Quando uma simples promessa pode virar o seu pior pesadelo.
Capítulo 16 – Pensamentos, palavras e cigarros
Aquele episódio com o diretor ainda passava em sua mente, como um filme em slow-motion. A destruição da sala. O caos.
Ela bem poderia estar feliz.
Se não fosse pelo que sua boca, em um momento de loucura, dissera.
Mais controlada agora, percebia que sua boca maldita, em mais uma das tantas crises de ódio que tivera, havia deixado escapar seu maior segredo.
Sua total fraqueza.
Todos deveriam saber agora porque ela o odiava com todas as forças.
O motivo de sua ruína.
Deveriam saber que ela não passava de uma pobre coitada, largada, sozinha no mundo.
Deveriam saber que ela era completamente só.
E teriam compaixão.
A coisa que ela mais detestava em todo o mundo.
Depois dele, é óbvio.
Sua boca rosnou algo que parecia "Eu não preciso de compaixão"
O vento varreu para longe a frase desesperada.
A cabeça latejava. Mantinha-a apoiada nos joelhos, sentada sob uma árvore completamente nua. Parecia que iria explodir a qualquer minuto.
Sua face pálida era fustigada pelo frio.
A situação era caótica.
Mas ela não chorava.
Há quase cinco anos que não derramava uma lágrima.
Jurara a si mesma que nunca mais faria isso.
Jurara depois da pior crise que tivera.
Depois de uma semana trancada dentro do quarto, numa escuridão mortal, sem fazer nada além de derramar sua mágoa na forma de um pranto desgostoso, dia após dia, noite após noite.
Quando dera-se conta de que ele não mais retornaria. Que havia quebrado sua palavra.
A partir daí, nunca mais confiara em nada nem ninguém além de si mesma.
Parou de falar com todos os amigos.
Com a família.
Afinal, todos haviam mentido.
Mentido que ele voltaria.
Ele não voltou.
Havia entregado seu coração infante.
E ele o apunhalara.
Matara de desgosto.
Desde então, não passava de um corpo errante na Terra.
Um corpo sentado sob uma árvore nua.
Era apenas um corpo.
Sorriu, perante a própria desgraça.
Ultimamente, era a única coisa que andava fazendo.
Ria de sua fatídica vida.
Mas nada disso podia mudar o que estava prestes a fazer.
Mudar de vida drasticamente.
Estava farta da dor.
Estava pronta para dar uma guinada na sua vidinha medíocre.
Fumaça foi expelida de suas narinas.
Olhou o cigarro em sua mão.
Lembrou-se de como caíra na vida.
Nem quinze anos...
E já completamente bêbada e drogada.
Daquele tempo, restara apenas o vício do fumo.
Pensou que deveria deixá-lo, quando sua nova vida começasse.
Então ela aproveitaria até aquele momento.
Seus ouvidos de criatura das trevas captaram passos cansados aproximando-se.
Ela sabia quem era.
Seu coração inflamou-se de ódio.
Porém, daquela vez, ela não seria rude.
Seria a última vez, no final das contas.
A última.
- Tem fumo? – uma voz masculina indagou-a, provavelmente sem notar sua identidade.
- Você não fumava. – respondeu, ainda escondendo o rosto agarrando-se aos joelhos.
O estranho olhou aquela sombra pálida mais atentamente.
Reconheceu-a logo depois.
- Sakura! – exclamou, roucamente, mal contendo a surpresa.
A jovem levantou o olhar. Encontrou outro.
Um par de olhos castanhos a lhe fitarem.
Cheios de tristeza.
Dor veio-lhe à garganta, mais uma vez.
Desviou o olhar, encarando o céu desinteressadamente.
Não devia ser fraca justo naquele momento.
- Você não fumava. – repetiu, friamente, mas não chegava a ser grosseira.
Ele também encarou uma coisa qualquer que não fosse ela. Diferente, preferiu o chão.
- Eu não fazia muitas coisas antes de chegar aqui... – confessou, melancólico.
- Acho que os ares desta cidade estão ficando infestados... Tornando as pessoas diferentes do que eram. – comentou, ainda sem encará-lo.
O rapaz fez que sim com a cabeça, timidamente.
Depois, nenhum som.
Apenas o vento frio.
A sussurrar-lhe algumas palavras ao pé do ouvido.
Palavras de amor.
Que ficaram perdidas em algum momento do passado.
Como que por mágica, os olhares e as atenções foram atraídos um pelo outro.
Voltaram a encararem-se.
Assustados.
Com o que seus corações palpitantes sentiam.
- Eu... – quando tudo pareceu insuportável demais para aquele rapaz, a paz de sons foi quebrada por sua voz trêmula e falhada, como se exitasse em dizer o que se passava em sua cabeça – Eu... acabei... ouvindo... a conversa com o senhor Heiwa e...
Ela mirou-o espantada. Os olhos arregalados. A boca escancarada. Sem nenhum tipo de reação.
Mas antes que ela pudesse protestar, e seu peito ser invadido de um ódio mortal, ele retornou à narrativa, inspirando profundamente para tomar coragem.
- E... eu realmente sinto muito por tudo o que fiz no passado. – a voz cada vez mais embargada de emoção, trêmula, insegura se devia prosseguir, mas firme em seu propósito – Eu não queria causar tanta dor... Eu... Eu não vou perdoar a mim mesmo nunca!
Os olhos verdes arregalaram-se em surpresa, como se não esperassem aquele tipo de reação. O que era verdade.
A dor subiu-lhe pela garganta de tal maneira que ela teve quase a certeza de que não seria mais capaz de segurar suas emoções.
- Agora já é tarde... – conseguiu murmurar, a voz trêmula e falhada – Não vai mudar o que aconteceu... Não há o que fazer...
- Eu não posso admitir que não exista nada que eu possa fazer... – melancolicamente, ele tentava persuadi-la – Eu me recuso a aceitar isso! Eu quero tentar!
- Agora é tarde... – repetiu, morrendo enfim de desgosto.
As coisas aconteceram, então, de maneira extremamente rápida.
Quando ela pensou em protestar, ele já a fitava sem pudor nenhum. De um jeito penetrante.
Fez ela querer morrer naquele minuto.
Estourar de paixão.
No momento seguinte, ele a prendia contra o próprio corpo, de um modo impetuoso, seguro no que queria. Seus braços envolvendo-a de modo intenso.
Ela sentiu-se totalmente vulnerável.
E imensamente protegida.
Então, lábios macios tocaram gentilmente os seus.
No momento pelo qual mais ansiara em toda sua medíocre vida.
Naquele momento mágico.
Mas uma dor instalou-se em seu peito.
Algo que a fez correr sem controle algum para longe daquele lugar.
Sem olhar para trás.
Apenas uma lágrima escorrendo por sua face cheia de dor.
Solitária.
A primeira em quase cinco anos.
