Nome da Autora: Cindy "Lain-chan"

E-mail: fly2angels@yahoo.com.br

Sinopse: Dois anos após terminarem seus estudos em Hogwarts, o trio formado por Harry, Hermione e Rony faz parte da Ordem da Fênix. A Guerra contra o Lado das Trevas está chegando em seu ponto mais crítico, e um estranho dom que Harry adquiriu, o de premeditar certos atos que os Comensais da Morte iriam fazer, será a peça principal para o cheque-mate de um dos lados. Resta saber se isso será uma vantagem para o Lado de Voldemort ou para o lado de Harry.

Disclaimer: Ok, como diria um conhecido meu, alguém que não saiba sequer o significado de "fanfiction" provavelmente não vai saber me processar por estar fazendo uma inocente fanfic...

Nota da Autora: Eis a minha primeira fic em português no fanfiction.net e, como vocês, que lêem as fics em português do fanfiction.net já devem ter reparado, o público é bem menor do que o da seção em inglês. Portanto, se você conseguir ler essa fic até o final, por favor, deixe seu comentário. ^_^ Flames serão usados para tostar marshmallows, e tenho dito.

Segunda Nota da Autora: O nome desse capítulo veio de uma música russa, "Ya Soshla s Uma"("Eu Perdi A Minha Cabeça", em russo), do duo Taty ou T.a.T.u (Teenagers Agains Tabacco Usage, como ficou conhecido nos Estados Unidos). A versão em inglês dessa música tem como nome "All The Things She Said" e saiu recentemente na MTV americana e também na MTV latina.

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E Eu Sonhei Com Campos Onde Choviam Gotas Carmesins

Parte I : Ya Soshla s Uma

            - Qual é o seu problema? – berrou um Harry furioso, rodeando pela sala ao redor de uma garota ao centro da mesma que estava fortemente amarrada com cordas de trouxa a uma cadeira desconfortável. – Fale alguma coisa! Defenda-se, sua bruxa maldita!

            Em resposta, a garota apenas revirou os olhos de mel e olhou para o teto do quarto onde se encontravam. Teto vistoso, repleto de ornamentos em mármore que representavam todas as quatro casas de Hogwarts.

            - Por que... – o garoto estava ainda mais nervoso agora, andando cada vez mais próximo da garota, que permanecia estática. – De todas as pessoas, por que o Rony?

            - Você não entende, meu pequeno garoto... – murmurou a garota, falando pela primeira vez em horas. Sua voz, apesar de ser quase um murmúrio, revelava uma intensa confiança em si mesma que mesmo o fato de estar amarrada e à mercê de um mago que parecia prestes a conjurar um Avada Kedavra contra ela poderia abalar. – De todos os males, o menor de todos eles abateu-se sobre seu amigo. Eu estaria mais preocupada comigo mesma se eu fosse você, Potter...

            -Potter... – grunhiu o garoto, aproximando-se da garota a ponto de quase sentir sua respiração, tão calma quanto sempre estivera. – E pensar que há poucas horas atrás você ainda poderia me chamar de Harry...

            O olhar da garota passou ao vazio, desviando do olhar furioso de Harry. Covarde, pensou ele. Mas, na realidade, a garota estava apenas subitamente interessada na decoração do quarto... especialmente na cama ao seu lado... memórias lascivas ainda recheavam sua memória só de olhar para aquela cama de lençóis brancos.

            - Ele está vivo e, francamente, você deveria ficar satisfeito com isso – disse ela, erguendo o tom de voz. – Se não fosse por mim, seu querido amiguinho já estaria enterrado debaixo de sete palmos de terra à uma hora dessas...

            -Satisfeito?! – berrou Harry, segurando o rosto da garota e forçando-a a olhar diretamente para ele. – Como você quer que eu esteja satisfeito com o meu melhor amigo sendo mantido cativo pelo meu pior inimigo?!

            - Eu posso lhe garantir que nada de mal acontecerá com ele, ao menos por enquanto... –disse ela, fechando os olhos. – E, como você logo irá descobrir, Lorde Voldemort não é o seu pior inimigo, nem o seu pior pesadelo, meu pequeno garoto...

            - Se o ser que assassinou meus pais, estragou a minha vida e a do meu padrinho não pode ser chamado de meu pior inimigo, eu gostaria de saber quem é! – berrou Harry, o bafo quente espalhando-se sobre o rosto da garota.

            A garota finalmente abriu os olhos, após um curto suspiro. – Seu pior inimigo, Harry, sou eu – e com um movimento rápido com as mãos, livrou-se das cordas que a mantinham presa.

            Uma sonora risada ecoou pelo quarto, fazendo a garota passar nervosamente as mãos pelos cabelos castanhos. Harry ria, como se não escutasse tal piada há tempos. Subitamente, parou de gargalhar e olhou de forma evasiva para a garota.

            -Minha pior inimiga – murmurou ele, fechando os olhos. – E pensar que eu costumava te amar... – de súbito, ergueu a mão esquerda e deu um tapa com as costas da mesma no rosto da garota. – O quê aconteceu, caramba? Onde foi parar a minha doce amada, aquela garota que costumava passar os melhores dias de sua vida encerrada numa poeirenta biblioteca?

            -Deve ter voado para longe – murmurou a garota, dando de ombros e passando delicadamente parte de seus dedos pela marca vermelha que a mão de Harry deixara em seu rosto. Olhou em volta em busca de sua varinha, mas Harry tinha limpado aquele quarto de qualquer vestígio de magia. Passaria por um mero quarto de trouxas. – Eu não sou mais uma garotinha, Harry... eu cresci... você deveria ter crescido também...

            - E crescer significa trair seus melhores amigos? – berrou ele, apontando sua própria varinha na direção da garota. – Hermione... você não é melhor do que Pedro, aquele rato traidor...

            - Você não sabe de nada, garoto da cicatriz – guspiu ela, passando a mão pelos longos cabelos de mel. – Pedro traiu seu pai por medo e desejo de poder... eu não trai vocês. Mas você deveria entender, Harry, que uma guerra requer sacrifícios.

            - Apenas os covardes desistem de um amigo por não desejarem arriscar a própria pele – vociferou Harry, mexendo a varinha ameaçadoramente na direção de Hermione. Esta apenas virou-se na direção da cama e caminhou até ela, sentando-se na borda da cama a admirar os bordados prateados no lençol branco. – E, novamente, isso não faz de você ninguém melhor do que Pedro. Dê-me um bom motivo para eu não fazer com você todas as coisas que eu desejei fazer com ele por todos esses anos!

            - Se você está querendo dizer que sempre sonhou em dormir com Pedro, devo dizer que sinto-me arrependida de ter dormido com um garoto com tendências homossexuais – disse ela, lambendo o lábio superior de maneira provocativa. Isso só fez a ira de Harry aumentar ainda mais.

            -Cru... – começou Harry, balançando a varinha na direção de Hermione, mas esta apenas pulou em cima da cama, ficando em pé sobre a mesma.

            - E se eu dissesse que eu tinha apenas uma escolha: sacrificar Rony ou você? – sorriu-se ela, projetando seus pés sobre a serpente e o leão bordados no lençol agora desarrumado. – O que você diria?

            - Iria perguntar porque você o escolheu e não a mim – hesitou Harry, abaixando a varinha por um momento.

            - Você tem certeza de que não conhece a resposta para essa pergunta? – perguntou Hermione, olhando para os lençóis desarrumados da cama. Harry voltou a levantar sua varinha, mas desta vez havia uma clara hesitação em seu olhar. – Sabe, talvez tivesse sido melhor nós termos sacrificado você, mas... – e suspirou, olhando para Harry. – Bem, eu acho que as lembranças desta cama falam por si mesmas.

            - Maldição, Mione! – gritou ele, jogando sua varinha ao chão. – Eu desisto! Jogue suas cartas na mesa! O que você pretende, afinal de contas?           

            - Oh, o grande Harry Potter sente dificuldades em compreender sua própria amante! – falou Hermione, fazendo voz de falsete. – Isso vai dar uma grande manchete nos jornais!

            - E você iria ler toda a reportagem, como você sempre faz... – murmurou ele, olhando para os seus pés, calçados por um confortável par de pantufas de abóboras (presente de Rony no natal passado...). – Raios! Por que eu tinha de te amar?

            - Poções de amor fazem milagres hoje em dia... – e, ao perceber o olhar incrédulo de Harry, complementou. – Não, eu não usei nenhuma. Mas seria isso que os jornais diriam.

            - E quanto tempo faz que você se tornou uma Comensal da Morte? – guspiu ele, olhando nos olhos de Hermione. – Ao menos isso eu devo ter o direito de saber...

            - Você me ofende com perguntas tão idiotas como essa, querido – disse a garota, balançando a cabeça. – Eu nunca me tornei uma Comensal da Morte. Meu desejo é acabar com essa raça, e não lamber os sapatos de Lorde Voldemort pelo resto da minha vida.

            - Diga o que quiser. Eu não acredito mais – disse ele, virando na direção da porta. Uma porta dupla, por sinal, ornamentada com uma gigantesca serpente e um colossal leão entrelaçados. – Você sequer costumava chamá-lo de Lorde...

            - Força de costume – e deu de ombros. – Quanto se passa tempo demais entre gente como os Malfoy e o próprio Voldemort, você acaba se acostumando a chamá-lo de Lorde...

            - Malfoy? – Potter ergueu as sobrancelhas ao som de seu rival. – Oras, pois até com o meu caro amigo Draco você anda compactuando! Será que ele é melhor do que eu na cama?! – sua voz saiu magoada de ciúmes, embora ele quisesse disfarçar isso. 

            - Não sei – disse ela, olhando com dissimulado interesse na direção das paredes de mármore do quarto. – Não tive a oportunidade de fazer o teste. Mas não seria má idéia. Sabe, até que aquele mauricinho de cabelo lambido que conhecemos em Hogwarts transformou-se em um dos bruxos mais sensuais do mundo da magia...

            - Oh, mas por pura caridade, Hermione preferiu dormir com o pobre Garoto Que Sobreviveu, além de fazer a gentileza de trai-lo! – guspiu Harry, pondo a mão numa das paredes do quarto, um dos poucos locais sem símbolos de Hogwarts, já que até mesmo o piso branco possuía o símbolo de Hogwarts incrustado em cada ladrilho.

            - Eu não lhe trai! – berrou Hermione, caindo de costas na cama. – Se não fosse eu, alguma outra pessoa o teria feito.

            - Você não costumava desistir com tamanha facilidade nos nossos tempos de Hogwarts... – grunhiu Harry, observando sua varinha que estava estática ao chão, encostada na cadeira onde antes Hermione estivera amarrada.

            - Eu costumava ser tola – e levantou-se novamente, também olhando na direção da varinha de Harry. – Mas, voltemos ao assunto de nossa discussão: você deseja ou não salvar seu amigo?

            - Engraçado... – disse Harry, revirando os olhos. – Por que eu deveria acreditar que isso não seria outra armadilha?

            Hermione ergueu-se da cama, e caminhou até a cadeira, agachando-se ao seu lado. Apanhou a varinha e examinou-a por algum tempo antes de joga-la na direção de Harry.

            - Armadilha ou não, é a sua única chance – sorriu ela. – E saber que há uma armadilha armada é meio caminho andado para escapar da mesma.

            - Eu me pergunto quando você se transformou nessa pessoa... – murmurou ele, olhando para a varinha em suas mãos. – Eu juro que não reparei onde acabou sua inocência e começou sua traição.

            - Ah, você deveria estar muito distraído com algum jogo de Quadribol para importar-se com isso... – disse ela, passando a mão pelos cabelos de maneira despreocupada.

            - Eu não jogo Quadribol faz dois anos, Senhorita Sabe-Tudo Granger – disse ele, erguendo as sobrancelhas de modo desconfiado.

            - Bem, eu não mudei em um dia – disse ela, aproximando-se de Harry. – Mas eu ainda não sou este monstro que você está imaginando, caro...

            - Ainda não? E o que falta para você transformar-se em um? Aprender o Avada Kedavra e usa-lo contra mim? – disse ele, a ironia carregada em sua voz.

            - Na realidade... – disse ela, fechando os olhos. – Eu já sei o Avada Kedavra.

            - Bem, então você É um monstro completo – disse ele, segurando nas mãos de Hermione. Ela apenas suspirou.

            - Quando você vai deixar de ser esse eterno ingênuo e crescer para a guerra que lhe envolve? – murmurou ela, encostando seu dedo fino na cicatriz de Harry. – O homem que lhe fez isto está apenas lhe esperando, Harry, apenas lhe esperando...

            - E você parece-me estranhamente íntima demais de meu inimigo para eu me sentir confortável... – suspirou ele, puxando Hermione para mais perto dele. Segurava o queixo da garota, forçando-a a olhar para ele. – Eu não sou tão ingênuo quanto você pensa, Mione...

            - Será que não? – sorriu ela. Isso foi demais. Antes que pudesse refletir duas vezes sobre o que estava fazendo, Potter levantou sua varinha e apontou-a na direção de Hermione.

            - Avada Kedavra – murmurou ele, a voz carregada de ódio e frustração. Mas foi quando a luz verde abateu-se sobre a garota, fazendo-a cair ao chão estática e sem viva, que Harry sentiu o que havia feito. E arrependeu-se um segundo após isto. Antes que a primeira lágrima pudesse escorrer por seu rosto, ele acordou suado em seu próprio quarto.

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            Que raio de sonho foi esse? pensou ele, passando a mão por sua cicatriz. Olhou para os lados, procurando as camas de Hermione e Rony, seus amigos com quem dividira aquela grande mansão situada não muito longe de Hogsmeade. Mas as camas estavam vazias. Deixando seu desespero assumir sua razão, ele saltou da cama e pôs rapidamente seu roupão vermelho com um grande leão bordado nas costas e pegou sua varinha que jazia ao seu lado, no criado-mudo. Por último, agarrou sem jeito seu velho par de óculos (deveriam ser os mesmos há mais de dez anos) que sempre descansavam ao lado de sua varinha... seus fiéis óculos... jamais os trocaria por um par de lentes qualquer. Além do mais, sorria só de pensar que talvez sequer o reconhecessem sem os óculos.

Aquele sonho lhe parecera tão real, quase como quando tinha aquelas visões com Voldemort... e agora isso. Rony e Hermione não estavam em suas camas, e já eram três horas da manhã. Até mesmo Hermione já deveria ter acabado seu trabalho para o dia seguinte. Deveriam estar dormindo nas camas espaçosamente colocadas no quarto, mas não estavam.

            Abriu a porta de madeira do quarto e precipitou-se pela escadaria, descendo ao primeiro andar. Como que por instinto, dirigiu-se à biblioteca dos três. Deveria ter mais de mil títulos, mas não era pelos livros que Harry iria procura-la agora; alguns artefatos importantes estavam guardados lá, como seu bracelete de proteção contra poções do sono (feito por Severo Snape, agora um grande amigo de Harry. Como chegaram a ficar amigos ainda permanecia um segredo até mesmo para o Garoto Que Sobreviveu) e sua coruja, a velha e boa Edwiges (porque ele insistia em guardar sua coruja numa biblioteca era um mistério para Rony e Hermione, e talvez nem mesmo Harry entendesse direito a razão). Com um estrondo, abriu a porta dupla da biblioteca, apenas para deparar-se com uma luz forte que estava acesa, iluminando todo o recinto, inclusive dois vultos confortavelmente sentados num enorme sofá de camurça vermelha que se localizava ao centro da biblioteca.

            -Harry! – espantou-se Hermione, largando um velho volume de Os Maiores Feitiços Já Registrados ao seu lado e olhando na direção da porta onde se encontrava Harry. – Eu pensei que você já estivesse dormindo...

            - Digo o mesmo de vocês dois – disse ele, com uma suspeita vagando por sua mente. Entrou na biblioteca a passos fortes e largos e parou ao lado dos dois. – São três da manhã. Hora de vocês dois estarem dormindo.

            - Desculpa, mamãe – disse Rony em tom debochado. – Prometo que não roubo mais os biscoitos antes do jantar!

            Hermione segurou a boca com uma das mãos para não rir, mas voltou a ficar séria e virou-se novamente para Harry. – Papai, você já ouviu falar em insônia?

            - Muito engraçado – disse ele, revirando os olhos. – E vocês dois estavam na biblioteca...

            -Hmmm... deixe-me ver... – murmurou Hermione, pondo um dedo sobre os lábios como se estivesse pensando. – Não sei. Caçando borboletas?

            - Ou talvez o mais improvável: lendo! – Rony grunhiu, mostrando a capa do livro que ainda segurava em uma das mãos.

            - Acho mais provável que vocês estivessem caçando borboletas – disse Harry, sentando-se na poltrona carmesim que ficava de frente para o sofá onde estavam Rony e Hermione. – Porque, sinceramente, eu não acredito que nenhum de vocês dois tenham aprendido a ler de cabeça para baixo – cruzou os braços, franziu as sobrancelhas e pôs os pés sobre a pequena mesa de carvalho que ficava ao centro do sofá e da poltrona. – Eu não sou nenhuma criança, e gostaria que vocês parassem de me tratar como tal. O que está acontecendo?

            Hermione e Rony se entreolharam, hesitando por um momento. Rony abriu a boca para falar algo, mas Hermione foi mais rápida.

            - Harry, Rony e eu... nós... estamos tendo um caso. E você está atrapalhando a nossa privacidade – disse ela, rapidamente. Harry teve de evitar um sorriso ao perceber que Rony olhava para ela surpreso.

            - Já desconfiava – murmurou ele, após um silêncio que estava começando a assustar os outros dois. – Mas vocês não querem que eu acredite que vocês estavam praticando suas indecências aqui na biblioteca, querem? – e olhou Hermione e Rony de cima a baixo. – Vocês não estariam tão arrumados.

            - Ok, você nos pegou, Sherlock Holmes – disse Hermione, balançando a cabeça. – O que você quer saber?

            - Eu sempre quis saber qual é a fórmula da Coca-Cola, mas eu não creio que isso venha ao caso – disse ele, tirando os pés de cima da mesinha de centro. – O que vocês estão tramando?

            -Hã... – gaguejou Rony, coçando a cabeça de forma surpresa. – Bem, Hermione e eu estivemos conversando, e...

            - Nós achamos que você não está bem – concluiu Hermione, fechando os olhos ao aguardar por um comentário de Harry.

            - Oh, agora vocês são meus médicos – disse ele, a voz carregada de sarcasmo. – O que vocês recomendam? Uma breve estadia no Hospital St. Mungus?

            - Não é isso, Harry – falou Rony, mexendo as mãos nervosamente. – Nós apenas achamos que essas suas... visões... estão lhe desgastando cada vez mais. Você deveria descansar.

            - Eu sei que você quer usar esse seu dom de sonhar com o futuro para lutar com todas as suas forças contra o Lado das Trevas, mas você está cada vez mais cansado... – disse Hermione, balançando seus cabelos encaracolados, como sempre fazia quando não sabia o que fazer (e, diga-se de passagem, isso não era muito comum). – E nós estamos preocupados...

            - Somos seus amigos, lembra-se Harry? – argumentou Rony, olhando preocupado para Harry, mas este agora tinha o olhar perdido entre a segunda e a terceira fileiras de livros. Pensava em seu sonho mais recente... seria ele também uma visão? Será que... aquilo realmente estava fadado a ocorrer?

            Fazia pouco mais de um ano que Harry começara a ter esses sonhos que lhe indicavam passos do futuro (embora ele se lembrasse de algumas ocasiões em que tivera sonhos assim em anos passados, mesmo antes de entrar em Hogwarts), e os sonhos simplesmente não paravam... noite após noite, Harry acabava despertando no meio da madrugada e tendo de ir até a biblioteca para mandar uma mensagem para Dumbledore, alertando-o sobre o próximo perigo. Seus sonhos não falharam uma única vez desde o começo do ano passado. Será que esta seria a primeira vez? Em todos os outros sonhos, ele nunca vira Rony ou Hermione, salvo algumas poucas exceções onde eles apareciam como meros coadjuvantes. Talvez por estarem sempre trancados naquela gigantesca mansão que era protegida por todo tipo de feitiço que se poderia imaginar (alguns apostavam se teria mais feitiços protetores do que Hogwarts), Harry nunca tivera um sonho onde os dois corriam perigo. E, no entanto...

            Olhou para Hermione. Fazia quase dois meses que deixaram de namorar, e a garotinha dos cabelos de mel voltara a ser apenas sua melhor amiga. Melhor assim. Apesar de aquela mansão ser quase uma fortaleza, Harry temia por ela. E por Rony.

            Voltou o olhar para seu amigo. O bom e velho Weasley, seu companheiro para todas as horas desde que entrara em Hogwarts. Quase brigaram quando Harry começou a namorar Hermione, mas talvez pressentindo que a história dos dois não iria muito longe ele simplesmente calou-se e esperou até que pudesse ter Hermione somente para si. Isso não demorou muito, e agora Harry apenas sorria ao perceber que por muitas vezes ele encontrava Hermione e Rony em momentos bastante... íntimos.

            Agora, imaginar que logo Rony seria entregue a Voldemort e que Hermione se transformaria em uma traidora maliciosa de fazer inveja a Pedro em questão de semanas (já que suas previsões nunca viam muito mais adiante do que isso)... bem, simplesmente não era algo imaginável. Balançou a cabeça, notando o olhar preocupado de Rony e Hermione. Aquela visão não poderia estar correta, poderia?

            ... mas, em uma ano, nenhuma outra previsão estava errada...

            - Hermione... – murmurou ele, chamando a atenção da garota. – Você acha o Draco Malfoy... uh... lindo de morrer? – percebendo que até mesmo ele estranhara aquela palavra, arrebitou o nariz e olhou para Hermione, esperando uma resposta.

            Se Hermione esperava por algum tipo de pergunta, esta certamente não era uma delas. Coçou a cabeça por alguns instantes, além de piscar por repetidas vezes. Pensou em pedir para Harry repetir a perguntar, afinal, devia ter entendido mal a pergunta. É, só podia ser isso. Mas não era. Hermione sabia que seu ouvido não costumava lhe enganar, e ela escutara aquela estranha pergunta em toda a sua clareza.

            - Bem, desde que nós saímos de Hogwarts eu só o vi algumas vezes no Profeta Diário, mas... – murmurou ela, coçando as bochechas que se tornavam cada vez mais vermelhas. – Ele é realmente bonito. Não é á toa que ele apareceu no Profeta Diário por ter sido eleito o Comensal da Morte preferido das leitoras... – balançou a cabeça, espantando qualquer tipo de pensamento lascivo que pudesse estar tendo com a mão. – Mas eu não gosto dos olhos dele. Odeio-os, se quer saber. Desde o primeiro dia em Hogwarts eu odeio seus olhos. Há algo que me... repugna neles.

            E em algumas semanas ela estaria desejando ir para a cama com o Malfoy. Realmente, aquele sonho só poderia estar errado. Precisava conversar com alguém sobre isso, mas... quem? Hermione e Rony certamente não entenderiam. Além do mais, teria de admitir que, de alguma forma, não confiava mais tanto em Hermione, mesmo que fosse só um pouco menos. Aquele sonho... simplesmente o perturbava.

            -Certo... – murmurou Harry, mexendo com os nós de seus dedos, sem prestar-se a olhar para Hermione e Rony, que pareciam bastante confusos após a pergunta esdrúxula de Harry. – Era só... uma curiosidade.

            Levantou-se, tomando cuidado para não tropeçar nos volumes largados a esmo pelo chão da biblioteca – e nisso pensou em como estavam precisando de um elfo doméstico, mas Hermione simplesmente não aprovava a idéia, e foi até a porta da biblioteca. Parou quando ouviu Hermione levantando-se atrás de si.

            -Potter, aonde você vai? – perguntou ela, a voz carregada de preocupação. Harry balançou a cabeça. Oras, ia simplesmente beber um copo de leite para tentar dormir o resto da sua madrugada em paz e...

            - Como você me chamou? – perguntou ele, virando-se lentamente na direção de Hermione. Esta parecia surpresa.

            - Uh... Harry? – murmurou ela, desconcertada. Harry balançou a cabeça.

            - Não... você me chamou de Potter... – murmurou ele, alto apenas o suficiente para ser escutado por Hermione e Rony. Balançou a cabeça algumas vezes, antes de voltar-se novamente na direção da porta. – Você me chamou de Potter...

            E saiu da sala. Hermione e Rony entreolharam-se, o mesmo pensamento atravessando suas mentes.  Harry precisava descansar. E imediatamente. Mas deixariam para conversar sobre isso com ele mais tarde... no momento, estavam exaustos demais para isso.

            -Rony... mande uma coruja para Dumbledore... seria bom avisar para ele que Harry não anda bem... – disse Hermione, levantando-se. Rony segurou seu braço, forçando-a a virar-se para o seu lado.

            -Um beijo de boa noite – murmurou ele, tocando levemente seus lábios nos dela. Hermione ficou vermelha, e talvez para disfarçar isso se virou novamente para a porta e saiu dali, deixando Rony sozinho. Este apenas suspirou e, erguendo-se preguiçosamente, foi procurar papel e pena para mandar uma coruja até Dumbledore.

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            Na cozinha, um sonolento Harry esforçava-se para segurar um copo de leite cheio apenas até a metade. Já havia bebido a outra metade, mas hesitava em continuar. Ficava a pensar naquele sonho, a cena daquela maliciosa Hermione sem querer sair de sua mente. Hermione não poderia mudar tanto em apenas duas semanas... poderia?

            Bem, eu não mudei em um dia...

            A voz de Hermione ecoava em sua mente... e, para deixar as coisas mais confusas, ela o chamara de Potter... ele não se lembrava da última vez em que ela o chamara assim... talvez o tivesse chamado assim por diversas vezes e ele nem tivesse prestado atenção, afinal, era apenas seu sobrenome. Ou talvez não.

            É, as coisas estavam começando a ficarem realmente confusas... faziam apenas dois anos que os três haviam se formado na Escola de Magia e ido morar naquela mansão secreta para realizar serviços ainda mais secretos pela Ordem da Fênix...

            Ah, claro! A Ordem da Fênix! Quantos não teriam dado tudo para fazerem parte desta Ordem comandada por Alvo Dumbledore e que tinha em sua equipe magos como Severo Snape, Sirius Black, Remus Lupin, além dos três bruxinhos que moravam naquela mansão? Minerva McGonagall costumava fazer parte daquela Ordem, até a sua... baixa.

            Não, ela não morrera. Mas traição na Ordem da Fênix era o mesmo que morrer. E por isso, quanto Minerva forneceu algumas informações aos Comensais da Morte e virou um deles, seu nome passou a constar entre as baixas no Lado da Luz. Porque ela fizera isso era uma pergunta que insistia em não calar... Por que? Harry tentara argumentar com seus companheiros, dizendo que ela talvez estivesse sob o controle de um feitiço Imperio, mas nenhum deles o escutou.  Era como se eles soubessem de algo que ele não sabia. A sensação de que ele não sabia de toda a verdade era constante em cada reunião que a Ordem fazia...

            Certamente, havia algo de podre no reino da Inglaterra.

            Olhou para o relógio que pendia sobre a geladeira (vermelha e com um gigantesco leão pintado, feito a pedido de Rony). Quatro horas da manhã. Deveria ir dormir, mas duvidava que conseguiria. Suspirou. Por quantas noites como essa ele teria passado graças àqueles malditos sonhos? Olhou para as fotos estampadas na porta da geladeira... na maioria delas, era possível ver os guerreiros da Ordem da Fênix reunidos após alguma luta importante... era possível ver que alguns mal conseguiam manter-se de pé tamanha a quantidade de feridas que se espalhavam por seus corpos. Em algumas outras, era possível ver apenas Harry, Rony e Hermione sorrindo após algum dia particularmente produtivo. Mas foi uma foto diferente dessas que chamou a atenção de Harry... uma única entre todas aquelas fotos, com apenas dois homens sorrindo – e Harry podia quase ver ambos rindo... Harry Potter e Draco Malfoy. Sorriam sim, como verdadeiros amigos. Amigos que Harry sabia que jamais seriam.

            Bebeu mais um gole de leite, deixando o copo quase vazio. A amarga lembrança do porquê de Rony estar tão confiante quanto a pouca duração do namoro de Harry e Hermione... sim, seu melhor amigo achava que ele não passava de um homossexual apaixonado por Draco Malfoy. Será que aquele cabeça dura não poderia jamais compreender que a felicidade por estar crente de que finalmente conseguira um aliado de grande valia para o Lado da Luz era simplesmente grande demais para ele esconder?

            Ah, sim... belos dias, aqueles... quando Draco parecia ter compreendido o valor do Lado da Luz... ele e Harry até brincavam de jogarem bolas de neve um no outro, imagine! Mal sabia Harry que isso não poderia durar muito tempo... ele ainda não sabia por quanto tempo teria sido enganado por Malfoy se não tivesse visto aquela maldita marca em seu braço num dia em que ele se machucara...

            Foi a pior decepção da qual Harry se lembrava. E pensar que finalmente estavam superando aquela infantil rivalidade da escola... mas não, aquela rivalidade apenas crescera junto com ambos, e isso ficou claro quando Draco tentou matar Harry pela primeira vez, logo depois do mesmo ter descoberto que Draco não passava de um maldito Comensal da Morte. Harry não sabia se ele tinha conseguido se livrar da cicatriz que Harry lhe deixara naquele dia, e ele não tinha certeza se queria saber disso.

            E, ao ficar subitamente triste com isso, Harry teve de agüentar seu melhor amigo pensando que ele era algum tipo de homossexual. Se fosse, Harry não se importaria tanto com as provocações do amigo, mas o fato de sentir sua amizade incompreendida simplesmente machucava sua alma.

            Bebeu um último gole de leite e depositou o copo vazio na pia ao seu lado, que começava a empilhar-se em louça suja. Definitivamente, precisavam de um elfo doméstico, e logo Hermione não poderia mais ficar contra isso. Poderia até ser Dobby, mas o fato é que estava começando a tornar-se irritante ter de desviar de toda a sujeira aqui e acolá.

            Parou um momento no início da escadaria, observando a biblioteca agora deserta. Será que finalmente tinham ido dormir, aqueles dois? Hesitou em continuar subindo em direção ao seu quarto. Não era preciso nenhum poder de vidência para saber que ele não conseguiria dormir naquela noite. Acariciou sua cicatriz, levando algumas mechas de cabelo para trás. Não que isso tenha deixado seu cabelo menos rebelde, claro. Pudera... mal se lembrava da última vez em que penteara o cabelo. Lavar todo o dia, vá lá, mas pentear... pura perda de tempo.

            Mas, se não iria dormir, o que poderia fazer? Passear lá fora e ficar filosofando sob a luz do luar? Muito poético para um romance, mas não era realmente o que ele tinha vontade de fazer. Conversar com alguém? Não... ele estava com uma porcaria de um pesadelo, não com dor de cotovelo. Ler? Ele ainda não virara a Hermione. Jogar xadrez? Sozinho? Que idéia! Ir beber outro gole de leite? Não... ele não iria dormir mesmo. Fazer palavras cruzadas? Francamente, ele tinha a vontade de fazer algo mais produtivo do que isto. Ler revistas pornôs? Hã... não, ele não era mais um adolescente infestado de hormônios. Ainda era um adolescente, sim, mas seus hormônios iam muito bem, obrigado.

            Suspirou. A única coisa que lhe restava era ir deitar-se em sua cama e esperar a noite passar. Tentar dormir, talvez. Quem sabe ainda tinha alguma chance de pegar no sono, apesar de já serem quatro e meia da manhã? Subiu silenciosamente a escadaria, até chegar ao largo quarto onde os três dormiam. Apesar de a mansão ser gigantesca, todos os três dormiam em um único quarto... diziam que era para sentirem-se mais próximos, mas Harry suspeitava que era para vigiarem o Garoto Que Sobreviveu e evitarem que ele afundasse em seus próprios pesadelos.

            Pesadelos sim, pois a grande maioria de suas visões eram sobre Comensais da Morte em algum plano maligno. A maioria deles era evitada graças aos avisos de Harry, e isso fazia com que o garoto se sentisse culpado sempre que pensava que aqueles sonhos eram um dom que ele não deveria possuir. Snape parecia ser o único a compreender o peso que Harry tinha sobre seus ombros, pois era o único da Ordem que não vivia a lhe perguntar sobre suas visões. Ou talvez Severo o desprezasse a tal ponto que mal se importava com isso. Mas Harry não podia deixar de se lembrar que fora Snape quem primeiro tomara uma atitude em relação aos seus sonhos, provando ao resto da Ordem que eles não eram meros sonhos de um adolescente qualquer. Eram os sonhos de Harry Potter. 

            E assim, num dia qualquer, sem avisar ninguém, Severo Snape, antigo professor de poções de Hogwarts e atual membro da Ordem da Fênix, seguiu o sonho de Harry e surpreendeu um Comensal qualquer que estava prestes a matar uma imensa família de trouxas burgueses. Desse dia em diante, Harry passou a respeitar Snape como um igual, um aliado... um amigo. E parecia que Severo resolvera fazer o mesmo, pois já ajudara Harry com várias de suas poções (especialmente quando envolviam ingredientes dificílimos de se achar), além de mandar uma coruja para lhe perguntar como ia sua saúde de tempos em tempos, embora Harry não soubesse se ele temesse por sua saúde física ou mental. Provavelmente, por ambos.

            Rony, o cabeça dura de sempre, continuava a odiar Snape, e de vez em quando brincava que Harry e Snape tinham um caso. Um dia, Harry e Severo quase jogaram um Crucio em Rony. Desde aquele dia, ele nunca mais fizera piadinhas sem graça sobre o assunto.

            Pensando em suas memórias e em casos como esse, Harry deitou-se na sua cama, estrategicamente colocada entre a de Rony e a de Hermione.  Fechou os olhos, sabendo já que não iria conseguir dormir naquela madrugada. Observou que Rony e Hermione já dormiam, e sentiu uma pontada de inveja, desejando ter um sono fácil como o de seus amigos. Passou as próximas horas desperto, tinha certeza de que não conseguira sequer cochilar por um momento.

            Somente quando o primeiro raio de sol adentrou o quarto o Garoto Que Sobreviveu conseguiu finalmente pegar no sono.  Um dia de sono para uma noite perturbada como aquela. Mais uma madrugada mal dormida em sua coleção, mais um dia de sono. A primeira imagem que veio quando ele adormeceu foi a de um gigantesco vampiro. É, Harry era um mago que estava adquirindo hábitos de vampiros. Mas aquela foi a única coisa com a qual sonhou, pois seu sono logo transformou-se em um vazio sem sonhos. Finalmente, a calma de um sono comum.