Quando uma simples promessa pode virar o seu pior pesadelo.
Capítulo 6 – Apenas desistindo
O lugar estava escuro. Totalmente desolado. Destruído.
A negridão cobria todos os cantos, triste, mortal. A atmosfera era densa e irrespirável. Um cheiro podre cobria o ar. Como se um cadáver ali jazesse. Um cheiro fictício, que, se realmente existisse, infestaria as coisas, sufocante.
As luzes apagadas. As cortinas fechadas. As janelas cerradas. Tudo silencioso.
Não era um bom sinal.
Pela cozinha, muitas garrafas abertas e espalhadas. Algumas delas estavam tombadas no chão, completamente vazias. Outras, ainda cheia, encontravam-se em cima da pia. Ainda havia algumas quebradas, e outras que vertiam um líquido amarelado, de odor e gosto forte. Um cheiro de álcool cortava o ar.
No banheiro, mais garrafas vazias. A privada estava suja do fruto de sua tristeza. Havia regurgitado praticamente suas entranhas em um ato desesperado. Tudo estava revirado. Potes estavam jogados dentro da pia, seus conteúdos esparramados pelo chão.
No quarto, as coisas não eram melhores. A cama estava coberta de papéis, assim como o carpete. As portas dos armários, abertas. Muitas coisas espalhadas. Fotos. Papéis. Pequenos objetos. Recordações de um tempo em que ele era feliz.
Pelo corredor, estilhaços de vidro eram vistos, pontiagudos, muitas vezes manchados de vermelho. Respingos de sangue podiam ser notados pelo chão, ainda frescos. O cheiro de álcool tornava-se mais forte à medida que se caminhava.
A escuridão era mais densa na sala. Mais enlouquecedora, mais cruel. Impiedosa. Era como se a Tragédia gargalhasse, e o som de sua voz fria e rouca ecoasse pelo sepulcral silêncio.
Tudo parecia péssimo.
A noite reinava, misteriosa e negra do lado de fora. Não havia estrelas, e a lua era encoberta por nuvens negras. O ar estava abafado e pesado.
Tudo parecia perfeito.
Seria triunfal.
Um som rouco percorreu os cômodos. Um choro baixo, sentido. De um corpo morrendo em desgraça.
Ali, jogado à própria sorte, jazia um ser repugnante. Pálido. Magro. Frágil. Destruído por quase cinco meses de solidão.
Enquanto ela estava tão perto...
Ele estava ali, falecendo, entregando-se às dores de seu sofrimento. Desistindo de tudo e de todos. Inclusive dela.
Sua face marcada por um pranto desesperado. Lágrimas ainda escorrendo de seus olhos já vermelhos.
Em sua mão esquerda, estava uma garrafa com menos de um quinto de seu conteúdo.
E em sua mão direita, um copo cheio de um líquido amarelado.
Ele olhou o recipiente, e o conteúdo, e então entornou tudo, de um gole só.
Gemeu.
Era muita dor.
Olhou o que restava na garrafa.
Colocou-a na boca, e ingeriu o que restava.
Aquilo desceu queimando por sua garganta. Ajudando a corroer o que já estava corroído.
Suas feições contraíram-se em uma expressão de nojo e repulsa.
Mirou o copo vazio em sua outra mão. Ele não significava nada.
Apenas ouviu-se um baque surdo e depois outro agudo, como se mil coisas caíssem ao chão.
Praticamente cinco meses...
Ele resistira bravamente até aquele ponto. Mas dali não havia mais saída. Havia chegado a um poço sem fundo. Não havia como voltar. Nem nada poderia resgatá-lo.
A não ser ela.
Mas isso não aconteceria. Porque ela, de alguma maneira que ele não podia explicar, odiava-o com todas as suas forças.
Quantas foram as vezes que ele tentou uma aproximação! Quantas foram as vezes que ele tentou falar-lhe alguma coisa! Quantas foram as vezes que ele quisera dizer-lhe o quanto a amava!
E quantas as vezes em que fora escorraçado!
E quantas as vezes que seu coração quebrara-se em mil pedaços!
Era como se o chão lhe sumisse dos pés. Como se lhe faltasse o ar. Como se acabassem com sua vida.
Ele não podia mais suportar. Não mais.
Não mais ver que ela o odiava. Não mais ver que toda sua vida desmoronava. Não mais ver que ele era incapaz de tomar alguma atitude.
Apenas ali, completamente bêbado. Sem poder fazer nada. Sem ter capacidade de fazer alguma coisa.
Jogou a garrafa também longe, e ela estilhaçou-se contra a parede mais próxima. Mais lágrimas caíram por sua face.
Tudo teria de acabar.
Ou ele acabava com a vida.
Ou a vida acabava com ele.
Com esforço, levantou-se do lugar onde jazia jogado, enterrando-se em um porre homérico. As pernas trançaram-se, e ele teve de se apoiar na parede para chegar aonde queria. Sua visão embaçada, tanto por causa das lágrimas quanto por causa do álcool, não ajudava muito. Foi com grande sacrifício e às duras penas que ele finalmente chegou.
Em um canto. Era ali que estava o fim de seus problemas.
Com cuidado, pegou o objeto comprido e reluzente. Aquele era seu único objeto de valor, agora. A única coisa que podia dizer quem ele realmente era.
Ou fora.
Aquilo pesava demais. Ele nunca sentira ônus tão pesado.
No meio do caminho, seus pés tropeçaram um no outro, e ele caiu no chão. Completamente derrotado.
Sem gosto mais pela vida.
Sem vontade de viver.
Sua face marcada pelo horror foi salpicada de sangue, porque alguns dos estilhaços fincaram em sua pele, causando-lhe uma dor imensa.
Não maior que a dor de seu sofrimento.
Movido por um último pingo de dignidade, ele levantou-se, e prosseguiu seu caminho. Até a varanda. Onde ele contemplou o céu. Obscuro. Como sua vida. Como sua alma.
Tudo havia morrido também.
Só faltava ele.
Segurou o objeto com as duas mãos, e a lâmina prateada reluziu à pouco luz da lua que deixava-se ver. Mortal.
Ele tocou-a.
Era fria. Gelada.
Assim como ele.
Parou para admirá-la.
Era bela. Toda trabalhada em baixo relevo. Várias inscrições chinesas. Desenhos simbólicos.
Porém assassina.
Com calma – afinal, ele não tinha pressa para terminar com o serviço sujo – pressionou uma frieza na outra. O prateado, brilhante, contrastou com a palidez de sua pele.
Sua carne doía.
E ele viu um filete de sangue escorrer, e colorir a lâmina com sua dor.
Aos poucos, aquilo foi sendo enfiado, cravado em seu corpo.
Mas doía tanto...
Ele não era capaz.
Ele não tinha coragem.
Ele não o fez.
A espada foi jogada com violência em um canto, enquanto o metal tilintava em atrito contra o chão duro.
E ele enfim morreu.
Não fisicamente.
Porque sua sina era sofrer até o fim.
Ele morreu espiritualmente.
Sua alma entregou-se à dor.
E ele chorou.
