Quando uma simples promessa pode virar o seu pior pesadelo
Capítulo 3 – Uma sombra do que foi
Aos poucos, e bem lentamente, a sala foi se enchendo de gente. Algazarra. Barulho. Muita bagunça. Parecia ser um dia de alegria.
Mas não para três jovens em especial.
A dor, a tristeza, e muitos outros sentimentos, encobriam seus corações.
Eles sentiam que não podiam mais respirar.
Era algo muito maior do que eles conseguiam suportar.
Um deles em especial.
Shaoran Li.
O jovem chinês descendente de Clow.
Do lado de fora da sala, sua vista embaçava-se. Eram as lágrimas querendo escapar de seus olhos. Ele sentia-se triste. Queria sair correndo. Ao mesmo tempo que algo lhe pedia para que ficasse. Ele precisava vê-la.
Então tudo se aquietou. Um homem entrou na sala de aula, sério. Mas logo a carranca relaxou em um sorriso. Estava de bom humor naquele dia.
Ajeitou suas coisas em cima de uma mesa no canto esquerdo de quem senta nas carteiras. De uma pasta, pegou uma folha de papel. Anexa a ela, um lembrete amarelo. "Novo aluno" escrito em letras de forma. Olhou um nome marcado em vermelho na lista de chamada. Sorriu. Gostava de novos alunos.
Geralmente eram diferentes de seu pesadelo.
Ela.
Então, sua voz chamou cada um dos presentes, séria, severa, mas amigável. Ele não era um professor chato. Nem ele, nem ninguém considerava-o assim.
A não ser ela.
O nome dela foi dito. E nenhuma resposta foi dada. Ele supôs que ela não estava. "Melhor assim". Foi a única coisa que pensou. Antes de sorrir aos seus alunos. Tinha um anúncio a fazer.
- Classe, hoje temos um novo companheiro... – e isso provocou um certo tumulto entre a sala.
Ele deixou os murmúrios seguirem-se por alguns instantes. Sempre era assim quando alguém juntava-se àquela turma.
Tudo aquietou-se, como sempre acontecia. Então ele falou.
- Pode entrar...
E ele entrou.
Um jovem de grande altura e corpo trabalhado. Feições másculas e marcantes. Rosto quadrado. Contornos fortes. Ombros largos. Cabelos castanhos. Revoltos. Praticamente indomáveis. E os olhos...
Sérios. Frios. Distantes.
E tristes. Como nenhum outro jamais visto.
- Este... – a voz do professor parecia motivada - .. é Shaoran Li, nosso novo colega de sala. Ele veio de Hong Kong. Espero que faça bons amigos aqui. – e então ele sorriu para o jovem.
Não recebeu nada além de um olhar sério e penetrante como resposta. Algo que o fez sentir medo. Medo de algo que ele não sabia explicar. Era o medo do jovem lhe tocando. Devia ser muito grande mesmo.
- Vejamos... – agora ele parecia decidir-se sobre algo, dedo indicador coçando levemente o queixo – ... Onde você poderia sentar....
O olhar do mestre percorreu a sala por uns instantes. Um lugar no fundo da sala à esquerda. E um no canto à direita.
E neste último ele não podia colocá-lo. Porque ele já tinha dono.
- Já sei! – finalmente decidira-se – Ali, no canto direito tem um lugar vago, logo atrás da senhorita Daidouji.
Então o olhar do jovem repousou sobre a garota mencionada. E ela sorriu fracamente em resposta. Estava corrida demais por tristezas para sorrir verdadeiramente.
E ele estava pronto para dirigir-se ao seu lugar quando ouviu um barulho estranho do lado de fora. O professor franziu a testa, intrigado. Tinha de admitir que também estava. O que estaria acontecendo?
Procurou o olhar de seus amigos. Estavam voltados para a porta. Em uma mistura de mais sofrimento e dor. E ele também olhou para a porta, subitamente tomado das mesmas sensações.
De que algo estava errado.
Batidas na porta soaram pelo silêncio. O homem correu e abriu-a. Havia outro homem do lado de fora. Ele disse uma meia dúzia de palavras. E então o outro o acompanhou, dizendo à sala para que esperassem por sua volta. Que era um assunto simples, e que em breve seria resolvido.
Eriol e Tomoyo levantaram-se, e caminharam em sua direção. Fisionomias depressivas. Preocupadas.
- Você estava curioso por saber como ela era hoje... – anunciou, tristemente, o jovem, enquanto a garota abraçava-o pela cintura – Pois é hora de descobrir.
E dito isso afastou-se, para conduzi-la ao seu assento, enquanto ele mesmo tomava o seu. O olhar triste ainda voltado ao jovem chinês.
Foi quando o barulho tornou-se mais claro. Cada vez mais. Até que ele entendeu o que era.
Uma voz. Fina. Berrava descontroladamente um monte de coisas que ele não entendeu em um primeiro momento. Apenas depois. Um arrepio frio de pavor percorreu sua espinha. Uma idéia passou-lhe em mente. Não podia ser.
Tentou prestar mais atenção. Percebera que outras quatro vozes, todas masculinas, falavam de um jeito nervoso, e quase ao mesmo tempo, enquanto a voz fina berrava sem parar.
- O que houve? – ele distinguiu ser a voz de seu professor.
- Ela... novamente foi pega cabulando... – uma voz rouca respondeu, parecendo fazer muito esforço.
- Outra vez? – indagou o primeiro, completamente desanimado.
- Pois é. – foi a vez de uma outra voz responder, grave e profunda.
- Onde? – o professor voltou a indagar.
- Ela estava tentando pular o muro... – ele também distinguiu ser a voz do homem que estivera há poucos momentos na porta da sala, pelo pouco que conseguira entender da conversa.
- E eu teria conseguido se ninguém tivesse me impedido!!!! – berrou a voz fina, que deveria ser feminina, em resposta, completamente irada – Teria sido muito melhor para todos nós!!!!
- Você sabe que você fez algo errado, e o nosso dever é garantir que você na faça isso. – a voz rouca respondeu, e logo um gemido de dor foi ouvido.
- Alto lá, mocinha!!! – então Li soube que era realmente uma garota – Você não pode fazer isso!!!!!
- E quem vai me impedir??? – sua voz soou desafiadora.
- Eu vou precisar falar com o diretor. Pessoalmente – o professor quis reforçar a última parte, severo, mas o jovem percebeu sua voz tremer um pouco.
Um espaço de tempo seguiu-se, a sala sozinha, e ele de pé, sem saber o que fazer. Continuar escutando, ou sentar-se.
A curiosidade foi maior. Ele resolveu ficar.
Ouviu passos apressados pelo corredor distanciando-se. Um parecia não sair do chão. Pelo contexto, supôs que alguém era arrastado. Provavelmente a garota.
Durante todo o tempo que ficou ali, parado, apenas tentando chegar uma conclusão, nada de coerente lhe passava pela cabeça. Nada fazia sentido. Tudo parecia apenas um amontoado de informações confusas e contraditórias.
Quando finalmente o professor voltou à sala de aula, todos os alunos especulavam o que acontecera, em um debate acirrado. Teve de bater na mesa para fazer o silêncio retornar.
Suas feições agora eram carregadas de preocupação e outro sentimento que Li não conseguiu nomear, mas que sempre via nas feições dos professores quando algo acontecia. E ele imaginou que devia ser algo realmente grave.
- Você ainda está de pé... – sua voz pareceu cansada e rouca, talvez de tanto berrar – Eu não cheguei a lhe mostrar quem era a senhorita Daidouji, não é mesmo?
O rapaz apenas assentiu com a cabeça.
- Desculpe-me. – ele parecia desconcertado – Com toda essa confusão, eu acabei me esquecendo...
- Acontece. – o consolo veio na forma quase inaudível de um sussurro frio e distante.
- Bom... Senhorita Daidouji, por favor, levante a mão para que ele possa saber onde é o seu lugar...
Tomoyo assim fez. E ficou a observá-lo, ainda muito triste. Parecia saber de algo que ele não sabia.
Ele nem deu o primeiro passo, e a porta abriu-se novamente.
E desta vez vinham duas pessoas.
Um homem alto e forte. Braços cruzados. Traços animalescos. A carranca chateada.
E atrás...
Uma garota...
E quando seus olhos finalmente viram-na, ele quase morreu.
Era desgosto demais para que pudesse suportar.
Tão bela.
Mas tão...
Distante.
Foi então que ele encontrou o rosto. E aí sim ele morreu. Em um grito de dor que não quis sair.
O que viu fez seu coração parar de bater. Desgostoso demais com a dor que lhe cortava. Um punhal lhe atravessava o peito. E fazia sua alma sangrar em um pranto vermelho e amargo.
Era dor demais para que ele pudesse suportar.
Tinha a certeza de que cairia a qualquer momento. Completamente incapaz.
Então ele entendeu.
Ela era apenas uma sombra do passado.
- Senhorita Kinomoto! Que papelão a senhorita fez-me passar! Temos um aluno novo hoje! Que impressão ele vai ter? – quando o nome foi pronunciado, Shaoran teve a impressão de que seu coração era apunhalado violentamente.
A garota olhou o professor com descaso.
Para encontrar-se com olhos marrons.
E sua alma encheu-se de ódio e rancor.
- E desde quando eu me importo com novatos idiotas? – foi a única coisa que ela disse, secamente, antes de ir-se e sentar-se no canto direito da sala, onde era seu lugar.
