Promessas
Quando uma simples promessa pode virar o seu pior pesadelo.




Capítulo 5 – Conhecendo de perto o Inferno


Ele estava sentado em sua carteira. Olhos fixos em um ponto qualquer do chão. Preocupados demais para visualizar qualquer coisa. Cabeça pesada, pendendo desgraçadamente por entre suas mãos. Literalmente explodindo. Mergulhada em um mundo desesperado de angústias e tristezas. Do qual ele, infelizmente, não podia ver-se livre.

O que se passara antes apenas fizera seu ser arder de uma dor mortal e assassina, consumindo-o dia após dia, corroendo suas entranhas. Ele ainda não podia entender tudo perfeitamente, muito embora já tivesse uma idéia em sua mente. Formando-se, demoníaca. Como um fantasma a lhe perturbar. Incansável.

Ela mais uma vez fora expulsa da sala.

Ele não sabia dizer o porquê com exatidão. Ultimamente andava distraído demais, afogando-se dia após dia em sua mágoa tingida de sangue. Quando se dera conta de tudo, ela já estava aos berros, dizendo mil e uma coisas para o professor, sua bela face tingida de um púrpura intenso.

Aquilo, mais uma vez, lhe cortara o coração. Fizera-o preferir a morte a ter de continuar a enfrentar a realidade cinzenta e amarga.

Ela não podia estar assim. Tão... diferente. Uma estranha. Completamente estranha.

A cada vez que seus olhos encontravam-se, por sua insistência, ele podia ver apenas sentimentos negros. Apenas ódio. Apenas mágoa. Apenas raiva.

Ele desejava de todo o coração poder ir até ela, segurá-la em seus braços, beijar sua boca, e fazê-la sorrir mais uma vez. Desejava sentir o gosto, o cheiro, o perfume de seu corpo. Queria saber que ela era sua.

Mas apenas queria. Porque, de alguma maneira, ela o odiava.

E ele entristecia-se a cada vez que com ela tentava falar, porque apenas obtinha respostas raivosas, ditas por entre os dentes, como um rosnado.

O rapaz sentiu seus olhos encherem-se de lágrimas outra vez.

Nos últimos tempos, andava chorando demais.

Embora seu espírito guerreiro praticamente recusava-se a derramar uma gota de dor, seu coração de amante praticamente transbordava de sofrimento cada vez que ele lembrava-se que ela não era mais a mesma.

E ele ali, pés e mãos atados. Não podia fazer nada. Não havia o que ser feito.

Assim, completamente absorto em seus sinistros pensamentos, nem foi capaz de ver o dia esvaecer-se.

Duas pessoas tiveram de despertá-lo.

- Li... – uma voz doce chamou-lhe, também morrendo de tristeza – Vamos embora...

Ele levantou o olhar, triturado por dentro, e aquele casal pôde ver o pior dos sentimentos estampados.

Desesperança.

Ele estava desistindo.

- Que tal irmos dar uma volta, comer alguma coisa, tomar um sorvete? – Eriol sorriu, tentando fazê-lo sentir-se melhor.

- Não estou com vontade... – foi a resposta, sua voz fria e falhada de tanto engolir lamentos.

- Vamos... – o outro insistiu, tentando forçar um sorriso quando ele mesmo sentia as dores de seu amigo – Ficar assim não vai trazê-la de volta...

O jovem chinês suspirou, desanimado.

E então os acompanhou.

Porque não havia outra escolha.

Os jovens sentaram-se em pequenas cadeiras de metal, em volta de uma mesa de mármore cinzento. Puseram suas coisas em um canto. Olharam-se.

E o silêncio reinou. Inconfortável.

Enlouquecedor.

Cada um concentrado em suas dores.

- Eu não consigo mais suportar... – finalmente o instante foi interrompido por Tomoyo – Isso tudo... Esse clima...

- Realmente está sendo muito difícil. – concordou Eriol, abraçando-a ainda mais forte.

Li permanecia olhando o padrão do mármore. Cinza feito sua alma.

- Li... Por favor... – a garota suplicou, lágrimas escorrendo de sua face – Eu não consigo agüentar mais! Você está se matando... Você está nos matando!

E, pela primeira vez, em tanto tempo, houve uma resposta maior do que duas ou três frases.

- Eu... – ele tomou um pouco de ar, lentamente, tentando tomar coragem - ... realmente não quero fazer ninguém sofrer mais do que eu estou sofrendo... Sei o quanto é duro, sei que é péssimo. Terrível. E eu peço que vocês parem de se preocupar comigo. Eu não mereço mais nada de pessoas tão boas quanto vocês...

- Li... – foi a última coisa que Tomoyo disse, antes de cair em um pranto sentido.

- Nós imaginamos quanta dor há dentro de você... – Eriol sorriu fracamente, repousando a mão sobre o coração, tentando fazer-se gentil – Eu sinto dor... Posso adivinhar que não é tão grande quanto a sua... Mas, mesmo assim, é dor... E eu não posso deixar de viver minha vida por causa disso. Eu gostaria que não fosse assim. Mas, infelizmente, é. Eu não posso fazer nada para mudar.

- Eu estou morrendo... – murmurou o jovem, lágrimas escapando de seus olhos.

- Você não pode! – Tomoyo conseguiu falar, por entre os soluços – Você precisa ficar vivo! Por ela!

- Ela me esqueceu... – ele parecia imergir em uma loucura negra e sem saída.

- Não! – a garota parecia ver que ele estava a ponto de desistir.

- Ela me odeia... – e sua voz parecia morrer em seus lábios.

- Cala a boca! – então, com toda a sua raiva, ela lhe fez tingir de vermelho a face.

Estarrecido. Olhos arregalados em surpresa. Foi assim que Tomoyo encontrou-o depois do rompante.

- Desculpe-me... – ela parecia realmente arrependida – Eu... não... queria...

Shaoran apenas concordou com a cabeça, incapaz de dizer qualquer coisa.

- As coisas estão ficando cada dia piores. Ela está se enterrando. Está nos levando junto. – o jovem inglês parecia sério, ponderando sobre tudo.

- Eu sei... Eu bem sei... Mas acho que não há nada a se fazer... Nada, depois de tudo... – Li parecia imerso em seus problemas, mal notando a companhia.

- Deve haver... As coisas simplesmente não podem terminar assim. – o outro respondeu, esperançoso.

- Não... Já faz um mês... e eu não consigo mais suportar... – discordou, olhando novamente em direção à mesa.

- Você esperaria que ela estivesse esperando você depois de tantos anos de braços abertos? – Tomoyo agora parecia furiosa, inesperadamente falando coisas que não devia.

Ambos os rapazes miraram-na, surpresos, enquanto ela tapava a boca com as mãos. Parecia que tinha falado demais.

- Então... Você sabe... – Eriol parecia machucado, os olhos fixos em sua companheira, cheios de desgosto e desapontamento.

- E... não... me... contou... – Shaoran não encontrava palavras; as lágrimas falavam por ele.

- Não... – ela relaxou na cadeira, escondendo o rosto com as mãos – Eu não sei o que aconteceu... Mas eu posso supor... Eu sou uma garota, eu posso entender o que ela deve ter sentido quando você a deixou. Seria o mesmo se você... – e então ela abraçou ainda mais o outro rapaz, terna - ... fosse embora... Eu não agüentaria... Seria muita dor...

- Ela... deve... ter sofrido... muito... então... – sua voz parecia recusar-se a sair, pesarosa demais.

- Eu... – a jovem olhou-o, decidida - .. a vi sofrer durante quase dez anos... mesmo não sabendo por que... Eu a vi definhar, dia após dia, cada vez mais. Vi seu sorriso sumir. Vi sua alegria murchar. Vi ela morrer por dentro a cada minuto que se passava. Vi ela se fechando para o mundo. Vi ela se tornar rude. Vi ela rejeitar os próprios amigos. Vi ela se tornar o que é hoje. Sem poder fazer nada para evitar, a não ser ter a esperança de que você voltasse, e tudo mudasse. E agora você está aqui.

Ambos olharam-na, uma mistura de sentimentos estranhos. Talvez compaixão, talvez entendimento. Quem sabe tudo junto.

- Então, eu agora tenho a chance de ter a velha Sakura de volta. Porque você provou amá-la mais que qualquer coisa. Você voltou. E você está simplesmente desistindo. – sua voz então tremeu, tensa – Você vai matá-la, se não correr contra o tempo e resgatá-la da loucura. Eu digo, e afirmo: ela enlouqueceu! Ela já fez de tudo nessa vida! Ela se afundou em um buraco quase sem volta! A única coisa que ela precisa para voltar é do seu amor!

- Eu... não... sei.... se consigo... – um sentimento de derrota inundou seu corpo, e ele pensou que cairia ao chão se não estivesse sentado.

- Você precisa! Por ela! – Tomoyo parecia zangada.

- Eu não sou forte... Eu não vou conseguir... – mais uma vez, ele parecia imergir em uma depressão profunda.

- Então eu não tenho mais escolha. – e, pegando gentilmente as mãos de seu companheiro, levantou-se, e foi-se embora – Você vai morrer, ela vai morrer, e eu morrerei logo depois. Vamos, Eriol, vamos embora. Não há mais nada a se fazer...