A Minha Garota

Por : Sissi

A/N: Esta é uma pequena crônica em primeira pessoa, com um pouco de metalinguagem Talvez o narrador-personagem esteja um pouco OOC, então já peço desculpas em primeiro lugar. Além disso, eu adoro fics cujo par romântico é Sesshoumaru/Kagome, então esperem um pouco disso nesta história, mas é só um pouco! Bom, acho que é só, então, divirtam-se ^^.

Meus olhos estão ardendo, mal consigo enxergar o que está escrito nesta folha de papel bem na minha frente. As palavras estão emaranhadas, como se justapostas. Creio que este é um pequeno preço a pagar por ter ficado a noite inteira acordado, tentando começar este pequeno romance que tenho em mente.

Na realidade, não foi idéia minha escrever um livro romântico. Para os meus fiéis leitores, este projeto parece um absurdo. Eu, o grande Sesshoumaru, escrevendo um romance romântico? Impossível. O problema é que parece que meu editor acredita que posso sim, e cá estou, sentado na minha cadeira há pelo menos doze horas, quebrando a cabeça para montar um bom enredo.

Eu não tenho nada contra os escritores românticos, pelo contrário, fico fascinado com o poder que eles têm de conseguir acreditar em tudo o que eles escrevem, este mundo maravilhoso e idealizado. Porém, utópico.

Peguemos José de Alencar. Sua descrição apurada da fauna e flora brasileira, juntamente com a de seus personagens principais são totalmente surreais, impossíveis de existirem na vida real. Um índio catequizado que conhece a noção de honra e nobreza? Uma prostituta que sonha com o amor, e uma garota pobre que repentinamente recebe uma herança e consegue fazer seu amado amá-la e esquecer a importância do dinheiro? Eu rio ao ouvir isto.

Talvez seja porque eu nasci nesta era, em que o mundo já está individualista demais, gananciosa demais. O lucro é tudo o que importa para a maioria das pessoas, e isso me faz crer no pior delas.

Aluísio de Azevedo já explorou este lado negro da sociedade, e é isso o que eu também tento abordar em meus livros. As mazelas sociais devem ser mostradas, para que vejam a corrupção e a decadência de valores desta era e tentem mudar esta realidade.

Meus livros são difíceis e agressivos para alguns. Eu não nego este fato. Eu prefiro este tipo de linguagem e tema a histórias bobinhas sem enredo algum.

Acho que enrolei demais. Meus dedos estão duros por não ter escrito nada nessas últimas horas. Minha visão já está voltando ao normal, e isto deve ser um sinal de que devo continuar. O que foi que meu editor me sugeriu? Que a minha personagem principal fosse uma jovem inocente? Pois muito bem, assim ela será.

Pego o meu lápis favorito, já curto devido às longas horas de trabalho em livros anteriores. A ponta já está gasta e por isso, tento achar o apontador.

Uma busca frustrada. Impaciento-me e jogo o lápis no chão, ao mesmo tempo que pego uma caneta azul. Pelo menos, esta não terei que apontar. Olho mais uma vez o papel cheio de rascunhos na minha frente. Lixo. Formo uma bola com ela e miro a cesta.

Muito bem. Pego uma nova folha, branca, impecável, e começo com o título. Não, talvez seja melhor trabalhar com a descrição da garota. Qual será seu nome? Mais uma vez, minha mente esbarra em mais uma dificuldade.

Fecho os olhos, respiro lentamente e os abro mais uma vez.

Para não dizer que não tentei, escreverei algo sobre ela, como a imagino, pelo menos, o que meu editor provavelmente deve ter imaginado.

*~*~* A lua, pálida e redonda, iluminava as feições clássicas de uma jovem que sentava na rocha perto da praia. Seus longos cabelos, negros como a própria noite, escondia parte de seus olhos, de um azul tão puro que atrairia qualquer ser para as suas profundezas. De seus lábios rosados saiu um pequeno som, tão melodioso quanto o canto de um rouxinol. Ela estava lá, quieta e atenta, esperando o seu amado chegar e levá-la para longe do turbilhão que era a sua vida atual. Uma pequena lágrima rolou-lhe da face, escorrendo na sua pele macia como seda. Com a costa da mão, enxugou seu rosto, não querendo demonstrar sua infelicidade para o mundo.

As estrelas pareciam querer acalentar sua alma pura, que olhava fascinada o céu. Um pequeno sorriso agraciou-lhe o rosto, criando tal serenidade que encantaria até o mais agitado dos seres.

*~*~*

Está tudo errado! Não consigo, o que acabei de escrever não é do meu feitio. Não acredito no que estou escrevendo, no jeito que a descrevi. Ela é pura, linda e idealizada demais, e isso vai contra os meus princípios. Existem mulheres lindas como deusas, eu admito. Mas, elas não são puras, elas já conhecem o mundo, e utilizam-se de sua beleza para sobreviver.

Posso parecer radical demais, mas é isso em que acredito, e por isso, não posso continuar a escrever este livro. É a mesma que coisa que escrever um texto argumentativo. Você deve escrever no que acredita, pois só assim seus argumentos serão fortes o suficiente para conseguir convencer qualquer leitor, e o mesmo acontece comigo e com meus livros. Tenho que ter esta paixão, crer com todo meu ser no que estou pondo em palavras a minha visão da realidade.

Levanto-me decidido da cadeira, estalando meus joelhos adormecidos até então. Olho à minha volta e faço uma pequena careta ao ver roupas espalhadas no chão, pratos sujos na pia da cozinha e livros espalhados na minha cama.

É melhor comer alguma coisa. Entro na cozinha e vou diretamente para a geladeira. Abro-a, e não me surpreendo quando não encontro nada interessante dentro, exceto uma caixa Tetra-Pak de leite e algumas frutas, nada que vá encher meu estômago.

Sinto minhas pálpebras cansadas e pesadas. Talvez uma boa xícara de café vá me reanimar. Porém, antes, tenho que comprar alguns livros, talvez naturalistas ou realistas. Talvez um bom machado de Assis vá me consolar com este aparente fracasso.

Bem, escreverei mais tarde. Por ora, devo relaxar.

Abro aporta e saio silenciosamente. O gato da vizinha miou quando meus sapatos tocaram o chão do corredor. Tranco a porta e caminho calmamente até o elevador, onde espero por dez minutos.

A luz do dia bate languidamente no meu rosto pálido, causando-me a rápida reação de fechar meus olhos. Coloco a minha mão na frente dos meus olhos, mas a luz persiste, e eu vejo a pele da minha palma avermelhada e alaranjada, com pequenos fachos de luz branca.

Como se não bastasse, o barulho infernal da cidade atormenta meus ouvidos sensíveis. Motoristas bravos apertam demoradamente suas buzinas, ao mesmo tempo que ouço mulheres conversarem à minha volta. Mas que belo dia!

A calçada está suja, como sempre. Por que será que eu imaginava que estaria diferente? Um cachorro negro aproxima-se de mim e me olha desconfiado. Cheira-me como se para certificar-se de sua opinião. Após tal ato, vai embora.

Semáfaros, carros, barulho, poluição, sujeira, por que será que eu continuo morando aqui? Estranho para alguns, mas eu já me acostumei com esta vida própria de cidade grande. Já tenho o costume de andar apressado, inalar fumaça e nem perceber a intoxicação que esta causa aos meus pulmões, etc. Minha vida é esta, e não consigo mais mudá-la.

Meus passos são apressados, e logo chego na minha livraria favorita. Entro pela porta de vidro escuro, tocando no sino que está amarrado no teto, provocando um pequeno barulho, avisando sobre minha entrada na loja. Não há muitas pessoas, o que me conforta.

Vou para o meu canto da loja e olho os títulos das obras, verificando mentalmente quais eu já possuo ou não. No final, pego apenas três livros. Um de Machado de Assis e dois de Camilo Castelo Branco. Sim, são livros românticos. Mudei de idéia, hoje à noite, pretendo lê-los para tentar, novamente, trabalhar nesta minha obra mais recente. Não sei se será produtivo, mas é uma tentativa. Se não der certo, o jeito é encontrar esta garota em carne e osso, e isso eu duvido muito.

A caixa sorri para mim, pois já me conhece de tanto eu vir para cá. Garota bonita e jovem, porém já com filho na barriga. Sua roupa esconde um pouco sua gravidez, mas não o suficiente, o que a delata para mim. Mais uma comprovação da minha opinião sobre a vida.

- São trinta reais.

Entrego-lhe o dinheiro e ela o coloca na máquina. Sorri mais uma vez para mim e dirige o seu olhar para o próximo cliente. Sou apenas mais um cliente, nada mais. Não represento nada para ela, e ela, nada para mim. Somos apenas duas pessoas neste vasto mundo.

Seguro firmemente os livros, que foram colocados em um pacote pardo, e saio olhando à minha volta. Encontro com os olhos um pequeno restaurante. Parece bem simples e isso me encanta de uma certa forma. Meu estômago começa a reclamar pela falta de comida e decido entrar.

Lugar agradável, as paredes são limpas, as mesas organizadas e as pessoas, honestas. Aparentemente. Nunca confie no que seus olhos vêem, pois eles podem lhe enganar. Sento numa mesa perto dos fundos e espero alguém me atender.

- Oi? Meu nome é Kagome, em que posso servi-lo?

Espanto-me com a sua aparição repentina, especialmente com sua voz alegre e sincera. Levanto o meu olhar e vejo um rosto jovem e alegre, satisfeita e feliz com a vida. Seus olhos azul-acinzentados faíscam com tal energia e vivacidade que sinto uma sensação quente se espalhar pelo meu corpo.

- Um café. O que vocês têm como prato do dia?

- Arroz, feijão, carne ou frango e batata frita.

Penso um pouco, tentando evitar seus olhos, mas eles me fascinam tanto! Suspiro para mim mesmo, não é hora para admirar seus olhos.

- Então, me vê o prato do dia também.

- Claro! - Ela guarda rapidamente o bloco de notas no bolso da sua saia e começa a ir embora. Que pena...Eu gostaria de conhecê-la melhor. Não, talvez fosse melhor assim, pois eu poderia descobrir algo de negativo sobre ela, destruindo esta imagem até que encantadora que formei dela. É uma pena.

- Prato número quatro saindo!

- Já estou indo, Inu Yasha! - a garota grita de volta. Inu Yasha? Mas que mundo pequeno.

Rio internamente, um pequeno sorriso formando-se em meus lábios. Meu meio irmão trabalha aqui como cozinheiro? Mas que ironia da vida. Tantos restaurantes para ir, e eu escolho justamente aquele em que ele trabalha. Esta garota...ela gritou com um tom um pouco irritado, mas pude perceber um certo carinho por ele. Parece que ela é a namorada dele, ou pelo menos, sente algo por ele.

Ela gosta dele? Meneio a cabeço, um sorriso triste se formando em meu rosto. Era de se esperar. Aqui está o defeito dela, gostar de um homem como meu meio irmão. Provavelmente, já contaminada com as palavras dele.

Repentinamente, ela vem na minha direção, suas bochechas rosadas e seus olhos evitando os meus.

- Você, por um acaso, é o Sesshoumaru, irmão do Inu Yasha?

- Infelizmente, sou.

- Ah, muito prazer. Sabe, o Inu Yasha, falou muitas coisas a seu respeito...

- Ruins, tenho certeza.

- Pode ser, mas sabe, eu não acredito nele. Ninguém é mal por natureza, e eu sei que você deve ser uma pessoa maravilhosa. Bom, a gente se vê depois, né? O seu prato deve sair logo, logo.

Com isso dito, ela meu deu um último sorriso,que me fez prender a respiração. Não era falso ou de piedade, era puro e verdadeiro, iluminando o seu rosto por inteiro. Não me lembro quando foi a última vez que alguém fez isso para mim, mas isto realmente tocou meu coração, já duro com as várias provas da vida.

Foi nesse pequeno espaço de tempo que eu descobri que...

Eu havia encontrado a minha garota.

~*~ Fim ~*~

Então, gostaram? Por favor, deixem uma mensagem e me digam no que devo melhorar. Obrigada por lerem. ^^