Quando uma simples promessa pode virar o seu pior pesadelo.
Capítulo 19 – Balada de suicídio
Sorri com seu jeito faceiro e gracioso,
Olhando em meus olhos, entrando em minha mente,
Como se eu fosse um nada, e tudo ao mesmo tempo.
Eu sei que não posso me livrar de tal tormento,
Que você vai estar ali quando eu fechar os olhos,
Que vai me matar aos poucos de desgraça.
Eu não posso me livrar desta minha trágica sina...
É como um castigo pelo que fiz no passado;
É como a condenação de todos os meus pecados.
Eu já tentei esquecer o que houve algum dia;
Já fiz de tudo, e tudo mesmo eu tentei,
Mas falhar já faz parte do meu cotidiano.
Estou acostumada
A sempre perder minhas idéias e convicções
Em sentidos que não posso entender finalmente
E que ficam perdidos em algum lugar na memória;
A sempre perceber o quanto estou só neste mundo,
Que o grito de socorro explode de minha garganta
E a multidão passa ao meu lado sem me notar;
A sempre perceber que me esqueceram, de alguma forma,
Ficando parada em algum momento terrível
Do qual eu não consigo nem posso me livrar.
Então vejo que minha vida não valeu a pena
E eu não passo de um estorvo no mundo,
Um ninguém a caminhar pela face da Terra.
Eu sinto
O vazio em meu peito crescer mais e mais
E não caber em si nem poder esconder –
É realmente triste assistira à própria morte,
Ao próprio enterro, em uma cova escura e fria
Que existe apenas em sua própria cabeça,
Mas que o faz ter certeza de que o fim chega.
Assistindo seu corpo consumindo-se em dores e tristezas,
Seu espírito lutando com todas as forças contra isso
E debatendo-se em seu desespero sem saber o que fazer.
Eu posso sentir que deixei muita coisa para trás,
Oportunidades escaparem pelos vãos dos dedos
Sem ter como impedir o já tão evidente.
O passado não volta,
E se voltasse, com toda certeza eu não estaria assim,
Acabada, reduzida ao pó da existência humana,
Enojada de mim mesma, como um reles maltrapilho.
Talvez estivesse correndo, alegre, por um parque qualquer,
O cheiro de grama fresca como uma canção de ninar,
O vento a sussurra nos ouvidos belos contos-de-fada.
Ou quem sabe rindo de uma graça qualquer,
Com um punhado de amigos ao redor da lareira,
Relembrando os juvenis tempos de brincadeiras.
Mas minha vida é tão negra quanto as Trevas Eternas,
E meu coração tocado pelo próprio Lúcifer
Cansou-se das dores desta vida desgostosa.
No espelho
Vejo apenas o que restou de um passado glorioso,
Cinzas de algo que um dia remoto existiu de verdade,
Sopradas ao vento, como um tênue reflexo do que foi;
Um corpo nu, desprovido de suas crenças e sua fé,
Maculado pela raiva e pelo ódio infinitos,
Fraca carne fustigada pela solidão;
Manchado do que seria seu próprio sangue,
Arrancado à unha em um momento de fúria
Fruto do descontrole da mente atormentada.
A insanidade tingindo suas faces de expressões apáticas,
Demonstrando que não se incomodam mais com o mundo
Nem ligam se alguma hora terá mesmo de partir-se.
Essa sou eu.
Ou pelo menos o monstro que restou depois de tudo,
Do cansaço, da fadiga das coisas terrenas e concretas.
Apenas um rastro de escuridão negra e fétida.
Não sei mais quem sou, nem o que um dia fui,
Porque perdi minhas memórias ao condenar-me
A esta sentença impiedosa e sem volta.
Penso que será melhor para mim mesma
Pois enfim terei a tão esperada liberdade
Para voar no infinito céu azul
E tocar as estrelas cintilantes bem de perto,
Esconder-me atrás de alguma nuvem macia,
Olhando para baixo com um sorriso nos lábios.
Velando
Por quem, infelizmente, tive de deixar
Quando cumpri minha dura jornada de passagem
E quase me esqueci dos que ficaram a viver.
Aqueles mesmos que um dia deram-me as costas
E fizeram parte do que sou hoje:
Esta sombra negra e sem vida no céu da noite.
Não os culpo, nem descarrego meu desgosto.
Afinal, meu destino fui eu quem fez
Quando escolhi fazer meu coração parar de bater.
Eles estão ainda trancados no meu coração.
Eu continuo amando-os, indiferente das circunstâncias,
Mesmo que eles próprios houvessem me matado.
Acabou,
Agora que sinto o sopro de vida varrido de meu peito,
Mandado para longe, para algum lugar no limbo,
Onde talvez permaneça por toda a eternidade.
A vista turva mirando os pulsos sangrando,
A consciência perdida momento a momento,
A dor lascinante correndo em minha espinha.
Então tudo perdeu sua cor natural,
O brilho dos meus olhos se extinguiu,
Enfim curvando-se perante o chão frio e duro,
Onde meu corpo tombou em um baque surdo,
Tombou ruidoso dentre o tumular silêncio,
Para nunca mais voltar a andar pelos caminhos.
O fim.
Eu posso sentir o bafo frio da morte em meu rosto,
Seus dedos macabros ferindo minha carne sem vida,
Sua gargalhada insana ecoando em minha mente;
A escuridão eterna tomando à força meu corpo,
Embora meu coração ainda bata fraco, muito fraco,
Resistindo ao que já estava fadado a acontecer.
A consciência se esvaecendo, pouco a pouco,
Tentando livrar-se dos últimos traços da dor,
Indo-se para nunca mais voltar.
Aqui vai ser minha tumba eterna,
Diante da janela, onde eu possa ver as estrelas,
Afogada em uma poça vermelha de desgraça.
No final das contas, Deus teve piedade de mim...
