Nome da Autora: Cindy "Lain-chan"

E-mail: fly2angels@yahoo.com.br

Sinopse: Dois anos após terminarem seus estudos em Hogwarts, o trio formado por Harry, Hermione e Rony faz parte da Ordem da Fênix. A Guerra contra o Lado das Trevas está chegando em seu ponto mais crítico, e um estranho dom que Harry adquiriu, o de premeditar certos atos que os Comensais da Morte iriam fazer, será a peça principal para o cheque-mate de um dos lados. Resta saber se isso será uma vantagem para o Lado de Voldemort ou para o lado de Harry.

Disclaimer: Ok, como diria um conhecido meu, alguém que não saiba sequer o significado de "fanfiction" provavelmente não vai saber me processar por estar fazendo uma inocente fanfic...

Nota da Autora: Eis a minha primeira fic em português no fanfiction.net e, como vocês, que lêem as fics em português do fanfiction.net já devem ter reparado, o público é bem menor do que o da seção em inglês. Portanto, se você conseguir ler essa fic até o final, por favor, deixe seu comentário. ^_^ Flames serão usados para tostar marshmallows, e tenho dito.

Segunda Nota da Autora: Muito Obrigada pra Michiru e para a Zena! ^.^ Zena, eu espero que esse capítulo não tenha demorado demais para você. Michiru, eu espero que você continue achando a fic cativante. Se mais alguém leu e não deixou comentário... deixe agora mesmo! XD

O nome desse capítulo... é outro nome de música... sem letras. Sim, o tema da pantera cor-de-rosa! Por que alguma maluca daria um nome desses para um capítulo? Não me perguntem! XP

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E Eu Sonhei Com Campos Onde Choviam Gotas Carmesins

Capítulo II: Pink Panther

        Amanhecia. Aliás, já amanhecera. É, acabara dormindo até mais tarde do que deveria... novamente. Hermione espreguiçou-se em sua larga cama, revolvendo os lençóis ao redor de si. Piscou algumas vezes, tentando acordar seu cérebro, o que não foi muito difícil. Sentou-se na cama, colocando um pé após o outro no chão gelado. Quem tivera a maldita idéia de colocar aquele piso gelado no quarto dos três?

            Hã... ela mesma. Dissera algo sobre o fato de que encostar em algo gelado ajudava a despertar, mas no momento amaldiçoava-se por ter sugerido tal coisa. Tateou pelo chão com os pés, em busca de seu surrado chinelo de pano que, por uma total falta de sorte, encontrava-se do outro lado da cama. Ao perceber isso, deslocou seu quadril e suas pernas para o outro lado, até finalmente seus pés encontrarem os abençoados chinelos. Feito isso, levantou-se e espreguiçou-se mais um pouco, enquanto bocejava. Definitivamente, dormir menos de cinco horas por noite não estava lhe fazendo muito bem, mas necessitara disto para conversar com Rony sobre Harry.

            Quando pensou em ambos os garotos, olhou para as camas à sua esquerda, procurando pelos dois. Primeiro, Harry, dormindo na cama do meio... quase roncava. Aliás, da maneira como estava mal deitado, com sua cabeça quase caindo para fora da cama, isso não era de se surpreender. Provavelmente, dormira assim que caíra na cama, exausto por culpa de suas visões. Mas agora era dia, e ele poderia dormir em paz. Alguns meses atrás Hermione teria começado a pensar – novamente – porque Harry não tinha visão alguma durante o dia, mas após exaustivas pesquisas que incluíam visitas até mesmo à grande biblioteca Delawensa e a biblioteca de Hogwarts e noites em claro formulando teorias, acabou por desistir disso. Ao menos por enquanto.     

            Caminhou com passos preguiçosos até a cama de Harry, procurando colocá-lo em posição mais confortável. Ajeitou a cabeça do garoto com meticuloso cuidado, procurando não despertar o Garoto Que Sobreviveu. Após ter feito isso, olhou para a cama de Rony, apenas para encontra-lo dormindo também. Menos mal. Olhou por alguns instantes para o mais frágil dos membros da Ordem da Fênix... e perguntou-se novamente porque Dumbledore o convocara para a Ordem... Hermione balançou a cabeça, tentando espantar seus pensamentos e seus últimos resquícios de sono. Oras, Dumbledore teria seus motivos. Como pudera sequer cogitar que ele pudesse ter sido convocado apenas por ser o melhor amigo de Harry Potter, um dos mais importantes membros da Ordem? Mas, no entanto... Rony não tinha as habilidades de seus companheiros.

            Ela, Hermione, era a melhor da Ordem para procurar por informações. Sempre que precisavam de dados sobre Voldemort ou qualquer assunto relativo ao mesmo, era ela quem era chamada.

            Harry, o Garoto que Sobreviveu. Além de suas visões, possuía um vasto conhecimento sobre Voldemort, já que era tão intimamente ligado ao mesmo.

            Severo, capaz de realizar qualquer poção. Não errara uma única até o dado momento, por mais difícil que fosse. Além do mais, possuía algumas informações sobre Voldemort que ainda eram necessárias a Dumbledore.

              Sirius Black era o único animago não-registrado, o que fazia dele o espião oficial da Ordem, além de ser um dos melhores bruxos quando o assunto era duelo.

            Remus Lupin, além de ser um poderoso lobisomem, agora devidamente domesticado por Severo (Hermione sorriu-se ao lembrar da forma como Snape vivia a rir-se para Lupin ao lembrar-lhe que ele agora era quase um bichinho de estimação de Severo) também era outro excelente duelista.

            Dumbledore, o cabeça do grupo, o único com sabedoria suficiente para liderar aquele grupo.

            E Rony?

            ...

            Rony tinha medo de aranhas.

            Hermione suspirou, passando uma das mãos por sua testa. Adorava o garoto, e estar namorando-o estava sendo realmente... divertido. Ainda não morria de amores por um de seus melhores amigos, mas não deixava de pensar que isso talvez não estivesse longe de acontecer. Mas seus sentimentos nunca atrapalharam seu julgamento, e não seria agora que isso iria ocorrer... Hermione tinha plena consciência de que seu querido não possuía talento suficiente para estar na Ordem... estaria melhor entre os Aspirantes, junto com sua irmã, Neville, Cho Chang, Sir Nicholas Quase-Sem-Cabeça e Murta-Que-Geme...

            Os Aspirantes... Hermione sorriu. Se a Ordem da Fênix possuía um braço direito, este pertencia aos Aspirantes... uma espécie de time de reserva, apesar de seus membros não admitirem tal definição. Cada um, à sua maneira, ajudava a Ordem, fosse com plantas que requeriam muito cuidado que eram dadas aos cuidados de Neville, fosse com a necessidade de atravessar locais perigosos, tarefa que geralmente cabia aos dois fantasmas do grupo. Cho Chang e Gina, no entanto, recebiam a tarefa mais difícil, fosse da Ordem ou dos Aspirantes... eram elas as responsáveis por seduzir alguns Comensais da Morte para conseguirem passagem em pontos importantes e informações que poderiam ser necessárias. Hermione jamais conseguiria fazer isso... tivera de conviver com Rony e Harry por anos para que se considerasse íntima dos mesmas, imagine ter de seduzir um homem em uma única noite! Cho Chang e Gina muitas vezes não pareciam realmente gostar de sua função, mas a aceitavam sem protestos. Aliás, quem protestara fora Rony, que não quisera ver sua irmã envolvida nesse tipo de espionagem. Após muitas brigas, concordaram que Gina não perderia sua virgindade com um maldito Comensal da Morte. Ao menos isso. Gina concordou de imediato, e nessa ocasião Hermione teve de se agüentar para não soltar algum tipo de risadinha incriminadora.

            Gina e Colin... e Rony ainda não sabia! Ele realmente era distraído nesse tipo de assunto, já que fazia quase um ano e meio que Gina e Colin namoravam escondidos, e seu irmão sequer se dera conta disso. Bem, não seria Hermione que iria dedurar uma de suas poucas amigas, certo?

            Olhou novamente para os dois antes de sair do quarto. Ainda dormiam como anjinhos. Vestiu um roupão amarelo de algum tipo de tecido pouco espesso por cima de seu pijama com estampa de corações vermelhos e abriu com cuidado a porta do quarto, novamente evitando qualquer tipo de barulho. Ambos os garotos mereciam mais um pouco de descanso. Bem... talvez ela também precisasse de algum descanso depois da última noite, mas sentia que tinha algo importante a fazer, embora não soubesse ao certo o quê. Desceu a escadaria, parando ao final da mesma. Para onde queria ir? Bem, como diria sua mãe, "saco vazio não pára de pé", e por isso resolveu visitar a cozinha da mansão.     

            Chegando lá, deparou-se com seu velho gato, Bichento. Após tantos anos, o pobre coitado aparentava sua velhice, seja através de alguns pêlos brancos que nasciam em seu dorso, fosse pelo aspecto debilitado que apresentava. Assim que Hermione entrou na cozinha, o gato deu um miado curto e baixo, como se pedisse para a sua dona que o pegasse no colo. Ela agachou-se ao lado de seu velho amigo e fez cafuné no pequeno, observando o ar deliciado do gato enquanto fazia isso.

            - Bom dia, Bichento – disse ela, dando um leve sorriso. Diferente de Rony ou Harry, ela não precisava de se preocupar tanto com o outro habitante da mansão, já que, apesar da idade, Bichento ainda era um animal bastante independente, passando os dias pela mansão e, eventualmente, saindo de noite pelos telhados das casas próximas. Algumas vizinhas trouxas comentavam no bar da esquina, para quem quisesse ouvir, que o número de ratos na vizinhança diminuíra consideravelmente desde que aqueles três estranhos mudaram-se para aquela mansão, mas Hermione nunca ligara o fato ao seu próprio animal, até o dia em que Bichento retornara para a mansão com os bigodes cheios de sangue e a barriga terrivelmente estufada. O que Hermione ainda não compreendia era como seu gato conseguia comer tantos ratos em uma única noite.

            Aliás, seu gato era bastante peculiar... desde que ajudara Sirius em seu terceiro ano em Hogwarts, Hermione desconfiava de que havia algo de estranho em seu animal, mas nunca chegara a respostas conclusivas a respeito.

            Hermione suspirou, largando o gato e caminhando até a geladeira. Queria compreender tudo, e no fim sentia que nada compreendia. Tentava compreender cada pequeno detalhe na esperança de compreender toda a grandiosidade do universo, mas no fim sentia-se frustrada, como aquele filósofo de um certo conto de Kafka que lera alguns anos atrás... sentia que corria atrás de um pião imaginário para no fim descobrir que não era aquilo que lhe interessava e que, na sede de encontrar respostas, acabara por fechar seus olhos e ouvidos ao resto do mundo.          

            Maldito pião. Algum dia a resposta para seus giros estaria em suas mãos? Provavelmente não.

            Observava agora a geladeira, procurando por algo que pudesse lhe ajudar a despertar. Qualquer coisa, menos café. Odiava café, especialmente nos últimos anos, embora não soubesse dizer ao certo porquê. No fim, acabou pegando um pouco de iogurte de morango, uma das coisas que ela e Harry compraram no mercado da vila. Abriu o pote e depositou um pouco de seu conteúdo esbranquiçado em um copo que encontrara limpo... um daqueles copos de requeijão, com desenhos de ursinhos ao redor. Provavelmente eram os desenhos a razão deste copo ainda estar limpo, já que Harry e Rony recusavam-se a beber naquele tipo de copo.

            Hermione olhou com certo receio na direção da pilha empilhada de louça suja. Ou limpava aquilo, ou cedia a Rony e Harry e deixava que arranjassem um elfo doméstico. Bem, para deixarem entrar um elfo doméstico naquela casa teriam de passar por cima do cadáver de Hermione, e por isso ela dirigiu-se até a pia e, após encontrar detergente e uma esponja perdidos no meio daquela bagunça, abriu a torneira e começou a lavar os pratos, como costumava fazer quando era menor e ainda vivia com seus pais.

            Seus pais... como estariam agora? Provavelmente, dormindo, já que nunca gostaram de acordar cedo aos domingos. Deu de ombros. Qualquer hora iria visitá-las, já que as corujas que os mantinham em contato não pareciam ser o suficiente.

            Lavava os pratos, fazendo daquilo sua desculpa para desconectar-se de seus problemas, deixando que sua mente vagasse por entre o detergente, a água e os pratos. Antes que se desse conta disso, uma grande pilha de pratos limpos ia se formando ao seu lado, e logo Hermione já deixara metade da louça tão limpa quanto poderia. De vez em quando, Bichento roçava em sua perna, como se pedisse carinho. Sem dar muita atenção, Hermione deixou que o animal ficasse ali. Até, é claro, o gato começar a ficar impertinente. Primeiro, botou ambas as patas nos joelhos de Hermione e começou a coça-la com seus bigodes. Depois, começou a lambê-la. Será que não sabia que ela estava ocupada agora e não poderia pega-lo no colo?

            Foi quando sentiu um estranho odor no ar que ela resolveu parar de mexer naquele louça suja para olhar em redor. Cheiro estranho... havia algo fora do comum ali, mas Bichento parecia não importar-se com isso, pois continuava a roçar-se na perna direita de Hermione. Esta se abaixou ao seu lado para ralhar com ele e manda-lo para o seu canto. Mas, ao abrir a boca para falar, percebeu algo no olhar do animal. Era algo que nunca tinha visto antes em Bichento, mas que ela percebeu o que era no momento em que olhou para o animal. Ele estava com medo.

            E, num estalo, Hermione deu-se conta de seu engano. Bichento não pedia por colo.

            Pedia para que Hermione fugisse dali.

            - Quem está aí? – perguntou ela, ainda ao lado de Bichento. Estava paralisada de medo. Será que... aquele cheiro... seria algo que estava dentro da mansão e não deveria estar? Seria possível que algum Comensal tivesse descoberto aquela mansão e tivesse vindo acabar com os três mais jovens membros da Ordem? E tratava-se de um odor estranho e desagradável... será que seria o próprio Lorde das Trevas que teria vindo para assassinar os três? Um arrepio involuntário percorreu a espinha da garota. Finalmente, uma voz feminina vinda do hall da mansão fez com que Hermione pusesse sua varinha em posição de uso e fosse caminhando até o mesmo.

            - Sou sua vizinha, Odete – disse a voz, e Hermione notou que havia certo temor em sua voz. – Eu fiz uma torta de maçã, sabe? – continuou, ao perceber a figura feminina que vinha da cozinha, e mostrou uma cesta de vime do qual vinha o estranho cheiro que nauseara Hermione. – A porta estava aberta, e eu pensei que talvez vocês quisessem um pouco...

            - Péssima tentativa, Comensal da Morte – grunhiu Hermione, girando a varinha ameaçadoramente na direção da mulher, que se vestia como uma típica camponesa da região, um grande lenço vermelho amarrado em seus cabelos, deixando os fios loiros espremidos atrás de sua cabeça. – Nós nunca deixamos nossa porta aberta.

            A mulher pareceu ofendida, e voltou a cesta de vime para trás. – Sua educação é péssima, forasteira – grunhiu ela de volta, deixando aparecer um ar magoado. – Eu pensei que você fosse diferente. Não sabia que esse pessoal de fora também não gostava de coveiras. Eu apenas enterro os malditos corpos, sua mal-educada, eu não os como.

            Hermione hesitou, a varinha ainda em posição. Será que realmente deixara a porta aberta no justo dia em que uma vizinha maluca resolvera trazer uma torta de maçã estragada para ela? Coincidências assim não poderiam existir... poderiam? Olhou novamente para a mulher, que parecia realmente ofendida. Finalmente abaixou a varinha.

            - Desculpe-me – disse ela, por fim. – Eu apenas... lhe confundi com outra pessoa.

            Apesar de ter abaixado a varinha, continuou a examinar aquela visitante com os olhos. Nenhum sinal de varinha, nenhum sinal de magia. E os olhos de Hermione já estavam bastante despertos para não deixarem passar esse tipo de detalhe.

            - Tudo bem – disse a mulher, dando de ombros. Voltou a estender a cesta de vime na direção de Hermione, que teve de se controlar para não revirar o nariz ao sentir o cheiro nauseante de – agora sabia – maçã estragada. – Esse tipo de coisa vive acontecendo comigo.

            - Eu realmente peço desculpas – disse Hermione, balançando a cabeça sem saber ao certo o que fazer. – Eu não tinha a intenção de lhe ofender...

            - Como eu disse, é o tipo de coisa que vive acontecendo comigo – disse a mulher, balançando a cabeça. – Bem, talvez a culpa seja minha, por ir entrando na casa dos outros sem ser convidada...

            - Convido-a agora – acrescentou Hermione depressa. A mulher sorriu, deixando à mostra um belo conjunto de dentes alvos.

            - Que bom! Mas, enfim, eu só vim até aqui para lhe trazer essa torta... – disse ela, retirando do cesto a torta, que tinha uma aparência tão desagradável quanto seu cheiro. Estaria meio verde, ou era apenas a visão nauseada de Hermione? Sem querer parecer uma pessoa com uma total falta de modos (até porque todas as mulheres daquele região eram extremamente fofoqueiras, e Hermione não queria que uma má fama se espalhasse por todo o vilarejo), a garota pegou a torta nas mãos e ainda conseguiu esboçar um "obrigada" com um aceno enquanto tentava evitar o cheiro nauseante da torta.

            - Você não deseja um copo d'água? – perguntou Hermione, tentando com todas as suas forças parecer educada, embora estivesse estranha naquele roupão e em seu velho e confortável pijama.

            - Não, não – disse a mulher, já se dirigindo até a porta. – Tenho muitas coisas a fazer, e o dia está apenas começando. Até uma próxima oportunidade, senhorita Granger – dizendo isso, fechou a porta atrás de si e foi-se embora.

            A garota ainda olhou por uma das vidraças ao lado da porta principal enquanto a camponesa voltava para seus afazeres, desaparecendo em alguma esquina não muito longe dali.

            Hermione suspirou, aliviada. Livrara-se daquela visita inesperada sem maiores danos. A não ser, é claro, aquela torta horrível. Caminhou até a cozinha e estava pronta para jogar aquela torta ao lixo, não fosse Bichento chamar novamente a sua atenção.

            - O que foi, bichano? – murmurou ela, ajoelhando-se ao seu lado. – O perigo já passou, calma...

            O gato aproveitou que Hermione estava abaixada para pular por cima dela, fazendo a torta cair no chão. Uma gosma estranha espalhou-se pelo chão.

            - Bichento, olha o que você fez! – ralhou ela, procurando sua varinha para limpar aquela sujeira. Teria feito o feitiço rapidamente não fosse um pequeno papel no meio daquela massa gordurosa. Pegou-o com uma das mãos e, apesar de estar embolorado por causa da massa da torta, ainda era possível ler uma pequena mensagem escrita à mão.

            Seus sistemas de proteção contra invasões já foram melhores, Ordem da Fênix.

            Bichento deu um mio alto ao perceber que os olhos de Hermione estavam muito maiores do que o normal. O gato jamais vira sua dona com tamanho pavor em seu rosto. Finalmente o cérebro de Hermione despertara, embora tarde demais. Encaixou as peças com uma facilidade impressionante.

            Eles não tinham nenhuma vizinha chamada Odete.

            Não havia um cemitério sequer no vilarejo, sendo que o mais próximo ficava a mais de 30 km dali.

            Ninguém do vilarejo sabia o nome completo de nenhum dos três bruxos.

            E aquela rua pela qual a camponesa/Comensal da Morte entrara... ah, como pudera ter sido tola de esquecer-se? Era um beco sem saída.

            Ah, e é claro. Ninguém, ao menos em teoria, poderia entrar na mansão sem a autorização de pelo menos um dos bruxos. Novamente em séculos, a prática mostrava-se contrária à teoria. Ao pensar nisso, Hermione sentiu tamanha raiva que quase caminhou até a biblioteca para atear fogo naqueles livros que agora se mostravam inúteis.

            Mas, ao invés disso, subiu as escadarias com pressa, tropeçando nos degraus aqui e ali, até chegar ao quarto. Precisava acordar Harry e Rony. Estavam em perigo. A visão de Hermione embaçava-se cada vez mais, a sirene vermelha de perigo máximo soando em seus ouvidos. Abriu a porta com um estrondo.

            - Harry! Rony! Acordem!

            Seu grito não acordou mais do que duas moscas. Seu grito atingiu três camas vazias. Seu grito... estancou-se no ar.

            Droga. Mil vezes droga. Devia ter dormido até mais tarde. Deveria ter dado um jeito de desmascarar aquela Comensal da Morte mais cedo. Deveria... ter sido mais inteligente.

            E agora, onde estavam seus melhores amigos, senhorita sabe-tudo?

            Caiu no chão, de joelhos, as mãos cobrindo sua cabeça que insistia em girar. Lágrimas quentes escorreram por seu rosto antes que ela conseguisse compreender o que estava acontecendo.

            Iriam morrer. Estavam perdidos. Não havia mais nada a ser feito. Onde estavam seus amigos? Será que aquela maldita Comensal da Morte os levara enquanto Hermione se ocupava da frivolidade de lavar pratos? Uma parte de si resolveu deixar anotado que, caso as coisas voltassem a ser como eram (e alguém aí sabia como costumavam ser as coisas?), ela deixaria que Harry e Rony conseguissem um elfo doméstico para a mansão.

            Ficou remoendo-se, deixando o sentimento de culpa invadir cada parte de seu pensamento. Era sua culpa que eles tenham desaparecido, não era? Se não estivesse na cozinha... se não tivesse acordado mais tarde...            suas lágrimas formavam minúsculas poças no piso frio do quarto, onde um vento frio para o começo de uma manhã entrava pela janela aberta. Aliás, o vento estava forte, já que balançava pelos ares a cortina salmão e os lençóis das camas estavam quase no chão.

            Hermione sentiu um calafrio, embora não soubesse ao certo se seria por frio ou por medo. Levantou-se, enxugou as lágrimas que ainda salgavam seu rosto e caminhou até a janela, fechando-a. Assim como Rony costumava fazer tantas vezes pela manhã, logo após Harry ter aberto aquela mesma janela. Um, reclamava que era frio demais para se deixar a janela aberta, o outro reclamava do calor. Inacreditável como eram melhores amigos.

            Melhores amigos metidos numa roubada por causa de Hermione. Isso daria um belo nome para um filme trouxa, caso a pesquisadora da Ordem resolvesse ingressar na carreira artística. Mas essa não era uma boa hora para se pensar em frivolidades como essa, e por isso Hermione fechou a janela com um estrondo. Imediatamente, tanto a cortina quanto os lençóis voltaram aos seus lugares de origem. Olhou em volta, observando as camas. Estavam desarrumadas, como se tivessem sido deixadas às pressas. Mas, até aqui, nada fora do comum. Harry e Rony eram dois homens normais que sempre deixavam o trabalho de arrumar a cama para alguma outra pessoa fazer, no caso, Hermione. Nos criados mudos ao lado de cada cama não havia sinal de nenhuma varinha ou dos óculos de Harry. Mas, ainda assim, nada fora do comum. Hermione lembrou-se que, um pouco antes, ao acordar, percebera que Harry adormecera de óculos, provavelmente exausto.

            E agora, provavelmente morto.

            Um pensamento começou a crescer, sem que Hermione tivesse dado permissão para isso. Por que ela não estava com seus amigos? Eles não teriam poupado a garota com tamanha facilidade. Será que havia alguma importância a sua sobrevivência em detrimento da de seus amigos? Claro que tinha. Hermione sentia-se culpada, o que era pior do que qualquer tortura que pudessem fazer com a ajuda de magia.

            Mas há algo. Um canto. Aliás, algo que deveria ser um canto, já que se tratava do canto terrivelmente de – e Hermione sentiu um alívio imensurável ao perceber isso – Rony. Saiu do quarto, passos largos atrás da voz que agora cantava cada mais alto. E Hermione até sabia que música que era, já que se tratava da música favorita de Rony... o hino daquele seu maldito time de quadribol. Hermione nunca pensara que se sentiria tão grata a uma maldita música. Aliás, música não era uma de suas coisas favoritas, bem diferente do que a maioria costumava pensar. A garota nunca entendeu porque costumavam associar intelectualismo à música clássica. Para ela, música clássica continuava sendo algo terrivelmente chato, assim como todos os hinos de todos os times de quadribol que conhecia.

            Pensando nisso, chegou até o banheiro da mansão. Nossa, que original. Rony estava cantando no banheiro, como sempre. E sempre a mesma coisa. Hermione quase sabia a música de cor, apesar de jamais ter se dado ao trabalho de prestar atenção na letra.

            - Rony? – berrou Hermione, fazendo a voz do outro lado parar de cantar. 

            - Hermione? – disse uma voz hesitante do outro lado. Rony. – Eu pensei que você estivesse lá embaixo e...

            - Oras, cale a boca – Hermione berrou, perdendo a paciência. Mas era uma raiva... aliviada. Sentia-se feliz, embora seu tom de voz não aparentasse isso.  – Eu preciso falar com você. Agora. Abra essa porta.

            Nunca pensara que fosse ser tão imperativa com Rony. E agora...

            - Hermione! – berrou Rony, lá de dentro. – Eu não posso abrir a porta agora!

            - Você sabe onde o Harry está? – interrompeu ela, colando seus ouvidos à porta. Desta vez, ouve hesitação do outro lado da porta.

            - Sei – disse Rony, enfim.

            - E ele está bem?

            Nova hesitação.

            - Está, mas...

            - Então abre essa porta! – berrou novamente Hermione. Como não ouve resposta do lado de dentro do banheiro, Hermione afastou-se alguns passos da porta e empunhou sua varinha. – Alorromora!

            A porta abriu-se com um estrondo, revelando que Rony estava ainda de pijamas, ao lado de uma banheira com espumas até a borda. Estava muitíssimo vermelho ao ver que Hermione entrara no banheiro.

            - Hermione! – berrou ele, pela terceira vez em poucos minutos. – Eu falei para você não entrar!

            Hermione olhou em volta. Quando Rony falara com tanta raiva que ela não poderia entrar no banheiro, ela imaginara que ele estivesse tomando banho ou algo do gênero, mas ele ainda estava de pijamas e, ao que parecia, não fazia sequer menção de entrar na banheira, apesar desta estar cheia e pronta para o banho.

            - Estamos perdidos! – berrou ela por fim, desesperada demais para se preocupar com a intimidade de Rony. – Os Comensais da Morte sabem que nós estamos aqui!

            - Como assim? – disse... Harry? Neste momento, Hermione reparou num pequeno monte de cabelos escuros que se erguia das espumas.

            Apesar de saber que aquilo não era momento para isso, não pôde deixar de pensar no que raios ele estaria fazendo tomando banho enquanto Rony... cantava para ele. Se aquele fosse um dia comum, ela teria enchido ambos os garotos de perguntas. Se estivessem num dia comum, porém, ela jamais teria arrombado a porta do banheiro.

            - Uma Comensal da Morte conseguiu entrar aqui dentro – disse ela, numa velocidade realmente impressionante, como os meninos quase haviam se esquecido que ela era capaz. – Ela deixou uma torta de maçã estragada com uma mensagem. Eles sabem de nós! – fez uma pausa, respirando com força. – Eu pensei que eles tivessem levado vocês, quando vi as camas vazias... – murmurou ela, as lágrimas novamente vencendo-a. – Eu estava... eu estou com tanto medo!

            Rony e Harry entreolharam-se. Provavelmente pensaram a mesma coisa, pois o mesmo olhar temeroso colocou-se em ambos os rostos.

            - E o que você sugere que nós façamos, minha querida sabe-tudo? – disse Rony, caminhando até Hermione. Esta não poderia ficar mais surpresa, e continuou a falar apressadamente.

            - Eu vim até aqui para discutir isso com vocês! – grunhiu ela, olhando para Harry – ou os olhos espremidos por entre a espuma – e para Rony. Este apenas grunhiu algo que Hermione não entendeu, apesar de estar muito próximo a ela.

            - Nós podemos ver a mensagem? – disse Rony, após um curto silêncio. Hermione hesitou. Ela poderia lhe falar o que estava escrito. Por que Rony precisava vê-la? Mas, após lhe trair uma vez naquela manhã, Hermione não queria deixar mais nenhuma ponderação ao encargo de seu cérebro.

            - Claro – murmurou ela, após outro curto de silêncio. Rony fez sinal para que ela se virasse para o outro lado, para que Harry pudesse sair da banheira. Ela se virou, e escutou quando alguma água esparramou-se pelo chão do banheiro, quando Harry pegou uma toalha para se secar e quando começou a enfiar com pressa seu pijama. Apesar de Harry achar que estava fazendo isso muito mais rápido do que costumava fazer, Hermione considerou a demora uma eternidade. No fim, não resistiu. – Posso saber o que vocês dois estavam fazendo juntos no banheiro?

            - Depois – grunhiu Rony. – Por básico, você pode saber que Harry estava tão cansado que mal conseguia se levantar, e eu achei melhor que eu ficasse aqui com ele para evitar algum tipo de acidente enquanto ele tomava banho.

            - Certo – murmurou Hermione, mais para si mesma do que para Rony.

            - Não faça parecer que eu sou algum tipo de velhinho debilitado! – disse Harry, quase sorrindo. Rony também sorriu. Mas o sorriso de ambos logo desapareceu quando seguiam Hermione até a cozinha. Assim que chegaram, Hermione ficou ao lado da torta esparramada no chão e ajuntou o pequeno papel. Entregou-o para Rony, que o pegou com ávida curiosidade. Leu-o e o passou para Harry, que também o leu rapidamente. Em seguida, entreolharam-se, e Hermione pôde perceber que novamente pensavam a mesma coisa.

            - Hermione... o que aconteceu? – perguntou Rony, procurando por detalhes. Olhou pela cozinha, sem encontrar nada de especial.

            - Eu já falei! Uma Comensal da Morte entrou aqui dentro! – disse ela, começando a descabelar-se. Raios, precisavam fazer alguma coisa, e logo!

            - Estranho – disse Harry, novamente olhando para Rony. – E o que ela fez?

            - Deixou uma torta estragada com uma mensagem – disse Hermione, percebendo a estranheza daquilo enquanto falava.

            Rony e Harry aproximaram-se, acenando entre si.

            - Hermione, você sabe que alguém só pode entrar aqui dentro se um de nós autorizarmos, não é? – disse Harry, erguendo ambas as sobrancelhas de modo inquisitivo.

            - Claro! Mas parece que eles descobriram como passar por isso! E descobriram onde nós estamos também! – grunhiu Hermione, começando a dar voltas pela cozinha, exasperada.

            - Você conhece as regras desse jogo tão bem quanto nós – murmurou Rony, balançando a cabeça. – Não é preciso que nós digamos que esse tipo de coisa geralmente precisa de um traidor, não é?

            Rony e Harry olhavam agora para Hermione. Nessa momento, desejara não ter sido uma das mentes mais brilhantes entre os alunos de Hogwarts, porque naquele preciso momento, antes que fosse necessário que ambos tivessem de falar o que pensavam, Hermione compreendeu. Achavam, por alguma razão que fugia ao seu conhecimento, que era ela a traidora.

            Mas... por quê?

            - E? – murmurou Hermione, olhando nos olhos de ambos os garotos, desejando, como jamais desejara, que estivesse realmente enganada.

            - Harry sonhou com sua traição – guspiu Rony, empunhando sua varinha, e sendo imitado por Harry. – Você iria logo me entregar a Voldemort. Pena que Harry tenha acabado com seus planos.

            Hermione estava atônita. Abriu a boca para dizer algo, mas não encontrou nada. Pensou em dar algum álibi para provar sua inocência, mas...

            ... precisaria provar sua inocência para seus melhores amigos?

            Olhou para Harry. Para Rony. E percebeu, para sua imensa tristeza, que não eram mais seus melhores amigos. Tornaram-se desconhecidos diante de seus olhos.

            Poderia dar um jeito de provar sua inocência, uma poção, algo do gênero. Mas ter de faze-lo... seria humilhante demais. E pensar que confiara sua vida naqueles dois...

            Perdera seus melhores amigos por causa de um maldito sonho de Harry?

            - Podem me matar, se quiserem – grunhiu ela, caindo ao chão. – Ao menos morro sem remorsos, o que não será o caso de vocês assim que descobrirem o que estão fazendo.

            - As visões de Harry nunca erraram – grunhiu Rony, apenas. Guspiu em Hermione com nojo. – E pensar que você estava me usando como um sacrifício...

            Harry permanecia calado, e Hermione percebeu isso. Levantou os olhos até ele, e percebeu que Harry não estava tão determinado quanto Rony.

            - Bem, talvez essa tenha sido a primeira vez, não é, Harry? – murmurou Hermione, e a dificuldade que entrava em falar surpreendeu a ela mesma. Harry olhou para o outro lado, evitando Rony e Hermione.

            - Eu não acredito nisso – grunhiu Rony, guardando sua própria varinha. – Harry, faça algum feitiço para que ela adormeça e nós possamos entrega-la a algum bruxo da Ordem.

            Mas Harry não se moveu. Rony estava furioso agora.

            - Dormien Sitas! – grunhiu Rony, e Hermione caiu inconsciente aos seus pés. Harry virou-se para ele surpreso.

            - Você não precisava ter feito isso – disse ele, apenas. Rony deu de ombros. Harry suspirou e foi até a pia, apenas para encontrar uma pilha de louça limpa. Que Hermione lavara. Talvez apenas para não ter de aceitar um elfo doméstico.

            - Posso leva-la? – perguntou Rony, apontando com desdém para o corpo inconsciente de Hermione. Harry acenou negativamente com a cabeça.

            - Eu vou fazer umas pesquisas, antes disso – murmurou ele, observando a garota caída no chão.

            Nunca desejara com tanta força estar errado. Mas o sonho não deixava dúvidas. Ela iria trai-los. O que ele poderia querer pesquisar? Talvez procurar o momento no qual perderam Hermione...

            Olhou novamente o corpo, a pilha de louça limpa... Bichento ronronando ao lado da cozinha.

            Será que realmente tinha perdido sua melhor amiga para Voldemort?

            Se era assim... a batalha final estava próxima. Harry não iria agüentar ver mais ninguém cair pelas Trevas, seja sendo morto ou sendo levado por sua escuridão.

            Observou o corpo delicado de Hermione deitado desajeitadamente no chão.

            Tinham perdido a garota... a melhor amiga, a amante...

            E Harry nunca desejara com tanta força estar errado.