Epílogo - cap 4

Harry Potter e suas personagens pertencem à J.K.Rolling.



Harry voltou para o quarto apenas no dia seguinte, já de noite, com Hermione andando lentamente ao seu lado, recusando-se ter que apoiar-se no amigo para caminhar. Ela já estava bem melhor, não tremia mais, mas alguns de seus músculos ainda estavam tensos, por isso ela caminhava devagar.

Ao entrarem, depararam-se com Remus deitado tão calmo e quieto que Hermione tapou a boca com a mão e Harry prendeu a respiração. Mesmo depois de confirmarem que ele não só estava vivo, como acordado, os dois não puderam deixar de trocar olhares preocupados. Remus deitara-se por estar muito cansado e fechara os olhos por suas pálpebras, muito cansadas depois de ler por inteiro o livro que estava na cabeceira de Harry.

"Então...", ele disse fracamente, "Vocês querem saber por que não consigo comer?"

Os dois amigos acenaram juntos com a cabeça, sem dizer nada. Remus riu do comportamento dos dois, mas ficou sério logo depois.

"Sinceramente, eu não sei por onde começar...", ele soltou um suspiro longo, "Acho melhor narrar os acontecimentos para vocês e então... tentem acompanhar os fatos para depois tirarem suas próprias conclusões.", sem esperar resposta, ele continuou, "Sirius e eu...", Harry engoliu em seco ao ouvir o nome do padrinho, "... estávamos refugiados, em uma pequena casa, no meio de uma cidadezinha muggle, bem pacata e sem grande movimentação. Sirius não saía da casa, apenas eu de noite, então, para o resto da cidade, aquele lugar continuava abandonado. Quando recebemos uma coruja de Dumbledore, avisando que Voldemort armara uma estratégia de guerra e atacara em cinco lugares diferentes ao mesmo tempo, ficamos preocupados e pensamos em sair na mesma hora, de dia mesmo. Mas, a lua cheia seria na noite seguinte. Eu queria ficar e pedi para Sirius ir na frente, mas ele me convenceu que, como Padfoot, iria me controlar, não importasse como, e disse que chegaríamos juntos em Hogwarts."

Remus fechou os olhos por um instante, mas voltou a abri-los quando retornou a falar, "Nós saímos da casa e fomos direto para a floresta, voando baixo, entre as árvores, em vassouras domésticas, que eram lentas, mas mais rápidas e mais silenciosas que as pernas. Porém... o que nós não sabíamos, é que a coruja de Dumbledore tinha sido seguida. Justamente quando o sol estava se pondo, eu já não conseguia mais controlar a minha vassoura... dois Death Eaters apareceram atrás de nós. Nesse momento, eu já estava no chão e não podia fazer nada a não ser esperar que a minha transformação terminasse. Sirius estava na minha frente, os Death Eaters atrás de mim. Ele estava com a minha varinha, mas sabia que se não se transformasse em Padfoot eu iria atacá-lo, sendo a primeira pessoa que o lobo visse..."

Harry escutava atento, rezando, desejando que o pior ficasse fora da história de Remus.

"Então ele se transformou... e eu o vi. Meu amigo Padfoot, aquele que sempre me fazia companhia... E eu me lembro, eu sempre me lembro depois, meu instinto aguçado me avisou de dois humanos atrás de mim... quando eu me virei, com fome, pronto para atacar minha presa...", Remus abaixou os olhos, parecendo que ia morrer naquele instante, "Um raio de luz verde veio na minha direção e... e... ele se jogou na minha frente. Padfoot se jogou na minha frente e recebeu o feitiço..."

Harry inclinou o corpo para frente e mordeu as próprias mãos, que estavam em punho, apoiadas nos joelhos. Ele sentiu os braços de Hermione lhe envolvendo, carinhosos e percebeu que o corpo dela tremia de leve e que o seu próprio corpo também tremia. Ele chorou e escutou seus soluços, sua respiração, mas as palavras de Remus, que não parou de falar, encontravam seu caminho até seu cérebro, fazendo-o, obrigando-o a escutar mais.

"... mas, mas... Não foi Padfoot que eu vi caído no chão... era Sirius... eu senti o cheiro da carne humana, mas... senti também o cheiro do meu amigo, o cheiro de Padfoot, que era o mesmo de Sirius. Eu tentei, empurrando com o focinho, faze-lo levantar, mordi seu pescoço, como tantas outras vezes fiz... mas ele não se mexeu, ele não se mexeu.", a voz de Remus ficou mais séria, seus soluços mais contidos, quando ele suspirou para continuar, "E eu, sentindo a perda do meu amigo, ataquei aqueles que o mataram... eu sempre soube que era mais rápido e mais forte como lobo, mas nunca pensei que pudesse..."

Hermione, que estava abraçando a forma encolhida de Harry, levantou a cabeça, negando, com lágrimas escorrendo pelos seus olhos livremente, "Oh, não... não fale, por favor, não fale!"

Remus assentiu com a cabeça, mas continuou, "Eu não mexi em Sirius. O cheiro era muito forte... era muito familiar... mesmo sem entender, no momento eu era um animal irracional, eu não fiz nada com ele. Eu deitei no chão, ao lado dele, e dormi... Acordei no dia seguinte... com Sirius do meu lado e... duas carcaças humanas à minha frente...", ele se virou na cama, escondendo o rosto em um dos travesseiros, sua voz saindo abafada, "Foi a primeira vez que eu... e agora eu não consigo mais. Não consigo mais..."

Harry escutou vagamente as palavras de Hermione em seu ouvido. Percebeu a mão dela subindo e descendo nas suas costas, consoladora. Apenas desviou-se de tudo e saiu correndo, fugindo daquele cenário, daquela verdade. Correu pelos corredores vazios e escuros de Hogwarts, descendo pelas escadas, pulando quando elas ameaçavam mudar de lugar, abrindo os portões de entrada e... tropeçando, caindo de cara no chão, na grama úmida.

E ele não se mexeu. Ficou no mesmo lugar em que caíra, chorando, deixando suas lágrimas na terra, arrancando com as mãos as folhas, sujando-se e não se importando.

"Um Malfoy não chora...", ele escutou uma voz, destituída de toda e qualquer malícia, atrás de si, "Malfoy... não chora..."

Harry ergueu a cabeça e olhou pra trás. Draco Malfoy estava sentado de um jeito esquisito, e incômodo, na pequena escadaria. Agora ele sabia no quê, ou em quem, tinha tropeçado. E Malfoy nem se preocupara em mudar a posição depois do choque. O que ele estaria fazendo aqui? Tendo Pomfrey e Snape como duas amas-secas cuidando dele?

Levantando-se, Harry passou uma mão suja de terra pelo rosto, tentando secar as lágrimas. Sem se importar com seu estado, ele se aproximou do loiro, sentando-se na frente dele, no mesmo degrau. Malfoy estava de pijama, descalço e sem casaco. Sua cabeça estava abaixada e Harry não conseguia ver seu rosto. Incomodado com a posição estranha do outro, Harry colocou as mãos, com cuidado, sobre os ombros de Draco e fez com que ele se sentasse em uma posição mais ereta, olhando para ele.

Surpreso, Harry percebeu que o rosto de Malfoy estava molhado. Pensou antes se tinha chovido, mas a grama estava seca assim como o cabelo e a roupa do loiro. Então, mais surpreso ainda, Harry percebeu que várias lágrimas brotavam dos olhos de Malfoy, que estavam inexpressivos, olhando para o nada.

"Malfoy...", ele tentou falar, sua voz rouca com seu próprio choro, "Malfoy, o que está fazendo aqui?", ele estralou os dedos algumas vezes na frente do loiro, conseguindo sua atenção, "O que está fazendo aqui?"

Draco olhou pra ele e, provavelmente, não o reconheceu. Suas lágrimas não pararam, mesmo quando ele falou, num sussurro, "Não chora..."

Um pouco irritado, Harry respondeu rispidamente, mesmo mentindo, "Não estou chorando.", e repetiu a pergunta, "O que você está fazendo aqui?"

"... Não chora...", antes que Harry respondesse de novo, ele disse, "Malfoy não deve chorar..."

"Escuta, eu não estou pra brincadeiras! Cadê o Snape? Madame Pomfrey?"

Malfoy desviou o olhar, parecendo perdido de novo. Era muito diferente do garoto chato que Harry estava acostumado, e isso o irritava, pois não sabia o que fazer com esse Malfoy.

"Dormindo... eles dormem... eu não posso chorar..."

"Não.", Harry insistiu, "Você está chorando, Malfoy."

"Não posso...", ele balançou a cabeça lentamente, negando, "Não choro... Malfoy..."

"Eu já sei! Eu já sei!", Harry disse, impaciente, "Malfoy não chora! Mas você está chorando!"

Draco ergueu a cabeça de repente, aproximando-se de Harry, olhando nos olhos verdes e rosto sujo de terra, "Você... você chora.", ele disse, sem emoção. Depois, se afastou, "Eu não choro."

"Escuta aqui..."

"Eu escuto...", Draco disse antes que ele pudesse terminar de falar, "Eu escuto.", ele repetiu, firme, olhando mais uma vez nos olhos de Harry.

Entendendo finalmente o que o loiro queria dizer, Harry voltou a chorar, como uma criança, mais patético que o próprio Malfoy. Ele se abraçou e escondeu o rosto, chorando, perdido. E disse tudo o que estava entalado na garganta, preso dentro do coração. Sua tristeza em ver os amigos morrendo na frente dele, sua preocupação com os amigos que sobreviveram, seu nervosismo e frustração por não poder ajudar aqueles que estão morrendo, sua raiva por não poder ser um herói de verdade, que salvasse à todos, sua ignorância e incompetência para lidar com um mundo novo, diferente.

Se Malfoy escutou ou não, não deu para perceber e, verdadeiramente, Harry não se importava. Eles permaneceram afastados, um em cada ponta do degrau. Harry falando e chorando, Malfoy chorando e escutando. Mesmo que eles não se entendessem, eles precisavam daquela noite.

Harry, particularmente, ficou muito grato por poder desabafar, ainda mais que, no dia seguinte, recebera uma notícia, não exatamente triste, mas que o abalou muito. Era o Profeta Diário anunciando aos quatro ventos que Harry Potter tinha derrotado Voldemort. Agora, cabia à ele desfazer a mentira e dar graças à Deus por ter deixado parte dos seus problemas naquela noite com Malfoy.

Continua...