Capítulo 4 – A menina Weasley

As lágrimas de Gina ainda insistiam em cair, e ela sentia uma dor profunda no peito, de saudade por seus entes queridos. Não por saudades de agora, mas por uma certeza que, ela não sabia como, não os veria por muito tempo.

Poucos minutos depois que ouviu os passos de Malfoy saindo da sala, sentiu uma mão com dedos finos lhe tocarem o ombro, mas ela não tinha vontade de falar com ninguém.

-Senhorita... – falou Kally hesitante – Senhorita?

Gina, reconhecendo a voz inconfundível da pequena, forçou-se a levantar a cabeça e encarar os grandes olhos do elfo. Ela viu um pouco de apreensão nos olhos de Kally, quando ela percebeu que Gina chorava.

-O que aconteceu, senhorita? Machucou? Meu senhor não me disse que a senhorita havia se machucado, senão eu teria trazido água e alguma...

-Tudo bem – Gina conseguiu dizer, enquanto se apoiava no elfo para levantar. Viu que estava muito fraca, principalmente emocionalmente, e desejou ter os braços de Harry para lhe acalentar. Pensando nisso as lágrimas começaram novamente, mas Gina continuou a andar com a ajuda do elfo.

Ela sentia que percorria algum caminho, mas seus sentidos pareciam embaralhados, e se fosse preciso decorar o caminho para seu quarto, com certeza Gina não conseguiria. Sentiu, depois de um tempo andando, a voz do elfo a lhe dizer algo, e ela obedecendo, acabou se deitando na cama que havia deixado algumas horas antes. 

Draco estava novamente no escritório. Permanecia sentado, atrás da mesa, como se sua cadeira fosse desconfortável demais, pois estava duro, sem conseguir ficar tranqüilo. Seus pensamentos se misturavam e às vezes, quando ele não conseguia controlá-los, se pegava tendo medo do que aconteceria dali adiante.

Weasley. "Assim que ela sair daqui vai espalhar a todos sobre mim… Garota maldita..." pensava enquanto se torturava por não ter imaginado o que ela faria quando se aproximou dele.

Foi então, que se lembrou que a família de Gina não sabia de nada. Draco se mexeu mais na cadeira. Teria que escrever algumas palavras explicando, com uma desculpa qualquer, que a Weasley estava ali. Não se preocupava que a família pudesse estar aflita com o desaparecimento dela, mas não queria ninguém em sua casa lhe perguntando sobre a garota, ou lhe acusando de seqüestro. Apesar de que sabia que avisando os Weasley ele corria o risco de algum dos irmãos virem tirar satisfações.

Então, soltando um suspiro de insatisfação, começou a escrever um curto, mas muito bem explicado bilhete.

Assim que terminou, Draco chamou Dippy, mandando enviar uma coruja aos Weasley. Depois pegou um pergaminho que estava em cima da mesa, e se levantou decidido. Estava na hora, decidiu ele, de Gina saber o por quê dela estar ali.

O quarto estava gelado, apesar do sol que entrava pelas janelas, iluminando o rosto pálido de Weasley. Draco ignorou a súbita vontade que teve de se apertar mais em sua capa, devido ao frio e andou até o pé da cama. Observou que ela dormia num sono profundo, pesado, como se fosse forçada a dormir, como se precisasse recobrar energias. Mas mesmo assim ele a acordou. Não estava querendo ficar ali a esperando acordar, já bastava o que ela lhe fizera momentos antes. Ele não iria sentir pena dela depois disso, só queria deixá-la mais aflita, assim como ele ficou no momento em que seu capuz caiu.

-Weasley! – ele gritou. Nada de uma leve chacoalhada, nem um chamado suave, foi um grito alto e claro. Definitivamente não era do tipo que soltava delicadezas à toa.

Mas ao contrário do que Draco havia imaginado, a garota acordou no primeiro momento. Não se espreguiçou coçando os olhos como seria natural, mas sim, sentou-se em um pulo, abrindo os olhos, e na mesma hora gritando.

Draco novamente ficou sem reação. Quando ele ia se acostumar com alguém a gritar toda vez que o olhassem? Ele sentia um misto de fraqueza e ódio, mas mesmo assim, parecia inabalável, pelo menos aos olhos de Weasley.

-Malfoy... – ela disse ofegante, a mão no peito que subia e descia tamanho foi seu susto. Gina ainda não estava acostumada a visão de um rosto tão horrível e marcado como o dele, muito menos acostumada em ser acordada a gritos, ainda mais abalada como ela estava.

-Precisamos conversar, Weasley. – ele apenas disse.

"Nem um pedido de desculpas, nenhum comprimento... Que ódio!". Gina observou Malfoy. Em pé, ali ao lado da cama, Draco parecia mais ameaçador do que nunca, e ela, encolhida na cama sentia-se indefesa como uma caça, pois era isso que achava: que estava sendo caçada. Já fora presa numa gaiola, Gina só estava esperando a hora de ser devorada, ou seja, morta.

-Eu... – de repente ela ficou envergonhada. Havia deliberadamente arrancado a proteção de Draco, mostrado algo que ele estava escondendo por anos, desde que desaparecera dos círculos do mundo mágico. Ela havia descoberto um segredo dele e da maneira mais brusca. "Ele deve me odiar" ela refletiu. – Eu queria me...

-Já disse que não quero isso, Weasley.

Gina, subitamente, ficou em estado de raiva.

-Eu apenas estou tentando me desculpar. - falou devagar, mas demonstrando como já estava nervosa.

-Isso não fez diferença nenhuma em minha aparência, fez?! Eu estou sem essa coisa horrível no meu rosto? Não! – ele quase gritou – Então me poupe desse seu ataque de consciência tardia e me escute.

Gina fez um movimento brusco, tirando de cima de si a manta quente.

-Será que você não pode receber palavras gentis, Malfoy? Oh, mas é claro que não, você nem sabe o significado delas, já que você nunca as usou. Eu... – ela se calou. Pensou no que estava preste a dizer e percebeu que não valia a pena. Ela não era de machucar as pessoas intencionalmente, não quando tinha o controle de suas palavras, e naquela hora ela quase o perdeu.

-Estou realmente impressionado. – ele falou com indiferença – Weasley, eu não preciso de você querendo me dar lições de moral. Se não fosse realmente impossível, eu mesmo a teria jogado portão afora naquele dia. Ou você acha que eu a quero aqui dentro, dando exibições de choro ou fuçando embaixo dos tapetes? – Gina corou diante deste comentário – Não, obrigado. Eu não preciso de uma Weasley na minha casa, muito menos na minha vida! – ele quase gritou. Gina não conseguiu entender o sentido daquelas últimas palavras, mas nada disse.

Por mais que quisesse xingá-lo, dizer o quanto o odiava e como se sentia em relação a estar na casa dele e com essa aparência, Gina nada disse. Por maior que fosse o sentimento de culpa que a invadia por ter desmascarado-o. Ela sabia que aquela terrível marca no rosto dava, a qualquer pessoa, uma insegurança enorme em relação a outras pessoas, trazia medos, abria feridas. Então, apenas se calou. Tudo o que acontecia faria Draco sentir o que ele merecia, não seria ela que lhe mostraria o quão ruim ele era, não naquela hora.

Draco ficou satisfeito com o silêncio de Weasley, pois pra ele, isso era sinal de respeito. Aproximou-se dela, estendendo-lhe o pergaminho, que a garota pegou sem hesitação. Foi até a cadeira, enquanto Gina o desenrolava, e se sentou esperando que ela começasse a ler.

-Não é importante você saber de tudo, Draco. – começou Gina, lendo a carta em voz alta – Não agora. Mas é importante e imprescindível que você saiba que a partir desse dia, dia da morte de seu pai, que seu destino foi traçado. Não importa o quanto você sofra, não importa quanto tempo demore, você a encontrará.

"Ela virá na hora em que você menos precisará de companhia e só lhe trará raiva. Será a única que tocará na flor negra, - Gina engoliu a seco, antes de continuar – e assim você saberá. Pois a partir do dia que ela entrar novamente em sua vida, não sairá mais. Vocês terão um elo de união, que só será partido no momento em que terão a consciência do que significam um pro outro, do que são um sem o outro".

"Nenhum outro encantamento poderá quebrar esse, pois este já está quebrando uma maldição. Que fique bem claro que houve apenas uma alteração dos fatos, que na verdade iriam acontecer de qualquer jeito. Ou seja, por esse caminhou ou não, o que está na última página desse capítulo de suas vidas não mudou. Você pode então, ter a certeza de que mesmo que eu não tivesse feito esse encantamento, o final seria o mesmo, mas por outro caminho. Pois cada um tem um destino e o seu se entrelaça com o dela, quer você queria ou não. Mas você irá gostar"

Gina parou a leitura e deu uma rápida olhadela em Malfoy, querendo saber o que ele achava sobre esse "gostar". Era a primeira vez, desde que ele entrara no quarto, que ela o encarava. Estava meio apreensiva em olhar no rosto dele; tinha medo de que Malfoy ficasse com vergonha, tivesse anseios, mas na verdade, Gina receava em ter que encará-lo por causa da cicatriz. Não era uma coisa agradável de se ver.

Mas depois que ela notou que Draco não compartilhava da mesma opinião da carta – de que ele iria gostar de sua companhia, já que lhe lançava um olhar de raiva – Gina concluiu a leitura.

-Novas palavras aparecerão assim que a garota escolhida estiver ao seu lado, no momento certo. Enquanto isso, você apenas precisa saber que sou eu, Narcisa, que lhe escrevo. – Gina enrolou novamente o pergaminho, desta vez com muito mais cuidado, como se fosse algo sagrado e colocou sobre seu colo. Ela hesitou um pouco, mas acabou falando. – Você acredita em tudo isso mesmo?

-Não acreditava. – falou ele, como se por poucos segundos abaixasse a guarda, revelando que também estava confuso, mas logo voltando a se mostrar arrogante - Até que você tocou naquela maldita flor, quando ninguém mais que tentou conseguiu. E tive mais certeza ainda quando mandei levá-la para casa na noite anterior, quando permanecia desacordada, mas a carruagem não passava do portão.

-Só pode ser brincadeira! – ela sussurrou, não crendo em suas próprias palavras – Você deve estar fazendo um jogo, se divertindo as minhas custas, querendo me assustar! Isso é típico seu Malfoy, e ainda mais, isso é idiota e infantil! – ela ousou dizer.

-Garota, - ele disse se levantando – por mais que eu quisesse me divertir, eu nunca prenderia uma Weasley em minha casa, ainda mais uma grifinória namorada do Potter...

-Noiva. – ela corrigiu.

-O que seja. Eu nunca teria escolhido você pra algo assim, não teria tanto mau gosto. – ele mentiu – E principalmente, eu não teria usado a memória de minha mãe pra isso e muito menos desfigurado o meu rosto! – ele disse em tom amargurado.

-Eu... – ela não sabia o que dizer. Malfoy parecia tão forte, mas ela sentia alguma vacilação nas palavras, mas logo desistia de tentar achar algum vestígio de ternura, pois ele voltava a lhe torturar com palavras grossas.

-Você está aqui agora. Conforme-se com isso e pode ter certeza de que não é um jogo. Vamos fazer tudo até o que está escrito se cumprir, seja lá o que signifique.

Ele se levantou da cadeira e foi até ela. Gina o encarou novamente pela segunda vez. Apesar de tudo o que os dois estavam compartilhando, Malfoy ainda conservava a pose ameaçadora de antes e Gina sentiu arrepios ao pensar que ele poderia querer bater nela. Mas Draco apenas estendeu a mão até o colo de Gina e pegou o pergaminho, virando-se de costas.

-Malfoy! – ela gritou, fazendo-o parar. – Preciso avisar minha família de...

-Eu já a avisei. E eu só espero que eles interpretem da maneira correta.  – disse ele já saindo – Se você estiver com fome, vá a cozinha que Kally lhe dará algo.

Gina se irritava cada vez mais com a indiferença que Draco tratava as coisas. Ele parecia não se importar muito com o que estava escrito, predestinado na carta, apesar de se tratar da vida dele. Também não parecia assim tão revoltado com a presença de Gina ali, apesar de suas grosserias. Ela odiou a atitude indiferente dele em relação a isso, afinal, eles podiam tentar fazer algo pra que ela pudesse sair, mas não fazia diferença a ele, fazia? "Não faz diferença para ele se eu ficar aqui presa, mas a mim faz diferença ficar longe de mamãe, papai, dos garotos... de Harry...".

Gina começou a refletir sobre o que dizia na carta. Bem, se aquilo realmente não fosse algo armado por Draco, era algo muito sério. Não havia nada de revelador que pudesse temer nos trechos que leu, mas a idéia de ficar presa ali, na mansão Malfoy até que "terão a consciência do que significam um pro outro" não agradava em nada a Gina.

Ela já tinha uma idéia formada sobre isso. "Malfoy significa pra mim uma pessoa arrogante e fria, alguém que não seria tão necessário assim pra que eu me sentisse realizada. E o que eu seria sem ele? Oh, com certeza muito mais feliz e segura do que com ele ao meu lado...". Esse pensamento a levou a pensar em Harry, em como gostava dele desde que o viu pela primeira vez na plataforma, há anos atrás.

Pra ela, Harry não era o herói que salvara o mundo mágico de Voldemort, nem era o Menino-Que-Sobreviveu, era apenas Harry, o amigo de seu irmão por quem era apaixonada. Era sempre gentil, fazendo tudo que Gina queria, agradando-a como podia. Ela sabia que ele a achava frágil demais pra se machucar, sabia que Harry nunca brigava com ela porque tinha medo de que a fizesse sofrer, e não gostava disso. Não gostava de ter esse papel de frágil, de fraca.

E com Malfoy a todo o momento lhe ofendendo, discutindo, tirando-a do sério, Gina podia mostrar que não era assim tão fraca, tão frágil. Pedaços de sua personalidade que não podia mostrar a Harry, já que ele a tratava como tal. Estava começando a gostar de não ser mais a menina Weasley.