Promessas
Quando uma simples promessa pode virar o seu pior pesadelo.




Capítulo 20 – Correndo contra o tempo



O peito novamente apertado. Ele já não mais sabia quando fora a última vez que esteve livre daquela sensação incômoda e impertinente. Devia fazer mais ou menos dois ou três dias, mas parecia quase um século todo.

Era como se sua cabeça latejasse, e seu peito estivesse prestes a ser esmagado por mãos impiedosas, dilacerados por um punhal invisível. Como se seu coração fosse estrangulado, pouco a pouco. Sangrando até murchar de desespero.

Tinha a nítida impressão de que o tempo era escasso, e que se não se apressasse, seria tarde demais.

A péssima impressão de que era impotente contra as vontades do mundo.

O terrível pressentimento de que ele não conseguiria.

Consumindo-o com uma ferocidade absurda. Muito mais que absurda.

Os sentidos gritando em desespero, pressentindo um mal muito maior do que sua mente poderia imaginar. Entrando em confronto um com os outros, insanos, como se fossem inimigos.

Ele tinha plena consciência de que se a situação não impusesse urgência, ele cairia desfalecido no meio da rua, incapaz de prosseguir o caminho.

As pernas compridos levavam-no, velozes, para onde quer que ele quisesse ser levado. Passos largos faziam um barulho suave e cadenciado contra o cimento.

Tinha pressa. Muita pressa.

Cada vez mais seu peito arfava em busca de ar, tentando sobrepor-se àquela dor horrenda que o fazia cambalear.

A cabeça começava a doer demais para que pudesse suportar.

Tudo estava indo de mal a pior.

Desde o momento que ela fora-se de seus braços, raivosamente percorrendo o comprido corredor, até desaparecer atrás de uma porta.

A lembrança daquele ser tropeçando em sua própria desgraça passava em sua mente como se fosse um filme de terror. Cena após cena, caindo num buraco sem fim. Vendo o final se aproximar a galopes furiosos.

Balançou ligeiramente a cabeça; tinha de espantar aqueles pensamentos funestos rapidamente, ou acabaria por não chegar.

Apertou ainda mais os passos, tentando poupar um escasso tempo que ele não tinha.

Dobrou uma esquina, e viu as cerejeiras em flor colorirem a paisagem com seu suave cor-de-rosa. O aroma doce invadiu seu ser, inebriando-o de uma forma absurda. Fez sua dor praticamente dobrar em uma loucura que parecia nunca ter fim.

Teve de trancar todas aquelas atormentadoras sensações em um canto obscuro de seu espírito. Nada podia atrapalhar-lhe naquele momento. Nada mesmo.

Tão concentrado em manter-se no caminho, mal notou quando chegou finalmente à porta de um bem aprumado sobrado. Respirou com certo alívio à visão daquele lugar. Mas tal sensação logo foi esquecida, porque aquele ligeiro incômodo tornou-se um latejar incessante e insuportável.

As mãos trêmulas e molhadas de um suor frio procuraram com pressa a campainha, sentindo que o tempo escorria como areia na ampulheta. Apenas o barulho agudo soou pelo silêncio tumular. Um arrepio percorreu sua espinha, de alto a baixo. Seu medo apenas fez-se aumentar. Cada vez mais.

Nenhuma resposta veio, nem no princípio, nem no fim.

Tudo estava obscuro, como um beco imundo, perante uma observação mais atenta. Parecia que não havia ninguém em casa.

Mas seus sentidos em estado de alerta teimavam em apontar que as aparências poderiam muito bem estar enganadas.

Esperou, mais e mais, até que seu amor vez soar um clamor mais alto, e ele finalmente cansou-se de esperar. Tentou abrir de algum jeito a porta de entrada, mas só conseguiu perante o sussurro silencioso de algumas palavras místicas.

O caos surgiu perante seus olhos.

As coisas espalhadas pelo chão, jogadas em um momento de fúria imensa. Um rastro da mais completa destruição rumo o andar de cima. Como se alguém tivesse tido um ataque de loucura e tentado extravasar.

Aquilo lembrava o Inferno.

Chamou por alguém, mas não ouve resposta outra vez. Parecia que não havia mesmo ninguém em casa.

Muito embora ele soubesse que era só apenas uma impressão, porque, em algum canto, ele podia senti-La.

Muito fraca. Mas ele A sentia.

Um grito de horror tentou escapar de sua garganta, mas a única coisa que fez-se ouvir foi um gemido rouco e falhado, impedido de prosseguir por uma boa razão.

Aquela dor, que outrora não passava de um simples incômodo, agora era a causa de seu martírio, do que parecia ser seu sofrimento eterno.

De dois em dois, subiu a escada. Seus olhos recém-libertos da escuridão rastrearam os cantos, para desviar de algo que porventura atravessasse seu caminho desesperado.

Toda a casa, de fato, encontrava-se às escuras, em um breu total e caótico.

E a bagunça seguia-se por toda a parte.

Um som absurdamente alto veio-lhe aos ouvidos sensíveis.

Acordes de guitarra, ritmo marcado pela bateria. Uma voz berrando mil e uma desavenças. Proclamando aos quatro ventos suas ideologias suicidas. Mostrando sua dor através de uma melodia pesada e uma letra depressiva.

Um cheiro anormal de sangue invadia-lhe as narinas, fazendo-o ter vontade de vomitar as próprias entranhas.

Outro arrepio medonho lhe atravessou a espinha, de um modo incontrolável.

Ele bem sabia que podia ser tarde.

A porta daquele cômodo encontrava-se trancada. Tentou abri-la pelos modos convencionais, e não conseguiu. Tentou pelos extraordinários, mas também não obteve sucesso. Parecia que ela sabia que alguém poderia tentar esse meio especial.

A única opção que lhe restou foi usar a força.

Tomou distância e, em um pontapé só, fez a porta vir abaixo, quebrando as dobradiças.

E o que seus olhos viram, fizeram-no ter pesadelos por muitas noites.

A cena mais grotesca e mórbida que presenciara em sua vida toda.

Mais caos. O completo. O definitivo.

As coisas anormalmente fora de seu lugar.

E um rastro de sangue, escorrendo ainda quente e fresco.

O cenário de uma verdadeira tragédia.

Um corpo caindo em uma poça vermelha de desgraças.

Um corpo belo e esguio, outrora cheio de porte e vida.

Mas que agora não passava de algo morto.

Lágrimas formaram-lhe nos olhos, mas ele tinha de ser forte para enfrentar a situação.

Aproximou-se, o mais rápido que podia. Agarrou aquela garota em queda na própria loucura.

Ela estava fraca, muito fraca.

Seu rosto já pálido, ainda mais alvo.

Os olhos opacos, sem vida.

A respiração lenta e falhada.

E seu corpo todo manchado do próprio sangue.

Dois cortes profundos em cada um dos pulsos.

Dos quais o líquido vermelho escorria em abundância. Uma fonte de desgraças.

Sem pensar em mais nada, pegou aquele corpo quase sem vida em seu colo, contaminando-se com aquele desespero.

Ele estava frio. Quase gélido.

Ele sabia que restava pouco tempo...