O ANARQUIA

Cap1: A MATILHA

Um jovem ruivo caminhava pelas ruas escuras de Gotham, sua face pálida e inexpressiva casava com seus pensamentos, nulos, neutros.

Não se sabe há quanto tempo ele caminhava... e essa não é uma questão irrelevante! Alguns sábios diziam que a melhor forma de se ter um raciocínio límpido é quando seu corpo está em atividade, pois seu bem estar físico se reflete no seu estar mental.

Em todo caso, já devia fazer um bom tempo que o rapaz caminhava, talvez sempre na mesma rua. Assim, não é de se estranhar que ele tenha resolvido mudar seu percurso saindo das ruas principais e entrando nos infames becos de Gotham City.

Jogando as pernas pra frente, os ombros curvados, ele passava sem olhar para a sujeira e a miséria da cidade que era parcialmente escondida nos bairros pobres e nas ruelas escuras.

- NÃOOO! SOCORRO!!!!

Atraído pelo grito, o rapaz olha para o lado e vê uma garota, não mais do que 15 anos, sendo assaltada por um bando de rapazes, eles trazem nas jaquetas o nome Demônios das Ruas, uma gangue qualquer que há muito tempo atrás era considerada forte no submundo.

A menina se retorcia e a custo tentava escapar de seus atacantes, mas ele apenas riam dos seus esforços e não foi nenhuma surpresa quando eles a imobilizaram e começaram a arrancar suas roupas.

O nosso rapaz ruivo continuava a observar os acontecimentos, sem se manifestar, sem oferecer ajuda. E continuou a ver, como um telespectador fascinado pela vida selvagem vê um leão devorar um filhote qualquer. Viu a menina ser estuprada, viu a gangue ir embora rindo e se drogando e só então ele se moveu. Foi embora.

- Por favor... me ajudem...

Indiferente aos apelos da vítima, ele seguiu seu caminho. Não chamou ajuda e nem esboçou qualquer reação ao apelo. Ele estava muito ocupado, muito ocupado pensando.

"Animais... Homens agindo como animais irracionais..."

Pessoas saíam de suas casas e se aglomeravam ao redor da jovem. Logo o som das sirenes seriam ouvidas, mas elas não estavam ali para ajudar, estavam somente para presenciar o grotesco da cena.

"... Como chegamos a isso? Como nos permitimos fazer isso a outro ser humano?..."

Ele viu o reflexo da cena pelos restos de uma janela quebrada. Mas não parou de andar.

"... Nos tornamos tão indiferentes uns aos outros. Que espécie de comunidade nós somos? Nenhuma... nós não somos uma comunidade, somos feras atacando uns aos outros, enquanto o domador nos chicoteia e ri!"

Ele finalmente saiu do beco e parou em frente a uma avenida iluminada. Sob a luz de um poste, ergueu os olhos e viu um cartaz de uma loira oferecendo cigarros.

Ficou ali, estático. O rosto ainda inexpressivo.

"Por tanto tempo eu lutei, tanto eu tentei mostrar as pessoas o que o sistema está fazendo conosco... Eu me perguntava como fazer as pessoas entenderem que o capitalismo nos transforma em animais, que não há chance para todos porque para muitos não há acesso nem a coisas básicas como comida... o capitalismo não gera oportunidades para os bem-dotados, apenas cuida para que os exploradores dominem a massa... é um círculo vicioso...

Eu me perguntava como fazer as pessoas entenderem que a democracia não é a vontade da maioria, mas a decisão de uma minoria dominante..."

O ruivo olhou para si mesmo, para os tênis de marca, a camiseta de grife... para seu corpo que não tinha marcas de fome, de miséria, de sacrifício.

"Que tolo eu era... as pessoas já sabem disso! Até as crianças sabem disso... não é preciso saber pôr em palavras... seus pratos vazios e suas roupas em farrapos os fazem conscientes de tudo. E eu... E eu passei a minha adolescência pichando muros e crendo que mensagens simples como O ESTADO OPRIME, NÃO VOTE... iria mudar alguma coisa..."

Voltou a andar.

"... Se você leva pancada toda a sua vida, você começa a fazer de tudo para não apanhar mais, menos bater na mão que te bate... você fica com a impressão que aquela mão é mais forte que você, não importa o quanto tenha mudado!

Eu sempre fui tão localista... pensando que uma simples demonstração na minha cidade pudesse gerar uma revolução, e o que eu mudei? O que eu vi? Nada...

Hoje em dia não há mais a possibilidade de haverem revoluções locais. Se há, os outros potentados cuidam para extingui-la. Para que haja verdadeiramente uma revolução, é preciso que seja global. Mas como eu posso fazer para que a população mundial tome consciência que a mão que as oprime não é mais forte do que elas?..."

O rapaz parou e ergueu os olhos. Bem a sua frente uma televisão reluzia em uma vitrine decorada com a bandeira norte-americana.