Quando uma simples promessa pode virar o seu pior pesadelo.
Capítulo 15 – A verdade (nua e crua)
Com passos lentos e firmes, ela alcançou a porta de vidro fume que separava a liberdade de seu castigo. O que lhe aguardava, ela podia imaginar. Podia até ter alguma certeza.
Em matéria de punições, aqueles não eram muito originais.
Uma parte sinistra de seu ser desejava que aquelas cabeças tivesse inventado algo novo. Estava cansada das mesmas coisas.
Não conseguiu evitar um sorriso maléfico diante de seus pensamentos.
Quem sabe chegasse a ser divertido.
De um golpe só, abriu-a. Sem a menor paciência para parecer educada. Esse tipo de coisa na era encontrado em seu currículo. Alias, era o que menos era encontrado.
Viu um homem de faces severa, porém gentil, praticamente pular em sua cadeira giratória de encosto alto.
O sorriso cresceu em seu rosto.
Mais maléfico que antes.
Então sua próxima vitima seria aquela.
Levando as mãos ao coração, provavelmente por reflexo ao que parecia saltar-lhe do peito, pediu para sentar-se, em uma cadeira de fronte à sua.
Ela não obedeceu.
Ninguém tinha direitos sob sua pessoa.
Permaneceu de pé, encarando-o.Uma expressão desafiadora. Julgando-se cem vezes melhor que aquele homem.
- Você deve ser... a senhorita Kinomoto... – disse, por fim, verificando em um dos inúmeros papéis de sua mesa – Não é mesmo?
- Sua mãe que não ia ser. – murmurou em resposta, por entre os dentes, zombeteira.
O homem nada comentou, muito embora seu olhar de reprovação dissesse tudo.
Calmamente, levantou-se, de modo a parar bem em frente à garota.
Analisou-a, em silêncio.
Ela não gostou nada disso.
A expressão anterior foi substituída por impaciência e irritabilidade.
- Então, você já deve saber o porquê de estar aqui. Sabe, não sabe? – ele andava de um lado para o outro, as mãos apoiadas no final da coluna.
- Não tenho a mínima idéia. – dando aquela resposta dissimulada, ela pretendia tornar as coisas mais interessantes.
Novamente foi censurada pelos olhos daquele homem baixinho e de cabelos grisalhos.
Ele inspirou fundo, desanimado.
Teria muito trabalho pela frente.
- Eu vejo, então, que você não está ciente de todas as coisas que andou fazendo. – ele não parava de andar pela sala – Das estripulias que andou aprontando.
Apenas o silêncio.
- Você tem ciência de que agredir um professor verbalmente é algo gravíssimo? – indagou, perdendo a calma diante daquele silêncio fingido.
Mais uma vez, ela não se manifestou.
Por dentro, rindo descontroladamente do quanto enganava aquele pobre homem.
- Acho que tem uma idéia. Ou pelo menos, imagina que seja. – a voz severa claramente demonstrava impaciência.
Outra vez, nada.
- Você vai ficar calada? – repentinamente, ele virou-se, e encarou-a, irritado.
- Se eu falar que estou arrependida de ter mandado o professor para a puta que o pariu, vou estar mentindo. – ela parecia indiferente ao que acontecia – Sim, eu vou ficar calada.
O homem permaneceu a fitá-la, penalizado. Inconformado.
A quietude reinou por alguns momentos.
Ela sorriu, maquiavelicamente.
De um modo louco.
Por fim, o homem parou de andar. Mirou-a fixamente.
- Agora não é o diretor do seu colégio quem está falando, Sakura... – ele começou a discursar, sua voz pesarosa – É o amigo de sua família. É o amigo de seu pai. Uma pessoa que se preocupa com você.
- Estou dispensando esse tipo de coisa. – respondeu, friamente – Não preciso de compaixão.
- Não é compaixão. – corrigiu – É preocupação.
- Para mim é a mesma merda. – reafirmou, firmemente.
Aquelas palavras tiraram o seu equilíbrio.
A garota meiga havia se transformado em um monstro.
Como ocorrera tal coisa?
Como pudera ocorrer?
- Olha, senhor Heiwa, eu não estou nem um pouco afim de ouvir mais um daqueles sermões imensos e sem nexo. Se me der licença, vou me retirar. – com rapidez, virou-se, pronta para deixar o ambiente.
- Seu pai pediu-me para que tivéssemos essa conversa. – confessou, e ele viu-a estancar a mão na maçaneta.
- Aquele idiota sempre está ocupado demais par se preocupar com a filha-problema... – comentou, sem virar-se; parecia ter sido pega de surpresa – Duvido muito que tenha tido tal interesse.
- As pessoas preocupam-se com você, mesmo que você as trate mal – passo depois de passo, ele caminhou até repousar a mão por sobre o ombro da garota.
Ela riu, descontrolada.
Sem escrúpulos algum.
Como se fosse um ser do mal.
Retirou aquela mão de seu ombro.
Causava-lhe nojo.
- Isso foi algum tipo de piada? – indagou, ainda rindo.
- Não. É a mais pura verdade. – ele parecia ainda mais sério.
- Eu sei que é mentira. – a jovem virou-se novamente, os olhos começando a arder em raiva – Se alguém se preocupasse comigo, eu não estaria assim.
- Você apenas está assim porque quer. – disse, firmemente.
- Não! – berrou, perdendo o controle.
- É. – agora ele parecia muito mais severo; precisava fazer-se escutar – Agora você é um monstro. Apenas porque quis se tornar um.
- Cala a boca! – sua voz suave berrava sem o menor controle, completamente irada – Você não sabe de nada! Ninguém sabe!
- Ninguém sabe porque você não fala a verdade. – aos poucos, o homem fazia-a perder a paciência.
Ela iria estourar.
E ele sabia que era o único modo de saber o que realmente estava acontecendo.
De arrancar alguma coisa.
Aos poucos, a máscara negra caía.
E revelava uma garota castigada por dores sem fim.
Algo com o qual nunca imaginara.
Afogada em suas próprias mágoas.
Completamente insana.
- Você quer saber a verdade? – subitamente ela soltou, fria e raivosamente, sustentando um olhar apavorado com outro cheio de cólera.
O homem fez que sim, pela primeira vez temendo-a com toda as forças, acenando nervoso com a cabeça.
- Você quer saber a porra da verdade? – insistiu, agora berrando sem controle algum – Quer saber que raios fez eu odiar todos vocês? Que fez odiar a mim mesma, mais do que palavra, mais do qualquer coisa?
Ela calou-se, apoiando a cabeça na parede. Olhos fechados.
Parecia estar se concentrando.
Nas memórias tristes de seu passado horroroso.
Alguns momentos seguraram-se, em um silêncio absurdo.
Insano.
Mortal.
O homem voltou a sentar-se em sua cadeira giratória, olhando-a fixamente, aguardando o que seria a verdade.
Ela parecia mesmo machucada.
Um pássaro ferido.
- Só Deus sabe todas as noites que eu passei sem dormir, perguntando por que havia acontecido comigo. – então ela sorriu para si mesma, ironicamente - ... Não... Há muito tempo Deus não se incomoda comigo... Nem Ele, nem ninguém...
A jovem suspirou, desanimada.
Resolveu prosseguir.
Estava farta de julgamentos.
De dedos inquisidores lhe apontando.
Quando a única coisa de que precisava era de paz.
De repente, uma fagulha de ódio acendeu-se em seu olhar.
Correu até a porta.
- Eu não vou contar merda nenhuma... Eu detesto todos vocês! – havia percebido que seu coração amolecera demais nos últimos tempos.
- Sakura... – a voz fraca do senhor Heiwa impediu-a de ir-se, trêmula e emocionada – Confie em mim...
Foi nesse momento, nesse exato momento, que o mundo conheceu a maior fúria de Sakura Kinomoto.
Ela correu até a mesa onde ele estava sentado.
Encarou-o, corada de ódio.
Um ódio maior que o mundo.
Em um gesto rápido, jogou todos os objetos que jaziam espalhados pelo balcão de madeira no chão.
Pegou um cinzeiro e o fez espatifar-se contra a parede.
- Eu não acredito em vocês! – berrava, enquanto retirava os papéis do grande arquivo de metal e espalhava pela sala, antes de jogá-lo longe – Vocês todos mentiram que ele iria voltar! Ele me deixou! Abandonou-me por quase dez anos!
Então foi-se embora, batendo a porta da sala do diretor.
Não percebendo que, no corredor, em um canto escondido, um rapaz debulhava-se em lágrimas.
Agora ele sabia...
