Capítulo 1
"You
never give me your money
You only give me your funny paper
And in the middle of negotiations
You break down"
Quatro anos depois
Ela estava estudando quando bateram na porta.
As duas nulidades com quem dividia o alojamento haviam chegado há pouco, mas, no momento em que escutaram as batidas, correram para seus respectivos quartos. Não estavam fazendo nada, mas adivinha só quem teria que interromper o que estava fazendo para atender a porta? Ela! Quem mais? Era tudo nas costas dela. Uma hora o tempo iria fechar para aqueles dois folgados, e então eles iriam ver só.
A síndica do prédio trouxa de dois andares, onde ficava seu alojamento, estava do outro lado da porta com a cara ainda mais feia que o normal. Hermione adivinhou por que os dois inúteis correram para seus quartos. Aprontaram com a síndica de novo. E adivinha só quem iria escutar a bronca?
- Pois não? – ela recebeu a mulher, com a cara mais inocente que poderia fazer. A velha a mediu de cima a baixo, com desdém.
- Onde estão os dois meliantes que dividem o apartamento com você, senhorita Granger? – sua voz era venenosa. – Eu sei que eles estão aqui!
- Interessante! – ela respondeu com ironia. – Eu passei a tarde toda em casa, estudando e não vi nenhum dos dois chegarem!
- Você se acha muito esperta, mocinha! Eles, também. Mas um dia eu vou pegá-los em flagrante e então vocês três serão expulsos daqui!
- Era só isso? – Hermione retrucou, entredentes. A mulher a olhou, meio perdida, como se não soubesse o que fazer. – Então passar bem, minha senhora!
E Hermione bateu com força a porta na cara da sindica.
Tentou contar até dez, mas então viu as caras de pau de Neville Longbottom e Draco Malfoy espiando pelas frestas das portas de seus quartos.
- Ela já foi? – Neville cochichou, um tanto nervoso. Hermione o fuzilou com os olhos.
- Vocês dois não tem nada melhor pra fazer, não? – esbravejou. – Por que não estudam? Eu soube que suas notas no curso de Herbologia Avançada não andam muito boas, Neville! E você, Malfoy? Pelo que estou sabendo fazem duas semanas que não aparece na faculdade! Afinal, vocês dois estão aqui para que? Para atormentarem a síndica?
- E o que tu tem que ver com isso, Granger?- Draco se esganiçou, com maus modos.
- Tenho porque sou eu que tem que ouvir as reclamações desta mulher!
- To falando da faculdade!
- Eu não tenho nada que ver com isso, mas tenho certeza que o professor Snape iria ficar muito desgostoso se soubesse que indicou a pessoa errada e...
- Ah! – reclamou Neville, se jogando no sofá. – Eu não agüento mais ouvir vocês dois batendo boca o dia inteiro. Parecem duas tias velhas solteironas!
- E você cala a boca, Longbottom, que ninguém aqui pediu a tua opinião! – gritou Draco.
- Não grite com o Neville! – gritou Hermione.
- E você não grite comigo, sua s...
- Continua! – ela desafiou. Mas ele sorriu, debochado.
- Sua cabeluda!
- Chega, vocês dois! – berrou Neville. Eles se calaram. Hermione despencou no sofá ao lado dele. O que foi que fizera para merecer isso? Dividir alojamento com o Malfoy e o Longbottom? Só podia ser castigo.
- O que vocês fizeram para a síndica desta vez? – ela perguntou.
- O Malfoy pintou o gato dela de verde! – respondeu Neville. Hermione olhou para Draco, com os olhos arregalados.
- Calma, Granger! – ele sibilou, com sua velha e conhecida voz arrastada, sentando-se ao lado dela no sofá. – Eu só tasquei o bicho numa lata de tinta. Não usei magia. O que o Longbottom esqueceu de contar foi que ELE derrubou no corredor uma daquelas suas plantas idiotas e que a porcaria do gato comeu. E daí o bicho começou a ficar verde. Eu só salvei o nosso couro. Você sabe que a gente é proibido de usar magia aqui no prédio, exceto no apartamento.
- Ok! Mas o que eu não entendo é porque vocês implicam tanto com a velha.
- Ela é quem implica comigo! – disse Neville. – Desde que me mudei, antes de vocês dois chegarem, que ela pega no meu pé. Só porque eu quebrei alguns vasos do saguão quando me mudei, mas não foi de propósito. Ela cismou com a minha cara e começou me perseguir. Daí o Malfoy chegou...
- E a velha idiota veio aqui bisbilhotar. Queria saber o que eu era de um perdedor como o Longbottom. – completou Malfoy.
- E o cretino falou pra ela que era meu namorado, Hermione! E começou andar pelado pelo apartamento. Um dia ela veio aqui e ele colocou um avental. Só o avental, Hermione. E sabe o que ele disse pra ela? Que estava preparando o jantar para mim. O diabo da velha só faltou pedir nossa expulsão em reunião de condomínio. – continuou Neville. – Daí ela começou inventar que fazíamos coisas que não fazíamos.
- Por Deus, Malfoy! Você é doente! – Hermione reclamou, enojada.
- O pior você não sabe! – Neville continuou.
- Cala a boca, Longbottom! – Draco lhe lançou um olhar ameaçador. Mas Neville o ignorou.
- Ele desmunhecava na frente da síndica! Quando você veio pra cá, ele foi falar pra ela que, como nós éramos um casal muito liberal, ele admitia me dividir com você. A velha veio atrás de mim, de dedo em riste, dizendo que eu era um tarado indecente. Que Deus iria me castigar no fogo do inferno. E este infeliz ria que se danava.
Hermione não conseguiu falar nada. O Malfoy era doente, só podia ser. Isso não era normal. Quando crianças ela pensava que ele era mau. E não estava errada. Draco era mau, mas não do jeito como ela imaginava. Malfoy era o tipo da pessoa cuja a alegria é atormentar a vida dos outros. Durante anos ele atormentara a vida dela, de Harry e de Rony. Agora as vítimas eram Neville e a síndica. Futuramente seriam os alunos para quem ele viria a dar aula de Poções. Isso se se formasse. Chegara a conclusão que ele simplesmente não tinha nada melhor para fazer. Era chato porque gostava.
Qualquer um deles havia mudado desde que terminaram a escola. Mas nunca perderam de todo suas principais características. Neville, que fora um menino fofinho e bochechudo, tornara-se um rapaz alto e forte, o cabelo meio comprido sempre caindo nos olhos, a barba sempre por fazer. Era um rapaz bonito, embora um tanto descuidado. Porém continuava tímido, nervoso e atrapalhado. Draco não era muito alto, porém magro e esguio como um gato. Tinha muito charme na maneira como se movia e como balançava os cabelos compridos. Andava sempre arrumado e perfumado. Era mais bonito que Neville, mas continuava grosseiro e implicante.
Se algum dia alguém lhe dissesse que um viria a morar com Malfoy e Longbottom, Hermione riria. Mas hoje, aqui estava. Vivendo (ou seria sobrevivendo) com ambos. Como uma versão distorcida e doentia do velho trio de Hogwarts.
Por um momento ela pensou onde andaria Rony, pois Harry sempre mandava notícias. Ainda doía pensar em Rony, mas não tanto. Com o tempo a gente se acostuma com a dor. Acostuma tanto que nem sente.
- Granger! – Draco berrou ao seu lado. – Você está surda?
- Não precisa berrar! Eu só estava distraída!
- Como se eu não tivesse notado. Eu só estava falando que aquele seu namorado estúpido esteve aqui, te procurando.
- Que namorado?
- Hei, acorda Granger! Aquele pau-de-vara-tripa com quem tu andava. O tal Herold!
- Gerald, Malfoy. E eu já terminei com ele!
- Diz isso pra ele, então, que vem aqui todo dia te procurar. Eu vou falar pra ele que você mandou ele ir se matar.
- Não diz isso. Ele é bem capaz de fazer, mesmo. Diz que eu morri!
- Não! Eu vou dizer que você está namorando o Longbottom.
- Diz o que você quiser, Malfoy!
Gerald, assim como todos os outros namorados que tivera depois de Rony, fora um completo fracasso. Parecia que tinha o dedo verde para encontrar homem banana. Todos lhe obedeciam cegamente, todos concordavam com tudo que dizia. E quando discordavam, era só chegar a conclusão de que ela era geniosa, para mudarem de opinião. Gerald fora o pior de todos. A gota d'água fora quando, há duas semanas atrás, um homem a xingara numa danceteria e ele não fizera nada. Nada. Simplesmente ignorara, fizera que não ouvira. O que estava fazendo com esse cara?, ela se perguntou. E então o mandou para o diabo que o carregasse. Mas ele era insistente. Cara chato!
- Ah! – falou Draco. – Você recebeu uma coruja, hoje. Acho que era do Lennon. Aqui!
Ele lhe entregou uma carta amassada, com as iniciais H.P.
- Que história é essa de Lennon? – ela perguntou, irritada. Como Malfoy era irritante! Mas o diabo fez pouco caso de sua cara e apenas riu.
- É o apelido que ele ganhou no sexto ano, quando namorava a Chang. John Lennon. Porque eles pareciam o John Lennon e a Yoko Ono. Ele com aqueles óculos redondos e ela cabeluda e mais velha. E nem me olhe com esta cara que não fui eu quem botou o apelido. Foram uns garotos sangue-ruins da Corvinal. Eles até me mostraram uma foto trouxa do Lennon e da Yoko. E era igualzinho.
- Você é chato, Malfoy!
Ela abriu a carta de Harry, ignorando Draco e Neville, que começaram a discutir por um motivo qualquer, e começou a lê-la:
Querida Mione,
No próximo mês você estará de férias, não?
Nós poderíamos nos encontrar em Londres, que estarei lá no dia 12, de folga.
Espero resposta sua.
Com carinho,
Harry P.
Claro que iria. Não via a hora de ver Harry de novo. Um pouco de sanidade na sua vida lhe faria bem. Alguns dias livre de Malfoy e Longbottom seria o paraíso. Os dois já estavam batendo boca, de novo.
- Longbottom, você é um aborto! – berrou Malfoy.
- E você é um idiota, Malfoy! – falou Hermione. – Então cale a boca!
- Era tudo que eu precisava na vida, mesmo! – ele esbravejou. – Passar meus melhores anos convivendo com um aborto e uma sangue ruim!
- Talvez fosse melhor conviver com os comensais da morte em Askaban, não é, Malfoy? – berrou Neville. – Junto daqueles dois macacos com quem você andava em Hogwarts!
- Neville, cala a boca, por favor! – ela pediu. Mas não adiantou. Os dois estavam discutindo, novamente. E isso só iria parar quando um deles enchesse o saco e saísse batendo a porta. Então ficariam dois dias num abençoado silêncio, porque eles não iriam se falar. Mas como tudo que é bom dura pouco, eles acabariam fazendo as pazes e indo aprontar com a síndica. Era sempre assim.
Rony aparatou em casa, cansado.
Tivera um dia amaldiçoadamente exaustivo no Ministério Alemão. Ganhava muito bem, não podia negar, mas os problemas e as dores de cabeça que arrumava no ministério não compensavam isso.
E o pior de tudo era chegar em casa, louco para descansar, e descobrir que a adorável megera com quem se casara resolvera que deveriam ir a alguma festa estúpida qualquer. Isso quando a dita cuja não resolvia dar uma "recepçãozinha" para os amigos, que de recepçãozinha não tinha nada, em sua própria casa.
Sua vida não era nada fácil. O trabalho no ministério era horrível e sua vida doméstica não era muito melhor. Descobrira, com o passar do tempo, que a doce princesinha com quem se casara na verdade era uma mulher completamente mimada, neurótica, fútil e viciada em poções para dormir. Arrependia-se até a morte do dia em que preferira ser consolado por Astrid a tentar fazer as pazes com Mione.
Mione podia ser obsessiva, mas era uma garota inteligente e bem resolvida. Já sua meiga esposa... Cada vez que era contrariada era motivo para um dramalhão, com direito a choradeira, escândalo e até ameaças de suicídio. E o ser contrariada significava tanto um mero "querida, hoje eu não posso" como um "mulher, eu não vou!". Tudo que ele não concordava era motivo para drama.
Já havia algum tempo que chegara a conclusão que seu casamento fora um completo fracasso, mas toda a vez que propunha o divórcio escutava a velha retórica:
- Como? Você está louco, Ronald Weasley? A minha família é sangue puro e conservadora! Não existem divorciados nela. E eu não serei a primeira! Não vou te dar o divórcio nunca!
E depois disso o obrigava a acompanhá-la a uma festa idiota qualquer, como se nada tivesse acontecido. Como se fossem o casal mais feliz da face da terra. Um casamento de pura aparência.
Ela não se importava que ele não a amasse, contando que na frente dos outros ele fingisse que a amava. Assim como ela fingia. E como, provavelmente, todas as pessoas com quem convivia fingiam.
Fazia com que ele sentisse saudade de casa. Do calor da sua verdadeira família. Podiam ser todos pobres, mas ninguém fingia ser o que não era. Ninguém fingia sentir o que não sentia.
Ele tinha vontade de mandar tudo para o inferno: mulher, trabalho, Alemanha. Mas quando pensava em recomeçar tudo do zero, novamente, acabava desistindo. Talvez lhe faltasse coragem. Talvez lhe faltasse um bom motivo. Talvez devesse lançar um Avada Kedavra em si mesmo. Ele não sabia o que fazer. E, por não saber, continuava sua vida do jeito que estava, só para ver no que ia dar.
- Cheguei, querida! – ele gritou. Astrid não respondeu. Provavelmente estaria se arrumando para a festa que teria à noite. Festa da qual não escaparia nem se implorasse de joelhos. Tinha certeza que ela o escutara e não respondera de propósito. Mas não se importava com isso, afinal, há meses que mal se falavam quando estavam sós.
Com certeza ela se obrigaria a falar (ou melhor, berrar) com ele quando lhe informasse que no próximo mês teria que passar duas semanas em Londres, a trabalho. Mas não haveria nada que ela pudesse fazer a respeito. No máximo reclamar com o papai por ter que ir desacompanhada nas festas. Ora, ela que se danasse! Não via a hora de ter paz por uns dias. Livre dela e da Alemanha. Poderia respirar o ar de Londres, novamente. Iria ver seus pais e, se fosse possível, Harry também.
Gostaria de ver Hermione. Como gostaria. Mas não iria fazê-lo. Vê-la novamente e saber que a perdera porque era um maldito cabeça dura ainda doía bastante. Não precisava vê-la para lembrar de tudo que perdeu.
