Capítulo XVII

'Nunca vi algo tão belo!' Exclamou Cixi observando os lustres que ornamentavam os corredores do palácio onde estava o imperador. 'Aqui parece o paraíso.'

'Também tive esta sensação quando entrei aqui pela primeira vez.' Comentou Sakura que estava caminhando com a amiga logo atrás do pai e do Capitão Hiraguizawa. Cixi fitou o rapaz de cabelos longos e negros a sua frente e corou. Sakura abriu um tímido sorriso e inclinou-se até o ouvido da amiga. 'Gostou de capitão Hiraguizawa?'

            Cixi virou-se para ela assustada. Sakura riu um pouco com a vergonha da amiga. 'Ele é bonito, não?'

            Ela abaixou a cabeça evitando olhar Sakura. 'Ele é seu pretendente?'

'Não.' Sakura respondeu. Fitou rapidamente as costas de Eriol que agora conversava em voz baixa com seu pai. 'Mas talvez...'

'Você teve muita sorte. Eu pensei que estivesse morta e agora a vejo tão bela, mais bela do que era antes quando morava conosco.'

            Sakura não conseguiu evitar uma expressão melancólica. 'Eu estou muito feliz por encontrar meu pai e saber que agora tenho alguém.'

'Mas não está completamente feliz, não é? Fomos criadas juntas, Sakura, eu sei que algo ainda a perturba.' Cixi observou o perfil da amiga e respirou fundo vendo que ela não falaria nada. Realmente conhecia a amiga, e sabia que quando algo machucava-a profundamente, ela evitava até mesmo de falar.

'Eu amo um homem.' Sakura declarou em voz baixa para que o pai e Eriol não ouvissem. Cixi arregalou os olhos surpresa. 'Mas ele não me ama.' Ela completou em tom triste.

'É o soldado que a prendeu quando foi para Yuhan?'

'Sim.'

            Eriol virou-se rapidamente para trás e fitou a jovem de olhos verdes deixando-a sem graça, depois voltou a sua atenção à conversa com o general.

'O capitão parece que gosta muito de você. Ele será um bom marido.' Ela falou segurando as mãos da amiga tentando lhe passar força. 'Tenho certeza que será feliz.'

            Sakura não pôde deixar de sorriu para a amiga. 'Obrigada, Cixi.'

            O grupo chegou a um imenso salão onde vários nobres conversavam e divertiam-se. Sakura observou todos porém seus olhos não poderiam deixar de procurar por alguém em especial. Fujitaka pediu às duas para que o seguisse e que não se afastassem dele.

'Acho que não estou vestida de forma adequada.' Sussurrou Cixi.

'Está linda, Cixi. Não se preocupe com isso.'

            As duas trocaram um sorriso e acompanharam o pai de Sakura. Fujitaka cumprimentava os nobres e militares com desenvoltura e apresentava a filha com orgulho. O Imperador entrou no salão com sua família e seus conselheiros. Sakura achou melhor não cumprimentá-lo, Wing era conhecido como o homem mais sábio da China além de ser o representante de Deus. Com certeza ele descobriria o seu segredo assim que a visse, pois não era distraído com os outros.

            Devagar caminhou pelo salão deixando Cixi aos cuidados de Eriol e seu pai. Usando uma desculpa qualquer saiu e caminhou pelo corredor agora deserto.

'Não é de bom tom, uma nobre andar sozinha.'

            Sakura parou de caminhar sentindo o coração acelerar. Virou-se depressa para trás e encontrou os belos olhos âmbares que tanto amava. 'Estava apenas passeando.' Ela respondeu em tom casual. 'Não sabia que era proibido andar pelo corredor. Inventou esta lei agora, general?'

            Li sorriu de leve e deu alguns passos até a garota. 'Você não tem jeito, não é Kinomoto? Quando vai aprender a se colocar no seu lugar?'

'Eu estou no meu lugar.'

            Ele balançou a cabeça de leve desviando os olhos dela. 'Não deveria estar aqui. Se alguém desconfia que você é o capitão Kinomoto, estará em apuros.'

'Não se preocupe comigo. Eu sei me cuidar.'

'Pois não parece.' Ele retrucou. 'Por que veio aqui? Você sabe que é arriscado.'

'Ninguém me reconheceu. Acredita que até Pu sorriu para mim quando passamos por ele?' Ela falou em tom divertido.

'Você mente.'

'Oras, por que pensa isso? Não me acha bonita, general?'

            Li arregalou um pouco os olhos e fitou a jovem que olhava agora por uma das janelas o povo que se aglomerava para ouvir o imperador. Ficou em silêncio, não diria a ela que a achava simplesmente a mulher mais bela que havia visto, não daria este prazer para Kinomoto.

            Sakura levantou as mãos e tirou os brincos que seu pai havia lhe dado a um tempo atrás. Apertou-os de leve nas mãos e virou-se para o general. Pegou a mão dele assustando um pouco Li e depositou as jóias nela. 'Estou lhe pagando o restante que lhe devia, general.'

'Do que está falando?' Ele perguntou, franzindo a testa de leve.

'Das 300 moedas.' Sakura falou de forma triste. 'Não lhe devo mais nada agora, Xiaolang.' Levantou os olhos para ele fitando-o com carinho. 'Adeus.' Despediu-se soltando a mão dele e caminhando em direção ao salão principal onde era esperada.

'Kinomoto.' Li a chamou fazendo a jovem parar e virar-se para ele. Caminhou até ela e parou a sua frente. Ficou observando-a um pouco até pegar o punho da jovem, abrir sua mão e depositar ali  as jóias. 'Eu não quero.'

            Sakura arregalou os olhos. 'Como assim? Não tem esta de não querer. Estou pagando o que lhe devo e pronto.' Falou com a voz irritada. O que mais odiava na vida era saber que devia algo para alguém, principalmente quando este alguém era Li.

'Não paguei 300 moedas por jóias.' Ele falou de maneira ríspida.

'Não se faça de idiota, General. O senhor pode vendê-las e terá de volta muito mais do que aquelas malditas 300 moedas.'

'Já disse que não as quero, mulher.'

            Sakura deu um passo para trás com os olhos em chamas. 'E o que quer? Quer que eu fique lhe devendo para o resto da minha vida?'

Ele ficou quieto, fitando-a com o rosto zombeteiro.

'Pois então quero de volta a corrente de minha mãe.'

'Que corrente?'

'Aquela que deixei com o senhor antes de fugir do quarto de Dan.'

'Ah sim... a com pingente em forma de flor.'

'Esta mesma! Eu a quero!'

'Você esqueceu...'

'Claro que não!' Sakura o interrompeu com fúria. 'Eu nunca esqueceria da única coisa que minha mãe deixou comigo. Já que quer que eu fique lhe devendo aquelas malditas 300 moedas, quero o meu cordão de volta.'

            Li a fitou por alguns momentos. Não podia negar que aquele rostinho vermelho de raiva era incrivelmente atraente. Se Sakura não fosse tão geniosa não tinha dúvidas que gostaria de desposá-la. "No que estou pensando?!" Exclamou para si próprio. Nunca havia pensado em casamento na sua vida. Porque agora sentia uma vontade incrível de tomar aquela mulher em seus braços e sentir o gosto daqueles lábios pequenos? Balançou a cabeça de leve tentando dissipar aqueles pensamentos. 'Eu não sei onde está.'

'Como?'

'Eu não lembro o que fiz com ela. Acho que dei para uma das meninas de Dan.'

            Sakura sentiu seu queixo cair no chão. Piscou os olhos algumas vezes, tentando controlar a raiva que começava a crescer dentro do seu peito contra aquele homem. 'Está me dizendo que a corrente que foi de minha mãe, a única coisa que eu tinha na minha vida, você deu para uma prostituta?!' Ela perguntou com a voz ameaçadora.

'O que imaginou que eu fizesse com aquela jóia? Pendurasse no pescoço?'

            Ela fechou os olhos e apertou tão forte os brincos na mão que chegaram a machucar sua pele. Seu corpo tremia de raiva. Como aquele homem teve a coragem de dar a coisa mais preciosa que ela tinha na vida para uma concubina? Ela abriu os olhos tentando parecer calma e sorriu para ele de forma sarcástica. 'Tome estas porcarias de brincos e dê para uma das mulheres com que se deita General. Quem sabe assim ela vai fingir melhor que o senhor é tão bom na cama quanto acha que é!' Disse jogando as jóias no peito dele e dando-lhe as costas para voltar ao salão.

            Li bufou de raiva, segurou o pulso da garota e a empurrou contra a parede com força, encurralando-ª 'Você tem uma língua afiada demais, Kinomoto.'

'Solte-me general ou eu começo a gritar.' Ela ameaçou.

'Pois que grite.' Falou com o rosto a centímetros do dela.

            Sakura arregalou os olhos, enquanto fitava aqueles olhos castanhos tão de perto, sua respiração ficou suspensa enquanto seu coração simplesmente parecia que sairia do peito enquanto sentia a pressão das mãos de Li nos seus braços empurrando-a com força contra a parede. 'Se tivesse ficado quieta e aberto as pernas para mim veria que sou melhor do que você acha que sou, Kinomoto.'

'Pretensioso.' Ela falou entre os dentes.

'Acho que vou ter que provar para você o que estou falando, não?'

'Não ouse tocar em mim, general.' Ela ameaçou.

            Ele abaixou a cabeça e tomou finalmente os lábios da jovem nos seus. Não podia negar que queria a tempos sentir o gosto da boca daquela mulher. Sakura no primeiro instante ficou estática, não acreditando no que acontecia, porém logo entreabriu os lábios retribuindo com a mesma vontade o beijo de Li.

            Li enlaçou a cintura da garota ao mesmo tempo em que ela enlaçou o pescoço dele. Apertou-a mais forte contra o peito tentando controlar a vontade de pagá-la nos braços e levá-la para o seu quarto. Porém um barulho qualquer chamou a atenção deles fazendo com que se afastassem um do outro ofegantes. Fitaram-se demoradamente até que Sakura saiu correndo em direção ao salão, deixando Li boquiaberto.

'Era... era ela.' Ele sussurrou incrédulo ao perceber que a garota que havia beijado no corredor escuro do estabelecimento de Daidouji era Sakura. Um soldado apareceu por trás chamando-o e fazendo com que o chinês finalmente voltasse à realidade. Tentando se recompor virou-se para ele e perguntou o que queria.

*~*~*

            Sakura deu um longo suspiro e levantou-se da cama. Virou para o lado onde Cixi estava dormindo com o rosto sereno e feliz. Sakura usou de toda sua esperteza, para convencer o pai a levar a amiga com eles. Era claro que depois que a reencontrou não a deixaria mais com a senhora Yang. Sorriu de forma feliz sabendo que agora tudo terminaria bem. Quase tudo terminaria bem.

Já passava da meia noite e ela simplesmente não conseguia dormir. Tentava, porém por mais cansado que estivesse seu corpo, seu coração não deixava-a dormir. Ele doía e como doía. Sentada na cama observou demoradamente o belo quarto em que agora estava, sua mão tocava de leve seus lábios entreabertos enquanto ela pensava no beijo que havia trocado com Li a alguns dias. Depois daquilo não se viram mais. Por que aquele maldito havia beijado-a? Era como se ele soubesse de todo o amor que ela tinha no peito por ele e estivesse brincando com o seu coração.

'Xiaolang...' Sussurrou de forma triste enquanto seus olhos ardiam. Ela não podia negar que esperara vê-lo na manhã seguinte procurando seu pai e pedindo-a em casamento, mas não. Ele simplesmente não havia lhe procurado. Havia apenas se divertido com seu coração, torturando-a.

Surtaria ver-te em outros braços

Sangraria o peito

Morreria de amor

Amor infame,

Suspiros pausados

Lágrimas rolando enquanto ando

            Finalmente levantou-se com ódio de si mesma por estar pensando nele, por estar sofrendo por ele. Provavelmente a esta hora ele estaria nos braços de outra mulher, de uma prostituta qualquer. Caminhou pelo quarto achando que assim poderia melhorar a dor no seu peito. Doce ilusão. A cada pensamento do que ele poderia estar fazendo àquela hora da noite fazia com que mais e mais seu peito doesse.

'Eu o odeio.' Ela falou para si mesma. 'Odeio aquela arrogância. Odeio aquele despeito, aquele autoritarismo. Odeio aquele homem.'

            Encostou-se na parede sentindo-se por alguns segundos fraca. Devagar escorregou de costas até atingir o chão onde cobriu o rosto com as mãos chorando.

Meus olhos já se cansaram, e se recusam abrir-se

Pela manhã pois tem seus atos

Meus ouvidos se fazem extasiado

Não agüentam mais ouvir suas palavras

Monossílabas de desprezo.

            Por quê ele fazia isto com ela? Por que Deus havia plantado este amor no seu peito? Seria realmente amor? Será que realmente aquilo que a fazia sofrer tanto era amor? Como poderia amar um homem que a desprezava? Como poderia sentir vontade de estar ao lado dele se a única coisa que ele sabia fazer era controlá-la, humilhá-la, podar suas atitudes, suas idéias, seus ideais?

            Ela fechou os olhos e todas as palavras duras daquele homem invadiram sua cabeça naquele momento. Como uma avalanche de insultos, xingamentos, ameaças, agressões, tudo invadia a mente da jovem que encolheu-se no chão tampando os ouvidos com força. Tentando em vão impedir-se de lembrar de tudo pelo que havia passado nos últimos meses desde que Li havia descoberto que era mulher.

'Porque ele não pôde me amar?' Sussurrou baixinho e de forma dolorida. Abriu os olhos e fitou novamente o quarto onde Cixi ainda dormia indiferente a dor da amiga. 'Porque pelo menos eu não posso esquecer aquele homem, meu Deus?' Falou antes de soluçar.

Minha boca que um dia desejou a sua

Hoje se cala, e não mais retrata sorrisos

Seria melhor que você me matasse antes que

O sentimento me mate.

            Ela ficou em silêncio, quieta, inerte. Aos poucos os soluços começaram a ficar menos freqüentes e as lágrimas secaram em seu rosto. A respiração voltou a ficar calma e serena. Apenas a dor no peito ainda não havia diminuído.  Fechou os olhos e inclinou a cabeça para trás tocando na parede. Tentou sorrir lembrando-se do gosto maravilhoso que tinha os lábios de Li. Eram quentes, intensos, doces. Como um homem tão amargo por dentro poderia ter lábios tão doces? Pensou para si.

'Sakura?' A voz suave de Cixi a fez abrir os olhos. Encontrou a jovem ajoelhada a sua frente com o rosto preocupado. 'Porque está aqui no chão? Porque está chorando?'

'Não estou chorando.' Mentiu desviando os olhos dos de Cixi.

            Cixi pegou o rosto da amiga entre suas mãos, forçando-a a olhar em seus olhos. 'O que a aflige é aquele homem, não?'

'Não sei de que homem está falando.'

'Aquele que estava beijando no dia do Yuan Xiao Jie.'

            Sakura arregalou os olhos. Então fora Cixi que havia feito o barulho que separara-os, impedindo assim que fossem flagrados juntos.

'Desde aquele dia não a vejo mais sorrir, Sakura. Não a vejo mais feliz. Vejo-a apenas com o olhar vago e melancólico. Seu pretendente também já reparou nisso.'

'Pretendente?'

'O Capitão Hiraguizawa. Ainda não percebeu como ele gosta de você, Sakura? Se ele souber o que você fez, vai ficar muito decepcionado.'

            Sakura deu um longo suspiro observando Cixi. 'Você será uma ótima esposa, sabia?' Ela falou de forma meiga passando a mão no rosto da amiga. 'Tenho certeza que encontrará um marido maravilhoso.'

'Você já encontrou um marido maravilhoso. Aproveite.'

'Eu não o amo, Cixi.'

'Mas irá amá-lo assim como ama aquele general. Tenho certeza.'

Cansei de sangrar, de lacrimejar, de viver para você

E você viver para o desprezo

Meus olhos agora nesse momento lacrimejam, e

Meu corpo se faz trêmulo

A saudade dói fundo, você se faz presente em todos

Os momentos de minha vida

'Você acha? Acha que isso passa com o tempo?'

'Tenho certeza que sim.'

            Sakura balançou a cabeça de leve. 'Mas quanto mais o tempo passa, mais sinto falta dele, Cixi. Será que eu enlouqueci?'

'Claro que não. Você o ama, mas o tempo fará com que esqueça este amor.'

            As duas se abraçaram com carinho. 'Por que ele não pode me amar, Cixi?'

'Porque ele ainda não percebeu como você é especial.' Ela falou fazendo carinho nas costas da amiga. 'Agora levante-se. Venha!' Disse erguendo-se e puxando Sakura para levantar-se do chão. 'Você não é mulher de ficar chorando nos cantos por causa de um grosso daqueles.'

            Sakura sorriu de leve e assentiu com a cabeça. 'Acho que você tem razão.'

            As duas riram e fitaram-se. Era estranho pensar que há mais de um ano estavam juntas num dos quartos da casa do senhor Yang e agora estavam juntas na capital, felizes.

'Obrigada por estar aqui comigo, Cixi.'

'Eu que tenho que agradecer a você.' Cixi retrucou. 'Se eu pudesse fazer alguma coisa para vê-la mais feliz...'

'Eu vou melhorar. Eu vou esquecê-lo... um dia...'

Não sei se equivoco-me em dizer que você é minha vida;

Nunca tive suas palavras como melodia;

Mas mesmo assim rogo por seu amor

A todo momento penso em você

'...ou vou aprender a viver com este amor aqui dentro...' Sakura falou tocando de leve no seu peito. '... como uma coisa boa. Uma lembrança boa.'

Torno-me insuportável a repetir pela  infinitésima vez

Que te amo

Mas é inevitável, sonho com você,

trago-te como um deus único no qual me apeguei

Só queria que me escutasse e não me desprezasse,

Por favor, eu te suplico.

*~*~*

Li estava sentado na varanda do seu quarto, com vontade de voltar para sua casa, rever sua mãe e suas irmãs. Há anos não ia visitá-las, mas sempre evitava este tipo de encontro, pois sempre sua mãe cobrava que tinha que se casar. Então resolveu fazer o mais simples, evitar visitá-la e ouvir indiretas com relação a isso. Era verdade que já estava em idade de casar e constituir família, mas faltava-lhe vontade para isso e encontrar a mulher certa, pelo menos até poucos dias atrás nunca havia pensado em casamento.

            Levantou-se e caminhou até a grade de proteção onde apoiou as duas mãos e fechou os olhos, estava sem sono. Ficou um tempo em silêncio, apenas sentindo a brisa da noite. Estava tudo tão silencioso na sua vida, tudo tão sem graça desde que Sakura saíra dela. "Droga! Já estou pensando nela de novo!" Revoltou-se.  Voltou para dentro do quarto e caminhou devagar por ele, pensando no que faria no dia seguinte. Provavelmente ensinaria arco e flecha para seus novos homens.

'Você não sabe nem pegar num arco, soldado?' Li gritou com o rapazinho que estava a sua frente, segurando a arma.

'Eu já disse que não tive treinamento antes, senhor.' Ele respondeu de forma atravessada, com os olhos em chamas.

'Droga! Deram-me um bando de inúteis!' Grunhiu armando uma flecha no seu arco. 'Está vendo como é? Não é difícil. É só armar a flecha...' Li virou-se em direção aos alvos e soltando a flecha. A arma cravou no centro do círculo. '... soltar e acertar!'

'Falando assim é fácil.' Resmungou o rapazinho de olhos verdes que estava ao lado de outro igualmente contrariado com a repreensão.

'Esta juventude tem a língua muito solta.' Falou afastando-se. 'Só vai almoçar depois que acertar pelo menos uma flecha no alvo, ouviu-me Kinomoto? E você também Ban!'

            Li sorriu de lado lembrando dos dois rapazinhos. Foi até um dos cômodos e abriu a primeira gaveta, revirou um pouco as roupas e encontrou o que procurava, uma correntinha com um delicado pingente em forma de flor ao lado de um par de brincos graciosos. Levantou a jóia até que ela ficasse à altura dos olhos onde ele poderia apreciá-la. Sentiu-se mal por ter mentido para Sakura com relação à pequena jóia, mas não queria se desfazer dela, ainda mais sabendo que era importante para a garota. No fundo queria uma parte de Sakura com ele, sob o domínio dele, já que a jovem era geniosa demais. Com a jóia nas mãos caminhou um tempo pelo quarto. Sorriu lembrando-se do gosto dos lábios dela. Pensou em como uma boca com uma língua tão afiada poderia ter lábios tão deliciosos. Lembrou-se da sensação de tocar o corpo da jovem no corredor escuro, em como quase a fez sua naquele momento. 

'Como pude ser tão cego? Era tão claro que era uma mulher.' Ele perguntava-se sentindo-se um palhaço. Apertou com mais força o pingente que tinha na mão e sentou numa das poltronas de maneira relaxada. Estava inerte em seus pensamentos quando ouviu baterem na porta. Arregalou de leve os olhos e levantou-se. Vestindo o quimono, caminhou até ela.

'Majestade?' Surpreendeu-se ao ver o ancião à sua porta.

'Está uma noite muito quente, Xiaolang. Gostaria de me fazer companhia em um passeio ao meu jardim?' Perguntou o senhor com um sorriso bondoso.

'C-Claro.' Falou fechando o quimono e caminhando ao lado de Wing.

            Silenciosamente, percorreram os corredores do palácio devagar. Cruzaram algumas alas até chegarem ao jardim que o imperador tanto apreciava. Ele tinha sido feito pelas damas que residiam no palácio. Caminharam alguns minutos por ele até Wing quebrar o silêncio.

'Anda muito triste, Xiaolang? Algo o perturba?'

            Li não pôde deixar de mostrar surpresa. Nunca imaginou que o imperador reparasse tanto nele. 'Não majestade, estou apenas cansado.'

            O velho soltou uma risada gostosa. 'É incrível como mente tão mal quanto o seu pai.'

            Li coçou a cabeça, não entendendo a finalidade daquela conversa. O imperador parou e pediu para Li fazer o mesmo. `Sabe, meu jovem, ser imperador de um país enorme e farto com o nosso não é fácil...'

'Nunca duvidei disso, majestade.' Ele concordou rapidamente. Wing sorriu e fez um gesto com a cabeça.

'Tenho muitas responsabilidades, vidas estão em minhas mãos, vidas preciosas...'

            Li ia abrir a boca para falar alguma coisa, mas o velho levantou a mão, pedindo que ele esperasse que terminasse.

'Há várias pessoas que querem minha morte, que não concordam comigo ou que apenas desejam a posição e a riqueza que tenho.'

'Estou aqui para lhe defender, Majestade.' O rapaz falou com convicção.

'Eu sei disso. Você é parecido com seu pai, meu único e querido amigo.' O velho falou de maneira melancólica. Li ficou em silêncio, não gostava de lembrar da morte do pai. 'Seu pai morreu tentando me proteger, tentando defender o país a que pertencia e eu sou grato a ele.' Wing repousou uma das suas mãos no ombro do rapaz. 'Tenho você como um filho querido, Xiaolang. E se algo o perturba, perturba a mim também.'

            Li arregalou os olhos de leve, não esperava uma atitude como aquela do imperador. Sentia que o velho ancião lhe tratava com estima, mas não imaginou que o sentimento fosse tão intenso.

'Confie em mim, como confiaria em seu pai, meu rapaz.' Ele falou com um sorriso nos lábios.

            Li baixou os olhos e virou um pouco o rosto para não fitar Wing. 'O senhor conseguiria guardar um segredo?'

'Eu guardo segredos todos os dias.'

            Li fitou o velho a sua frente, parecia loucura, mas naquele momento não o via como o seu imperador, via-o como o seu pai.

*~*~*

            Wing ria com gosto, observando um emburrado Li a sua frente. Estavam agora no escritório principal do imperador. O assunto era confidencial e particular, por isso, Li havia pedido para irem a um lugar mais reservado e longe de possíveis ouvidos alheios.

'Não é para rir, majestade!' Ele falou contrariado, porém o senhor não conseguia parar de rir, chegando a ficar com o rosto vermelho. O velho caminhou até uma bela jarra e encheu um copo. Bebeu, tentando assim, parar.

'Então o capitão Kinomoto é uma capitã?' Voltou a rir com gosto, mesmo sabendo que isso irritava mais o rapaz a sua frente. Precisou de um tempo até conseguir controlar-se melhor. Fitou Li que estava com o rosto mais fechado do que antes.

'Sempre achei aquele rapazinho muito inteligente. Bem, devo minha vida a senhorita Kinomoto... por duas vezes.'

'O senhor não entende? Ela é uma... uma criminosa. Portou-se como uma víbora. Enganou, não só a mim, como ao senhor e todo o exército.'

'Sim, por isso repito. Ela é muito engenhosa. Já vi muitos homens borrarem-se de medo perante uma guerra, mas nunca vi uma mulher enfrentar com tanta dignidade uma.'

            Li não entendia a atitude do seu soberano. Ele temia até que Wing mandasse prendê-la depois que contasse o que o atormentava, por isso pediu-lhe segredo, mas surpreendeu-se ao ver a reação do ancião.

'Não entendo! Como pode achar ainda que ela é digna de alguma coisa?'

            Wing aproximou-se dele com as mãos juntas e com um olhar sereno. 'Uma vez meu pai disse-me que a flor mais bela da China era justamente aquela que desabrochava no ambiente mais árido e seco, ela era diferente de todas, pois tinha lutado para sobreviver e mostrar que também era merecedora de admiradores.'

'Ainda não entendo, majestade.'

            Wing sorriu enigmaticamente para o rapaz. 'Eu perdôo a sua capitã, na verdade, não havia nem motivos para perdoá-la, ela salvou não só minha vida, mas o seu país, Xiaolang. Aquela mulher, assim como você, é um herói de guerra.'

'Não gosto de que me vejam assim.' Ele resmungou um pouco.

            Wing lhe abriu um sorriso. 'O General Li e o Capitão Kinomoto são venerados pelos oficiais. Pergunto-me o que eles pensariam ao descobrir que na verdade um dos seus heróis é uma mulher.'

'Não!' Xiaolang falou quase gritando. 'Se o exército inteiro sabe disso, os outros generais poderão fazer mal a ela. Por Deus, não quero que nada aconteça àquela garota.'

            O Ancião franziu a testa de leve observando o seu querido soldado. 'Teme tanto assim que aconteça alguma coisa a sua capitã, Xiaolang?'

            Li desviou os olhos do senhor. 'Como o senhor disse, ela salvou nossas vidas. Tenho uma dívida de honra com ela.'

'Temos uma dívida de honra com ela.' Wing consertou. 'Porque a trouxe então para a cidade proibida, Xiaolang? Porque queria que ela fosse julgada?'

            Ele ficou um tempo quieto. 'Eu... eu queria... Droga! Eu não suportei saber que ela era mulher! Que a pessoa que eu mais estimava era uma mulher. Eu queria... eu queria...'

'Você nem sabe direito o que você quer, meu rapaz!' Ele falou repousando uma das mãos no ombro do guerreiro.

'Eu só queria que nada disso tivesse acontecido.' Desabafou balançando a cabeça de leve e não fitando o senhor.

'O fato dela ser mulher, não diminui os seus atos de heroísmo. Ela é um herói, ou melhor, uma heroína chinesa.'

'É que isso torna as coisas diferentes...' Ele sussurrou.

            Wing se afastou e respirou fundo. 'Ela é uma mulher livre e poderá decidir se permanece no seu país ou se irá para o de seu pai.'

'Como?'

'Ela não está indo para o Japão porque foge de uma punição?'

'Acho que sim...' Li respondeu ainda sem entender.

'Não há motivos para tal fuga. Ela é uma mulher livre, poderá casar com qualquer bom homem que a queira como esposa e tenho certeza que dará muita honra a ele.'

            Li conhecia seu imperador o suficiente, para saber que por trás de tais palavras havia mais alguma coisa.

'Estou cansado, Xiaolang. Irei me recolher agora. Boa noite, meu rapaz.'

'B-Boa noite, majestade.' Ele desejou, inclinando a cabeça para frente de maneira respeitosa. Acompanhou o ancião saindo do escritório.

*~*~*

            Sakura fazia as malas do pai com cuidado. Já estavam juntos a mais de três meses e foi tempo suficiente para se conhecerem apesar dos compromissos de Fujitaka.  Ela conseguiu mandar uma carta para Tomoyo, convidando a amiga para ir ao Japão com eles, porém ainda não havia recebido resposta. Aquilo estava afligindo-a um pouco. Não poderia forçar Tomoyo a largar aquela vida, mas gostaria que a amiga saísse dela.

'Iremos partir esta tarde para nossa terra, Sakura.'

'Sim, papai. Já está tudo pronto.'

            Ela observou o homem caminhar pelo cômodo e sentar na poltrona. Ali ele ficou admirando-a. Ela corou imediatamente.

'Por que me olha?'

'É incrível como é bela como sua mãe. Tenho certeza que terei problemas quando chegar no império.' Ele falou sorrindo de leve.

'Do que está falando?' Ela virou-se para ele assim que conseguiu fechar o baú.

'Está em idade para casar-se, não?'

            Sakura arregalou um pouco os olhos, ela sabia que na verdade tinha até passado um pouco da idade de casar-se. Concordou com a cabeça em silêncio e mordendo de leve o lábio inferior.

'Tenho certeza que encontraremos um marido à sua altura.' Falou levantando-se satisfeito.

'À minha altura?' Ergueu uma sobrancelha.

'Claro! És minha filha e uma das jovens mais belas que o império irá ver. Tenho que ser criterioso.'

'Papai... que tal pensarmos nisto mais para frente. Encontramo-nos a pouco tempo.'

            Ele foi até ela e a abraçou com carinho. 'Quero que seja feliz, tão feliz quanto eu gostaria de ter sido com sua mãe.'

'O que acha que aconteceu a mamãe?' Ela perguntou triste.

'Eu não sei... mas acho que minha busca deve terminar agora que lhe encontrei.' Ele falou resignado. 'Espero que Deus tenha olhado por ela.'

'Sim... eu também espero, papai.' Falou tentando não chorar. 'Mas agora me conte, como é o Japão? Li que é o lugar com o pôr do sol mais belo deste planeta! Cixi ficará encantada em conhecê-lo. Acho que vou ter que intensificar as aulas de japonês.'

'Você é ótima professora. Gosta muito daquela menina, não?'

'É como minha irmã. Fomos criadas juntas. Foi minha única amiga quando eu era criança.'

'Então ela é como minha filha também.'

'Obrigada, papai.' Agradeceu forçando um sorriso para ele. Ela sabia que ultimamente andava um pouco melancólica, mas não queria que seu pai percebesse, por isso tentava sempre ser alegre na presença dele.

            Fujitaka riu um pouco com a alegria da sua filha. Era incrível como apesar de tudo que ela havia passado, conseguia ser tão cheia de vida. Nadeshiko havia deixado um precioso presente para ele.

'O capitão Hiraguizawa veio conversar comigo a respeito de você.'

            Sakura arregalou um pouco os olhos surpresa. "Nossa, ele foi rápido".

'O que achas dele?'

            Ela sentiu as bochechas esquentarem. 'Hã... ele é gentil.'

'Sim, é um dos meus melhores homens. É muito bom com o arco e flecha, tem uma pontaria incrível.'

            Sakura deu os ombros. 'Se o senhor diz.'

            Ele estudou a filha por um tempo, viu-a caminhar devagar pelo quarto em silêncio, enquanto brincava com as mãos. 'Não está me escondendo nada, Sakura?'

            Ela virou-se para o pai, fitando-o. Balançou a cabeça negando e ficando em silêncio. Ela não se atreveria a falar que o que a perturbava era sua paixão pelo homem que o pai julgava o seu carrasco.  Reparou que o rosto do senhor estava sério e sabia que era a culpada pela única nuvem que passava pelos olhos dele. 'Não precisa esconder nada de mim, filha. Sei pelo que você passou e sei que se aconteceu alguma coisa não foi culpa sua. Não vou julga-la, mas tenho o direito de saber se...'

'Confie em mim, papai. Não há motivos para suas preocupações.'

            O senhor ficou em silêncio um tempo, estudando a filha. Por mais que ele quisesse acreditar que não aconteceu nada entre a menina e aquele homem, não conseguia. Sakura havia dito que viera como prisioneira dele, que viajaram durante dias sozinhos pela floresta, que dormiram no mesmo quarto, que conviviam juntos... como acreditar que não houve nada? Sakura estava longe de ser uma jovem feia e que não despertasse o desejo de um homem e Li estava longe de parecer um monge.

'Sabe, papai? Acho que vou para o Japão com o quimono verde, para não chamar a atenção.' Falou tentando desviar a atenção do pai para outro assunto.

'Você nunca conseguiria não chamar a atenção, querida.' Falou sorrindo, enquanto a nuvem negra de seus olhos dissipava-se.

*~*~*

            Li estava no salão com alguns oficiais, discutiam algumas questões militares do país. Era incrível como sentia falta de Kinomoto nestas horas. Aquele bando de velhos idiotas apenas se preocupavam com eventos sociais e banquetes. Tentou controlar-se para não estourar, tinha que colocar na cabeça que o capitão Kinomoto não existia mais. Era melhor começar a pensar que ele tinha morrido como todos achavam.

            Desistiu, jogou-se na poltrona e deixou que aqueles velhos ficassem brincando de fazer guerra, estava inerte em seus pensamentos quando Wing entrou no recinto. Levantou-se assim como todos e inclinou o corpo a frente em sinal de respeito.

'Gostaria de informar que acabei de assinar um acordo com o governo japonês. Espero que isso nos dê alguns anos de paz com aquele povo.'

'Desde que eles não tentem invadir nosso território novamente. ' Falou um general.

'Assim espero. Temos outros problemas para pensarmos neste momento.'

'Como os mongóis...' Comentou Li.

            O imperador concordou. Era incrível como tinham sempre que lutar pela sua terra. Estavam sempre na eminência de uma invasão.

'A tropa japonesa já foi majestade?' Perguntou Xue Lian.

'Devem estar embarcando. O General Kinomoto está ansioso para voltar para sua terra, acho que pretende casar a filha com um dos seus oficiais.' Falou um conselheiro de Wing.

            Li arregalou os olhos. 'O quê?' Perguntou, sem nem ao menos tentar ser discreto.

            Wing sorriu para ele. 'Oras, uma bela flor como aquela, deve se casar.'

'Droga!' Grunhiu com raiva. Pegou a capa que estava na poltrona e saiu pelo salão sem falar nada. Os generais e conselheiros comentavam entre si o que havia acontecido com o jovem militar, porém Wing apenas sorria.

            Ele correu pelos corredores do palácio até chegar a cocheira onde avistou seu corcel. Pegou a cela e a colocou no animal tentando correr contra o tempo, não permitiria que outro homem tomasse Sakura. Ela era dele. Ele pagou por ela, por direito aquela mulher era dele e não permitiria que outro a possuísse.

Continua.

N/A: Eu não disse que os próximos capítulos estariam bem grandinhos!!! Bem agora já deu para ver os verdadeiros sentimentos do todo poderoso general Li o problema vai ser como ele vai conseguir demonstrar isso para a Sakurinha! Deu para ver que ele é como poderia dizer... um pouquinho grosso com assuntos dos coração! Hehehe Bem, tudo estará resolvido ou pelo menos terminado no próximo capitulo que será o último! Episódio especial de duas horas! Hehehe

Beijocas para as minhas revisoras Andréa Meiouh (ai Déia desculpa! É que quando vc me passa os capítulos alem de consertar eu acabo acrescentando algumas cenas que passam pela minha cabeça lunática na hora!) e para Rô.

Beijos especiais para Izamani Inoue que me mandou a poesia de "Rodrigo de Andrade" e pediu para eu a acrescentar na fic. Está aí Izanami, meu presente para você!

Beijocas para todos que deixam reviews e me mandam e-mails (perdoem-me se eu demoro tempo para responder, mas por má sorte estou sem internet em casa e só posso fazer isso no trabalho).

Milhões de Beijos para todos que acompanham esta série e lembrem-se: Semana que vem teremos o último capítulo de Flor da China!!!!!

Kath Klein