Capítulo VIII

'O que disse?' Perguntou a bela concubina fitando Sakura a sua frente.

'Sou uma mulher, senhorita Daidouji.' Falou com sua voz fina e delicada.

      Daidouji piscou algumas vezes. 'Está brincando comigo?' Replicou começando a se vestir.

'Não estou.' Repetiu Sakura. Ela abriu um pouco o uniforme, mostrando as faixas que usava para apertar os seios e diminuir o volume deles. 'Sou uma mulher, fingindo ser um homem.'

'Por Deus! Nunca vi isso em toda a minha vida!' Exclamou, ainda tentando entender.

            A mulher foi até Sakura e a fitou bem de perto, depois desviou os olhos para as faixas apertadas que ela usava no peito. 'Como teve coragem?' Perguntou, fitando os olhos verdes de Sakura.

'Ou eu me fingia de homem ou virava uma... uma...' Ela ficou sem jeito de falar.

'Uma concubina?'

'Isso.'

            As duas ficaram em silêncio por um tempo. Sakura afastou-se dela e, fechando o uniforme, foi até a cama onde sentou na beirada para descansar um pouco. Agora estava nas mãos de uma mulher desconhecida. Ela poderia  ir até Li e contar tudo para ele. Provavelmente seria decapitada em praça pública ou, na melhor das hipóteses, chicoteada. Li com certeza faria questão de ser o carrasco. Já poderia até imaginá-lo com aquele sorriso sardônico.

            Daidouji foi até ela e sentou-se a sua frente, pegou o rosto da jovem e levantou-o, fitando-a agora com carinho. 'Você é muito corajosa, sabia?' Sakura ficou em silêncio. 'E se tornou um capitão! Uma capitã!' Ela consertou rindo.

'Por favor não conte nada. O General... ele vai...'

'Não se preocupe! Seu segredo estará seguro comigo!' Ela não parava de sorrir. 'Diga-me, qual o seu nome capitã Kinomoto?'

            Sakura riu um pouco da brincadeira. 'Sakura.'

'Sakura? Que nome lindo! É Japonesa? Sabia que sakura é o nome de uma flor belíssima no Japão?'

            Sakura balançou a cabeça, negando. 'Sou apenas filha de um oficial japonês. Colocaram este nome em mim porque foi assim que minha mãe pediu, antes de partir com a minha família e me deixar na casa de órfãos.'

            Tomoyo olhou tristemente para a menina a sua frente.

'E o seu?' Sakura perguntou tentando mudar de assunto.

'Tomoyo. Sou japonesa, mas morei muitos anos na Europa.'

'Então sabe falar a língua ocidental e japonês?'

'Sim.'

            As duas começaram a conversar como amigas. Há muito tempo Sakura não conversava abertamente sobre ela com a sua própria voz. Estava com saudades disto. Sem querer, seus pensamentos foram para Cixi e as outras meninas. Será que estariam bem? Será que a senhora Yang continuava a maltratá-las?

            Tomoyo mostrou ser uma companhia muito agradável. Era uma mulher inteligente e interessante. Contou que fora para esta vida quando o marido a abandonou. Sem dinheiro e devendo muito, acabou virando uma prostituta em Londres e depois veio para a China onde, diziam as más línguas, era uma das concubinas preferidas de Xue Lian. Tinha juntado um bom dinheiro e no final acabou sócia de Feng San. No entanto, como uma mulher não pode assumir um negócio, usava-o como testa de ferro. Sakura contou sua vida e as suas aventuras como soldado. Tomoyo ria e dizia que era impossível de acreditar.

'Incrível! Realmente incrível!' Exclamou por fim observando Sakura. 'Porém acho que é muito arriscado até tomar banho.'

'Sim, é. Tenho que trancar bem a porta. O General Li tem mania de  entrar nos meus aposentos sem bater.'

'Imagina se um dia ele descobre que você é uma garota?'

'Ele faz questão de me chicotear em praça pública!'

'É muito arriscado, Sakura. Eu morreria de medo vivendo assim.'

'Eu sei, mas estou aprendendo tanto. É maravilhoso saber ler e escrever!' Falou entusiasmada. 'Aprender matemática e ciências! Engenharia e lutas! Quando poderia aprender isso sendo mulher?'

            Tomoyo ficou em silêncio por algum tempo, apenas fitando a garota a sua frente. Agora que descobrira a verdade ficava difícil vê-la como o corajoso capitão Kinomoto. 'O General gosta muito de você.'

'Eu não sei...'

'Ele nunca trouxe ninguém aqui. Sempre vem sozinho e calado. Com você, está alegre e lhe chamou de amigo! Nunca imaginei que um homem daqueles considerasse alguém como amigo.'

            Sakura deu um longo suspiro pensando em Li. 'Para ele seria apenas uma vadia se for mulher.'

'Você é a tal garota de olhos verdes?' Sakura confirmou com a cabeça e um olhar desanimado. 'Bem posso dizer que, pelo visto, você o impressionou duas vezes, sendo mulher ou sendo um garoto!'

'Como?'

'Oras, não ouviu o que ele falou de você?' Ela riu lembrando-se. 'Disse que você era linda!'

            Sakura levantou-se com uma certa fúria. 'Ele estava bêbado! E tentou me violar contra a minha vontade! Parecia um animal!'

'Minha querida, os homens viram animais quando estão com desejo. Você despertou o desejo nele.'

'Agora a única coisa que eu desperto nele é ironia. Oh, homem metido e nojento! Precisa ver o que ele diz das mulheres!'

'Não precisa repetir. Já tenho idéia.'

            Sakura fitou Tomoyo a sua frente e sorriu um pouco. 'Acho que já vou. Será que o garanhão já se divertiu o suficiente?'

'Ele só sairá do quarto pela manhã.'

            Ela sentou numa das poltronas e soltou um longo suspiro desanimada. 'E o que eu faço?'

'Há quanto tempo não toma um banho tranqüila?'

            Sakura levantou uma das sobrancelhas. 'Hã?'

'Tome um bom banho e relaxe. Vamos fingir que estamos juntos. Assim ninguém suspeitará de você. Amanhã quando o General for embora, você irá com ele.'

'Seria possível?' Falou sorrindo, já sonhando com um bom banho.

'Claro que sim, querida. Vou lhe ajudar o máximo que puder, pois admiro muito você.'

'Obrigada.'

'Não precisa me agradecer.' Falou meigamente. 'Somos amigas, agora.'

            Sakura confirmou com a cabeça. Seria bom ter uma amiga como Tomoyo, ela era tão amável.

*~*~*

            Sakura e Li treinavam luta marcial em um dos salões do Palácio. A jovem estava já dolorida devido aos inúmeros golpes que recebeu do general.

'E então?' Li perguntou, fitando Sakura que ofegava a sua frente.

'Eu já sei que estou deixando a esquerda vulnerável!' Falou irritada.

            Li sorriu de lado e baixou a guarda para relaxar. 'Não estou falando do treinamento e sim da sua noite com a francesa.'

'Ela não é francesa. É japonesa.' Respondeu, mostrando leve irritação.

'Ah isso não importa.' Ele falou dando pouco caso. 'Que mais?'

            Sakura sentiu as bochechas queimarem, teria que mentir. 'Ela é bonita.' Limitou-se a responder.

 'Bonita? É só isso que tem a me dizer, Kinomoto?'

'O que mais quer saber, senhor?'

            Li riu um pouco e pegou uma toalha para secar o suor. Sakura fez o mesmo, ela estava pior que ele pois ainda tinhas as faixas lhe apertando os seios.  'Ela não é só bonita. Ela consegue fazer maravilhas com um homem na cama.'

'Já dormiu com ela?'

'Que militar de alta patente não dormiu com ela?' Perguntou em tom irônico.

'Ela é uma pessoa muito boa e meiga.'

'Falando assim parece que quer casar com ela. Não me diga que já está apaixonado por ela por causa de uma noite apenas?'

'E o senhor sabe o que é estar apaixonado, general?' Ela não conseguiu segurar-se para perguntar.

'Eu nunca vou me apaixonar, Garoto. E aprenda mais uma coisa comigo, este negócio de amor e coisa e tal, é apenas uma ilusão romântica que uns idiotas inventaram para vender livros e histórias bobas.'

'Minha mãe e meu pai se apaixonaram. Ela passou por cima de tudo e de toda a tradição por causa dele.' Alfinetou.

'E onde estão seu pai e sua mãe agora?' Sakura ficou em silêncio e encarou o rosto debochado de Li. 'Seu pai fugiu com os outros japoneses e sua mãe provavelmente foi para um templo budista para tentar esconder que foi deflorada antes do casamento, não é?'

'Dobre a língua quando falar dos meus pais, General.' Falou entre os dentes.

'Está ofendido, Kinomoto? Pois isso é o que dá quando as mulheres ficam loucas pensando que este tal de amor existe.'

'Estou cansado de você e sua arrogância.' Desabafou.

'Pois bem, e o que está esperando para ir embora? Pode ir embora e voltar para a sua vida em Yuhan como um covarde que defende as mulheres e acredita que amor existe!'

'E você que vive atrás desta sua cortina de arrogância e despeito, mas não passa de um idiota que maltrata e menospreza as mulheres! Manda e desmanda nos soldados que estão abaixo de você apenas para se sentir mais poderoso. Você, General Li Xiaolang, não passa de um menino que até hoje não superou a morte do seu pai!'

'Olha como fala comigo, Capitão! Você é meu subordinado!'

'Ficou ofendido com a verdade?' Perguntou em tom de deboche, imitando-o.

'Agora chega, Kinomoto!' Falou indo na direção dela para lhe dar um soco. Sakura arregalou os olhos e rapidamente abaixou desviando-se do punho potente de Li.

            A jovem rapidamente pegou uma das varas e começou a tentar se proteger dos ataques fulminantes de Li. Sakura viu que os olhos dele estavam vermelhos, mostrando toda raiva que ele sentia, mas não dela. Talvez ela até tivesse sido o estopim, que acendeu a primeira fagulha, pois no fundo ele sabia ter ouvido apenas a verdade. Lutaram até a exaustão. Sakura muito mais, pois não era fácil ficar fugindo de Li o tempo todo. O guerreiro deitou no chão olhando para o teto enquanto Sakura apenas o observava de longe, temendo mais um ataque.

'Você tem razão.' Ele começou, sem olhá-la. 'Eu até hoje não superei a morte dele.'

            Sakura permaneceu em silêncio. Ela se aproximou sentando-se ao lado dele, com os joelhos flexionados.

'Até hoje também não superei muita coisa, General.'

'Que isso fique entre nós, Kinomoto.'

'Ficará, senhor.'

            Li levantou e olhou para o rapaz ao seu lado. Sakura não acreditou quando o viu sorrindo para ela. Não era um sorriso de deboche ou de sarcasmo. Era apenas um sorriso. Um que a fez sentir todos os pêlos do corpo se arrepiarem.

*~*~*

            Sakura estava ao lado de Li. Todos da alta patente do exército estavam reunidos com o Imperador. Eles haviam acabado de receber uma triste notícia, mais um vilarejo havia sido massacrado pelos Húngaros. Wing estava sentado no seu trono com o rosto desolado. 

'Mais morte, mais sangue... sangue de crianças, de mulheres e velhos... eles não respeitam ninguém, nem temem a Deus.' Falou resignado.

'Precisamos expulsá-los de uma vez de nosso império, majestade.' Falou um conselheiro que estava tão ou mais desolado que o seu imperador.

'Como podemos fazer isso?'

            O homem ficou em silêncio, todos estavam em silêncio. Era estranho ver tantos homens presos dentro de quatro enormes paredes apenas fitando-se desolados.

'Talvez se atraíssemos todos para um lugar só...' falou Sakura ao ouvido de Li.

'Mas como faríamos isso?' Ele sussurrou de volta.

'Eles querem o imperador, não é? Acham que o matando terão a China vulnerável...' Ela respondeu baixinho. '... talvez se...'

'O que sugere a mim, Xiaolang?' Perguntou o Imperador que reparou que seu protegido mantinha uma conversa paralela.

            Li e Sakura afastaram-se e encararam Wing.

'Venha comigo, Kinomoto.' Ordenou levantando-se e caminhou em direção ao seu Imperador. Sakura ficou um pouco receosa, mas obedeceu. Estava maravilhada em fitar tão de perto o poder supremo de seu país.

'Estávamos discutindo a possibilidade de concentrar todos os húngaros num lugar e atacá-los de uma só vez.'

'Isso é loucura! Não temos este poder!' Rebateu um conselheiro.

            Li olhou para Sakura lhe dando permissão para falar sua idéia. Ele sabia que Touya tinha uma e com certeza seria boa. Ele não era de confiar em ninguém, mas acreditava que aquele rapaz tinha um dom, não foi à toa que se afeiçoou tanto a ele.

Sakura respirou fundo antes de começar. 'Eles acreditam que se matarem o Imperador, a China ficará vulnerável, o que não deixa de estarem certos.' Ela lançou um olhar para o imperador que pediu para que continuasse com um gesto com as mãos. 'Eles foram capazes de tentar atacá-lo dentro da nossa fortaleza sabendo que ela era impenetrável, imaginem o que farão se desconfiarem que o imperador está num lugar mais vulnerável?'

            Houve um murmúrio geral. Sakura estava ao meio deles, de frente ao imperador, que a fitava de forma insistente. Ele só desviava para fitar de relance Li, que permanecia sério observando Kinomoto expor seu plano.

'Calem-se!' Irritou-se um pouco Wing. 'Continue, meu rapaz...'

            Sakura respirou fundo e continuou. 'Se de alguma maneira eles soubessem que o imperador foi transferido para alguma outra residência tentarão atacá-la, porém estaríamos esperando por eles e, é claro, o imperador estaria ainda seguro dentro do palácio.'

            Todos ficaram em silêncio, fitando o rapazinho franzino que mostrava-se cada vez mais superior com sua mente brilhante. Li não pode conter um sorriso de orgulho.

'E como os enganaríamos, capitão?'

            Sakura caminhou um tempo pelo salão, olhando o chão e tentando pensar numa maneira segura e verídica para iludir os Húngaros.

'Talvez poderíamos espalhar um boato'. Falou um dos senhores.

'Isso! Eles acreditariam!'

'Não! Nenhum bom militar acreditaria em boatos.' Interrompeu Li. 'Um militar apenas acreditaria se prendesse um dos soldados ou mensageiros e o torturasse até que desse com a língua nos dentes.' Completou.

'Acho que ninguém se candidataria para esta missão, General Li.' Retrucou um comandante.

'A não ser que o nosso voluntário já esteja morto.' Falou Sakura com um brilho estranho nos olhos. Li franziu a testa observando-a.

'Do que está falando?'

            Sakura sorriu de lado. 'E se o nosso mensageiro infelizmente foi morto e seu corpo arrastado por todo o rio Yangzi Jiang?'

'Não estou entendendo, Kinomoto.' Li falou sério.

'Pegamos o corpo de um soldado e o vestimos com as roupas dos mensageiros. Ele levará uma carta ao General Quing San, que não está conosco aqui, avisando que o Imperador será levado para o seu palácio ao norte e pedindo que se preparem as defesas naquela área. A carta deverá ser oficial, assinada, lacrada e em cantonês. Provavelmente os Húngaros possuem um tradutor em seu exército. O que farão então?'

'Deslocarão todo o exército para o norte atrás do imperador para matá-lo.' Respondeu um General.

'Isso mesmo e estaremos prontos para massacrá-los e finalmente terminaremos com esta guerra.'

            Os homens começaram a rir, realmente o plano era bom.

'Mas como saberemos que eles encontrarão o corpo e lerão a carta?!' Questionou um General.

'E como saberemos que será esta a estratégia deles?' Completou outro militar.

'Infelizmente teremos que contar com a sorte. Não podemos colocar um homem observando o corpo, pois despertaria suspeitas nos húngaros, todos nós sabemos que os mensageiros andam sozinhos.'

'Não acha muito arriscado, capitão?' Perguntou um general, encarando Sakura.

'É a única estratégia que temos, general. Se tiver outra melhor por favor compartilhe conosco.' Falou Li de maneira ríspida.

            Vararam a noite tentando acertar todos os detalhes da estratégia. Sakura e Li estavam no centro, eram eles os principais articuladores. Há muito tempo Li não sentia aquele frio na barriga quando falava sobre estratégia militar, discutindo sobre armas. Olhou de relance para Touya que apontava no mapa os detalhes e os possíveis caminhos que o tal mensageiro levaria a carta e começasse a armadilha para pegar os húngaros. Sorriu de lado. Tinha orgulho daquele seu pupilo como nunca teve de nenhum outro. Com certeza gostaria de ter um filho assim, pensou apenas que talvez nunca conseguisse uma mulher que fosse capaz de lhe dar o que queria.

Continua.

N/A: Olá pessoal, tudo bom?

Fico muito feliz por estarem gostando desta história. Obrigada por todos os reviews e e-mails! Obrigada de coração!

Quero mandar um beijo especial para a Rô e a Andréa Meiouh que revisaram este capitulo! Duvido que agora eu tenha deixado um errinho nele! Hehehehehe

Beijos para minhas queridas amigas Andy, DianaLua, Dai e Rachelzinha.

Beijos a todos,

Kath