Algo acontecera naquele exato instante. Shoran precisou segurar-se com uma mão na cabeceira da cama, enlaçando Sakura pela cintura com suas pernas e com o outro braço. Logo em seguida, teve que usar seus dois braços, senão não resistiria. Uma força de atração poderosíssima sugava o ar e tudo em volta para o centro da cama. Brinquedos, bonecas, o despertador, até os patins e o estimado ursinho de pelúcia já haviam sumido.
Em meio a essa confusão toda, Sakura aprumou-se e ordenou que mais duas cartas atuassem. Elas dirigiram-se diretamente para o centro da cama e lá desapareceram. Logo em seguida ela relaxou o corpo e dessa vez assustou Shoran de verdade!
— SAKURA! Agüente firme! — ele ficou realmente nervoso. Parecia que ela desmaiara de vez. Com esforço redobrado, soltou novamente o braço direito e puxou-a para si, quando constatou que a temperatura de seu corpo, antes febril, baixara muito. O vento atrapalhava sua percepção, mas parecia que ela também não respirava mais.
Esse era o momento em que ele TINHA que tentar algo. Colocou mais uma vez o rosto ao lado do dela.
— Volte para mim, meu amor... — sussurrou, e fechou os olhos. Agora se sentia um com ela. Sua força mágica começou a se manifestar, envolvendo os dois com uma tênue luz verde. Acometido de um pouco de frio, percebeu que o calor de Sakura parecia retornar lentamente. Manteve-se firme agarrado a ela, apesar da força centrífuga não diminuir. De olhos cerrados e abraçado à feiticeira, Shoran sorriu. Ele adorava desafios...
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— Os vencedores de suas provas requerem sua presença. Revele-se, RUBI ETERNAL! — com o báculo erguido, o mago proferiu a invocação. Uma intensa luz vermelha surgiu, cada vez mais forte, e ele apareceu no ar, a quatro metros de altura. — Cubra os olhos, Diana! — indicou ele, no que foi atendido rapidamente. O rubi era bem grande, do tamanho de uma tangerina, o que facilitava sua captura. Como medida defensiva, começou a movimentar-se pela sala, desaparecendo e reaparecendo em vários pontos dela em intervalos regulares de tempo, cerca de um segundo.
Não havia como persegui-la, pois esse procedimento seguia um padrão de tempo, mas não de posicionamento. Clow não podia prever onde ao certo a jóia reapareceria.
Curiosamente, o mago parecia estar preparado para esta eventualidade.
— Não desta vez, meu caro... — após murmurar estas palavras comandou: — CARTAS SAKURA, IMPEÇAM O RUBI DE MOVER-SE!
Movimento muito bem planejado. As cartas Fogo, Terra, Trovão, Água, Chuva, Vento, Sombra, Flor, Brilho e Luta atacaram todas ao mesmo tempo, paralisando a jóia no ar próxima a um dos cantos da sala.
— Diana, olhe rapidamente a posição do Rubi na sala e posicione-se o mais próximo possível dele! Não temos muito tempo! — falou para a guerreira. Ela descobriu os olhos rapidamente e viu onde era. Correu para lá e confirmou com a mão que estava pronta. — Não esqueça, seja rápida! ESCURIDÃO! MANIFESTE SEU PODER NESTA SALA!
Escuridão apareceu e enegreceu por completo o ambiente, inclusive a luz vermelha que imperava no ambiente. Diana não enxergava nada, nem um palmo à frente do nariz. Mas seu condicionamento de guerreira lhe dava noção exata de onde estava e do que deveria fazer. Tomou impulso e saltou diretamente acima dela. Começava a descer de seu salto quando tocou o rubi, mas não conseguiu prende-lo com a mão direita. Pulou de novo, e desta vez não achou o objeto. Ou ele se movera, ou ela perdera a referência. Analisou bem o que tinha feito, e chegou à conclusão de que cometera um erro básico. Saltou novamente, mas dessa vez utilizou outra técnica: ergueu as duas mãos para procurar o rubi; ao tocá-lo, com muito rapidez juntou-as e finalmente segurou-o com firmeza. A jóia estava com ela agora.
— Está comigo, Clow!
— Erga-o sobre sua cabeça e feche os olhos! LUZ! MANIFESTE-SE E ILUMINE A SALA! — comandou ele. Luz cortou o efeito de Escuridão e ainda inundou a sala com sua claridade. Vibrando com intensidade, o rubi brilhou novamente, de maneira muito mais intensa do que antes, quase forçando a Mulher Maravilha a soltá-la. Cessou logo depois, pois não suplantou o poder da carta Sakura. — Está feito, conseguimos! — o mago aproximou-se, comemorando.
— E agora, Reed? — inquiriu a heroína.
— Vou completar o trabalho. — dizendo isto, tirou do bolso uma pequena chave, dessas usadas em livros com capa dura e cadeado. Tinha um formato que lembrava uma cabeça de um passarinho, com asinhas bem pequenas. — Solte-o, Diana. — ao ser atendido, e com o rubi flutuando no ar o mago aproximou-se. E completou, dirigindo a palavra ao artefato mágico: — Você sabe porque vim atrás de você. Ela vai precisar do seu poder para poder se tornar a feiticeira que este mundo precisa.
— Ela me rejeitou. Transformará o báculo em estrela, e me esquecerá... — uma voz se fez soar. Era a essência do mágico elemento.
— Pelo contrário. A partir dali, você viverá para sempre como parte da magia dela. Sem você, ela não poderá proteger este planeta.
— Eu sei. É uma idéia com a qual eu preciso me acostumar... — a voz soou novamente.
— Você terá tempo. Ou prefere mais destruição e confusão à sua volta?
— Para falar a verdade, eu estou ansioso para conhecê-la... — a conversa encerrara-se ali, nada mais havia a ser dito. O rubi brilhou pela última vez, dividiu-se em dois, e moldou-se na chave, no espaço que seria equivalente aos olhos do pequeno pássaro. Num último clarão, a chave transformou-se num báculo cor de rosa, para depois novamente encolher-se e retornar para as mãos do poderoso mago.
Num sorriso de satisfação, Clow olhou para a chave agora completa. Cessara ali o seu trabalho. Fora bem sucedido.
— Creio que já devo ir, Diana. Apesar de tudo, foi bom te rever. Obrigado pela ajuda. — agradeceu o mago.
— Adeus, mago. Não faça besteiras novamente, eu posso não estar de tão bom humor como hoje... — e Diana sorriu, da maneira que ela maliciosamente fazia quando queria deixar algo a mais na cabeça de algum homem.
Clow nem respondeu. Sorriu de volta apenas. Num primeiro momento, ergueu sua mão esquerda, apontando para o alto. Seguindo este gesto, as cartas Sakura juntaram-se todas bem acima dele e sumiram num ponto luminoso. Em seguida, ele levantou seu báculo com a mão direita, girando-o acima de sua cabeça. Com sua magia, abria um portal para retornar ao seu tempo e à sua casa. Missão cumprida.
Diana também saiu rápido dali. Em breve as forças americanas tomariam aquele palácio já abandonado, então não queria ficar para explicar sua presença ali. Deveria retornar ao seu jato invisível, que estava no aeroporto. Carregava consigo a esperança de dias melhores, de mais compreensão na humanidade e de menos desigualdade e injustiça. Continuaria lutando por isso, agora com espírito renovado e a proteção de sua terra natal garantida.
Naquela noite, apesar da bem sucedida invasão de Bagdá em andamento, os radares captaram algo se movendo com extrema rapidez deixando o espaço aéreo de Bagdá. Essa informação foi classificada de "CONFIDENCIAL", pois ninguém vira a aeronave e julgavam ter rastreado a fuga do líder inimigo. Não era bom que essa informação vazasse...
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— Sakura deu tudo certo... — sussurrou para ela. — Obrigado por me ajudar...
— Não foi nada! E ele estava aqui para me ajudar, foi bom por esse lado... — agradeceu a menina, corando logo em seguida...
— Desculpe o desconforto causado. Siga em paz, querida. As cartas já retornaram. Tudo ficará bem agora.
— Eu te verei de novo?
— Acho que não. Devo retornar para o meu tempo. Tenho substitutos à altura hoje, e uma feiticeira bem mais poderosa que eu, em quem confio. — dizendo isso, afagou a cabeça dela carinhosamente. E foi desaparecendo lentamente, sorrindo...
— Adeus, Mago Clow... — despediu-se ela, com uma pontinha de tristeza. Em seguida, sentiu um cansaço crescente. Fechou os olhos para relaxar um pouco, e acabou adormecendo.
Algumas horas depois, seus olhos se abriram lentamente. Sentiu um calor delicioso de alguém querido lhe abraçando apertado, na verdade ela estava deitada sobre ele. Virou seu rosto de lado e estalou um beijo em Shoran, que olhou para ela e sorriu.
— Tudo bem, Sakura? — cumprimentou, após perceber com alívio que a temperatura do corpo dela parecia estável.
— Melhor impossível, querido... — E deu mais um beijo no seu lobo. Mas desta vez nada de estalado... Esse foi até meio que silencioso...
Olhou para ele, sorrindo e afagando seu rosto ainda preocupado. Levantou-se sem dificuldades nem traços de fraqueza. Mas trouxe-o pela mão até a janela de seu quarto. O sol estava nascendo, e ela queria compartilhar este momento com ele.
— Só existe um único nascer do sol, a cada dia... — murmurou ela, após um período de contemplação. A mudança das tonalidades da noite para as alegres luzes do dia é um espetáculo natural incomparável.
— Este aqui ficará mais especial ainda... — completou ele.
— Por quê? — Sakura às vezes perdia o senso do óbvio. Mas desta vez Shoran caprichou. Lentamente mudou sua posição e ficou bem em frente a ela, de costas para a janela.
— Prefiro mil vezes assistir a isso através de seus olhos, Sakura... — completou, transformando a pequena feiticeira momentaneamente num pimentão vermelho.
— Shoran... Não faz assim... — pediu, encabuladíssima.
— Você é a culpada por me sentir tão feliz. — abraçou-a, para sentir-se cada vez mais perto, cada vez melhor, cada vez mais seguro.
— Não é somente essa a minha culpa... — após curtir todas as coisas boas que um abraço de seu querido Shoran podia lhe proporcionar, desde aquele que acontecera no elevador da torre há alguns anos, ela respondeu um tanto melancólica.
— Que quer dizer? — perguntou ele, intrigado.
Sakura chamou-o até sua cama, onde sentaram-se e conversaram por um pouco. Sakura explicou que tivera um sonho com o Mago Clow e uma outra pessoa, uma mulher, uma heroína. Contou tudo que pode se lembrar, e à medida em que decorria esta narrativa, ela entendia cada vez mais porque estava relacionada com os acontecimentos. Shoran também relatava como ela reagira em seu quarto, durante seu transe, deixado quase tudo muito claro para ambos.
Ela então calou-se por um pouco, levantou-se e voltou à janela, pensativa.
— Quer ficar sozinha? — perguntou o menino chinês.
— Não... — olhando para ele, pediu: — Fique comigo...
— Essa proposta é irrecusável... — sorriso aberto, abraçou-a com todo o carinho do mundo. Ouviu uma voz levemente entristecida alguns segundos depois.
— Em outra parte deste mundo, dois povos estão em guerra. Há muita tristeza num só lugar, e dessa realidade veio uma das fontes do meu poder. Isso é justo?
— Se foi assim, é porque deveria ser assim. — respondeu ele, sério.
— Eu queria que esse tipo de coisa nunca acontecesse... — notava-se um pouco mais de melancolia na pequena feiticeira...
— Não cabe a nós decidir isso, Sakura. Você não é responsável por este tipo de coisa.
— Não, mas gostaria de evitar isso...
— É uma boa idéia a se pensar...
— Eu acho que também por isso me foi dado esse grande poder... Não permitir que as coisas ruins prevaleçam sobre as boas.
— É uma missão nobre. Mas é difícil também... — sóbrio, ele fazia questão de não esconder a realidade dela. — Tenho certeza que outras pessoas pensam como você. Cabe a você a sua parte, querida. Que aliás, já é bastante coisa.
— Eu sei...— concordou ela. Tomou a chave de seu pescoço e colocou-a na palma de sua mão. Olhou-a com ternura, colocou a outra mão sobre ela e, para espanto de seu namorado, após provocar um grande brilho trouxe-a à sua forma original, de quando a recebeu de Kero pela primeira vez. E disse, segurando-a entre seus dedos: — Obrigada por confiar em mim. Eu não vou te desapontar.
O pequeno objeto emitiu um brilho vermelho, como que respondendo a ela. Sakura sorriu, e apertou-a contra o peito, fechando os olhos agradecida.
Shoran abraçou-a mais forte, fazendo-a sentir-se duplamente feliz! Disfarçadamente, tomou a sua mão e abriu-a, e falou também com a miniatura do báculo:
— Ela NÃO VAI te desapontar, acredite, eu sei. — piscando, completou com uma careta. Sakura assistiu a tudo.
— Seu bobo... — podia viver melhores momentos do que estes? Beijou-o, mas desta vez não foi no rosto... O abraço ficou mais carinhoso...
— Hmmmmmmmmmmmmm... O moleque tá se dando bem! — Kero estava de pé na escrivaninha, rindo à toa.
— Ora seu... — Shoran a largou e correu para cima dele. O guardião ia falar algo mais, só que a porta se abriu e ele, prevendo quem era, se atirou na gaveta, fechando-a rapidamente. Touya entrou no quarto como um cavalo.
— Ora seu pirralho! Ainda aqui? Agora ninguém vai te proteger de mim! — ameaçou.
— Que novidade... — retrucou ele, conformado. Lá vinha outra discussão interminável...
— Touya, pára com isso! — gritou Sakura.
— Fica quieta, monstrenga!
— EU NÃO SOU MONSTRENGA!!!
Shoran foi até a janela, para ficar um pouco alheio à confusão, embora soubesse que ia sobrar para ele em breve. Sem saber, um par de olhos azuis o observava. Surpreendentemente, ele percebeu isso, e ficou procurando quem era seu observador. Assustado, viu uma bela mulher ocidental em trajes de batalha um pouco espalhafatosos surgindo à sua frente, como se estivesse andando por sobre o ar, sorrindo, a mais ou menos dez metros acima dele. Tão rápido quanto veio, sumiu. Ficou com cara de tacho até que Touya o puxou pelo braço para dentro do quarto.
— Clow estava certo. O mundo oriental está bem protegido. — murmurou Diana, retomando os controles do seu jato invisível e rumando de volta para Nova Iorque.
FIM
NOTAS DO AUTOR
A idéia de juntar Mago Clow e Mulher Maravilha surgiu de minha convicção de que Clow sempre foi um tremendo mulherengo e que, se alguém pudesse ludibriar de alguma forma a sempre austera Mulher Maravilha, seria ele. Na minha cabeça, Clow perseguia este objeto mágico, o Rubi Eternal, que era de posse das amazonas da Ilha Paraíso (ou Themyscira), terra natal de Diana Prince. Tenho pra mim que Clow enganou a Diana para chegar ao Rubi, quando ela ainda seria adolescente e não tinha ainda a vocação para ser a heroína que acabou se tornando. Quem sabe um novo fic depois sobre isso? ;-)
Eu tenho em casa uma publicação especial sobre a Mulher Maravilha chamada "O ESPÍRITO DA VERDADE". Nela, Diana Prince é retratada como se fosse uma mulher real, não estilizada. Inclusive nos créditos da estória existem textos onde os autores agradecem a uma modelo real que eles utilizaram como base para desenhar a Mulher Maravilha neste trabalho. Isso ficou rondando minha cabeça durante um certo tempo. Até que a senhorita Katherine Klein me desafiou, e eu decidi encarar essa idéia.
A participação de Sakura e Shoran é muito importante, já que, como no anime e no mangá, tudo o que ocorre acaba sendo direcionado para ela. E aqui eu começo a dar uma palhinha sobre minha visão do romance entre estes dois personagens. Espero escrever mais sobre eles em breve.
Os locais em Bagdá que foram citados realmente existem. Procurei ambientar todos os acontecimentos lá, na noite anterior à tomada da cidade pelos EUA neste ano. Então, a estória tem uma conotação bem atual. Mas não se iludam, não é sobre política. É sobre Reed Clow e Diana Prince, a Mulher Maravilha.
Deixo aqui um agradecimento especial para minha querida amiga Rosana Marques, pela revisão desta minha fic e pelo apoio em momentos difíceis. Muito obrigado.
Espero que você tenha gostado do que leu. Por favor, deixe sua opinião expressa por aqui ou por email: mvoj@bol.com.br
Até a próxima!
^^'o'^^
