Ainda estou do seu lado

"Harry, o que foi tudo aquilo?", Hermione perguntou, com lágrimas nos olhos, antes mesmo de Harry voltar ao seu lado.

Ele voltou a pegar na mão de sua amiga, que agora tremia levemente. Não queria que Hermione soubesse que Malfoy estava ali, mas também não gostava de mentir para a amiga. Harry suspirou, "Não foi nada demais... apenas um paciente com alucinações.", ele esfregou suas mãos nas de Hermione, "Não se preocupe, ele agora esta dormindo."

Hermione fechou os olhos, "Isso tudo... o que ele disse..."

"Não pense mais nisso..."

Ela suspirou, cansada, "Não é tão fácil assim, Harry. Ele deve ter sofrido uma experiência muito terrível para gritar desse jeito.", ela sorriu fracamente, sem muita vontade, "Acho que devo agradecer à minha sorte."

As mãos de Harry não se mexiam mais. Era Hermione agora quem mexia os dedos na sua palma, um carinho confortável, mas que mesmo assim não acalmavam a raiva de Harry ante as palavras da amiga, "Não diga uma coisa dessas!", ele ordenou, bravo, "Hermione, seja um pouco egoísta, por Deus!"

Imediatamente, ela abriu os olhos, espantada. Mas, ao invés de defender-se das palavras duras, apenas voltou a fechar os olhos, "Harry... você é um dos poucos bruxos que eu conheço que invocam Deus.", ela riu e, por conta disso, sua face se contorceu em dor, "Nunca ouvi você dizer "por Merlim!"... fica um pouco estranho quando estamos no mundo bruxo, não acha?"

"Eu estou falando sério.", ele disse, um pouco irritado, "Pare de pensar sempre nos outros! Pense um pouco em você... essa sua atitude quase a matou!"

"Essa minha atitude te salvou, Harry.", ela o interrompeu, calmamente, "Não, não... não estou pedindo gratidão, você sabe disso. Mas, eu lhe garanto, não há felicidade maior do que ver você vivo aqui do meu lado.", ela apertou, fracamente, a mão dele na sua, "Meu querido amigo, isso é uma das coisas mais egoístas em mim."

Depois disso, Harry resolveu ficar quieto, sem concordar ou discordar da amiga. Quando Hermione voltou a dormir, Snape apareceu na enfermaria de novo, ignorando qualquer outros pacientes e voluntários, indo direto para o seu ex-estudante. Ficou por lá até a hora em que Harry resolveu ir embora.

"Obrigada por passar o dia aqui comigo.", Hermione disse, olhando-o com um sorriso no rosto.

"Passarei amanhã também, mas... não prometo ficar o dia todo.", ele disse ressentido, "Recebi uma coruja, hoje de manhã, dizendo que os julgamentos começarão daqui a três dias. Mesmo que eu não queira, eles dizem que minha presença é imperativa."

"Você precisa ir, Harry."

"Você também. Não será muito tarde que receberá uma coruja do novo ministro.", Harry disse com uma expressão desanimada, suspirando cansado.

Hermione deu dois tapinhas na mão dele, "Vá embora, Harry... você parece mais acabado do que eu."

"Quase.", ele sorriu, inclinando-se para beijar a testa de Hermione, "Durma bem."

Ao sair da enfermaria, Harry sentiu o começo de uma dor-de-cabeça. Nunca gostara de ficar em lugares pesados como aquele. Apenas sentimentos ruins e sofrimento preenchiam aquelas paredes, fazendo Harry sentir-se mal e nauseado. Parecia-lhe que somente a presença de Hermione, sempre tão calorosa e positiva impedira que ele saísse da enfermaria mais cedo. Amava a amiga demais e quase não suportara a alegria em saber que ainda estava viva. Devia muita coisa à ela e, de agora em diante, sempre a protegeria, da mesma forma que ela o protegeu.

Já estava bastante escuro, mesmo assim, depois de nove anos, Harry se acostumara muito bem com os caminhos de Hogwarts e, algumas vezes, por causa da dor-de-cabeça, andava até de olhos fechados, permitindo-se guiar pelos sons das pedras sob seus pés.

Mas, mesmo que seu pensamento quisesse chegar à sala abandonada do falecido professor de Aritmancia, o quarto destinado à ele, sem que percebe-se, os pés de Harry alcançaram o retrato da Mulher Gorda. Ela sorriu para ele, com piedade do seu sofrimento.

"Boa noite, Harry. Fico feliz em lhe ver..." - feliz em lhe ver ainda vivo, ela acrescentaria internamente, "... mas acho que não sabe a senha atual, não é?"

Ele aproximou-se do quadro, vendo com calma as cores movendo-se na tela acompanhando a fala da mulher, "Não, não sei... Eu não estou mais dormindo aqui..."

"Mas é claro, meu querido.", ela acenou com a mão, ante a obviedade das palavras de Harry, "Você se formou há dois anos! Não há razão para você dormir aqui.", ajeitando um lencinho rosa na frente do rosto, ela disse em tom de segredo, "Mas... se você quiser matar as saudades...", o quadro se moveu alguns centímetro, e a mulher gorda piscou.

"Eu... eu não sei se...", ele passou a mão pela fresta, com um olhar indeciso, e se virou para a mulher, "Há alguém lá dentro?"

"Claro que há, meu querido...", sua face alegre, entristeceu-se, "Algumas pessoas que Dumbledore recolheu para que ficassem a salvo no castelo...", ela utilizou o lenço para assoar o nariz, "Poucos alunos, no entanto... poucos alunos... Mas, há alguém lá dentro que talvez tenha uma conversa mais interessante que a minha, meu querido."

O coração de Harry disparou com a possibilidade de encontrar algum amigo vivo lá dentro, "Posso entrar? Posso entrar, então?", ele perguntou, ansioso.

"Claro, meu querido! Claro!"

O quadro se abriu e Harry entrou, sendo engolido pela escuridão. Logo depois de alguns passos, a lareira acendeu-se, esquentando o ambiente e revelando a Casa de Gryffindor. Como o resto de Hogwarts, tudo continuava no mesmo lugar, intacto, mágico, idêntico às lembranças de Harry. Mas, sim, estava diferente.

Várias pessoas dormiam nos sofás, carpetes e até no chão. A maioria adultos e crianças. Parentes dos alunos que vieram buscar abrigo debaixo da asa do mais poderoso bruxo de todos os tempos, Dumbledore. Mesmos os que estavam mais próximos à lareira não acordaram. Estavam exaustos.

Depois de procurar por cada face, e não encontrar nenhum vestígio de reconhecimento, Harry ergueu o olhar para a escada que levava até os quartos dos meninos, imaginando se lá também estaria tudo igual. Ele caminhou, silenciosamente, por entre as pessoas e, quando avançou para dentro da escuridão da escadaria, a lareira se apagou e candelabros iluminaram o seu caminho. Parecia que tudo fora magicamente preparado para receber essas pessoas, elas não se perderiam no escuro e não atrapalhariam as outras.

A porta do último quarto que Harry ocupou deslizou, revelando o interior, sem deixar escapar som algum. Ao pôr os pés dentro do quarto, os candelabros de apagaram e o grande lustre de velas no centro do quarto se iluminou. Também cheio de gente, tanto bruxos como muggles, dividindo a mesma cama, o mesmo tapete, o mesmo calor.

A cama de Harry era a última, no outro extremo do quarto. Ele podia ver, de onde estava, parado à porta, que três pessoas ocupavam sua antiga cama. Um homem, uma mulher e um menino, comprimido entre os dois adultos. Seus olhos procuraram e procuraram. Qualquer semelhança o fazia demorar-se mais sobre a pessoa, mas em vão. Ninguém que conhecia estava ali. Harry estava se preparando para dar meia volta e ir para outro quarto, quando algo chamou sua atenção.

Sim, deitado na cama que antes fora de Ron... era parecido, muito parecido. O mesmo tipo franzino e pálido, os mesmos cabelos castanhos claros, com muito, mas muito mais fios brancos do que vira na última vez, a mesma roupa desgastada e recosturada. O mesmo rosto, calmo e sábio.

Harry sentiu que prendera a respiração e, quando a soltou, num suspiro longo, percebeu que seu coração batia violentamente contra seu peito. Andando, com as pernas trêmulas, por entre os desconhecidos, ele chegou até seu único conhecido. Harry sentou-se na beirada da cama, uma pontinha de colchão que não tinha sido preenchido e estudou, com um aperto na garganta, o estado em que Remus Lupin se encontrava.

Estava muito mais magro do que no dia em que conheceu Harry, com pequenas feridas, aqui e ali, vermelhas e roxas, contrastando bruscamente contra a palidez da pele. Harry posou uma mão sobre o ombro do seu antigo professor e sacudiu de leve.

"Professor...!", ele sussurrou, sabendo que não deveria perturbar o descanso de um homem cansado, mas, mesmo assim, chamando-o, querendo saber como estava, "Professor Lupin!"

Remus, que parecia tão mais velho do que realmente era, piscou algumas vezes e até grunhiu, como um lobo ferido, antes de abrir os olhos, dourados mesmo na penumbra.

"Professor Lupin!", Harry exclamou agora, de felicidade, por ver os mesmos olhos amigáveis novamente.

"... Harry?", sua voz saiu rouca e sofrida, "Harry, você..."

"Shhh....", Harry silenciou-o rapidamente, puxando um braço do ex-professor por sobre seus ombros e segurando-o pela cintura, "Vamos sair daqui."

Sem dizer nada, protestar ou concordar, Remus deixou-se levar pelo garoto, agora quase homem, muito mais forte do que ele. Conseguia andar, mas seu estado de torpor e, claro, dor, não o permitiam que o fizesse sem ajuda.

Saíram da Casa de Gryffindor e desta vez, bem atento e cuidadoso, Harry foi direto para o quarto que lhe fora reservado. No caminho, porém, enquanto esperavam que uma escada parasse de se mover para continuarem andando, Harry viu, dois andares abaixo, que Snape também esperava por uma escada. Mas estava parado no corredor, com alguma coisa nos braços. Ou, mais especificamente, alguém nos braços.

Sem precisar piscar ou destinar mais segundos de sua noite naquela cena, Harry sabia quem era a pessoa que Snape carregava e até para onde estava sendo levada. Decidindo que seu antigo professor e amigo, Remus Lupin, era mais importante, Harry sacudiu a cabeça e continuou andando.

Ao deitar Remus na sua cama, os olhos de Harry brilhavam de ansiedade e expectativa, mas, ao perceber a expressão cansada e mal-cuidada do ex- professor, a chama dentro dele se aquiesceu, mas não apagou.

"Amanhã de manhã, professor, eu trarei algo decente para o senhor comer.", ele disse para o quase adormecido Lupin, "E você pode usar meu banheiro... acho que as minhas roupas não ficarão muito grandes em você..."

Remus sorriu, mesmo que mais da metade de seu consciente já estivesse no mundo do inconsciente, "Harry... obrigado.", ele disse com sua voz rouca, "Mas...", o sorriso sumiu de seus lábios no instante seguinte, "Sei que, na verdade, quer saber sobre Sirius..."

Sem deixar escapar a chance, Harry inclinou-se, interessado, "Sim, professor! Como ele está?", ele perguntou, mais um pedido implorado do que uma pergunta.

De qualquer forma, Harry teria que esperar até a manhã seguinte, pois Remus Lupin voltara a dormir, muito cansado e esgotado, sequer para pensar.



Continua...