Epílogo - cap 8
Harry Potter e suas personagens pertencem à JK Rolling.
"Hummm..."
Era o único som que se escutava no quarto. Hermione lia atentamente a nova edição do Profeta Diário, completamente alheia aos olhares e embaraço dos seus companheiros. Uma hora ou outra ela soltava uma exclamação, transitando sua atenção para o jornal do dia anterior.
Harry estava calado, com a cabeça apoiada na mão, seus olhos correndo por toda a extensão do quarto, observando todos os presentes, analisando seja lá o que for com muita seriedade. George estava sentado no sofá, ao lado do irmão, com uma expressão de tédio no rosto, desconfortável com o silêncio. Fred, ao contrário, estava muito mais calmo, brincando com sua mão, entortando e dobrando os dedos do irmão, sem que ele nem percebesse.
Em uma poltrona perto da porta, em um canto mais escuro, Ginny parecia um bichano acuado, encarando Harry com uma expressão que variava conforme seus próprios pensamentos confusos. Estava encolhida na grande poltrona, com os pés junto ao corpo, o longo cabelo vermelho escondendo parte de seu rosto tenso.
Remus Lupin ainda estava segurando as flores murchas, em silêncio.
Com um suspiro longo, Hermione dobrou os dois jornais e encarou os outros presentes, ganhando a atenção de todos. Ela abriu a boca para dizer alguma coisa, gesticulou com as mãos por alguns segundos, mas acabou desistindo, suspirando de novo, abaixando o rosto.
"Eu sei que é difícil pra você ficar sabendo das coisas assim...", Harry disse rapidamente, "Mas eu não consegui encontrar um jeito mais fácil... pra mim.", Hermione apenas balançou a cabeça, sem erguê-la e ele desviou o olhar da amiga, que começava a chorar, "Eu sinto muito."
Incomodado, Harry andou na direção da porta, pensando em alguma coisa, qualquer desculpa, para sair dali.
"Vai fugir, Harry Potter?", Ginny disse atrevida ao seu lado, sentada na poltrona.
George, do outro lado do quarto, resmungou algo e ergueu-se, com uma expressão irritada no rosto, pronto para dar mais uma bronca na irmã. Mas Harry abriu a porta e, sem esconder o nervosismo, com um sorriso irônico no rosto, respondeu, "Eu vou fugir enquanto puder."
Do lado de fora do extremamente ocupado quarto, Harry caminhou a passos largos, ouvindo atento os passos mais leves e rápidos que o seguiam.
"Você não pode fugir desse jeito, Potter!", Ginny o alcançou, segurando-o pelo braço, "Não pode fugir das responsabilidades assim!"
Mesmo com o braço preso, Harry fingiu que não notou a presença da ruiva e continuou andando, arrastando-a consigo.
"Você está com medo do quê?", Ginny continuou a falar, com raiva, tentando pará-lo, mas sem sucesso, "Você não fez nada! Foi aquele muggle que atirou em Voldemort, foi um death eater que matou Ron, assim como Hermione foi atingida por vários feitiços e nenhum deles saiu da sua varinha! Você não tem culpa de nada, Potter, porque não fez nada! Não é nem herói nem vilão...", ela parou de falar, respirando ofegante pelo esforço, ainda acompanhando o passo de Harry, e um sorriso maldoso mudou sua expressão, "Será que é por isso? Não fez nada... não conseguiu salvar ninguém! O maior fracasso do mundo bruxo?", a risada dela ecoou pelo corredor vazio, mas Harry continuou andando como se nada tivesse acontecido, "Você tem medo disso, Potter? Não conseguiu salvar meu irmão... seu melhor amigo! Não conseguiu salvar seu padrinho e agora está sem família nenhuma. Mas... mas o que te remói mesmo por dentro é saber que Hermione se feriu, não é? E você ficou do lado dela... mas ela ainda ama meu irmão...", Ginny riu novamente, soltando o braço de Harry por um momento, mas voltando a alcançá- lo com um sorriso no rosto.
Porém, Harry parou de andar, estacando os pés no chão, com uma expressão fechada, o maxilar tenso e os olhos verdes escondidos pela franja.
"Quer conversar sobre isso, Ginny?", ele perguntou, sem emoção.
A ruiva deixou de sorrir, dando um passo para trás, confusa, "Conversar?"
"Sim, conversar.", ele disse, erguendo o rosto e olhando-a nos olhos, "Sobre isso que te incomoda tanto.", vendo que Ginny não iria falar nada, ele continuou, aproximando-se dela, o tom de voz casual, como se estivesse comentando o tempo, "Essa sua obsessão. Desde que me conheceu, que só aumentou quando eu disse que não queria nada com você... obsessão pelo grande Harry Potter."
Suspirando e rindo descompassado ao mesmo tempo, Ginny ergueu o rosto, desafiadora, "Eu nunca tive obsessão nenhuma por você."
"Não por mim. Pelo mito. Pelo grande herói que você sempre fantasiou e sempre perseguiu. E você não tem idéia do quanto eu desprezo gente que só enxerga o meu nome e o meu passado.", Harry se aproximou mais, obrigando Ginny a recuar mais um passo, "Você sempre quis o mito. Sempre quis o nome.", sua voz foi ficando cada vez mais zangada e o tom cada vez mais alto, "Nunca pensou que eu pudesse ter defeitos, que eu pudesse um dia fugir de uma amiga que chora pela morte do meu melhor amigo! Nunca sequer pensou que eu fosse tão humano a ponto de não ter ganhado a batalha final; nem ao menos ser derrotado eu fui! Fiquei apenas como um mero espectador, uma figura apática e sem graça! O verdadeiro Harry Potter! O Harry Potter que você não quer!", ele terminou resmungando a última frase entredentes, fechando as mãos em punho com força para não fazer alguma besteira, depois deu às costas, aborrecido não agüentou o que via.
Com lágrimas embaçando sua visão, Ginny soluçou, segurando o choro. Ela deu um passo à frente, erguendo uma mão lentamente, querendo tocar o rosto de Harry, mas não se atrevendo, "Harry... Algum dia... Algum dia você me amou?"
Suspirando pesadamente, achando que nada do que falasse iria ter significado para a ruiva, Harry respondeu, com uma voz cansada, "Ginny... você é muito parecida com o Ron... é muito fácil, pra mim, enxergar ele em você."
"Não..."
"Ron é como um irmão pra mim.", ele adiantou-se, não deixando que ela continuasse, "Você sabe muito bem disso. E Hermione também... por favor... não a envolva mais nisso.", ao ouvir os soluços, Harry sentiu uma zanga repentina e virou-se para Ginny, impaciente, "Não chore! Você está chorando por algo que não existe, nunca existiu!", ele ordenou bravo, fazendo apenas com que ela chorasse mais ainda.
Irritado e sem paciência alguma, Harry tentou se recompor e recomeçou a andar, sem olhar para trás. Em algum momento, enquanto andava, sentiu um pouco de vergonha pelo seu comportamento, pelas suas palavras. Mas a raiva que tinha dentro de si era tanta que não conseguia nem diferenciar os pensamentos, concluindo que a vergonha que sentira era apenas por ter se exposto para uma pessoa tão estranha e distante como Ginny Weasley.
"Pow! Pow! Pow!"
Harry parou de andar quando escutou a voz já conhecida, mesmo que um pouco distante. Com a cabeça cheia de pensamentos, não reparou para onde estava andando e só agora percebeu que tinha descido para a área dos calabouços. Por ser de difícil acesso e muito desconfortável, sendo mais fria que as outras alas do castelo, durante a guerra ela ficou praticamente vazia. Se Harry pudesse apostar, diria que apenas Snape e um ou outro louco é que andavam por esses corredores. Como ele agora.
"Argh..."
A voz de novo. Olhando em volta, Harry tentou identificar a direção do som, procurando entre os inúmeros calabouços e pequenos atalhos que existiam.
"Pow! Pow!"
Era Malfoy. Tinha certeza disso. Harry já esquecera há muito tempo da voz debochada e maliciosa do antigo Malfoy. Agora poderia identificar em qualquer lugar a voz dele, infantil, sincera até demais e, por muitas vezes, confusa. Tomar consciência desse fato não era muito confortável, mas não existiam muitas coisas confortáveis na vida de Harry com as quais ele pudesse se conformar.
"Argh! Ough..."
Parando em frente a uma porta pesada de ferro, Harry apurou os ouvidos, escutando mais um pouco das palavras estranhas de Malfoy. Tendo certeza que era aquela cela mesmo, ele empurrou a porta, fazendo com que o pouco da claridade que vinha do corredor entrasse no pequeno ambiente, mas foi o suficiente para que ele entendesse o que se passava.
Malfoy estava deitado no chão, com seus indefectíveis pijamas e descalço, como sempre. Todo sujo, entre a poeira da cela, ele tinha as duas mãos sobre o peito, agarrando o tecido fino da camisa, os olhos azuis arregalados e a boca aberta em uma careta de dor. Ele virou o rosto imediatamente quando a porta se abrira e Harry pôde ver uma pequena marca roxa na bochecha esquerda.
"E Potter apenas assistiu.", Draco sussurrou, como para si mesmo. A confiança dos gritos se perdera e sua voz estava incerta, denunciando o medo.
No fundo da cela, Harry notou, no chão e todo amassada, a última edição do Profeta Diário. O que Malfoy estava fazendo era apenas encenando o momento da morte de Voldemort, recitando até uma linha que ele mesmo exigira que fosse colocada.
Voldemort ficara muito poderoso. Ou se achava muito poderoso, tinha muita confiança em si mesmo, não vendo mais ameaça nenhuma na figura deprimente de Harry Potter. Então, com a certeza de que ninguém mais poderia detê-lo, ele atacou o mundo muggle. Mas, por ironia do destino, foi derrotado no instante seguinte que matou sua primeira vítima. Era uma criança, simples, estatura mediana, olhos e cabelos castanhos. Nada de estranho. Não seria e não foi difícil para que ele a assustasse, muito menos a matasse.
Mas a garotinha tinha um protetor. Um herói mais digno de seu título do que qualquer herói bruxo que já existiu. Ela tinha um pai, simples, estatura mediana, olhos e cabelos castanhos. Nada de estranho. Nenhuma cicatriz mágica, nenhum passado glorioso. Ele cumpriu apenas o seu papel de pai, protegendo sua filha daquele que a machucava. Ao ver que alguém poderia ameaçar a vida de sua filha, ele disparou. Era um policial civil, tinha uma arma em seu poder. Não era uma varinha e nem um cajado, não era poção ou feitiço. Uma simples arma de fogo, muggle.
Harry não sabe ao certo quantos tiros acertaram Voldemort. Ele ainda estava terminando de sussurrar Avada Kedavra quando o primeiro tiro o atingiu, seguido de muitos, muitos outros. Mesmo assim, o pai descobriu sua filha morta e, só então, Harry levantou sua própria varinha. Um pequeno feitiço de paralisação corporal e um segundo para apagar a memória e o policial civil, não mais pai, pôde voltar ao mundo muggle.
"Sim... eu apenas assisti.", ele disse, dando um passo para dentro da cela. Por alguma razão, sentia-se muito mais seguro e calmo com a loucura infantil do Malfoy do que com a estranha normalidade tristonha e mórbida de seus amigos.
No mesmo instante que ele deu o primeiro passo, porém, Draco ergueu-se do chão, fugindo para um canto escuro da cela, encolhendo-se como uma criança medrosa. Harry parou, não muito surpreso, mas mais desapontado. Não sabia exatamente quais eram as intenções de Malfoy quando ele colocou as flores de réquiem nas mãos de Remus, mas, de qualquer forma, sabia que tinha agido errado ao bater nele.
"Escapou de Snape novamente?", ele disse, com a voz tranqüila, sem querer assustar mais o outro.
Draco não disse nada no primeiro momento, mas recuou mais, gemendo como uma criança, quando Harry deu mais um passo na direção dele.
"Fugiu?", Harry disse, olhando em volta, tentando mostrar que não estava muito interessado no medo que o loiro tinha dele, "Eu também fugi hoje. Igualzinho a você: fugi daqueles que tentam me ajudar."
Quando voltou a encarar Malfoy, ele estava todo encolhido no canto mais escuro da cela, com as correntes enferrujadas em volta dele e os braços cobrindo o rosto assustado. Seu corpo tremia levemente e um pequeno muxoxo podia ser ouvido se chegasse mais perto.
Agora, realmente sentindo vergonha de si mesmo, Harry disse calmamente, "Você pode chorar... tem todo direito já que fui eu mesmo quem o feriu.", sem saber mais o que fazer e temendo chegar mais perto do loiro, Harry sentou-se no chão, sentindo a poeira de anos coçar em seu nariz e sujar as lentes dos óculos. Muito mais paciente e, querendo encarar sua responsabilidade de frente, ele limpou a garganta e disse, botando toda a sinceridade que era possível em suas palavras, "Eu queria me desculpar..."
Continua...
Harry Potter e suas personagens pertencem à JK Rolling.
"Hummm..."
Era o único som que se escutava no quarto. Hermione lia atentamente a nova edição do Profeta Diário, completamente alheia aos olhares e embaraço dos seus companheiros. Uma hora ou outra ela soltava uma exclamação, transitando sua atenção para o jornal do dia anterior.
Harry estava calado, com a cabeça apoiada na mão, seus olhos correndo por toda a extensão do quarto, observando todos os presentes, analisando seja lá o que for com muita seriedade. George estava sentado no sofá, ao lado do irmão, com uma expressão de tédio no rosto, desconfortável com o silêncio. Fred, ao contrário, estava muito mais calmo, brincando com sua mão, entortando e dobrando os dedos do irmão, sem que ele nem percebesse.
Em uma poltrona perto da porta, em um canto mais escuro, Ginny parecia um bichano acuado, encarando Harry com uma expressão que variava conforme seus próprios pensamentos confusos. Estava encolhida na grande poltrona, com os pés junto ao corpo, o longo cabelo vermelho escondendo parte de seu rosto tenso.
Remus Lupin ainda estava segurando as flores murchas, em silêncio.
Com um suspiro longo, Hermione dobrou os dois jornais e encarou os outros presentes, ganhando a atenção de todos. Ela abriu a boca para dizer alguma coisa, gesticulou com as mãos por alguns segundos, mas acabou desistindo, suspirando de novo, abaixando o rosto.
"Eu sei que é difícil pra você ficar sabendo das coisas assim...", Harry disse rapidamente, "Mas eu não consegui encontrar um jeito mais fácil... pra mim.", Hermione apenas balançou a cabeça, sem erguê-la e ele desviou o olhar da amiga, que começava a chorar, "Eu sinto muito."
Incomodado, Harry andou na direção da porta, pensando em alguma coisa, qualquer desculpa, para sair dali.
"Vai fugir, Harry Potter?", Ginny disse atrevida ao seu lado, sentada na poltrona.
George, do outro lado do quarto, resmungou algo e ergueu-se, com uma expressão irritada no rosto, pronto para dar mais uma bronca na irmã. Mas Harry abriu a porta e, sem esconder o nervosismo, com um sorriso irônico no rosto, respondeu, "Eu vou fugir enquanto puder."
Do lado de fora do extremamente ocupado quarto, Harry caminhou a passos largos, ouvindo atento os passos mais leves e rápidos que o seguiam.
"Você não pode fugir desse jeito, Potter!", Ginny o alcançou, segurando-o pelo braço, "Não pode fugir das responsabilidades assim!"
Mesmo com o braço preso, Harry fingiu que não notou a presença da ruiva e continuou andando, arrastando-a consigo.
"Você está com medo do quê?", Ginny continuou a falar, com raiva, tentando pará-lo, mas sem sucesso, "Você não fez nada! Foi aquele muggle que atirou em Voldemort, foi um death eater que matou Ron, assim como Hermione foi atingida por vários feitiços e nenhum deles saiu da sua varinha! Você não tem culpa de nada, Potter, porque não fez nada! Não é nem herói nem vilão...", ela parou de falar, respirando ofegante pelo esforço, ainda acompanhando o passo de Harry, e um sorriso maldoso mudou sua expressão, "Será que é por isso? Não fez nada... não conseguiu salvar ninguém! O maior fracasso do mundo bruxo?", a risada dela ecoou pelo corredor vazio, mas Harry continuou andando como se nada tivesse acontecido, "Você tem medo disso, Potter? Não conseguiu salvar meu irmão... seu melhor amigo! Não conseguiu salvar seu padrinho e agora está sem família nenhuma. Mas... mas o que te remói mesmo por dentro é saber que Hermione se feriu, não é? E você ficou do lado dela... mas ela ainda ama meu irmão...", Ginny riu novamente, soltando o braço de Harry por um momento, mas voltando a alcançá- lo com um sorriso no rosto.
Porém, Harry parou de andar, estacando os pés no chão, com uma expressão fechada, o maxilar tenso e os olhos verdes escondidos pela franja.
"Quer conversar sobre isso, Ginny?", ele perguntou, sem emoção.
A ruiva deixou de sorrir, dando um passo para trás, confusa, "Conversar?"
"Sim, conversar.", ele disse, erguendo o rosto e olhando-a nos olhos, "Sobre isso que te incomoda tanto.", vendo que Ginny não iria falar nada, ele continuou, aproximando-se dela, o tom de voz casual, como se estivesse comentando o tempo, "Essa sua obsessão. Desde que me conheceu, que só aumentou quando eu disse que não queria nada com você... obsessão pelo grande Harry Potter."
Suspirando e rindo descompassado ao mesmo tempo, Ginny ergueu o rosto, desafiadora, "Eu nunca tive obsessão nenhuma por você."
"Não por mim. Pelo mito. Pelo grande herói que você sempre fantasiou e sempre perseguiu. E você não tem idéia do quanto eu desprezo gente que só enxerga o meu nome e o meu passado.", Harry se aproximou mais, obrigando Ginny a recuar mais um passo, "Você sempre quis o mito. Sempre quis o nome.", sua voz foi ficando cada vez mais zangada e o tom cada vez mais alto, "Nunca pensou que eu pudesse ter defeitos, que eu pudesse um dia fugir de uma amiga que chora pela morte do meu melhor amigo! Nunca sequer pensou que eu fosse tão humano a ponto de não ter ganhado a batalha final; nem ao menos ser derrotado eu fui! Fiquei apenas como um mero espectador, uma figura apática e sem graça! O verdadeiro Harry Potter! O Harry Potter que você não quer!", ele terminou resmungando a última frase entredentes, fechando as mãos em punho com força para não fazer alguma besteira, depois deu às costas, aborrecido não agüentou o que via.
Com lágrimas embaçando sua visão, Ginny soluçou, segurando o choro. Ela deu um passo à frente, erguendo uma mão lentamente, querendo tocar o rosto de Harry, mas não se atrevendo, "Harry... Algum dia... Algum dia você me amou?"
Suspirando pesadamente, achando que nada do que falasse iria ter significado para a ruiva, Harry respondeu, com uma voz cansada, "Ginny... você é muito parecida com o Ron... é muito fácil, pra mim, enxergar ele em você."
"Não..."
"Ron é como um irmão pra mim.", ele adiantou-se, não deixando que ela continuasse, "Você sabe muito bem disso. E Hermione também... por favor... não a envolva mais nisso.", ao ouvir os soluços, Harry sentiu uma zanga repentina e virou-se para Ginny, impaciente, "Não chore! Você está chorando por algo que não existe, nunca existiu!", ele ordenou bravo, fazendo apenas com que ela chorasse mais ainda.
Irritado e sem paciência alguma, Harry tentou se recompor e recomeçou a andar, sem olhar para trás. Em algum momento, enquanto andava, sentiu um pouco de vergonha pelo seu comportamento, pelas suas palavras. Mas a raiva que tinha dentro de si era tanta que não conseguia nem diferenciar os pensamentos, concluindo que a vergonha que sentira era apenas por ter se exposto para uma pessoa tão estranha e distante como Ginny Weasley.
"Pow! Pow! Pow!"
Harry parou de andar quando escutou a voz já conhecida, mesmo que um pouco distante. Com a cabeça cheia de pensamentos, não reparou para onde estava andando e só agora percebeu que tinha descido para a área dos calabouços. Por ser de difícil acesso e muito desconfortável, sendo mais fria que as outras alas do castelo, durante a guerra ela ficou praticamente vazia. Se Harry pudesse apostar, diria que apenas Snape e um ou outro louco é que andavam por esses corredores. Como ele agora.
"Argh..."
A voz de novo. Olhando em volta, Harry tentou identificar a direção do som, procurando entre os inúmeros calabouços e pequenos atalhos que existiam.
"Pow! Pow!"
Era Malfoy. Tinha certeza disso. Harry já esquecera há muito tempo da voz debochada e maliciosa do antigo Malfoy. Agora poderia identificar em qualquer lugar a voz dele, infantil, sincera até demais e, por muitas vezes, confusa. Tomar consciência desse fato não era muito confortável, mas não existiam muitas coisas confortáveis na vida de Harry com as quais ele pudesse se conformar.
"Argh! Ough..."
Parando em frente a uma porta pesada de ferro, Harry apurou os ouvidos, escutando mais um pouco das palavras estranhas de Malfoy. Tendo certeza que era aquela cela mesmo, ele empurrou a porta, fazendo com que o pouco da claridade que vinha do corredor entrasse no pequeno ambiente, mas foi o suficiente para que ele entendesse o que se passava.
Malfoy estava deitado no chão, com seus indefectíveis pijamas e descalço, como sempre. Todo sujo, entre a poeira da cela, ele tinha as duas mãos sobre o peito, agarrando o tecido fino da camisa, os olhos azuis arregalados e a boca aberta em uma careta de dor. Ele virou o rosto imediatamente quando a porta se abrira e Harry pôde ver uma pequena marca roxa na bochecha esquerda.
"E Potter apenas assistiu.", Draco sussurrou, como para si mesmo. A confiança dos gritos se perdera e sua voz estava incerta, denunciando o medo.
No fundo da cela, Harry notou, no chão e todo amassada, a última edição do Profeta Diário. O que Malfoy estava fazendo era apenas encenando o momento da morte de Voldemort, recitando até uma linha que ele mesmo exigira que fosse colocada.
Voldemort ficara muito poderoso. Ou se achava muito poderoso, tinha muita confiança em si mesmo, não vendo mais ameaça nenhuma na figura deprimente de Harry Potter. Então, com a certeza de que ninguém mais poderia detê-lo, ele atacou o mundo muggle. Mas, por ironia do destino, foi derrotado no instante seguinte que matou sua primeira vítima. Era uma criança, simples, estatura mediana, olhos e cabelos castanhos. Nada de estranho. Não seria e não foi difícil para que ele a assustasse, muito menos a matasse.
Mas a garotinha tinha um protetor. Um herói mais digno de seu título do que qualquer herói bruxo que já existiu. Ela tinha um pai, simples, estatura mediana, olhos e cabelos castanhos. Nada de estranho. Nenhuma cicatriz mágica, nenhum passado glorioso. Ele cumpriu apenas o seu papel de pai, protegendo sua filha daquele que a machucava. Ao ver que alguém poderia ameaçar a vida de sua filha, ele disparou. Era um policial civil, tinha uma arma em seu poder. Não era uma varinha e nem um cajado, não era poção ou feitiço. Uma simples arma de fogo, muggle.
Harry não sabe ao certo quantos tiros acertaram Voldemort. Ele ainda estava terminando de sussurrar Avada Kedavra quando o primeiro tiro o atingiu, seguido de muitos, muitos outros. Mesmo assim, o pai descobriu sua filha morta e, só então, Harry levantou sua própria varinha. Um pequeno feitiço de paralisação corporal e um segundo para apagar a memória e o policial civil, não mais pai, pôde voltar ao mundo muggle.
"Sim... eu apenas assisti.", ele disse, dando um passo para dentro da cela. Por alguma razão, sentia-se muito mais seguro e calmo com a loucura infantil do Malfoy do que com a estranha normalidade tristonha e mórbida de seus amigos.
No mesmo instante que ele deu o primeiro passo, porém, Draco ergueu-se do chão, fugindo para um canto escuro da cela, encolhendo-se como uma criança medrosa. Harry parou, não muito surpreso, mas mais desapontado. Não sabia exatamente quais eram as intenções de Malfoy quando ele colocou as flores de réquiem nas mãos de Remus, mas, de qualquer forma, sabia que tinha agido errado ao bater nele.
"Escapou de Snape novamente?", ele disse, com a voz tranqüila, sem querer assustar mais o outro.
Draco não disse nada no primeiro momento, mas recuou mais, gemendo como uma criança, quando Harry deu mais um passo na direção dele.
"Fugiu?", Harry disse, olhando em volta, tentando mostrar que não estava muito interessado no medo que o loiro tinha dele, "Eu também fugi hoje. Igualzinho a você: fugi daqueles que tentam me ajudar."
Quando voltou a encarar Malfoy, ele estava todo encolhido no canto mais escuro da cela, com as correntes enferrujadas em volta dele e os braços cobrindo o rosto assustado. Seu corpo tremia levemente e um pequeno muxoxo podia ser ouvido se chegasse mais perto.
Agora, realmente sentindo vergonha de si mesmo, Harry disse calmamente, "Você pode chorar... tem todo direito já que fui eu mesmo quem o feriu.", sem saber mais o que fazer e temendo chegar mais perto do loiro, Harry sentou-se no chão, sentindo a poeira de anos coçar em seu nariz e sujar as lentes dos óculos. Muito mais paciente e, querendo encarar sua responsabilidade de frente, ele limpou a garganta e disse, botando toda a sinceridade que era possível em suas palavras, "Eu queria me desculpar..."
Continua...
