Promessas
Quando uma simples promessa pode virar o seu pior pesadelo.




Capítulo 12 – O segredo da caixa de cristal


Uma figura alada pousou sobre o braço da poltrona. A pequenina face fechada em uma imensa carranca. Os olhos pretos cerrados em indignação. As pequenas patas cruzadas.

Ele não devia estar ali.

Não depois de tudo.

As cenas de um passado distante voltaram em sua mente.

O dia em que sua mestra, a pessoa em que ele sempre deveria confiar, lhe apontara a porta da rua e, aos berros, lhe mandasse embora do que ele julgava ser sua casa.

Seu coraçãozinho ainda latejava de desgosto.

Na poltrona ao lado, um rapaz alto, de rosto severo e voz austera, encontrava-se sentado, sem recostar-se, mais que nervoso. Fazia uma espécie de brincadeira com os dedos, muito aflito. Todo aquele clima estava lhe acabando.

Em frente, repousando com tranqüilidade, estava o jovem mago, reencarnação de outro tão famoso. Seus olhos estavam fechados. Era claro que encontrava-se em estado de meditação. O corpo relaxado. A respiração lenta e macia.

E em pé, andando de um lado para o outro, por fim, estava o jovem com ar angelical. Seus longos cabelos prateados balançavam conforme seus passos o faziam percorrer toda a sala. Seus olhos azuis fixos em seu caminho. Em sua mão direita, um cigarro de menta.

- Mas que Inferno, Yue! – retrucou a criatura no braço da poltrona – Assim você fica mais nervoso, e deixa todo mundo nervoso!

- Cala a boca! – ele deu uma tragada longa.

- Kerberos está certo, Yue... Andar de um lado para o outro não vai adiantar em nada. – reafirmou o jovem Hiragizawa, sorrindo paternalmente.

- Desta vez a Bola de Pêlos está certa... – concordou Touya, ignorando um ser completamente irado.

- O que estamos esperando para começar esta maldita reunião? – ele ,aos poucos, perdia a compostura.

- Muita calma... – o anfitrião tentou esfriar os ânimos.

- Clow... – ele parou e encarou-o, nervosamente – Eu não estou calmo. Eu não vou ficar calmo. Será que deu para entender?

- Não vai ser mais preciso. – então o rapaz levantou-se, caminhando em direção à porta, um sorriso satisfeito nos lábios.

Na porta, houve o contato nervoso dos nós dos dedos, rapidamente. O barulho chamou a atenção de todos, e os fez acalmarem-se momentaneamente.

Com gentileza, ele abriu a porta, dando passagem.

E uma figura apontou.

Era uma visão horrorosa.

A pele de uma palidez mórbida. Os olhos sulcados por lágrimas sem fim. Os ombros ligeiramente curvados, como se carregasse um pesado fardo.

E o olhar...

Perdido em algum ponto do espaço, rasos de um pranto sentido, desgostoso. Uma grande dor podia ser vista.

Corroendo-lhe a alma.

Com passos tímidos, seus sapatos provocando um barulho estranho em contato com o taco de madeira. Cabeça baixa, em rendição.

Não parecia que fora um grande guerreiro um dia.

Yue mantinha os olhos atentos naquele estranho. Havia algo que não lhe deixava em paz. Seu coração gritava, em agonia. Cerrou os punhos, e suas unhas quase rasgaram-lhe a carne.

Ele sentia uma força sendo emanada. Forte. Madura. Algo que inebriava a todos. Como se estivessem submissos à sua vontade.

Mesmo estando repleta de tristezas e amarguras.

Foi então que ele reconheceu.

Era o Maldito. O Odioso.

O Garoto Chinês.

Quando deu por si, e retornou à consciência, sua mão segurava-o pela gola da camisa, contra a parede. Os olhos cerrados, atentos ao mínimo movimento. O espírito ardendo em ódio.

- Seu merda... – com dificuldade, respirando em arquejos, ele falava entre os dentes – Então você voltou... Vai ser ótimo! Eu vou ter a honra de matá-lo... Com minhas próprias mãos...

Um soluço rouco escapou dos lábios gélidos daquele rapaz. Ele não passava de um animalzinho acuado.

- Deixe-o, Yuki! – o pedido foi feito de modo irônico – Esse aí não merece a morte... Tem de sofrer aos poucos...

- Calem-se os dois! – a repreensão por parte do outro rapaz veio firme – Não estamos aqui para discutir tais coisas!

A contra gosto, o rapaz soltou-o, e deixou-o ir. Havia coisas muito mais importantes a serem feitas naquele momento. De verdade.

- Vamos logo começar com isso... – disse, por fim, seu ser ainda ardendo em raiva – Quanto mais cedo eu deixar de ver sua cara nojenta, melhor.

Li sentou-se ao lado de Eriol, tremendo, fragilizado demais com tudo. Lágrimas queriam escapar-lhe dos olhos.

Ele podia sentir a ira atravessando-lhe o peito.

- Por que você convocou esta reunião? – indagou o jovem de cabelos negros, enfim iniciando o encontro.

- Primeiro eu exijo saber o que esse aí... – e ele apontou para o rapaz encolhido em seu canto – está fazendo aqui.

- Eu julguei que ele gostaria de saber o que está acontecendo. – foi a resposta, severa.

- Ora... Ele deveria ter ficado onde é o lugar dele! – murmurou Kerberos para si mesmo, mas alto o suficiente para que ele pudesse ouvir – Lá... Bem longe...

- Kerberos! – ralhou o jovem, perdendo a paciência – Vamos Yue, conte de uma vez antes que eu precise de um calmante...

Yue parecia não mais se importar com nada. Retirou-se do ambiente, e em poucos momentos retornou, trazendo nas mãos um pequeno baú feito de madeira escura e de aspecto idoso. Estava trancado com um cadeado.

Depositou-o por sobre o colo daquele que tentava comandar a reunião, ou como queira chamar aquilo. Encostou-se em uma parede próxima. Apenas aguardando alguma palavra.

- Veja você mesmo o que está acontecendo. – foi a última coisa dita por ele, quando mergulho em um profundo silêncio.

Os olhos gentis espantaram-se com o objeto que miravam.

Os outros também ardiam em uma curiosidade.

Um embaçava-se de dor.

Com cuidado, tocou-o. Seu corpo todo tremeu, e um arrepio frio percorreu sua espinha.

Havia mágica ali.

A mais poderosa que ele já vira em suas duas vidas.

- De quem é? – indagou, a voz embargada de emoções contraditórias.

- Dela... – respondeu o mais velho dos dois irmãos Kinomoto.

Como que instantaneamente, lágrimas afloraram em seus olhos. Uma escorreu por sua face, solitária.

Ele lembrava-se...

Estava acontecendo novamente.

- O que tem aqui dentro? – trêmulo, ele questionou; pânico correndo em suas veias.

Não houve resposta.

Nem um ruído. Nem uma voz. Nem um gesto.

Absolutamente nada.

Ele sabia o que aquilo significava.

Teria de descobrir o conteúdo por conta própria.

Com o cadeado envolto por uma de suas mãos, acomodado gentilmente na palma, palavras saíram de sua boca, em um murmúrio silencioso. Quando retirou-a, ele encontrava-se quebrado.

Fez abrir a tampa. As dobradiças protestaram, com suas vozes esganiçadas.

E o conteúdo do pequeno baú finalmente fez-se ver.

Uma caixa...

De cristal...

Imaculada...

- E então, o que é? – perguntou Touya, traduzindo para as palavras o que se passava na mente de todos.

A voz morreu em seus lábios.

Ele sempre tinha algo a dizer nessas situações.

Mas não nesta.

Mais lágrimas escorreram de seus olhos. Incontrolavelmente. Agora possuíam vontade própria.

Cuidadosamente, fez aquela obra da mais pura arte mostrar-se à luz do dia.

Brilhante.

Bela.

Misteriosa.

Todos observaram-na com espanto.

A pequena caixa parecia mesmo feita de cristal. Toda transparente e reluzente. Seus contornos eram feitos do que parecia ser prata.

Delicadamente talhada na tampa, a nova insígnia decorava o trabalho. Lapidada em baixo relevo. Traços finos.

Pareciam feitos por um deus.

As lágrimas continuaram a cair, uma após a outra, ainda mais rapidamente.

Estava acontecendo.

Ia acontecer.

Resguardadas em seu interior intocado, jaziam muitas coisas.

O rapaz pôde ver uma fina corrente do que também parecia ser prata. Um pingente transparente. Uma estrela. Refletia de modo gracioso a luz que adentrava pela janela. Tornava-se colorida à decomposição das cores.

E as cartas...

Não eram mais as mesmas.

Haviam adquirido um tom prateado. Novos contornos. Novas formas.

E tudo aquilo exalava uma magia absurdamente anormal. Algo fora do comum.

Forte.

Imensamente bela.

Como ele nunca pensara ser.

Seu coração doía. Sua cabeça latejava.

Lágrimas caíam-lhe, sem descanso.

É.

Era o pior.

- O que está acontecendo? – ouviu a voz do jovem de olhos frios lhe perguntar.

- Ela está morrendo... – e então os lamentos não permitiram que ele falasse mais nada