dessas!!
Tomoyo inclinou-se para frente, encarando o rapaz. Seus olhos pareciam em chamas, e levou a mão ao pingente, fazendo com que em segundos, depois de um brilho a que ambos estavam acostumados, surgisse o báculo prateado de Tomoyo.
- Ainda ousa apelar para magia? Sabendo que a minha é mais forte?
Nesse momento, trovoadas foram ouvidas, e o céu se escureceu. Parecia que agora ventava especialmente em Eriol, dando uma aparência de poucos amigos para ele.
Eriol soltou a mão de Tomoyo, que acabou por quase perder o equilíbrio, tendo de andar para trás forçosamente. Porém, ela não correu. Ficou ali, em posição defensiva, com o báculo na mão.
Como sempre, ninguém estava a vista. Parecia que Eriol, mesmo naquele estado estranho de espírito, sempre se lembrava de afastar as pessoas dos locais onde ele estava, quando usava magia.
Eriol murmurou o discurso, e o seu báculo apareceu. Tomoyo sempre tremia um pouco quando via aquele báculo; ele só aparecia quando as coisas não estavam muito bem, e precisavam de um auxílio extra. Porém, daquela vez, não era para nenhuma ajuda.
O rapaz se colocou em uma posição igualmente de defesa, e encarou mais uma vez Tomoyo:
- Me fale! Por que está com ele?
- Com ele quem?
- Sayuri.
Tomoyo levou um choque. O que Eriol estava achando? Ela, com o professor Sayuri? Como podia ser, se faziam dois dias que os dois tinham começado a se falar melhor? Decerto a despedida do professor de uma simples aluna poderia parecer estranha à primeira vista, mas daí, tirar conclusões dessa maneira...
- Fale!
- Por que deveria? O que tenho para contar?
- Muito. Por que está com ele, me responda!
Os ventos e trovoadas aumentaram de intensidade. Breve, breve iria cair uma chuva de assustar. E tudo refletia o espírito interior de Eriol.
Tomoyo começou a reagir. Se acalmou, respirou fundo e começou a pedir para que Eriol retornasse a ser ele mesmo. Não sabia se daria certo, mas vinha aprendendo que quando tentava, geralmente surtia efeito.
E deu certo. O vento e as trovoadas abrandaram, e a Lua começou a surgir no céu, como numa noite comum. Ventos suaves, agora indo na direção de Eriol, empurravam as nuvens negras, que outrora cobriram os jovens, para longe.
- Eu não tenho nada com o professor Sayuri.
- Não minta.
Tomoyo baixou o báculo, e adotou uma posição normal. Um brilho prateado seguiu-se, e logo depois, nenhum báculo era visto na mão de Tomoyo.
- Eu não estou mentindo para você, Eriol.
A garota pronunciou o nome de Eriol bem devagar e pausadamente. Falou sem ódio ou raiva, e parecia que o ambiente também ficava mais amistoso e parecido com o que era antes de Eriol enfurecer-se. Se é que aquilo tinha sido um ataque de fúria.
Quando Tomoyo piscou os olhos, o báculo em forma de Sol já não podia mais ser visto. Eriol relaxou o corpo, voltando ao normal.
Tomoyo pôde olhar bem para Eriol, e notou diferenças, principalmente nos seus olhos. Ele agora tinha os olhos cheios de brilho, e pareciam novamente com calor. Não explodindo em chamas, apenas com um calor agradável e gostoso de ser sentido.
- Tomoyo...
Eriol começou a andar na direção de Tomoyo. Ela deixou que ele viesse até uma determinada distância, quando ela o parou com a mão, estendo o braço.
- Não se aproxime mais de mim.
Ela deu as costas, e foi embora, andando o mais rápido que podia, sem olhar para trás.
Nem precisava ter andando tão rápido, porque Eriol não conseguiu reunir forças para sair do lugar.
- Tomoyo! Minha nossa, o que aconteceu?
Sakin abraçou a amiga, que parecia normal.
- Ah, me desculpe, Sakin. Eu tive um imprevisto na escola...
- Na escola? - Sakin ergueu uma sobrancelha - Com quem? Eu vi você arrumando o material, depois da aula do Kyoshi... - ela sempre chamava os professores pelo primeiro nome, não adiantava as represálias que sofria das amigas e do próprio namorado.
- É, eu e o professor Sayuri conversamos um pouco sobre a aula...
- Hummm... E...
- E o quê? Ele me acompanhou até aqui, só.
- Nossa, mas vocês demoraram, hein? Não é tão difícil de chegar aqui, mesmo a passos lentos. Mas, espere um pouco: choveu?
- Hum?
- Não choveu no caminho? Eu escutei cada trovoada...
- Ah, sim! É, uma garoa fina desabou enquanto isso... Nós tivemos que parar e tudo mais... E acabei me atrasando!
- Tá, tudo bem... - Sakin se virou e sentou em um dos bancos do parque - Tomoyo, você é minha amiga, mas eu acho que você não me contou a verdade.
- Quê? - Tomoyo se sentou do lado de Sakin.
- Ah, deixa quieto, Tomoyo. Acho que eu me enganei. Afinal, é improvável que algo tivesse acontecido entre vocês dois...
- Era improvável? Nossa, primeiro acha que não contei tudo, depois fala que não tem a mínima chance de algo ter acontecido entre mim e o Kyoshi...
- Kyoshi? Kyoshi Sayuri? - Sakin se inclinou para a frente, observando Tomoyo de perto, bem perto.
- É. Não é sobre quem estamos falando? - Tomoyo se afastou um pouco, não entendendo a reação da amiga.
- O professor de canto coral?
- Sakin, o que deu em você? Sim, ele!
- O que deu em você, amiga! Desde quando chama o nosso professor - ela enfatizou a palavra "professor" - pelo primeiro nome?
Só aí Tomoyo se deu conta do que tinha falado. Realmente, não tinha acontecido nada demais, mas poderia ser que alguém na escola tivesse espalhado boatos, ou qualquer coisa do gênero, sobre ela.
- Tomoyo?
- Ah, foi uma distração, Sakin, só isso.
- Tudo bem, acredito em você. Mas que está estranho está...
- Vamos logo, posso contar o que descobri?
- Pode, quero ouvir.
- Bom, olha só: as únicas pessoas que não foram interrogados sobre o problema da denúncia foram os sócios da empresa, porque são difíceis de localizar. Portanto, eu acho que devemos conseguir o mais rápido possível esses depoimentos.
- Mas, Tomoyo, você acha que justamente os sócios, os que mais detêm lucros da empresa, iriam denunciar isso?
- Aonde quer chegar?
- Ah, não sei direito, mas acho estranho que um aliado comercial fosse delatar algo que complicasse a vida dos negócios que também são dele.
- E sobre alguma vingança? Acha que pode ter sido esse o motivo, ou até mesmo inveja?
- Não sei... Pode ser que sim, mas sua mãe sempre foi muito imparcial com essas coisas, seria uma tremenda injustiça!
- É verdade, mas tem uma coisa: mesmo que encontremos e consigamos as informações dos parceiros da mamãe, eu acho que eles nunca iriam contar como sabiam e por que denunciaram, se é que foram eles.
- Hummm... É, isso é certo...
De repente, na mente de Tomoyo, vieram as palavras de Eriol, quando disse que o " Os lugares mais óbvios são os que menos cogitamos procurar"... Se trocassem lugar por pessoa, e procurar por desconfiar... Ou seja, as pessoas que aparentemente seriam as maiores prejudicadas poderiam sim ter grandes motivos para ter feito alguma coisa!
- Sakin!!!
A garota quase caiu do banco onde estava, depois do grito de Tomoyo:
- Que susto, menina!
- Eu me lembrei de uma coisa fantástica! Um idéia muito boa, pode ser que dê certo!
- Hum? Fala, pode falar!
- Olá, meninas! Tão tarde por aqui?
As duas se viraram, para encontrar a figura sorridente de Hiroyuki, parado, a alguns metros de distância delas. Ele começou a caminhar na direção das meninas, que abriram espaço no banco para que ele se sentasse. Todos se cumprimentaram devidamente.
- Oi, Hiroyuki! É, estávamos conversando!
- Nem percebemos a hora passar... - Tomoyo olhou para o céu, já estrelado. - Acho que temos que ir embora...
Ele sorriu:
- Sobre o que conversavam? É particular?
- Não, não! Imagine!
Sakin teve a idéia:
- Sobre o Kyoshi!
- O professor Sayuri?
- É, ele!
Hiroyuki e Tomoyo suspiraram. Sakin não mudava.
- Ele parece extremamente popular entre as garotas, não?
- Não parece! Ele é! - riu Sakin
- É, é verdade, tanto que as aulas não rendem para as meninas, não é? - Tomoyo acotovelou a amiga de leve, brincando.
- Ah, não podemos fazer nada! Além do que, a Kazumi também é muito bonita, os meninos não tem do que reclamar!
Hiroyuki concordou com um aceno de cabeça:
- É verdade.
- E o Vincent sabe de toda essa empolgação, amiga?
Sakin corou furiosamente:
- Ele? Bom... Não.
Tomoyo e Hiroyuki desandaram a rir:
- Aiai... Vocês meninas, eu não consigo entedê-las... Bom, já que está tarde, eu queria saber se aceitam um convite para jantar na minha casa, hoje.
As duas se entreolharam.
- Tá tudo bem! - disseram em uníssono.
- Se precisarem ligar, podem usar. - Hiroyuki estendeu um celular moderno para as meninas, que ligaram para as respectivas casas avisando do convite, no meio do caminho.
Ao chegarem na mansão dos Atsuhiro, encontraram Ayumi e Kazuaki na sala, conversando. Os dois se levantaram para cumprimentar as "convidadas", e logo todos estavam à mesa, saboreando um delicioso jantar feito pelos competentes empregados locais.
- E então? Não querem ficar mais um pouco, garotas?
- Eu sinto muito senhora Kazuaki, mas minha mãe deseja falar comigo e recomendou que eu me apressasse.
- Entendo. Volte mais vezes, querida!
- Com certeza. Sakin?
- Muito obrigada por tudo, mas eu vou com a Tomoyo.
- Você também precisa aparecer mais aqui em casa, senhorita Iwano.
- Claro, senhor Kazuaki!
- Meu filho, acompanhe-as até a porta, por favor?
- Claro.
Os três caminharam até a saída, e Hiroyuki despediu-se das duas, deixando Sakin aos suspiros.
- O que foi?
- O que foi o quê?
- Os suspiros.
- Ahh... Hiroyuki!
Tomoyo suspirou, desta vez.
- Sakin, você tem um namorado, sabia?
- Claro.
- Fica suspirando por um amigo, ainda por cima?
- Você esqueceu do Kyoshi!
- Ai, Sakin...
- O que vai fazer amanhã de tarde? Precisamos terminar nossa conversa!
- É verdade... - as duas pararam, ao chegarem na casa de Sakin, que era mais perto - Amanhã... Acho que não tenho nada...Ah, tenho um pouco de prática de piano, mas estou fazendo à noite.
- Certo. Mas que hora para o Hiroyuki dar as caras...
Ambas riram.
- Então, amanhã, depois da aula, a gente vai lanchar em algum lugar e conversa, certo?
- Certo. Até amanhã!
Sakin entrou, e Tomoyo continuou seu caminho para casa. Ela pensava no rumo drástico que sua vida tinha tomado. Tanta coisa acontecia, mas tanta coisa... Rumos inesperados... Desconhecendo o dia de amanhã, Tomoyo caminhava lentamente.
Estava tão perdida em seus pensamentos que nem notou quando uma figura alada pousou atrás dela, e a segurou pelo braço:
- Tomoyo.
- Que susto! Quem é...- ela se virou para encontrar Yue - Yue? O que... O quê faz aqui?
- Preciso falar com você, rápido.
- Certo. Vamos até aquela praça!
Os dois caminharam rapidamente, tendo a sorte de serem escondidos pela noite.
- Andam acontecendo coisas estranhas ultimamente.
- Sim, eu sei.
- Bom, acho que deve ter reparado que os ataques estão cada vez mais bem armados e freqüentes, não?
- Sim, Yue.
- E você reparou por que o inimigo ainda não nos venceu?
- Anh?
- Sabe por que ainda não fomos derrotados?
- Não, não sei.
Os olhos prateados de Yue brilharam na escuridão:
- Porque estávamos sempre cooperando.
Tomoyo arregalou os olhos de espanto:
- O que quer dizer?
- Que um sempre esteve apoiando o outro, nunca ninguém esteve sozinho em um problema. Mesmo que estivesse, outra pessoa vinha em seu socorro. Como um time unido.
Ela confirmou com a cabeça que estava entendendo.
- Porém, hoje a tarde, aconteceu algo grave. Com Clow.
- Com... O Eriol?
- É, com ele. Eu senti. Tomoyo, o que houve?
- Como assim? Nada.
- Não me convenceu. Eu sei quando alguma coisa está errada com Clow!
- Yue, eu não posso te ajudar!
- Me desculpe. Mas é sério, Tomoyo. Se a união que existe entre nós sumir, certamente perderemos. - Logo em seguida, retornou à sua forma falsa.
- Yue, espera... - mas não adiantou. Yukito já assumia o lugar de Yue, e Tomoyo nada pôde fazer.
- Tomoyo! Nossa, o que eu faço aqui? Ah, já sei... - Yukito inclinou a cabeça. Ele sempre ficava um pouco triste quando Yue repentinamente aparecia.
- Não se preocupe, Yukito. - Tomoyo deu um de seus sorrisos - Posso te convidar para ir até em casa?
- Não, obrigado, Tomoyo. Eu tenho que comprar algumas coisas para o senhor Fujitaka, ele vai fazer um jantar. O Touya me pediu.
- Ah, entendo. Bom, eu tenho que ir para casa, me desculpe ter que ir embora tão rápido... - Tomoyo ficou meio sem graça.
- Bom, nós nos vemos por aí. Mande um abraço para a sua mãe.
- E cumprimente o senhor Fujitaka e o Touya por mim.
- Pode deixar. Boa noite.
- Boa noite.
Tomoyo se virou e começou a voltar para casa, pensando nas palavras do guardião. União... É, realmente, eles nunca estavam completamente sozinhos, alguém sempre aparecia a fim de ajudar.
Se essa união acabasse...Quem quer que o inimigo fosse, venceria.
Mas o que Yue queria dizer com Clow? Ou melhor, Eriol...
O que será que estaria acontecendo com ele? Amanhã ela tentaria conversar com ele, durante as aulas, e depois iria com Sakin à algum lugar...
No dia seguinte, quarta-feira, ficou desanimada ao constatar que Sakin tinha faltado à aula. Tinha viajado meio que obrigada para Tóquio, juntamente com Mirai, para ver mais algumas coisas sobre as contas falsas. Elas não poderiam se encontrar para discutir o que tinham combinado, e isso frustrou Tomoyo.
Outro dado curioso era que Eriol tinha faltado à aula também. Estranho, mas não tanto, quando ela se lembrou do que Yue havia falado. Mas, o que estaria errado com Eriol? Será que era da noite passada, quando eles... Brigaram? Aquilo podia ser uma briga? Devido a um mal-entendido sobre um professor?
Eriol tinha sido extremamente infantil naquela noite. Tirando conclusões daquele jeito, sem se aprofundar... Nem parecia o jovem tão educado, gentil e inteligente que conhecera na quinta série.
Resolveu visitar Eriol. Não sabia o que podia ter acontecido, mas achava que era melhor perguntar ao próprio, se realmente havia algo depois daquela noite. Bom, deveria haver mesmo, mas não tinha tanto motivo assim para que Eriol faltasse à aula, teria?
Tocou a campainha na mansão que era sua vizinha. Silêncio absoluto. Nem a voz estridente de Nakuru, nem a ponderada de Suppi, muito menos sinal da voz de Eriol.
Apertou o botão da campainha novamente. Nada. Nenhum barulho. Tomoyo caminhou pelo jardim. Era estranho não haver ninguém em casa, e o portão estar aberto... Deu a volta na casa, mesmo sabendo que aquilo não era muito educado. A piscina estava vazia, as estufas também. Tudo calmo.
Tomoyo sentou em um banco nos fundos, olhando para uma cerejeira que estava à sua frente. O que ela tinha feito à Eriol? O que?
Sem resposta, Tomoyo olhou para a casa, descobrindo a porta dos fundos aberta. Não resistindo, Tomoyo adentrou pela cozinha, procurando um sinal de vida na casa.
Tudo em ordem, em paz. Não havia um único prato a ser lavado na pia da cozinha, a mesa em ordem. Na sala, tudo arrumado, vazio. A lareira parecia ter sido acesa recentemente, mas estava arrumada. Subiu as escadas para o segundo andar.
Os passos ecoavam no silêncio profundo da casa. As portas estavam escancaradas, e ninguém estava lá dentro. No quarto de Nakuru, nada. Nenhum vestígio de Suppi na biblioteca, impecável como sempre. No escritório, nada. Era como se tivessem retirado a vida humana de lá.
No fim do corredor, uma única porta estava fechada. Tomoyo tentou ver se estava trancada. Não estava. Abriu-a com cuidado extremo, bem devagar.
Nunca tinha entrado naquele cômodo, que, apesar de ser ainda dia, estava escuro. Apenas uma única fonte de luz existia, a janela que ficava no canto esquerdo daquele cômodo. Parecia um quarto para hóspedes, mas que não era usado.
Tomoyo entrou, andando devagar. Notou que, diferentemente de todo o resto da casa, aquele quarto estava empoeirado. Sentiu a presença de algum feitiço naquele quarto, e começou a se acostumar com a escuridão predominante para enxergar, talvez, o encantamento.
Sobre uma mesa, a única que não estava com ares de abandono, havia uma cesta, de palha trançada. Tomoyo reconheceu aquela cesta. Era a que tinha trazido para Eriol logo que ele havia mudado, sem saber que era o mesmo rapaz de quem tinha ficado amiga há tantos anos.
A cesta era coberta por um lenço fino branco, com bordados prateados. Os bordados pareciam mesmo de prata, devido ao seu brilho. Eriol deveria ter encantado aquilo de alguma forma para ser tão conservado e para brilhar tanto.
Descobriu a cesta, e levou um susto.
Dentro da cesta que havia sido dada a Eriol, haviam várias flores, lindas. Todas brilhando como se estivessem cheias de orvalho fresco da manhã, vistosas.
Tomoyo levou um segundo susto, ainda. Reconheceu as flores. Eram as flores que ela mesma havia presenteado Eriol!
Então, era dali que tinha vindo o encantamento. As flores estavam enfeitiçadas para que não murchassem ou morressem.
De repente, a luz da janela enfraqueceu, e as flores assumiram toda a idade que realmente tinham. Todas mortas, sem brilho, sem o verde tão bonito de antes. E Tomoyo se assustou.
Aquilo era um aviso. E fora deixado por Eriol.
O que quer que seja que ela tinha feito ao jovem mago, tinha sido profundo. Yue estava mais certo do que nunca.
Desolada, foi para casa mais do que rápido, cumprimentou Sonomi e ia subindo direto para o quarto quando sua mãe chamou-a de volta.
- Tomoyo! Venha cá um instante, por favor.
- Claro, mamãe.
Tomoyo desceu as escadas novamente, sentando-se ao lado da mãe, que tinha papéis cheios de nomes no sofá, provavelmente sobre as denúncias das contas nas Bahamas.
- Bom, me disseram que tem visita para você. Não sei quem é, mas entrou e disse que gostaria de esperá-la na sala de música.
- Na sala de música? - Tomoyo deu um salto. Que estranho, quem poderia ser?
- Suba e troque de roupa rápido, filha. Eu não quero que deixe a sua visita esperando.
- Sim, mamãe.
Tomoyo subiu as escadas e entrou no seu quarto, rapidamente trocando de roupa. Tirou o uniforme e colocou uma saia azul-celeste, com uma blusa creme de mangas compridas e gola alta. Amarrou um lenço no pescoço da cor da saia, e prendeu com uma presilha os cabelos longos e negros, fazendo uma pequena trança antes. Colocou o pingente para dentro da blusa, trocou os brincos, colocando outros que combinassem mais, e desceu.
Fez o caminho para a sala de música, abrindo a porta. No entanto, a sala estava imersa na escuridão, sendo possível enxergar apenas com a claridade da luz da Lua que entrava no cômodo, através das grandes janelas.
- Olá...?
Tomoyo adentrou o recinto, ligeiramente receosa. Estranho, uma visita que não responde e ainda espera no escuro?
Quando fechou a porta atrás de si mesma, e deu alguns passos ainda na escuridão, notou que havia um vulto parado em frente à janela mais distante do quarto.
- Quem esta aí?
- Sou eu, Tomoyo.
Tomoyo levou um choque ao reconhecer aquela voz. Ela jamais imaginaria encontrar aquela pessoa dentro de casa. Quer dizer, em casa até talvez, mas dentro da sala de música, depois daquele dia tumultuado, do aviso de Eriol e tudo mais...
- O que faz aqui, professor Sayuri?
- Já lhe disse que não é para me chamar assim, Tomoyo.
- Certo, Kyoshi. Isso não muda a minha pergunta. - Tomoyo cruzou os braços e começou a andar devagar na direção do professor.
- Bom, porque preciso falar-lhe urgente.
- E por que a sala de música, e no escuro.
- A sala de música porque, apesar de ter uma acústica excelente para a prática de piano, faz com que as vozes sejam mais abafadas em seu interior.
- Sim.
Agora Tomoyo podia ver que o professor olhava para fora, enquanto conversava com Tomoyo. Ele tinha as mãos dentro de bolsos do seu casaco, e o luar batia no seu rosto, iluminando sua bela face.
- E sobre o que vim conversar com você, não é mesmo?
Tomoyo confirmou com a cabeça, agora parada quase ao lado do professor.
- Pois bem... - ele se virou, e agora apenas metade do seu rosto era iluminado pela Lua, dando um aspecto misterioso, mas igualmente bonito - é sobre hoje a tarde.
- Certo, mas espere um pouco, eu vou acender a luz. - Tomoyo se virou para andar até o interruptor.
- Não!! Não, não acenda. - o professor interrompeu bruscamente.
- Por quê, professor? - Tomoyo se virou.
- Não há necessidade. A Lua ilumina as coisas muito bem para nós dois.
Um silêncio curto pendurou por todo esse tempo.
- Então?
- É o seguinte, Tomoyo. Ou estou redondamente enganado ou você é a nova escolhida para carregar o poder da Lua, não é?
Tomoyo andou para trás involuntariamente. Seus olhos ficaram saltados, de puro espanto. Ela não acreditava no que tinha acabado de ouvir, era chocante demais.
Trêmula, Tomoyo sentou-se em uma poltrona, logo atrás dela, quase que desabando na mesma. Olhou para o professor, que começou a caminhar na sua direção.
- Como...Como sabe disso?
O professor abaixou-se e segurou a mão da menina.
- Hoje à tarde, eu vi você usar sua magia... E usar também seu báculo.
Ao dizer isso, Tomoyo sentiu seu pingente se mover sozinho, para fora de sua blusa. Ele pairava no ar, brilhando fortemente.
- Mas... Como sabe que eu sou a escolhida? Como? - Tomoyo se virou e juntou as duas mãos do jovem, enlaçando-as com as suas, aflita.
- Você não é a única pessoa que conheceu Kaho Mizuki.
- A professora Mizuki?
- Sim, ela.
- Então...
- Então?
- Como vocês se conheceram?
- Bom, assim como alguns conhecidos seus, eu estava me aperfeiçoando na Inglaterra, antes de assumir como professor, Tomoyo.
- Como assim, antes?
- Eu só assumi meu posto na faculdade este ano.
- Verdade? - Tomoyo parecia meio desconfiada.
- Verdade verdadeira, como costumam dizer.
- E então?
- Bom, eu sabia que ela era detentora dos poderes da Lua no momento.
- Mas, Kyoshi... Não faz sentido, como você sentia a aura dela?
- Eu também sou capaz de usar magia, Tomoyo.
Tomoyo piscou várias vezes antes de absorver a informação.
- Mas... Magia? Você?
- Sim, eu. Como acha que seu pingente está flutuando agora, na frente de seu rosto.
Ele mal acabou de dizer, o pingente caiu, preso à corrente no pescoço de Tomoyo, inerte no lenço que tinha atado em volta da gola de sua blusa.
- Mas que tipo de poder é o seu?
- Está se referindo a que elemento?
- Isso mesmo.
- Bom, acho que conhece a teoria que cada poder mágico é ligado ou à Lua ou ao Sol, e que sua amiga, Sakura, é uma exceção, sendo regida pela estrela.
- Sakura? Como?
- Eu lhe falo de Sakura mais tarde. Porém, aconteceu uma coisa: minha magia não pertence a nenhum desses elementos?
- Não?
- Não. Os meus poderes são, em sua maioria, mentais. Sem ligação com o Sol ou a Lua, até mesmo a estrela ou qualquer outro elemento da natureza.
- Como assim?
- Tudo que eu posso fazer, é feito com a mente.
- Mas eu também controlo minhas habilidades com a mente e o pensamento.
- Sim, exato. Mas, diferentemente de você, eu não preciso de um báculo que converta a minha energia em magia. Eu tenho a magia dentro de mim mesmo.
- Mas... Isso, isso não está acontecendo... - a jovem desabou na poltrona.
O professor levantou-se, puxou uma cadeira e ficou bem à frente de Tomoyo.
- Ouça, Tomoyo. Por mais que pareça absurdo, é a verdade.
- Mas... Mas até mesmo Clow, que é o maior mago do mundo, tem seu báculo!
- Não, você fala de Eriol.
- Sim, ele é Clow.
- Em parte. Sabemos bem que Eriol têm partes dentro dele que são memórias e poderes de Clow, claro. Mas Clow não reencarnou somente em Eriol.
- Não?
- Não, não só nele. Uma parte significativa reencarnou na família de Sakura e na sua família, que são bem próximas.
- Então... Então é por isso que eu fui escolhida?
- Em parte. Mas as suas habilidades de raciocínio nada tem a ver com sua magia. É seu mérito puro.
- Certo...
- Voltando à história do báculo, Clow nunca precisou do báculo. Alguns magos apenas o têm porque gostam, mas nem todos precisam de verdade dele. É o meu caso.
- Entendo...
- Mesmo?
Tomoyo confirmou com a cabeça.
- Ótimo. Então chegamos na razão de meus poderes.
- Hum-hum...
- Bom, acabei de dizer que Clow encarnou na sua família e na de Sakura, certo? Pois bem, veja isto. - o professor retirou do bolso a sua identidade, estendendo-lhe. Tomoyo pegou.
- Consegue ler?
Tomoyo se inclinou para a frente de leve, colocando o documento sob a luz da Lua. O nome dele constava como Kyoshi Sayuri, 23 anos recém-completos, nascido em Tomoeda, e toda a sua informação.
- Sim, estou vendo.
- Certo. Agora, sabe se sua mãe já lhe contou sobre alguma coisa relativa que aconteceu seis anos antes de casar?
- Não, nada.
- Pois bem, antes dela se casar, ela conheceu seu pai, certo? Isso é óbvio. Então, eles começaram a namorar, e tudo mais. E aconteceu uma coisa surpreendente. Depois de uma festa a qual os dois foram juntos, sua mãe engravidou.
- Que coisa absurda! Isso não pode ser verdade!
- Mas é... É verdade. Então, ela se casou com seu pai, e tudo bem. Depois de um tempo, meses passaram e ela teve o nenê. Porém, consideraram que ele tinha nascido morto. Tudo bem até aí?
- Tudo bem... Mas ela nunca me falou nada sobre isso!
Kyoshi riu:
- Acho que ela não te contaria mesmo, não se preocupe.
- Não ria dela! - os olhos de Tomoyo se inflamaram.
- Não, acalme-se, não estou rindo, calma, Tomoyo. - Ele se recostou durante algum tempo, em silêncio.
- Bom, o bebê realmente não estava... Morto. Ele sobreviveu, e acabou parando em um abrigo, um lugar para adoção. E ele foi adotado ainda bem pequeno, por uma mulher que não podia ter filhos, porque seu marido era incapaz de engravidá-la, devido a problemas de saúde.
- Sim, mas o que essa história tem a ver...? Eu... Estou confusa...
Kyoshi fez um carinho na cabeça de Tomoyo, que parecia muito desolada e principalmente desamparada depois de tantas informações novas.
- Bom, chegamos no ponto. O bebê cresceu, e, quando tinha seis anos completos, você nasceu.
- Hum-hum.
- Bom, a criança, um menino, cresceu, fez amizades, amava seus pais, embora não fossem verdadeiros, estudou e tudo mais. Sempre se interessou por música, principalmente por cantar.
Tomoyo suspendeu a cabeça, a fim de encarar o professor. Os olhos do professor pareciam mais brilhantes. Mas não devido à algum poder, e sim porque estavam úmidos, de lágrimas.
- Quando era mais velho, descobriu que era adotado. Não se revoltou com seus pais adotivos, longe disso, mas começou a procurar indícios de sua família verdadeira. Então, algum tempo se passou, mas ele não obteve sucesso. Postergou a investigação, para investir no futuro. E ele resolveu entrar na faculdade de música, que funcionava em um conservatória londrino.
Tomoyo enxugou uma lágrima que escorria livre pela face do professor. Ele parecia bem menor, chorando. Não parecia aquela pessoa tão madura da sala de aula.
- Estou ouvindo. - Tomoyo incentivou o belo rapaz que chorava a sua frente.
- Ele fez amizades e lá descobriu coisas muito estranhas, depois que começou a saber que podia definir quem estava perto dele de olhos fechados; aconteciam coisas estranhas, assim que ele pensava muito em determinadas coisas; tinha a impressão de que objetos se moviam quando ficava tempo demais olhando para eles.
- E depois?
- Bom, quando estava quase no final de seu curso, descobriu o paradeiro de sua verdadeira família, e voltou para o Japão, para poder vê-los. Descobriu muito acerca deles, e estava feliz de estar de volta. Então, ele entrou em uma faculdade de música da cidade de Tomoeda, e começo a ser o responsável pelas aulas de Canto Coral, coisa que admirava desde pequeno.
Tomoyo levou um susto, mas levou outro maior ao ver aquela figura tão imponente da sala de aula desabar em seus braços, em um abraço que ele gostaria de dar há muito tempo.
- Tomoyo...
- Kyoshi... Eu...Eu não acredito!
- Nem eu... Olhe.
Ele se separou por alguns momentos de Tomoyo, e mostrou seu documento novamente à luz da Lua. Ele brilhou, e, logo depois, aparecia escrito no campo do nome, "Kyoshi Daidouji"...
FIM DA TERCEIRA PARTE
Olá! O que estão achando do Rumos? ^-^ Espero que estejam gostando! Eu fiz o máximo para que este capítulo rendesse alguma diversão para vocês! Não gostaram? Amaram? Dá para ler? Deixem um comentário (review) ou me e-mêiem! Estarei à disposição: mari-chan.mlg@bol.com.br!
Beijos para todos, e até nosso próximo encontro,
Mari-chan.
