A Minha Garota
Por : Sissi
Capítulo IV
"O Fim das Coisas"
Augusto dos Anjos
Pode o homem bruto, adstrito à ciência grave,
Arrancar, num triunfo surpreendente,
Das profundezas do Subconsciente
O milagre estupendo da aeronave!
Rasgue os broncos basaltos negros, cave
Sôfrego, o solo sáxeo; e, na ânsia ardente
De perscrutar o íntimo do orbe, invente
A lâmpada aflogística de Davy!
Em vão! Contra o poder criador do Sonho
O Fim das Coisas mostra-se medonho
Como o desaguadouro atro de um rio...
E quando, ao cabo do último milênio,
A humanidade vai pesar seu gênio
Encontra o mundo, que ela encheu, vazio!
*~*~*~*~*
Aquele singelo contato entre a sua mão com a do jovem rapaz fez os pêlos do seu braço eriçarem com a tensão. Ela baixou seus olhos ao sentir seu rosto começar a ficar cada vez mais quente. De esguelha, ela viu que ele lançava-lhe olhares rápidos. Seu pequeno coração começou a palpitar cada vez mais rápido dentro de seu peito, e com tal força que ela podia sentir o seu sangue jorrar para todas as partes de seu corpo.
O metrô parou e abriu as portas. O jovem rapaz, de tez clara e rosto bastante altivo, saiu do trem. Ele nem ao menos se virou para dar-lhe algum sorriso, apenas continuou com o seu caminho.
Ela podia sentir seus olhos lacrimejarem; por que será que as pessoas encontram o amor nos lugares mais exóticos e de tal maneira que é impossível as pessoas aprofundarem seus conhecimentos sobre o outro?
Levantando sua mão trêmula, ela podia sentir seu rosto ficar cada vez mais frio. O sangue gelara nas suas veias. Levantando seu rosto e olhando o lugar onde ele esteve há alguns instantes, ela lançou um olhar cheio de veemência e força. Ela nunca mais iria se encontrar com ele seja pelo destino ou por sua própria vontade.
Segurando a barra de metal do metrô com mais força, ela decidiu que esta seria a última vez que seu coração lhe trairia. Sua razão seria a dona de seu ser, pois afinal de contas, neste mundo tão racional, usar o coração como o comandante de seus atos seria um suicídio.
Sim, ela seria forte. Amor, quem precisa disso?
Ela, com certeza, não.
Este pequeno pedaço de meu livro, que escrevi ontem à noite, não agradou meu editor. Como sempre. Como uma heroína poderia dizer tal coisa, ela que deveria ser romântica e esperar seu príncipe encantado de braços abertos?
Às vezes, tenho vontade de rir nessas horas. O rosto gordo dele, seus olhos escuros fitando-me com tal romantismo realmente me faz querer gargalhar feito um louco.
Bom, de qualquer maneira, vou ter que reescrever este pedaço. Isso é, desde que ele não me peça para escrever o livro inteiro, algo em que acredito, pois esta obra está ficando cada vez mais difícil de ser concluída.
Kagome saíra de minha vida há uma semana. Ela passara apenas uma noite aqui, neste apartamento e já sinto a falta de sua presença, por mais melancólica que ela estivesse naquele momento. Ainda guardo a xícara que lhe ofereci, e que ela aceitou dentro do meu armário. Suja ainda, seu batom remanescente na xícara.
Sentimentalismo? Não sei, a única coisa de que tenho certeza é que ela me faz agir como outra pessoa.
Estou perdendo a minha personalidade.
Afundo na minha cadeira e fecho meus olhos, ao mesmo tempo que massageio minhas têmporas. O tempo parece parado, lento demais, não conseguindo competir com a velocidade da era atual. Creio que eu também não consigo acompanhar o desenvolvimento de novas tecnologias; mal compro uma máquina moderna quando me surpreendem com uma nova parafernália.
Sou antiquado, reconheço isso.
Ah, deve ser porque estou ficando velho. Quantos anos tenho? Vinte e cinco? Realmente, minha idade já está pesando sobre as minhas costas.
Olho pela janela e vejo o céu azul com poucas nuvens. Parece que não vai chover, porém irá fazer muito calor. Nem atreverei a pôr os pés na rua já que não suporto o calor. A sensação de um tecido molhado, cheio de suor, colado à minha pele é terrível, nojento.
A minha pele também não agüentaria, sendo tão clara e sensível. E os meus cabelos...Não gosto nem de imaginar. Teria que lavá-los à noite para tirar o cheiro da fumaça e do suor.
Bom, é melhor fazer algo de útil, como por exemplo, ler algum livro interessante. Um livro de Machado de Assis? Pode ser, mas hoje, estou com vontade de ler Eça de Queirós e o seu tom mais sensual.
Não digam nada. Estou estranho mesmo, pois não leio este livro desde a adolescência. Provavelmente, porque Machado me influenciou com as suas críticas contra esse escritor realista português.
Nada tenho contra ele, mas devo concordar que, um livro que trata de tipos sociais e quase nada de análise psicológica é realmente chato, se não, simplista. E a tensão sexual...Melhor dizendo, o sexo em seus livros os tornam meio banais, comuns. Minha opinião, é lógico. Quem haveria de dar atenção a um mero escritor como eu? Ninguém.
Muito bem, vamos à minha biblioteca particular.
Desfilo meus dedos sobre as várias obras enfileiradas sobre a prateleira, tocando no couro que as envolve. Paro meu indicador num livro grosso, de provavelmente trezentas páginas, talvez menos. Leio o título e meneio a cabeça. O Primo Basílio. Meu primeiro contato com este escritor.
Lembro-me de que meus amigos, especialmente as do sexo feminino, adoraram este livro, principalmente o enredo. Eu, na época, achei-o bastante comum, longo demais. E a história em si, baseada num adultério e, depois, numa chantagem tornou-a mais uma novela mexicana.
Sim, não gosto deste tipo de enredo.
Ah, bem, estou reclamando de barriga cheia.
Pego o volume e vou para a sala de estar. Sentado confortavelmente na minha poltrona favorita, abro-o e folheio as páginas ainda brancas. As palavras pequenas, devido ao tamanho escolhido pela editora, cansam-me os olhos.
Não consigo ler. É o meu dia, porque isso não costuma acontecer. O que fazer?
Fecho-o e levanto-me. Está na hora de andar, esticar as pernas, por pior que o meu dia pareça ser – andar debaixo desse sol – porque eu sei que não pode ficar pior. Melhor trocar de roupa e usar uma camisa de manga curta e de preferência, de um tecido mais leve. Algodão seria a melhor escolha.
Entro no meu quarto e abro meu armário. Várias camisas de tonalidades neutras aparecem na minha frente. Com um olho crítico, escolho uma camiseta branca.
Pronto para sair, olho mais uma vez a minha sala de estar, tão arrumada e limpa...Como se fosse de uma garota.
Pensarei sobre isso depois.
* * * * * * * * * * * *
Sempre que passo diante de uma livraria, parece que minhas pernas tomam vida própria e começam a andar sozinho. O dinheiro anda curto, e só receberei meu próximo salário uma vez que meu livro estiver pronto. Ou pelo menos, metade dele. Este foi o meu prazo estipulado. Isso não significa que eu não possa gastar, só que devo tomar cuidado com o que irei comprar. Algo de útil, ou de valioso, tudo bem, mas livros? Já estou cheio de livros em casa.
Não deveria estar aqui, contemplando as longas e intermináveis prateleiras contendo milhares de obras, tanto nacionais quanto internacionais. Noto que apenas poucas pessoas se encontram aqui; ainda são quatro horas da tarde e a maioria das pessoas ainda se encontra em seus postos de trabalho. Creio que esta é uma das vantagens de ter um trabalho tão flexível quanto o meu, se bem que o combustível é meio falho – não é sempre que tenho idéias ou inspiração.
Caminho lentamente para os corredores mais escuros da livraria, onde quase não há ninguém. A lâmpada que emite luz amarelada já não ilumina muito bem; tenho que forçar meus olhos para ver os títulos.
A poeira se amontoa sobre os livros; parece que algum funcionário anda negligenciando estes bens da humanidade. Acho que irei falar com o gerente daqui. Depois, é claro. Agora, devo aproveitar o momento.
À medida que ando, o silêncio começa a tomar conta do lugar. Tudo que ouço é o estalo dos meus sapatos quando estes tocam o chão de pedra. Se eu fosse supersticioso, eu estaria tremendo de medo. Mas, eu não sou, e sigo adiante.
Paro. Ouço um som bem leve e quase inaudível. É uma pessoa respirando. Será que há mais alguém aqui neste meu santuário?
Já posso enxergar uma saia vermelha, de onde saem longas e bonitas pernas toneadas. Uma blusinha preta complementa o visual, e vejo belas curvas neste corpo bastante feminino. Longos e brilhantes cabelos estão amarrados num rabo-de-cavalo, e delicadas mãos seguram um pequeno volume.
Paro atrás desta garota. Seu suave perfume me lembra de alguém.
Kagome.
Minha sombra obscurece as páginas da sua leitura e ela lentamente se vira para mim, seus lindos olhos abrindo-se instantaneamente.
- Sesshoumaru...?
Não repondo imediatamente, prefiro continuar olhando nos seus olhos, no seu rosto que me acalma e tranqüiliza. Estou curioso; que tipo de livros ela lerá?
Seguro seu pulso, fazendo-a gritar de susto. Por sorte, como estamos num local longe de todos, ninguém pareceu ouvir este som. Girando seu pulso, posso ver a capa. Esta é a minha vez de arregalar meus olhos.
Augusto dos Anjos durante o pré-modernismo brasileiro. Espantoso, inacreditável.
- Eu sei, estranho, não é? – foi impressão minha, ou pareceu que ela conseguiu ler os meus pensamentos?
- Gosto é gosto.
- É verdade.
- Por que você gosta dos poemas dele? São muito pessimistas.
- Porque eu preciso desse pessimismo.
Precisa? Como alguém pode precisar de pessimismo? Concordo que os escritores existencialistas, na sua maioria, acreditam que a morte é a única solução, mas uma garota alegre como esta? Estou ficando maluco?
- Explique-se.
Quero ver se ela terá um bom argumento ou se ela quer apenas se mostrar para outros. Mas, se for o último caso, ela deveria estar lendo lá fora, à vista de todos, e não reclusa aqui dentro.
- Eu sei que a maioria das garotas prefere livros românticos. Eu também gosto deles, mas às vezes, eu olho à minha volta e vejo tanta tristeza e crueldade que fico desanimada com as pessoas. Então, eu leio Augusto dos Anjos e vejo quão ruim poderia ser e não é. Assim, eu fico feliz de novo, com esperança de que tudo pode mudar e que tenho que ter fé.
Enquanto ela me dizia isso, eu pude perceber que seu rosto começara a se iluminar, seus olhos começaram a faiscar uma certa luz e seus lábios calmamente formaram um pequeno sorriso que, depois, cresceu. Lindo.
- Aposto que você achou que eu sempre fosse uma garota feliz. Ou estou errada?
Meneio a cabeça.
- Parece que eu estava errado sobre você.
- É, eu surpreendo as pessoas. Mas sabe, é impossível encontrar alguém perfeito, e eu não sou nem um pouco perfeita. Eu também fico triste de vez em quando, e é aí que este livro vem a calhar.
O que ela acabou de me dizer me chamou a atenção. É verdade, não existe ninguém perfeito, mas o que eu não havia notado é que eu tinha esperanças de que ela fosse perfeita. Eu, um realista nato, havia almejado uma coisa totalmente contra minhas crenças.
Eu a havia idealizado.
Lançando-me um último sorriso, ela saiu da livraria com aquele livro. Fiquei parado, olhando-a até que ela se perdeu na multidão.
Meu coração está batendo cada vez mais rápido dentro de meu peito. Sim, esta é a prova definitiva de que ela realmente está mudando a minha vida.
Só espero que seja para melhor.
( Longas ) Notas da Autora : Muito obrigada pelos reviews! Eles me deixam extremamente feliz por saber que vocês estão gostando da minha história. Bom, em primeiro lugar, gostaria de dizer a Sayo Amakuza que, o fato do Sesshoumaru ter levado Kagome para casa foi porque ela estava terrivelmente sonolenta e não conseguia dizer a ele onde morava. Sabe quando você chora tanto, mas tanto que, no final, tudo o que você quer fazer é dormir? Então, ela estava assim, não conseguia pensar. E é claro, eu não iria deixar ele abandonar a Kagome na rua! Mas, de qualquer forma, você é bastante perspicaz! Conseguiu ver que, apesar do Sesshoumaru ser todo arrogante, aquilo era apenas pose. Parabéns!!!
Bom, de qualquer forma, gostaria de agradecer as pessoas que deixaram reviews, pois vocês é que me impelem a continuar a escrever. Vocês são incríveis! Beijos e abraços para : Kagome-Chan, Sayo Amakuza, Kaoro, Ana *Hakubi e Kagome-chan.
Ah é, eu sei que vocês devem estar esperando romance nesta história. Bom,o fato é que...Eu sou horrível para isso. Não consigo escrever cenas de beijos e abraços muito bem; tenho uma certa dificuldade em conseguir descrever o clima certo e tudo mais. Por isso, talvez as cenas envolvendo isso demorem um pouco para aparecerem.
Acho que estou judiando bastante do Inu Yasha ... Talvez eu escreva uma história cujo par é IY/Kag, só para aliviar minha consciência...err, não agora, somente no futuro ^^
Sissi
