CAPÍTULO 6 – MEMÓRIAS OBSCURAS

- O que aconteceu...?

- Não lembro.

- Nem eu.

Eriol sorriu:

- A pessoa, quem quer que seja, apagou nossa memória.

Todos suspiraram, frustrados.

- Vamos voltar o mais rápido para casa...

No domingo à tarde, todos já estavam em Tomoeda. Tinham caras ótimas, por terem conseguido resolver todos os problemas. Mas, no fundo, estavam profundamente chateados por terem chegado tão perto e falhado.

Tomoyo estava deitada sobre a sua cama, dedicando seu tempo exclusivamente para olhar o teto, para não dizer que não estava fazendo nada.

Ela tentava puxar na memória alguma coisa da pessoa misteriosa que a perseguia. Tentou a tarde inteira, sem resultado. Tudo que ficava na sua mente, quando tentava lembrar daquele momento era apenas um grande branco, um vazio... Nada, nenhuma sombra, nada. Não lembrava de nada mesmo.

Ficou pensando se Eriol, como um grande mago, sabia apagar a memória, não conseguiria restaurá-la também. No entanto, ela achava que se Eriol soubesse de alguma coisa, já teria avisado a todos.

Nesse exato momento, alguém bateu na sua porta.

- Pode entrar.

Kyoshi entrou devagar, e fechou bem a porta.

- Oi, maninha. – era muito engraçado ver Kyoshi chamando Tomoyo daquele jeito.

- Oi, Kyoshi...

- Ainda pensando no que não consegue lembrar?

- Que profundo!

- Não zombe de mim!

- Estava brincando, tudo bem, não está mais aqui quem falou... É, estava pensando sim.

- Tomoyo, uma hora você lembra, quando menos esperar. É como numa prova.

- Não é não. As provas não tem o poder de tirar sua vida ou abduzir as pessoas a sua volta...

- Isso depende muito do ponto de vista, minha irmã... – Kyoshi deitou do lado dela, na cama.

Tomoyo riu um pouco:

- Aiai, Kyoshi... Só você mesmo...

- E digo isso com base em experiências científicas!

- Verdade? – Tomoyo se virou de lado para vê-lo melhor.

- Claro! Eu sou professor! São as mais secretas confissões de alguns alunos meus...

Tomoyo riu com gosto, dessa vez.

- Seu bobo...

- Você é a boba! Riu de mim...

Ela riu mais ainda:

- Não sei como é que vou fazer a sua próxima prova. Vou ter que cobrir meu rosto para não enxergar o seu, ou vou dar risadas.

Kyoshi permaneceu calado.

- Kyoshi?

Nada, silêncio absoluto. O irmão nem piscava ao seu lado.

- Tomoyo...

- Que foi?

- A pessoa... – ele se sentou na cama, rapidamente, virado para ela – Tomoyo, a pessoa que está nos perseguindo, usava uma roupa com capuz!

Tomoyo parou. Não se lembrava de nada... Como Kyoshi saberia?

- Como você sabe?

- Eu... Lembrei.

- Gênio.

- De verdade... Tomoyo, a minha memória foi destravada!

- Como, irmão amado, idolatrado e supremo?

- Esqueceu do modesto.

- Desculpe-me, modesto.

- Melhor assim. Ah, eu não sei... Quando você falou de cobrir o rosto...

- Bom, você tem poderes mentais muito fortes, é bem capaz que você conseguisse se lembrar de alguma coisa, no fim das contas.

- Quem sabe...

Batidas na porta.

- Senhorita Tomoyo? A senhorita tem visitas.

- Obrigada! Diga que eu já estou descendo!

- Sim, senhorita.

- Visitas que nem avisam que estão para vir?

- Para de implicar, Kyoshi! – Tomoyo se levantou da cama, arrumando a roupa e indo até o espelho para ajeitar o cabelo – Vai descer comigo?

- Como irmão e namorado! – ele deu um elegante salto da cama, e foi parar quase ao lado da irmã.

- Bem, vamos.

- E eu? Preciso arrumar o cabelo!

- Não, não precisa não... – e ao ver que Kyoshi se penteava imaginariamente no espelho, copiando-a, retrucou – E para de me imitar!

- Como você está tensa hoje!

Os dois desceram as escadas, conversando tranqüilamente. Quando adentraram a sala de estar, os dois deram rapidamente um passo para trás, se escondendo. Sakin Iwano estava ali, em pessoa, conversando com Sonomi, e não notou que Tomoyo tinha descido.

- Kyoshi! É a Sakin!

- Hum-hum, a senhorita Iwano.

- É, ela não pode ver você aqui! Vai, sobe correndo para o seu quarto!

- Tudo bem.

Tomoyo voltou para a sala de estar, sem estar acompanhada pelo professor, dessa vez.

- Boa tarde!

Tomoyo entrou na sala, e Sakin a cumprimentou.

- Tomoyo! Tudo bem? – as duas se abraçaram.

- Sim, tudo!

- Bom, eu vou deixá-las a sós. Me avisem se precisarem de alguma coisa.

As duas agradeceram e Sonomi saiu da sala.

- Por que não veio esses dias às aulas?

- Eu não pude... Tive alguns assuntos para resolver...

- Entendo. Bom, eu também não fui, tive que ir com minha mãe para Tóquio. Tomoyo, eu vim aqui porque precisamos dar um jeito na nossa investigação. Não fizemos progresso algum desde o dia do jantar na casa de Hiroyuki.

- Verdade. Bom, eu ia dizer alguma coisa, não?

- Hum-hum. Aí o gato do Hiroyuki apareceu...

- Sakin!

- Tá, tá... O que era?

- Se incomoda de ir ao meu quarto? Dá para falar melhor lá.

- Tudo bem.

As duas foram para o quarto de Tomoyo, e a garota teve o cuidado de fechar a porta, para que ninguém entrasse.

- Eu lembrei de uma coisa que me disseram... Sabe, as pessoas que talvez nós menos desconfiássemos pudessem ser as suspeitas!

- Anh?

- Eu quero dizer... Que os sócios, as pessoas mais importantes... Talvez não sejam tão boas quanto aparentam.

- Hum... Tomoyo... – Sakin estava pensativa – Isso é sério, pensar desse jeito sobre essas pessoas...

- Vamos ou não vamos fundo?

- Vamos, vamos sim. Mas tem uma coisa que você precisa saber. Sabe o que a minha mãe descobriu?

- Não, o quê?

- Quando estávamos em Tóquio, em uma filial do banco que acham que minha mãe tinha conta naquelas ilhas, ela foi ver como que o dinheiro estava no nome dela, ela teria que ter assinado alguma coisa para isso, certo?

- Certo.

- Então, ela pediu para ver os documentos... E a surpresa veio aí: não existe registro algum da existência desse dinheiro!

Tomoyo deu um salto:

- Como?

- Isso que você ouviu... Embora o dinheiro que supostamente está nas ilhas tenha o nome da minha mãe, não existe registro algum dele!

- Mas... Mas a carta que enviaram... Não é possível... Dizia que investigações tinham comprovado tudo...

- Aí é que está, Tomoyo. Essa carta foi mostrada a um sujeito lá do banco... Mamãe levou uma cópia, claro... E ele disse que não existe esse tipo de carta! Ele até mostrou uma de verdade... Ou seja, enviaram algo extremamente bem-feito, mas falso para a empresa.

Tomoyo estava boquiaberta. Elas tinham tido esse trabalho todo... Para dar em absolutamente nada.

- Então... Então... Quer dizer que não existe conta nenhuma e nos preocupamos à toa?

- Bingo!

Tomoyo desabou no chão.

- Não acredito... Bom, nos resta descobrir quem enviou a carta, então.

- É, isso é verdade. Mas você falava dos sócios... O que sua mãe disse sobre eles?

- Que todos são de longa data e totalmente confiáveis...

- Clássico... Tomoyo, a gente vai ter que dar um jeito de achar o culpado... Enquanto isso, acho que sua mãe já está mais tranqüila, eu contei isso para ela lá embaixo... Então ela deve pensar junto com você...

- Não precisamos nos omitir mais, não é mesmo?

- Sim. Bom... – Sakin se levantou – Eu tenho que ir, teremos uma prova teórica de canto coral amanhã, sabia?

- Quê?

- A Nathalia me avisou... Ah, sabia também que outro professor deu aula no lugar do Kyoshi? Ele também faltou... Vamos ter que pegar a matéria com Hiroyuki ou com as duas meninas depois...

- Bom, eu acho que vou dar uma olhada nas minhas anotações.

- Ok. Nos vemos amanhã, então.

- Certo.

Tomoyo acompanhou Sakin até a saída e se despediram, subindo até o quarto de sua mãe.

- Mãe?

- Tomoyo? Pode entrar.

Sua mãe estava deitada sobre a cama, assistindo alguma coisa que passava na televisão.

- Você soube da carta falsa, né?

- Sim, a filha da Mirai me contou... Tomoyo, eu fiquei assustada.

Tomoyo se sentou ao lado da mãe, na cama.

- Eu também. Mãe, eu tenho que te pedir um favor... Agora que a justiça não está contra nós, ou melhor, nunca esteve... Não poderia investigar melhor os sócios?

- Pra quê, Tomoyo? São ótimas pessoas!

- Mãe, eu tenho um palpite... Faça isso, por favor.

Sonomi olhou a filha meio esquisito.

- Tomoyo... Por que isso agora? Bom, eu vou ver o que posso fazer... Mas, por favor, tome cuidado com essas coisas.

Ela concordou com a cabeça.

- Bom, eu tenho que estudar um pouco, mãe.

- Vá, minha filha.

- Boa noite.

- Boa noite.

Tomoyo retornou ao seu quarto, tomou um banho e releu suas notas, embora não conseguisse parar de pensar que tinham caído em uma espécie de golpe tão fácil... Como Sonomi não tinha tido nenhum problema antes, nem tinha desconfiado da autenticidade da nota... Tentando deixar esses problemas de lado, ela comeu alguma coisa e dormiu.

No dia seguinte, ela foi normalmente para a escola, onde encontrou o resto de seus amigos. Yuki parecia inconformada.

- Semana passada teve um epidemia aqui, não é possível! Você, o Eriol, o professor Sayuri e a professor Arakami faltaram! Minha nossa, que coisa!

- Bom, eu preciso ver que matéria deram. Me empresta o caderno depois, Yuki?

- Claro! Ah, sem falar no Hiroyuki, que andou mais estranho do que sei lá o quê... Nossa, ele tá sendo tão gentil com a Nathalia, agora que a Sakin só quer saber do Vincent...

- Sei... Isso vai dar encrenca.

- Já deu. Eles brigaram.

- Verdade? – Tomoyo via as lições que tinha perdido, enquanto Yuki colocava-a a par de todas as últimas fofocas.

- É, ele pegou a Sakin suspirando pelo Hiroyuki... E pelo professor Sayuri.

- Desse jeito até parece que ele não conhece a namorada...

- É, não é? Fiquei espantada...

- Yuki, o que é isso?

- Ah, essa foi a continuação das regrinhas básicas de estética e harmonia.

- Hum, eu não tenho essas... – o sinal tocou – Ah, obrigada, continuo no fim da aula.

- Certo! Estudou?

- Hum-hum... Embora eu não esteja certa se vou me dar bem.

As duas se dirigiram para a classe, que foi se formando lentamente. Nathalia e Hiroyuki chegaram juntos, e Eriol apareceu depois. Sakin foi a mais atrasada, quase perdendo a hora. Se acomodaram, e os que haviam "sumido" elaboraram uma explicação rápida e simples para a ausência.

Alguns minutos depois, Kyoshi Sayuri adentrou a sala, com uma quantidade surpreendente de livros. Por volta de seis voluntárias se ofereceram para ajudá-lo, coisa que ele aceitou, sorrindo. Depois se dirigiu ao resto da classe.

- Peço desculpas a todos pela minha ausência sem maiores avisos. Eu tive que alguns problemas de natureza pessoal que acabaram demorando mais do que eu previa, e só tive tempo realmente de comunicar à diretoria da faculdade.

Eriol e Tomoyo trocaram sorrisos cúmplices, que ninguém mais tinha visto.

- Bom, segundo o professor substituto, vocês têm uma prova hoje. Isso é verdade? – Kyoshi tinha se apoiado na mesa, com um olhar interrogativo por detrás da franja. As meninas da primeira fileira suspiravam baixinho.

Nathalia ergueu a mão, e Kyoshi autorizou-a a falar.

- É verdade, professor.

- Obrigado, senhorita O'hana. Pois bem, eu não estava presente, e presumo que alguma matéria que eu não dei possa cair. Eu acho injusto fazer o teste hoje, portanto está adiado para a aula de sexta-feira, certo?

A classe respirou aliviada, e até mesmo os meninos tinham motivos para comemorar aquela segunda-feira. Assim sendo, o resto do dia transcorreu de maneira normal.

No fim das aulas, Tomoyo e Eriol ficaram um tempo a mais na escola com Yuki, para copiar a matéria que tinham perdido. Estava se aproximando uma pequena semana de testes, de valores não muito significativos, mas que precisavam de estudo.

Quando estavam deixando a escola, deram de cara com Vincent, parado na saída.

- Vincent? – estranhou Tomoyo.

- Boa noite para todos. – ele sorriu simpático. – Tomoyo, eu gostaria de falar um pouco com você, será que podemos?

- Claro! Bom, até amanhã para vocês dois! – despediu-se dos dois colegas, que foram para as respectivas casas. – Pronto, pode falar.

Os dois começaram a andar, meio que sem rumo certo, apenas conversando.

- Tomoyo, acho que você deve saber que eu briguei com a Sakin...

Ela confirmou com a cabeça:

- Sim, eu soube.

Ele parou de andar e olhou para Tomoyo:

- Eu queria perguntar se eu fiz a coisa certa... – Tomoyo estranhava o fato dele estar se abrindo daquele jeito com ela, mas não falou nada – Não adianta falar com a minha irmã, ela mal agüenta ouvir o nome de Sakin...

- Compreendo. Bom, vocês brigaram por causa da queda de Sakin pelo Hiroyuki e pelo professor Sayuri, não?

Ele balançou a cabeça afirmativamente.

- Bom, eu acho que você já sabia que a Sakin era desse jeito. Ela tem essa característica de ficar suspirando... Era assim antes dela namorar você, sendo você o alvo dos suspiros... Mas parece fazer parte da natureza dela ficar desse jeito, porque você era namorado dela...

- Mas, Tomoyo, e como fica a minha situação? Será que ela gostaria que eu fizesse a mesma coisa? – Vincent falava amargo, visivelmente triste por tudo que tinha ocorrido.

- Não, não é justo. Talvez essa briga mostre o quanto ela se importa com você. – Tomoyo ponderou – Ela gosta de você de verdade, e acho que ela não esperava isso... Talvez, esse tempo que vocês deram clareie as coisas...Tanto para você, como para ela. Eu sei que você é quem está sofrendo mais, mas... – Tomoyo respirou um pouco – Mas acho que vale a pena, se você realmente a ama e quer ajudá-la a tirar essa mania...

Vincent baixou a cabeça, e algumas lágrimas furtivas rolaram. Quando voltou-se novamente para Tomoyo, tinha um leve sorriso nos lábios.

- Obrigado, Tomoyo.

- Imagine! Bom, eu só quero que não misture isso com ciúmes. Olhar para pessoas bonitas não é proibido, todos o fazem. Suspirar já é diferente. Gostaria que eu falasse com ela sobre isso?

- Acho que não precisa, Tomoyo. – ele sorriu – Afinal, temos que tentar resolver entre nós mesmos isso, não é? – sorriu, indicando que tinha percebido que Tomoyo e Eriol tinham se acertado durante a ausência na escola, embora desconhecesse os meios.

- É, você tem razão. Eu tenho que ir para casa agora. Minha mãe vai começar a ficar preocupada comigo.

- Eu te levo. Afinal, eu acabei te atrasando, não é mesmo?

- Tudo bem.

Após alguns momentos, Tomoyo chegou a salvo em casa, terminou seus afazeres e adormeceu.

A semana transcorreu perfeitamente, e Tomoyo viu que Sakin tinha se acertado com Vincent, e também tinha maneirado muito bem em matéria de sair suspirando por aí por garotos que não eram seus namorados. O único problema parecia ser Nathalia. Ela estava gelada com Sakin, e não havia nada que eles pudessem fazer. Todos notaram, com aflição, que Nathalia estava emagrecendo a olhos vistos, e parecia prestes a entrar em depressão, se já não estava. Até os professores estavam preocupados.

- Senhorita Daidouji, poderia vir aqui por um momento?

Esta era a semana das requisições da presença de Tomoyo, pensou a garota. Ela se encaminhou para a mesa da professora Maeda, uma aula antes da de seu irmão.

- Pois não, professora?

- Senhorita Daidouji, será que é possível para o corpo docente desta faculdade fazer algo pela senhorita O'hana? Ela não parece bem, além de dar a impressão de estar profundamente irritada com a senhorita Iwano.

- É verdade. Mas creio que nada pode ser feito se as duas garotas não decidirem seus problemas.

- Certo. Por favor, não pense que queremos nos intrometer nos problemas pessoais dos alunos, isso não nos diz respeito de fato. Mas quando isso passa a ser sério... Ainda não interferiu nas notas dela porque o senhor Atsuhiro está ajudando-a bastante, – Tomoyo notou a alteração com que ela pronunciava o nome de Hiroyuki – mas receio que em breve isso acontecerá.

- Obrigada pela sua preocupação, professora. Eu vou fazer o possível, e, se souber de algo, eu aviso.

- Isso, obrigada. Pode se sentar, senhorita Daidouji.

Mal a professora Maeda tinha dispensado-a, o sinal tocou para a última aula, que era de Kyoshi. Os alunos se aprontaram rapidamente, devido ao teste que seria realizado.

Kyoshi adentrou a sala de aula quase sem livros, apenas com um envelope onde deveriam estar as folhas das provas e seu material habitual, com um estojo e giz. Mesmo assim, três ou quatro garotas se ofereceram para ajudá-lo.

- Muito bem! Espero que tenham aproveitado essa semana para estudar! A prova não está difícil, apenas relaxem e tenham calma. Vocês têm até o final desta aula, e quem terminar antes do tempo está dispensado.

Ele entregou as provas, e sentou na sua escrivaninha, observando todos. Em parte porque não deveria deixar que ninguém compartilhasse idéias durante o teste, em parte porque estava preocupado também com Nathalia, devido à sua aparência e também porque Tomoyo quase não conseguia conter o riso, e estava bem cômico.

Kyoshi olhava a sala distraidamente, quando pegou-se pensando de novo no dono daquela presença. Era provável que Yue lembrasse de algo, afinal, tinha trocado de corpo com ele... – Ele suspirou vagarosamente, afastando uma parte do cabelo que caía sobre os olhos, e cinco garotas perderam totalmente a concentração – Se soubesse se a pessoa era homem ou mulher, por qual meio agia para descobrir onde estavam, sempre para cercá-los com uma barreira e atacá-los de algum jeito... Notou também que a pessoa sempre se omitia, e preferia utilizar outras pessoas para executarem o que desejava, então...

Então... Kyoshi nem se lembrava mais de observar os alunos, mas parecia que ninguém tinha se aproveitado. Se a tal pessoa se utilizava de outras, e raramente tinha se exposto, a não ser da vez passada e de quando saiu ferido...

Era possível que eles conhecessem a pessoa!

O estalo na mente de Kyoshi foi tão grande que quase gritou por Tomoyo e Eriol para lhe contar. Devia ter feito algum movimento brusco, porque todos os alunos estavam olhando para ele com caras esquisitas, menos as duas pessoas com quem precisava falar. Essas duas, pelo contrário, pareciam ter compreendido que Kyoshi tinha decifrado alguma coisa. No entanto, ninguém tentou nada envolvendo telepatia, pelo simples fato que, mesmo ante uma descoberta importante, eles estavam fazendo uma prova.

Um a um os alunos foram saindo da sala, até que só ficaram Tomoyo e Eriol, que tinham notado a necessidade de Kyoshi falar-lhes. Deixaram a faculdade o mais cedo possível, e conversaram do lado de fora.

Ele contou aos dois tudo o que tinha lhe ocorrido, e tanto Tomoyo quanto Eriol pareceram concordar. Isso facilitaria bastante para eles, porque poderiam excluir várias pessoas, prestando atenção nas que mais conviviam.

Kyoshi também contou que se lembrara de alguns detalhes e achava que deviam falar com Yue. Não era possível que ele não se lembrasse de nada, porque sua consciência tinha estado no corpo da pessoa que tanto procuravam.

Quando estavam se dirigindo para a casa do mesmo, encontraram Touya no meio do caminho.

- Touya?

- Tomoyo, Eriol e... Quem é você? – Touya examinava Kyoshi de cima a baixo, com um olhar interrogativo.

Os três se entreolharam. Não adiantaria esconder dele. Não de Touya.

- Kyoshi Daidouji, irmão de Tomoyo.

- Irmão? – a surpresa estava estampada nos olhos de Touya, que parecia não acreditar. Olhou Kyoshi, em seguida Tomoyo. Os dois eram parecidos. Mesmo.

- Eu terei prazer em contar-lhe tudo, se quiser. – Kyoshi sorriu.

- Claro, pode ser... – Touya sacudiu a cabeça. – Vão para a casa de Yukito?

- Sim, nos estávamos indo. Por quê? – indagou Eriol.

Touya suspirou.

- Bom, acho que não vai adiantar. Ele está na minha casa. Venham comigo.

Todos deram meia-volta, e foram para a casa dos Kinomoto. Kyoshi e Touya iam conversando na frente, e pareciam ter se acertado, depois do "estranhamento" inicial. Eriol e Tomoyo seguiam os dois de perto, conversando sobre outros assuntos.

- Pronto. Por favor, entrem.

Tomoyo sentiu-se de volta aos velhos tempos. Era como voltar ao seus melhores anos...Melhores? Hum, talvez não. Ela sorriu e entrou, sendo seguida dos outros.

A casa parecia bem estranha sem a presença de Sakura. No entanto, Touya e Fujitaka tinham a vida tão corrida quanto antes, mas a casa parecia sempre aconchegante.

Yukito estava no sofá da sala, comendo e assistindo alguma coisa na televisão.

- Hey, Yuki, cheguei. – Touya mantinha sempre o mesmo tom de voz, mas era sempre mais suave com Yukito.

- Touya! – Ele se virou – Mas...Tomoyo! Eriol! – todos se cumprimentaram, e Kyoshi se apresentou, sendo que Yukito simpatizou com o mesmo imediatamente. – Que bom que vieram!

- Que bom que encontramos Touya no meio do caminho também. – Lembrou Tomoyo.

- Ah, foi bom. Ele estava indo trancar a minha casa. – sorriu Yukito, quando todos já estavam acomodados nos sofás e Touya trazia chá da cozinha.

- Trancar?

- Yukito não está bem. – falou Touya, enquanto servia o chá e era ajudado por Tomoyo, que insistiu até que Touya deixasse – Pedi para ele ficar aqui.

- Entendo... – Kyoshi falou – O que está sentindo? Está melhor?

- Estou, obrigado! – sorriu Yukito – Mas eu acho que não sei o que tenho...Tive alguns lapsos de memória, que não consigo lembrar direito, mas é só. Aliás, Touya é muito preocupado.

- É normal. – ajuntou Eriol, sorrindo – Mas é bom ver que está melhorando.

Depois de tantos anos, Tomoyo pôde ler nos olhos preocupados de Touya que não era bem assim que as coisas estavam acontecendo. Nem bem Tomoyo tinha acabado de pensar isso, Yukito caiu para trás, e no seu lugar surgiu Yue. Touya não demonstrava surpresa alguma.

- Yue! – exclamou Tomoyo.

Yue olhou todos os presentes, e se desculpou com Touya.

- Me desculpe. Não consegui evitar.

Touya suspirou.

- Tudo bem. Temos que dar um jeito em você, antes. – e depois sorriu. As feições de Yue pareceram ficar menos tensas, ao ver que o amigo da sua forma falsa não estava tão irritado quanto imaginara.

Se voltou para os outros três e cumprimentou-os.

- Vieram aqui por quê?

Eriol e Tomoyo olharam para Kyoshi, que falou sobre o que lembrava e sobre o que tinha pensando naquele dia.

Yue ficou em silêncio por algum tempo.

- Bom, eu tenho tentado me lembrar de alguma coisa desde aquele dia, mas eu não consigo. Por mais que eu tente, é tudo negro, obscuro para mim. No entanto, eu sei que aquele pedaço negro da minha memória está lá, que eu vivi essa parte. Só não lembro como.

- E toda vez que você se esforça além da conta, acaba por aparecer aqui... – continuou Touya – e Yukito não lembra de nada, é sempre assim. No entanto, mesmo Yukito sabendo que é você, ele está ficando assustado.

Yue concordou com a cabeça.

- Mas por que acontece isso? Quando você se esforça demais, Yukito some e você aparece, certo? E se você estiver agora, nessa forma? – perguntou Kyoshi.

- Não consigo do mesmo jeito. Ao contrário, as lembranças são mais apagadas quando eu estou desse jeito.

Todos suspiraram. Que coisa mais chata...

- Parece que essa pessoa sabe mesmo como irritar... – murmurou Kyoshi.

Tomoyo discordou com um aceno.

- Não é irritar, é se esconder...E omitir a verdade da gente...Deve ter um motivo muito bom.

Depois de algum tempo conversando, decidiram que deveriam ir embora.

- Muito obrigado por tudo, e desculpem o inconveniente que causamos vindo sem avisar.

- Imagine, Tomoyo. Volte sempre. – Touya tinha acompanhado-os até o portão de saída, e parecia de algum jeito aliviado pela visita deles. Parecia que ter descoberto o que Yukito tinha lhe ajudava a manter a calma.

- Boa noite.

- Boa noite para todos.

Touya voltou para dentro da casa, e os três seguiram seu caminho. Quando estavam voltando para as respectivas casas, Eriol avistou Vincent ao longe, perto da casa de Tomoyo.

- Kyoshi, acho melhor você se afastar um pouco, até eu tratar de tudo com o Vincent. Aí você vai para casa.

- Impedido de entrar na própria casa!

- Kyoshi... Isso é sério...

- Que humilhação...

- Kyoshi Daidouji...

- Eu vou processar esse americano de meia-tigela por perdas e danos... É a minha casa! – revoltado de mentirinha, Kyoshi se afastou até uma praça próxima, de onde se podia avistar o portão da mansão dos Daidouji e não ser visto.

Eriol observou Kyoshi se afastar e continuou andando normalmente com Tomoyo, mas comentou:

- Seu irmão é sempre assim?

- Hum-hum. Sem exceções. Mas ele é o grande responsável pelas minhas risadas do dia.

- Entendo.

Os dois riram, e Eriol entrou na casa dele, deixando Tomoyo ir conversar com Vincent.

- Boa noite, Vincent!

Ele se virou rapidamente, não esperando a aproximação de Tomoyo.

- Tomoyo! Boa noite!

- Boa noite. Tudo bem?

- Tudo, obrigado. Vim agradecer seus conselhos. Eu e Sakin nos acertamos bem.

- Imagine! Não quer entrar e comer alguma coisa?

- Não, não quero dar trabalho algum para sua casa ou para seus familiares. Só queria agradecer mesmo. – ele sorriu, agradecido. Tomoyo entendia o que Sakin tinha visto naquele americano. Ele era realmente muito diferente, o exato oposto de Kyoshi, a não ser pelo tom de pele. Só o eu sotaque era estranho.

- Mas esteve esperando aqui fora o tempo todo? – Tomoyo ficou abismada.

- Sim. – ele sorriu – Tinham me dito que você não estava, e decidi esperar.

- Não te convidaram para entrar?

- Sim, três vezes. Mas eu não quis.

- Então tudo bem... Eu tenho que ir jantar, me desculpe, Vincent.

- Imagine. Boa noite e obrigado mais uma vez, Tomoyo.

- Boa noite!

Vincent se afastou e Tomoyo entrou na mansão, sendo que alguns minutos depois, Kyoshi aparecia, com a cara ainda revoltada.

- Sujeitinho revoltante! Ah, se ele fosse meu aluno! Eu não deixava! Conversar desse jeito aqui fora, no escuro! Sorte sua que eu estava na praça, observando tudo! Eu, o seu...

- O meu imbatível, lindo, exuberante, inacreditável e modesto irmão.

- Isso mesmo! Não esqueceu de nada dessa vez!

- Está vendo? Estou progredindo...

Rindo, os dois entraram na casa, cumprimentaram Sonomi e foram jantar.

- Descobriu alguma coisa sobre quem enviou aquela carta? – perguntou Kyoshi a Sonomi, enquanto se servia de uma generosa porção de macarrão.

- Não, não tenho idéia ainda... – ela olhou para Tomoyo – Querida, não sei se posso fazer o que você pediu.

- Por quê? É uma hipótese, mamãe! E, Kyoshi, vai perder muitas fãs se continuar comendo desse jeito!

- Nhé! Invejosa... – Kyoshi e Tomoyo fizeram caretas um para o outro, parecendo crianças, e depois riram feito bobos. Nem mesmo Sonomi conseguiu conter o riso.

- Ah, parem com isso, vamos...Não creio que tenho de apartar brigas de uma menina de 17 anos e de um garoto de 23, não é?

- Tudo bem... Paramos.

- Bom, como eu dizia, eu não posso simplesmente começar uma investigação sobre os sócios da empresa, justo os que mais articulam os negócios sem uma justificativa plausível, querida.

- Mas mãe, a Mirai não disse que aquela folha foi feita por alguém que conhecia o banco onde ela ia, e que conhecia todos os dados dela?

- Não mencionou isso diretamente. Bom, o fato é que essa pessoa não está muito atualizada em matéria de intimações oficiais do governo...

- É, isso é verdade... A carta era falsa, não?

- Sim, além disso, antiga. Kyoshi, nem pense nisso.

Kyoshi parou ao ver o olhar da mãe e desistiu imediatamente de fazer uma catapulta com a colher e a almôndega do prato, que iria na direção de Tomoyo.

- Antiga? Então esse tipo de carta já foi usado?

- Foi, há mais de uma década... – Sonomi balançou a cabeça – Bom, só o fato de não termos esse dinheiro nem estarmos sendo ameaçados pelo governo me deixa bem mais tranqüila...

- Deixa a todos nós, mãe. – completou Kyoshi, que ia se servir de mais comida, mas o olhar de Tomoyo fez com que ele devolvesse a colher ao recipiente.

- Bom, eu vou me deitar. Boa noite, filhos.

- Boa noite, mãe! Bons sonhos!

- Tchau, mãe!

Sonomi sorriu e subiu as escadas. Logo depois, Kyoshi e Tomoyo foram atrás, cada um indo para o seu quarto.

- Boa noite, mano...

- Boa noite, Tomoyo. A gente se vê amanhã na escola...

- Não vai mais comigo? – ela parou na porta do quarto, enquanto ele tinha parado no meio do corredor, porque seu quarto era mais para a frente.

- Não posso. Tem uma espécie de reunião mais cedo amanhã.

- Ah, entendi. Boa noite, então, e bom dia adiantado.

- Boa noite... – Kyoshi foi para o quarto dele, bocejando e murmurando algo como "droga de reuniões de planejamento"... Tomoyo riu sozinha e entrou no quarto.

Quando já estava de pijama, após o banho e quase entrando na cama, o telefone tocou. Tomoyo foi até a mesinha onde ele estava e atendeu.

- Residência dos Daidouji.

- Por favor, a senhorita Tomoyo está?

- É ela. Touya?

- É, sou eu, Tomoyo! Tomoyo, vem aqui o mais rápido possível, acho que descobri alguma coisa sobre a pessoa que vocês procuram!

- Des...Descobriu? Como? Alô, Touya?

Tomoyo tentou em vão falar com o jovem novamente, mas a linha já dava o sinal de ocupado...

FIM DA SEXTA PARTE

Oi, gente! Mais uma vez, desculpem pela demora dos capítulos! Muito obrigado a todos que vêm apoiando esta história, e prometo dar o máximo de mim para não decepcioná-los! Comentem e critiquem, seja postando uma review ou me emeiando! O endereço é mari-chan.mlg@bol.com.br!

Nota: O capítulo anterior (Acertando os Ponteiros), era para estar online há bem mais tempo, mas eu não estava conseguindo fazer o upload dele no Fanfiction.net. Parece que já voltou tudo ao normal! Obrigada pela paciência e gomen nasai!

Kissu e beijos para todos!

Mari-chan.