Quando uma simples promessa pode virar o seu pior pesadelo.
Capítulo 10 – Descobertas
Desde o dia em que um de seus pulsos ganhara uma fina cicatriz, já havia se passado quase dois meses. Dois longos e torturantes meses.
Se ele antes já estava debilitado, agora parecia não passar de um rosto cadavérico. Cuja vontade de viver a muito tempo acabara-se.
Seus olhos, afundados de tantas noites em claro. Suas bochechas marcadas por lágrimas que não se cansavam de rolar. Seus lábios contraídos em um grito de horror que não lhe escapava da garganta.
Nem em sonho lembrava aquele belo e elegante rapaz que deixara sua terra natal em busca de sua palavra.
A dor consumia-o, a cada dia. Ele já não podia mais suportar.
O melhor seria livrar-se dela de uma vez por todas.
Faltava-lhe apenas um motivo concreto.
E ele estava prestes a se mostrar.
- Li... – uma voz paternal, gentil, após muita insistência, conseguiu trazê-lo de volta à dura e amarga realidade.
- Han?... – um murmúrio morreu em sua boca, incapaz de desenvolver idéias longas.
- Já é hora... Por hoje terminamos... – ele viu a figura sorrir, forçadamente.
- Hun hun... – com esforço, conseguiu levantar-se de sua carteira e juntas suas poucas coisas.
O caminho para casa aquele dia pareceu-lhes muitíssimo mais longo do que o costumeiro. Cada passo parecia fazê-los retroceder outros dois. Daquele jeito, levaria uma eternidade.
E o silêncio não ajudava em muito.
Ao contrário. Fazia-os ter a certeza de que os pensamentos ruins novamente haviam voltado.
Cada um preocupava-se em olhar apenas para seus pés. Imersos em suas dores e mágoas.
Nada mais importava.
O vento frio beijava-lhes as faces sofridas e fazia dançar seus cabelos, em um balé triste.
Havia esfriado muito na última semana. Era o tempo seguindo seu rumo.
Muito embora aqueles três jovens parecessem estancados em algum momento do qual não conseguiam escapar.
Quando tudo ficou insuportável demais, mesmo que já tão acostumados, um gemido rouco foi ouvido. E logo morreu.
A rotina era essa mesma. Sua voz desaparecia a cada vez que lhe chegava aos lábios.
E agora, neste momento, ele não conseguia agüentar mais nada. Seus joelhos começavam a ceder perante às dores. Ele parou, e apoiou-se em um muro próximo, incapaz de prosseguir a marcha.
Logo que perceberam, o jovem casal partiu em auxílio ao debilitado amigo, amparando-o de uma queda iminente. Com cuidado, ajudaram-no a sentar-se no chão, recostado na fria parede de tijolos.
- Está se sentindo bem? –Tomoyo parecia muito mais que preocupada.
A resposta negativa veio na forma de um aceno com a cabeça.
- Você está tão pálido... – observou Eriol, rugas de preocupação aparecendo em seu rosto jovem – Anda se alimentando direito?
Nenhum som.
- Há quanto tempo você não come alguma coisa? – insistiu a garota, agachando-se de frente a ele.
Outra vez apenas o silêncio.
Aquilo era a confirmação de seus temores.
Ele estava enlouquecendo.
- Você não tem jeito... – balançando a cabeça em reprovação, a moça sorriu, desgostosa.
- Desse jeito, acaba chegando aonde quer. – completou o outro, amparando-o para que chegassem rapidamente em casa.
Os olhos, borrados de lágrimas amargas, não puderam enxergar os esforços feitos por aquelas pessoas amigas.
Nem podiam enxergar mais nada que não fosse sua própria dor.
Havia perdido a visão.
Estava cego.
De amor.
Apenas passos apressados puderam fazê-lo perceber que havia um mundo do lado de fora. Do outro lado da rua, à sua esquerda, pareciam quase não tocar o chão.
É. Ele estava virando uma criatura da escuridão.
Foi como se as forças repentinamente voltassem ao seu corpo, e ele livrou-se dos braços fortes do outro rapaz.
O primeiro passo foi trêmulo, mas ele logo ganhou estabilidade. E pôde caminhar livremente.
Estava tão cego que também não percebeu olhares espantados a lhe seguirem.
Quando sua vista conseguiu focalizar alguma coisa além de um punhado de borrões, o que viu foi um anjo.
Um anjo vindo do inferno.
- É incrível como ela consegue revivê-lo, não é mesmo? – indagou à garota, enlaçando-a pela cintura e trazendo-a para perto de si.
- Isso é doentio. – ela respondeu ao carinho apoiando-se em seu ombro – É mórbido!
- Eu quero ver até onde isso chega. – e assim ambos seguiram-no, temendo o pior.
Encontraram-no alguns passos à frente, seguindo aquela figura desolada a andar ruma sabe-se lá para onde.
Ele não notou a aproximação. Há muito tempo não ligava para mais nada além dela.
Como estava mudada!
Tão bela, e tão triste!
Ela fumava! Meu deus! E ele não percebera!
Viu-a tragar demoradamente aquele objeto fino e curto, soltando uma fumaça leitosa pelo nariz.
Viu-a olhar fixamente para seu caminho.
Apesar de tudo, ela não baixava a cabeça. Ela não se rendia.
Mal ele sabia da verdade.
Repentinamente, algo a impediu de prosseguir. Uma mão agarrou-lhe o braço. Ela virou-se, indignada. Sua face corada de raiva.
Então olhos verdes encontraram os azuis, em um encontro surpreso.
Sua vontade, naquele momento, era atravessar a rua e matar aquele ser.
Mas ele sabia que não possuía nenhum direito sobre ela.
Teria de assistir à cena sem nada fazer.
- Sakura... – a voz fria parecia derretida em gentilezas; seu pulso cerrou-se por reflexo.
Ela nada respondeu. Virou-se, com nojo, pronta para ir embora, se ele não houvesse lhe segurado.
- Vamos... Deixa de ser cabeça-dura! – agora ele perdia a paciência.
Era tão grosseira a maneira como ele a tratava!
Ouviu passos atrás de si. Sabia quem eram.
- Yue... – a voz feminina deixou escapar.
Então era ele...
- Essa não... – acrescentou a voz masculina, preocupada.
Algo estava prestes a acontecer. Algo muito errado.
- Sim... Yue... – ela parecia assustada e irrequieta.
- Vamos... – a carranca séria relaxou em um sorriso emocionado – Eu apenas quero conversar...
- Sobre o quê? – indagou, tremendo de uma maneira anormal.
Logo ela, que era tão decidida no que queria...
Ele viu que no fundo ela era mais frágil que um cristal.
- Sobre o que aconteceu conosco... – respondeu, em um gesto hábil virando-a e segurando-a pela cintura, os rostos a menos de um palmo de distância.
"O que aconteceu?", indagou-se mentalmente, suas sobrancelhas contraídas em uma expressão de estranheza.
Ele estava pensando...
Aos poucos chegando a uma conclusão.
Algo que o matava.
Que nem conseguia aceitar.
Ele estava perdendo-a...
- Você sabe que não ocorreu nada... – subitamente ela parecia ter se recuperado do susto, e a aspereza costumeira retornou.
- Sakura, por favor... – aqueles olhos azuis miravam-na tão profundamente que ela sentiu-se comovida e balançada, como há muito tempo não se sentia.
Ela finalmente encarou-o. Aquele sentimento bom claro como água. Vivo.
Acabou cedendo.
Era sua necessidade de ser amada falando mais alto.
- Podemos conversar? – indagou, calmo e amável.
Ela não respondeu. Apenas abaixou o olhar, encarando o chão.
Um mundo de emoções invadia-lhe a alma.
Havia se desacostumado a sentir.
O rapaz de olhos claros levantou seu rosto com delicadeza e a fez encará-lo novamente.
A garota não protestou.
Quando deu por si, lábios quentes cobriam-lhe a boca, a lhe provarem com sutileza e paixão.
Aos poucos ela foi deixando-se levar. Bem lentamente retribuía o gesto.
Deixou o material cair, enquanto enlaçava-o pelo pescoço.
Mal notou uma criatura do outro lado da rua. Uma pobre alma a lamentar.
Seu corpo mais uma vez ficou pesado demais.
Seus joelhos cederam.
Ele caiu ao chão, completamente transtornado.
As dores finalmente estavam lhe consumindo.
Um grito de dor rouco e fraco escapou de sua garganta.
Lágrimas enfim escorreram por sua face.
Ainda ouvia a voz de seu anjo berrar.
E depois tudo virou trevas.
