Quando uma simples promessa pode virar o seu maior pesadelo.
Capítulo 23 – Caminhando pela estrada de tijolos amarelos
O jovem acariciava sua face delicada com ternura. Pensando em tudo o que ocorrera, há nem uma semana.
Parecia muito mais tempo do que realmente era.
Ali, deitada num leito hospitalar, ela parecia adormecida em algum bom sonho. Não era notável o quanto havia sofrido.
Suas feições eram serenas, tranqüilas. Cansadas, apesar de tudo. Mas imensamente belas.
Parecia uma trabalhada escultura.
Às vezes ela deixava ver um sorriso a iluminar suas feições durante os sonhos. O que estaria vendo?
Ele então não agüentava, e sorria também, sufocado por sentimentos grandiosos e incontestáveis. Como todo apaixonado, que assume sua tolice perante a humanidade.
Desde que o pesadelo começara, ele andara pensando. Em todas as coisas que aconteceram, em como aconteceram. As desgraças que, uma após a outra, assolaram sua vida. Em como tudo pareceu perdido e sem esperanças.
Agora, naquele estado de dormência, não parecia a causa de tantos de seus tormentos.
Parecia apenas uma criatura saída de algum conto de fadas. Uma princesa.
E ele não saíra nem por um momento de seu lado. Sempre estivera ali, para correr se fosse preciso.
Para morrer, se ela não resistisse.
Mas agora tudo não passava de lembranças de um sonho ruim. Um sonho que já havia passado. Graças à Divina Providência.
Sentado ao seu lado, recostado preguiçosamente em uma cadeira fria, contemplando-a repousar. Lembrou-se do quanto seu ano fora infernal. Desde o momento que pisara naquele maldito solo, até a noite passada.
Quando a hipótese de perder seu bem mais precioso fora levantada.
Ela não estava lutando. Ia deixar-se derrotar de uma vez por todas. Estava indo-se.
Então subitamente ela pareceu recobrar a vontade de permanecer viva, lutando contra aquela situação com todas as suas forças.
E conseguira.
Como era forte e valente sua menina!
Segurando sua mão com gentileza, deixou aparecer a marca em seus pulsos. Cicatrizes profundas de seu maior desespero. Por onde o sangue vertera, como uma enxurrada. Por onde quase perdera a vida.
De repente, ela segurou-lhe a mão, ainda com fraqueza. Num pedido silencioso para que permanecesse ao seu lado.
Agora, no final das contas, apenas ele lhe restara.
Ele sorriu ainda mais.
Sua amada estava, pouco a pouco, despertando.
E, dessa maneira, ele não estranhou quando seus olhos abriram-se, espantados. Mirando-o fixamente em busca de respostas.
Suavemente, beijou sua testa, e ela sorriu de volta.
- Bem-vinda de volta. – sussurrou, ao pé de seu ouvido, enquanto afastava-se para melhor observá-la.
A garota suspirou apenas, cansada demais.
Ele sentou-se à beira da cama, segurando com carinho uma de suas mãos.
- Como se sente? – indagou, observando-a quase em êxtase.
Ela ficou em silêncio durante algum tempo, respirando lentamente, tentando refazer-se. Havia muito a ser dito.
- O que aconteceu? – a voz fraca e rouca resolveu iniciar com outra indagação.
Shaoran suspirou, e ela pôde ver lágrimas formando-se nas profundezas de seu ser. Mas ele lutava com determinação contra a tristeza. Não podia chorar justamente em momento tão feliz.
- O que aconteceu? - repetiu, quase não conseguindo falar.
- Eu não podia... – ele parecia não encontrar as palavras certas - ... deixá-la ir... Seria doloroso demais para mim... Eu não ia suportar.
- Você foi um tolo... – repreendeu-o, fechando os olhos em um gesto de cansaço puro.
- Eu sou um tolo porque amo você. – e as feições carregadas relaxaram em um sorriso amoroso, que ela recebeu de braços abertos.
O rapaz beijou-lhe os lábios, transbordando em carinho. Ela retribuiu com calma.
Apesar de tudo, ainda não estava em plenas forças.
- Agora tudo já passou. Não precisa se preocupar mais. – sorrindo-lhe, ele abraçou-a apertado.
Eles não precisaram dizer mais nada para se entenderem.
O contato dos corpos saudosistas dizia tudo.
As fragrâncias únicas de seus seres valiam mais que mil palavras.
Mas ela, então ficou triste de repente, lembrando-se do que lhe aguardava do lado de fora daquele pequeno paraíso.
E ele percebeu isso quase que de imediato.
- Eu vou para casa? – indagou ela finalmente, a voz trêmula e temerosa.
- Vai. – e, perante o semblante triste dela, sorriu ainda mais – Vamos para casa.
O olhar da jovem levantou-se, e encontrou os dele, confuso.
Ela não estava entendendo muito bem.
- Você não precisa voltar para onde as pessoas não ligam para você. – explicou-se – Agora você tem um lar lhe esperando. Para viver com o homem que lhe quer por toda a eternidade.
- Isso significa o quê? – indagou-lhe, confusão estampada em sua face.
- Que você vai morar comigo, até irmos morar em Londres, onde vamos nos casar e formar nossa família.
Ela não agüentou mais.
Desabou em um choro descontrolado, agarrando-se firmemente a ele.
Um choro feliz.
Feliz como há algum tempo ela não era.
- Você vai fazer isso para mim? – ela quase não acreditava naquelas palavras.
- Isso, e muito mais. – então ele calou-a com um beijo suave e delicado, mas cheio de paixão.
Ela retribuiu com igual intensidade.
A saudade era tanta...
Mas eles tinham um caminho para percorrer.
Uma vida inteira pela frente.
Porque o pesadelo finalmente acabara.
E as promessas agora haviam sido cumpridas.
É.
No final das contas, apesar de tamanhas desgraças, o final é sempre o mesmo.
"E eles foram felizes para sempre"
