Promessas
Quando uma simples promessa pode virar o seu pior pesadelo.




Capítulo 18 – Enganos podem causar tragédias


Ela andava rumo à sua casa com passos demorados. Não havia pressa em chegar.

Ela bem sabia que não haveria ninguém para recepcioná-la.

Andando sozinha pelas ruas, meditando.

Assim andara por toda a semana.

O encontro com o seu único amor a fizera pensar muito nos últimos tempos. Coisas que precisavam ser reavaliadas.

Ocupara seu tempo todo com essa tarefa.

Agora o futuro lhe parecia tão promissor! Tão belo!

Tinha tudo para dar certo.

Pensou em correr para casa. Há uma altura dessas, seu envelope já deveria ter chegado.

Pensou nos momentos agradáveis que passou com o rapaz que fora o motivo de sua ruína e sua salvação ao mesmo tempo.

Pensou no que faria a partir daquele momento.

E acabou nem notando quando suas pernas levaram-na até a porta do sobrado.

Não tardou a liberar a entrada e transpassá-la com euforia. Como há muito tempo não tinha.

Em cima da mesa, um pequeno envelope de cor amarelada, puxando para o creme. Estava endereçado à sua pessoa. Um sorriso satisfeito cobriu-lhe os lábios. Ela não conseguiu disfarçar a repentina alegria.

Depressa, jogou-se no sofá da sala, tomando o cuidado de escancarar as cortinas antes de adentrar no ambiente. Fechou os olhos quando os raios solares lhe tocaram a face pálida, outrora morta. Mas agora ela estava cheia de vida novamente.

Abriu o envelope, e consumiu seus escritos com voracidade acima do normal. Riu alto quando terminou.

Ali estava a confirmação de sua longa espera.

De seu segundo maior segredo. Único, agora que o maior deles havia sido revelado.

A nova vida lhe aguardava em Londres, onde arranjara uma bolsa em uma renomada faculdade, emprego, moradia. Seria uma renomada designer, assim como sempre sonhara. Teria seu lugar no mundo. Sua Harley Davison, para andar sem rumo pelos arredores do Big-Ben. Seria finalmente feliz.

Pensou quando iria contar-lhe. Ele, com toda certeza, a acompanharia. Estava certa disso. Ele dissera que iria até o Inferno se fosse preciso.

Gritou por alguém no silêncio daquela manhã. Nenhuma resposta. Pensou o quanto a situação havia se invertido. Agora era ela quem procurava respostas onde não existiriam, e nunca haveriam de existir.

Procurou por toda a casa em busca de algum sinal de vida humana conhecida, mas a única coisa que achou foi um bolo na geladeira que não estava ali na noite passada.

Suspirou.

Aquela dor no peito retornou. Incômoda.

A dor que lhe indicava o quanto estava só.

Aos poucos, lágrimas outrora inexistentes formaram em seus belos olhos verdes, agora cristalinos como o diamante.

Sabia que estava completamente só naquela casa.

Como sempre estivera.

A solidão em seu ser cresceu, a cada minuto mais. Mais. Mais. Até sufocar-lhe a alma, e lhe ferir o coração mais uma vez.

Os anos haviam tornado-a ainda mais fraca do que quando criança. A Máscara Negra existia apenas para protegê-la do mundo. Já diziam os sábios que a melhor defesa é o ataque.

Um soluço sentido e machucado escapou-lhe da garganta. Como se o ferimento em seu peito estivesse aumentando.

Parou para escutar.

Nada mais que o silêncio.

Cortado apenas pelo arfar de seu peito ansioso.

Olhou para si própria. Ainda era uma sombra. Mas agora seus contornos escurecidos pareciam tênues.

As linhas divisórias da loucura e da sanidade estavam se apagando.

Justamente quando ela estava voltando.

Algo em seu ser não quis entregar-se novamente.

A dor fora tanta, que, quando sua alma cansada experimentara a felicidade por poucos momentos, acendera uma chama forte e persistente de esperança.

Quando viu-se, as pernas a levavam para longe de sua morada, do que outrora fora seu Buraco Escuro, em busca do que deveria ser sua família.

As novidades latiam em sua mente.

Ela precisava gritar aos quatro cantos que não era uma inútil como todos imaginavam. Que não era uma rebelde sem causa alguma. Queria mostrar que sua causa estava bem debaixo de seus narizes, o tempo todo. E nenhum tivera a solidariedade de estender uma mão.

Precisava sentir que não era rejeitada pela própria família.

A porta fechou-se rapidamente atrás da figura apressada que por ela saía.

Logo ganhou as ruas. Para onde seu coração parecia encher-se mais de esperanças.

Caminhou por algum tempo.

Chegou a um lugar que ela bem conhecia. Estivera ali diversas vezes. Mas em um tempo tão distante que ela já não tinha toda a certeza de que era aquele mesmo.

Observou-o melhor, com os olhos da alma. Aquele lugar ainda mantinha seu ar vazio. Não podia estar errada.

Era mesmo a mansão Daidoudji.

Sua boca murmurou algumas palavras, em um murmúrio silencioso. Logo ela pareceu sumir no ar.

Apenas para reaparecer em algum lugar dentro daquela enorme residência.

Seus sentidos gritavam. De um modo que a fazia ter certeza de que iria cair ao chão a qualquer minuto. Sua dor matando-a a punhaladas secas da faca afiada da solidão.

Sabia que estava invadindo uma propriedade alheia. Não era uma convidada. Mas a incessante dor em seu peito a fazia esquecer de todas as regras da sociedade, em busca de uma resposta que apaziguasse seus tormentos. Que lhe mostrasse o quão errada estava em pensar que estava só.

Aquele sentimento negro tomando seu peito, como se fosse sufocá-la no minuto seguinte.

Passou por mais um dos inúmeros corredores. Nem sinal de ninguém. Muito embora ela sentisse cheiro de gente em algum lugar. Gente feliz, alegre, contente. Podia até ouvir suas gargalhadas ecoarem de um modo insano em sua mente. Como se existissem com a missão de atormentá-la ainda mais.

Ela conhecia aquelas vozes todas.

E como bem conhecia.

Em breve, as vozes tornaram-se reais, e ela pôde ver uma pequena reunião ocorrer no salão principal da mansão. Todos sentados em volta de uma grande mesa de mogno, com lugares para mais de uma dúzia de pessoas.

À cabeceira, a dona da mansão. Sonomi Daidoudji.

Na ordem horária, ela podia ver cada uma daquelas fisionomias.

Tomoyo.

Eriol.

Seu amado Shaoran.

O sorriso mostrou-se de leve e rápido em sua face.

Depois morreu novamente.

Yue...

Ele não estava com ela. Como jurara antigamente.

E Touya...

Seu irmão não estava com ela. Havia preferido estar com uma pessoa que nem lhe dizia respeito do que com ela. Havia trocado-a por uma estranha que vez ou outra ia em sua casa.

E...

Os olhos encheram-se de lágrimas pesarosas novamente.

Mirou a carta em suas mãos. Em sua ânsia pela verdade, a trouxera consigo.

Voltou novamente a atenção para a sala.

A cena era tão bela...

Xícaras de chá espalhadas para cada um dos convidados e anfitriãs. Biscoitos dos mais diversos sabores, formas e coloridos. Aromas inebriantes, de um momento feliz.

Escutou atentamente quando aquela voz parabenizou a garota de cabelos acinzentados pela vaga na faculdade de Administração.

A voz que deveria estar parabenizando-a por conquista tão gloriosa.

A voz de seu pai.

Um soluço escapou-lhe dos lábios, sem querer.

Como se seu espírito tivesse morrido, em uma tragédia sem fim.

Uma cabeça virou-se em sua direção.

Seu amado lhe vira, do modo como apenas os amantes se reconhecem.

De um salto só correu ao seu encontro.

No exato momento de pegá-la em seus braços, antes que seu corpo trêmulo caísse ao chão frio e ali jazesse.

A respiração era ofegante, como se estivesse fazendo um grande esforço para o ar entrar em seus pulmões.

Ela fechou os olhos.

Duas lágrimas salobras escorreram.

Todos se espantaram.

A muralha de rocha maciça estava chorando.

Depois de quase cinco anos.

Mais lágrimas.

Uma a uma, dolorosas.

Matando-a.

O rapaz chamou-a pelo nome, desesperado. Tentando exaustivamente não deixá-la cair em sua própria loucura outra vez.

Tarde demais.

Os olhos verdes, antes cheios de vida outra vez, apagaram-se.

E foram consumidos pelo fogo do ódio.

Aquele fogo maldito e mortal.

Recobrando as forças , de maneira terrível, diga-se de passagem, ela pôs-se de pé.

Os olhos mirando cada um dos presentes.

Cheios de ódio e mágoa.

Abriu a boca, na infrutífera tentativa de dizer algo.

O ar escapou, produzindo o som de um lamento funesto, vindo dos habitantes do Rio Estige.

Virou-se, dando às costas para o mundo.

Exatamente como o mundo havia lhe dado as costas.

Uma idéia assassina lhe passou em mente.

A idéia que ela pensara não ser mais precisa.

Ainda mirou o único que não merecia saber de seus planos antes de sumir depois de uma porta, em um dos infindáveis corredores daquela mansão.

O ápice do pesadelo estava prestes a começar...