Quando uma simples promessa pode virar o seu pior pesadelo.
Capítulo 21 – Espera insana
Ele encontrava-se sentado em uma das inúmeras cadeiras daquele corredor movimentado. Alheio à qualquer coisa que ocorresse ao seu redor.
Àquela altura, não importava muita coisa.
Na verdade, nada mais importava.
Porque o único pensamento a lhe passar pela mente era vê-la correndo novamente, como a vira naquele instante, quando seu corpo finalmente foi seu. Vê-la sorridente, saltitante.
Era tão bom saber que ela estava feliz...
Mas, agora ela havia entregado-se ao seu sofrimento, num momento de loucura maior.
Seu coração estrangulava-se à mínima lembrança de que ela não agüentaria tamanho desgosto.
Desgosto por perceber que estava sozinha no mundo. Que sua própria família havia lhe renegado.
Não era por menos.
Se fosse com ele, também seria o mesmo.
A cabeça pesava, confusa, aturdida demais com tudo o que estava acontecendo. Estava apoiada nas mãos.
Era muito para se agüentar.
Haveria de prosseguir?
Passos apressados e nervosos ouviram-se, em meio aos sons cadenciados, dos quais seus ouvidos já haviam acostumado-se. Ele bem sabia quem eram. Sabia pelo sentido. Não conhecer era burrice.
Os olhos inchados e vermelhos desviaram-se do chão, e miraram com desgosto àquelas pessoas.
Como poderiam estar ali depois de tudo?
Enojado daquelas presenças, ele seguiu-se analisando-os com cautela. Percebendo uma mistura de sentimentos sinistros, a mancharem suas faces com expressões depressivas.
Mas, depois daquilo tudo, ele não conseguia sentir pena.
Em pouco tempo, todos aqueles passos aproximaram-se por demais, de modo que seu olhar levantou-se, em muito. Encarando a todos com descaso. Como se não passassem de nada.
Pôde ver a todos.
A jovem de cabelos acinzentados e feições maternais, derramando um pranto sentido, sem forças para caminhar por si só.
O rapaz de olhos calmos e perfil gentil, serio, quieto, amparando sua companheira.
O impetuoso guardião da Lua, seu rosto deformado por raiva.
O mais velho dos dois irmãos, de voz austera e modos severos, a expressão contraída em preocupação extrema.
E, por final, o patriarca dos Kinomoto.
Todos, sem exceção, mirando-o com indagações no olhar. Buscando respostas para aquela situação trágica.
Aquilo só o fez odiá-los ainda mais.
O homem mais velho adiantou-se um pouco mais dos outros, outrora calmo, agora ansioso e nervoso. Os olhos enxutos de mais e mais lágrimas, sem poder conter mais suas dores de pai.
Que pai de merda era ele...
Se fosse diferente, talvez nada disso tivesse acontecido.
- Onde está minha filha? – questionou, a voz embargada de emoção.
O jovem mirou-o ainda mais profundamente.
Aquela era uma cena cínica demais.
- Está na unidade de terapia intensiva. – foi a resposta, seca e amarga.
Por um momento, todos os presentes exitaram em dizer qualquer que fosse a palavra. Um tempo que pareceu eterno.
- Como isso foi acontecer, Meu Deus do Céu? – alterou-se o senhor Fujitaka, levando as mãos à cabeça e andando de um lado para o outro – Como, Meu Deus? Como?
- Isso você devia saber. – o jovem Li encontrava-se muito pouco disposto a aturar sentimentalismo por parte de qualquer um daqueles – Não fui eu quem causou toda essa confusão, foi?
Foi a vez do jovem de feições angélicas manifestar-se. Sempre de maneira violenta. Como era seu costume.
De um ímpeto, Abaixou-se, de modo que Shaoran não precisou mais levantar o olhar para encará-lo.
- Diga-me moleque dos Infernos... – sua voz parecia um rosnado - ... o que aconteceu com Sakura...
O truque de intimidação não funcionou daquela vez. Ele não alterou-se.
- Você acertou quando mencionou o Inferno... Realmente é para lá que ela pode estar indo... – mesmo tentando parecer controlado, era evidente que seu ser mergulhava em dor.
- Deixe de enigmas, Li. – interrompeu o inglês, mais sério que o costume – Queremos saber o que aconteceu com ela. Colabore.
- Simples demais. Ela tentou suicídio. – aquilo parecia realmente muito simples.
Por algum tempo, nenhuma das pessoas quis ou pôde se manifestar.
Era sofrimento demais.
Era mórbido demais.
Apenas lamentos e soluços baixos. Como se todos houvessem morrido de verdade. Como se houvessem se perdido em algum lugar, sem saber a saída.
- Como ela pôde cometer tamanha atrocidade? – exclamou o mais velho de todos, limpando as lágrimas dos óculos – Como ela teve coragem de fazer isso consigo mesma?
Ele sabia como.
- Ela tinha de tudo! – choramingou Tomoyo, abraçando ainda mais forte o amor de sua vida – Era bonita, estudava num colégio bom, tinha uma família maravilhosa, amigos... Não havia um motivo.
Ele sabia que havia.
Como todas aquelas pessoas podiam ser tão cínicas?
Como poderiam ignorar tudo o que haviam feito a ela?
Os punhos cerraram-se, em reflexo da raiva a queimar em sua alma. Era evidente a perda do controle. Em muito pouco tempo.
- Devíamos tê-la levado em um psicólogo... – queixou-se Touya, balançando a cabeça em reprovação.
Era justamente isso que ela menos precisava naquele momento.
Reprovação.
Foi o cúmulo. A gota d'água.
De supetão, levantou-se.
Sua figura surgiu ameaçadora perante àquelas. Ódio brilhando em seu olhar.
- É só isso que vocês sabem fazer? – indagou o jovem, alterando o tom de voz – Apontar o dedo na cara dela e dizer o quanto ela não prestava?
- Ela precisava de um corretivo! Ela sempre precisou! – devolveu seu irmão, também exaltando-se.
- Não! – corrigiu, indignado – A única coisa de que ela precisa é atenção.
- Esse é o problema! Nós sempre demos atenção demais para aquela menininha mimada! – como ele podia dizer tamanha barbaridade?
- Vocês a mataram de desgosto! – berrou Li, não contendo-se em revolta.
Os olhares espantados procuraram os dele, que, obviamente, sabiam algo mais.
- Pois é... – mais contido, ele voltou a sentar-se – Se há algum culpado nesta história toda, são vocês, que negaram-se a perceber o quanto ela precisava de ajuda. Vocês, que a abandonaram no momento que ela mais precisava. Vocês, que nunca estiveram lá quando ela precisava. Vocês, que mentiram que eu não tardaria a voltar.
Diante de tal argumento, o que fazer para protestar?
Não havia o que dizer.
Apenas o silêncio.
Que foi quebrado um tempo depois, pelo rapaz, que, sonhador, pôs-se a fazer seu anúncio.
Havia tomado uma decisão.
- Eu não quero mais saber desta terra e de vocês. – disse – Por isso, vou-me embora com ela. Vou fazê-la feliz. Vamos para Londres, estudar, casar e formar uma família. É, seremos felizes sem essa corja nojenta.
Ninguém se opôs, muito embora alguns quisessem.
Passos aproximaram-se, lentos e pesados.
As cabeças voltaram-se à figura que se aproximava quase que instantaneamente, apreensivas.
Era um homem trajando um branco maldito. Carregando uma prancheta em uma das mãos.
Seu semblante era triste e cansado.
Como se tivesse estado em uma árdua batalha.
- A família da senhorita Kinomoto, por favor. – chamou, parecendo derrotado.
Todos olharam-no ainda mais atentamente.
- Eu sinto muito... – e seu olhar fixou cada um dos rostos com seriedade - ... mas não conseguimos... Ela está morrendo...
