Capítulo 3

"Out of college, money spent

See no future, pay no rent

All the money's gone,

Nowhere to go"

Ela chegou em casa pela tarde.

Acordara-se mais cedo do que o planejado e quase entrara em pânico quando se deparara nos braços dele. A besteira estava feita e não tinha mais como voltar atrás. "Ah, Hermione, como você foi fazer isso?" ela pensara. "Vai começar tudo de novo. Ele vai acordar e vai voltar para a esposa na Alemanha. E você vai ficar chorando pelos cantos novamente. E, o pior de tudo, vai acabar chorando na frente do Malfoy. Você não quer isso, não é? Para que arrumar mais problemas do que os que você já tem?" E, foi com esse pensamento que ela levantara da cama disposta a pegar o primeiro trem para casa. Antes que ele acordasse e precisassem conversar.

Ela vestiu-se, arrumou suas coisas e deu-lhe um último beijo na testa antes de partir.

- Acho que sempre vou te amar, Rony! – ela disse baixinho, afagando os cabelos vermelhos dele, ainda em sono pesado.

Da porta, ela olhou para o quarto, tentando gravar aquela cena na memória, e partiu.

Durante a viagem de volta, sua cabeça rodava. Tudo saíra tão perfeitamente errado. Nada do que planejara, nada que estivesse preparada para agüentar. Como seria dali pra frente?

Agira como uma adolescente irresponsável. Não deveria ter se deixado levar por impulsos.

Descobrira que nunca esquecera Rony, realmente. O havia tirado da cabeça, mas nunca do coração. Como lidar com isso agora?

Talvez não o visse tão cedo novamente e, provavelmente, seria isso que iria acontecer.

- Bolas! Já está feito! Não há como voltar atrás! Melhor seguir em frente e tentar esquecer o que aconteceu. Voltar para casa tornará as coisas mais fáceis. Já o tirei da cabeça uma vez, posso fazê-lo de novo!

Mas uma vozinha irritante a informara que não seria bem assim. Ela riu-se da ironia do destino: fora para Londres para procurar a paz que não tinha em casa, agora voltava para casa para buscar paz na loucura que era sua vida.

Ela abriu a porta do apartamento. A escuridão e o cheiro abafado de lugar fechado agrediram seu nariz. Ela jogou a mala no chão, furiosa, e bateu a porta atrás de si, indo direto até as janelas, enquanto esbravejava:

- Porcos! Relaxados! Não dá pra ficar dois dias fora que isso aqui vira um chiqueiro!

Ao abrir as janelas, deixando entrar um pouco de ar e luz no ambiente, viu que a coisa era ainda pior: Neville e Draco estavam atirados nos dois sofás, ambos muito machucados. Gemeram quando sentiram a luz cegar-lhes os olhos.

- Mas que diabos aconteceu aqui? – ela falou, espantada ao ver Neville cheio de hematomas e ataduras pelo rosto e pelos braços e Draco com um olho roxo e uma faixa na cabeça. – O que você fez com o Neville, Malfoy?

- Malfoy, Malfoy! – Draco resmungou, fazendo cara feia. Podia estar machucado, mas a boca ainda era a mesma. – Tudo o Malfoy, não é? Porque você não grita com o Neville? Desta vez a culpa foi dele!

- Neville? – espantou-se Hermione, mais por Draco chamar Neville pelo nome do que por a culpa ser de Neville.

- É! – continuou Draco. – O santinho aí! Sabe o que ele fez? Me arrastou para um protesto, de acordo com ele, pacífico que um bando de estudantes doidos foi fazer diante do Ministério da Magia. Protesto para reivindicar direitos iguais para os lobisomens! Como se eu me importasse com os lobisomens! Mas como ele não me disse o que era, eu fui. Devia ter uns quinhentos malucos acampados na frente do ministério, Granger. E a p**** do ministério fica numa rua trouxa! Os malucos lá com cartazes, gritando palavras de ordem xingando o ministro e pedindo igualdade pros lobisomens. E o Neville com um turbante na cabeça, que ganhou dum lobisomem hindu. Nisso chega a Polícia do Ministério da Magia, com a cavalaria e a tropa de choque. Já viu a cavalaria e a tropa de choque, Granger? Quando eu vi aquele bando de bruxos, tudo com escudo à prova de feitiço e batendo com as varinhas no escudo, corri para o outro lado. Dei de cara com a cavalaria. Uns trezentos PMM montados em hipogrifos. Eu olho pro outro lado e vejo o Neville de turbante se jogando em cima dos PMM da tropa de choque.

- Eles iam pisotear os estudantes que estavam no chão! – defendeu-se Neville, num gemido. – Eu me joguei neles para dar tempo dos outros correrem.

- E aí está o resultado da boa ação do Longbottom! – esbravejou Draco. – Tomou mais feitiço e sopapo que todos os outros que estavam protestando. E eu fui pisoteado pelos hipogrifos enquanto corria.

- Mentiroso! – Neville tentou rir, mas saiu um gemido. – Eu te vi tomando feitiço e sopapo também quando você se agarrou na bandeira da Liga dos Amigos dos Lobisomens e começou xingar os PMM.

- Eu não fiz isso!

- Fez sim que eu vi!

E, mesmo no estado que se encontravam, os dois começaram a bater boca. Hermione sorriu. "Não há lugar algum como o lar!"

Rony acordou-se tarde, o sol entrando pela janela. Procurou por ela com o braço e percebeu que ela já não estava na cama. Demorou um pouco para se dar conta de que ela já não estava mais lá.

Sentia-se como se o tempo nunca tivesse passado. Como se sempre tivesse ficado com ela. Como se nunca tivesse ido para a Alemanha e se casado. Só de lembrar da esposa sua cabeça doeu. Amanhã teria que voltar para os braços da megera. Naquele momento teve certeza que ainda amava Hermione. Que se ela estivesse ali com ele, naquele momento, e pedisse para ele ficar, ele ficaria. Se ela pedisse para ele largar tudo e fugir com ela, ele o faria.

Sensata Hermione que partira antes que ele acordasse. Ela sempre tivera mais bom senso do que ele. Por mais que desejasse tê-la ali ao seu lado naquele momento, achava melhor que ela já tivesse ido. Porque se ela ainda estivesse ali, com certeza, ele não voltaria para casa nunca mais.

Espreguiçou-se na cama, demorando mais que o necessário. Ainda sentindo o cheiro dela nos lençóis. Gostaria de levar os lençóis para casa, mas não seria possível: primeiro porque o dono do Caldeirão Furado não permitiria, segundo porque não teria como explicar os lençóis para a megera. Maldita hora em que fora para a Alemanha!

Mas precisava levantar. Ainda tinha que ir visitar os pais n'A Toca.

Já era madrugada e estava sentada no escuro, perto da janela, com Bichento no colo. Malfoy e Neville estavam em seus respectivos quartos repousando. Ela curtia o silêncio, tentando organizar os pensamentos, enquanto acariciava o gato. A vida do gato era tão mais simples que a sua, que as vezes desejava ser o gato.

Tentava não pensar em Rony, mas era quase impossível. Alguma coisa estava diferente, alguma coisa mudara. Dentro dela.

Ouviu uma porta ranger no escuro. Passos. Um dos dois deixara o quarto. Ela desejou ardentemente que fosse Neville. Mas lá estava Draco, só de cuecas, com um sanduíche na mão. Bem, pelo menos ele estava usando cuecas!

- Insônia, Granger? – disse com aquela detestável voz arrastada.

- Assaltando a geladeira, Malfoy?

- É, deu fome! – ele falou, sentando-se ao seu lado. Bichento saltou do colo dela para o colo dele. Ele olhou para o gato de um modo estranho. – Cai fora! Hoje não tenho nada pra você!

Bichento o olhou com desdém e voltou para o colo de Hermione.

- Era só o que me faltava! – ela resmungou. – Agora você anda corrompendo o meu gato!

- Dá um tempo, Granger! Hoje eu não estou com vontade brigar. Quem você pensa que alimenta este gato? O Longbottom? Ele é capaz de esquecer de respirar, que dirá de alimentar o gato!

Por um longo tempo os dois ficaram em silêncio. Ela acariciando o gato, ele mastigando. Então, de repente, ele falou:

- Você já sentiu como se estivesse ultrapassando uma linha que há muito tempo foi criada e que você nunca deveria ultrapassar? E então você ultrapassa, meio que sem querer, e aí percebe que não há como voltar?

- Do que você está falando, Malfoy?

- Do protesto! Foi tão estranho. E é ainda mais estranho estar falando isso justo para você, mas eu preciso falar. Eu ultrapassei esta linha, Granger! Eu não estava protestando contra o Ministério, estava protestando contra o meu pai e todos os dogmas que ele me ensinou. Eu estava agarrado naquela bandeira, xingando os PMM e apanhando que nem um elfo doméstico e eu só pensava na cara do meu pai se ficasse sabendo daquilo. E então eu xingava ainda mais alto e balançava aquela bandeira com mais vontade ainda. Eu não sei o que aconteceu, Granger, mas alguma coisa mudou dentro de mim. E é algo que não tem como voltar atrás. Você entende? – mas ele não lhe deu tempo de responder. – O que eu estou dizendo? Até parece que você entende algo sobre isso! Deve ter sido as patas dos hipogrifos na minha cabeça...

Ele levantou-se e saiu dali revoltado, resmungando sozinho sobre o que uma Sabe-Tudo entende sobre ultrapassar linhas sem volta.

Ela ficou apenas olhando para ele, em silêncio. E então, quando ele abria a porta do quarto, ela falou:

- Eu te entendo mais do que você imagina, Draco!

Seus olhares se cruzaram por alguns segundos e então ele bateu a porta do quarto.

Rony chegou em casa contrariado. Nunca antes voltar para a Alemanha tinha sido tão penoso. Pensava n'A Toca a todo momento e a noite com Hermione não lhe saia da cabeça. Só em pensar em encarar a megera quando chegasse lhe embrulhava o estômago. Seu humor, que há tempos não era muito bom, estava ruim como nunca havia estado antes.

Ele respirou fundo na porta de casa, forçou um sorriso e entrou:

- Querida! Estou em casa! – gritou.

Nada. Mas ela estava em casa, ele sabia.

- Querida, já cheguei! – tentou de novo. Sem resposta. – Sua vaca boletera desocupada!!! Desce aqui agora mesmo e manda estes elfos fazerem uma comida decente que eu estou morto de fome, ou eu quebro tudo!!!

O rosto dela, pálido, apareceu no patamar da escada. Aparentemente estava se preparando para mais uma festa.

- E pode tirar este vestido que hoje eu não saio! E se quiser se matar tem cicuta no armário de poções!