Capítulo IV- Surpresas
Ela bateu levemente na porta que dava acesso aos estoques particulares de Snape. Um resmungo vindo de dentro do aposento lhe deu ordens para entrar. Aquela realmente fora uma cena impressionante. Talvez aquele dia fosse o dia das surpresas. Dumbledore olhava com preocupação para Snape, que parecia muito cansado separando alguns livros. Sentado no chão, ele não se deu o trabalho de levantar os olhos para ver quem chegara. Somente uma pessoa entrava em seus aposentos sem Ter um motivo muito sério: Alvo Dumbledore. Como este já estava por ali, qualquer outra pessoa, independentemente se aluno ou professor, só apareciam por ali, quando mandados chamar. E ele chamara alguém.
" O que fazer com aquela pilha de livros?" – Ele cogitava mais cedo, ao observar o vai-e-vem dos elfos domésticos. Poderia doá-los á biblioteca da escola, mas para isso seria preciso falar com Irma Pince. Isso era um terror. Talvez a Madame Pince fosse a pessoa que menos ocultava que o odiava, dentre o corpo dicente de Hogwarts. O odiava enquanto aluno, por passar muito tempo na biblioteca, por ser aplicado e por ler os livros. Ele deu um meio sorriso falso. Sim, ela o odiava por se atrever a mover os livros das prateleiras. Madame Pince queria que a biblioteca estivesse sempre impecável, e que se possível os alunos ficassem longe dali. E parecia odiá-lo ainda mais quando voltara a Hogwarts como professor. Jamais soubera o porquê, mas aquela mulher o odiava. Já colocando essa idéia de lado pensou em quem poderia realmente dar valor para todos aqueles livros.
Eram verdadeiramente poucas as pessoas que davam valor para estudos, livros e coisas afins e em toda Hogwarts havia uma única opção, Hermione Granger, a sabe-tudo.
Snape cogitou consigo mesmo porque gostava de designar a tal moça com o apelido. Ele próprio não fora um conhecido e consumado sabe-tudo, em sua própria época? Não conseguia compreender como implicava com a aluna por uma coisa que ele também havia sido, se não em maior, ao menos na mesma proporção. Ele teve que rir, se tivesse estudado com a Srta. Granger, possivelmente não poderiam nem se ver porque estariam sempre disputando o titulo de melhor aluno de cada matéria. E realmente em todos os anos em que estudara e que dava aulas em Hogwarts, jamais encontrara alguém tão estudioso quanto ele próprio, além de Hermione Granger.
talvez, e muito possivelmente ela soubesse apreciar os livros, e soubesse utilizá-los quando fosse necessário... Em suma, ela apreciava livros e os trataria bem.
Severo reconhecia que a moça se parecia com ele em alguns aspectos. Sempre trancafiada na biblioteca estudando, sempre fingindo que tudo estava bem, tendo amigos, claro. mas estes em momento algum, a não ser de estrema necessidade e urgência, se eqüivaliam ao seu estudo. Sempre os livros, o conhecimento.. enquanto o sol brilhava do lado da biblioteca, enquanto o tempo passava e ele não se dava conta.
O diretor lhe fez uma expressão de assentimento, enquanto ela se mantinha de olhos arregalados para a cena. Queria registrar cada instante daquela cena, pois não acreditava que pudesse ainda em sua vida, ver Severo Snape num estado daqueles.
- Muito bem, Srta. Granger. – falou ele, sem erguer os olhos dos livros que continuava separando, enquanto o diretor somente lhe fazia sinal de assentimento com a cabeça. – Olhe aquela pilha de livros. – ele indicou com a cabeça e Hermione olhou uma monstruosa pilha de livros num canto do aposento. – Pode vasculhar a pilha e leve todos os que lhe interessar. Sei que cuidará bem dos livros. – ele ergueu os olhos para moça e disse. – Tenho muitos ciúmes dos meus livros, portanto comprometa-se a cuidar muito bem deles. – e depois continuou a observar as obras.
- Sim professor. – respondeu ela, seguindo o sinal que Alvo lhe fizera e caminhou até a pilha começando a folhear os livros. Os livros eram muito, muito interessantes, compêndios de Poções, alguns até bastante raros, listagens de ingredientes, poções de magia negra, livros auto explicativos, alguns até de nível universitário, e teses de diversas ordens, algumas muito recentes.
Depois de alguns instantes Snape levantou-se e entregou mais alguns livros para Hermione., tem mais estes aqui. – disse, alcançando mais alguns livros- E ao ver uma obra na mão dela, disse dirigindo-se a Alvo.
- Olhe essa obra: " Um manual ilustrado de Poções da Morte". Ganhei esse livro de Lúcio. – contou ele, com frieza- Acontece que Lúcio viu que o correio postal me entregar esta obra e achou que tivesse continuação e comprou o mesmo livro... Que irônica ingenuidade! é claro que guardei o que tinha a dedicatória mas arrogante do mundo.
Hermione pressupôs que ele falasse de Lúcio Malfoy. Nenhuma referencia deixara 100% clara a ligação de amizade entre Snape e Lúcio Malfoy.
- Vou recrutar mais alguns Elfos domésticos. – comentou ele para o diretor. – quero que guardem todos esses livros. Depois os catalogarei.
Snape se ergueu e saiu da sala, em direção as cozinhas. Assim que ele desapareceu, Hermione começou a perguntar ao diretor.
- O que esta acontecendo com o professor...- mas foi interrompida pelo diretor.
- Hermione, escute com atenção. Severo não deve estar em seu juízo normal. – disse o diretor com preocupação.- A morte de Sybila o abalou profundamente. Acredito que Severo esteja repensando sua própria vida. Por isso, todas essas modificações. Isso me preocupa muito mais do que Srta. pode supor.
- Mas tem algo que não entendo, porque eu.. Porque o professor me chamou aqui? – perguntou ela, franzindo as sobrancelhas.
- Acredito que seja uma espécie de Alter-ego.
- Alter-ego? não compreendo.
- Vamos dizer que quando Severo era garoto e estudava em Hogwarts todos o conheciam como o sabe-tudo. – explicou o diretor. – Acredito que lhe chamando aqui, ele tenha tentado de alguma maneira inconsciente chamar si próprio. Acredito que a Srta. não entenda isso tudo muito bem, e pessoalmente eu também não entendo. Se Severo somente quiser se melhorar como pessoa tudo será ótimo e só devemos ajudá-lo, mas não consigo deixar de me preocupar.
- Mas e quanto a esses livros? Tem obras rarissimas por aqui.- ela indicou um ou dois livros que estavam na pilha.
- Fique com os que quiser, Srta. Granger. E não se preocupe, ficarei aqui o tempo todo, quero examinar Severo mais de perto e não comente isso com ninguém.
Snape chegou naquele instante acompanhado por uma horda de elfos que guardaram todos os livros em seus devidos lugares em um tempo recorde, afinal tinham que começar a fazer o jantar. Mas como todos temiam Snape, pelo seu jeito taciturno e reconhecidamente mau, resolveram ir.
- E então, Srta., o que achou dos livros? – ele perguntou, sentando-se na cadeira ao lado de Hermione dando um longo suspiro de cansaço. – O dia foi longo hoje. – comentou com Alvo. – Mas mesmo assim não organizei tudo ainda.
- O que faltou, Severo? – quis saber o diretor, olhando ao redor. – Tudo me parece perfeitamente impecável.
- Falta algo sim, com certeza, mas você saberá na hora apropriada. – ele deu um meio sorriso falso ao diretor. – Olhe aqui, Srta. Granger, ele pegou um livro e começou a explicar do que se tratava, onde eram as partes mais interessantes e Hermione o escutava com muita atenção e com um certo receio também.
Aquele era um fato inegável. Severo Snape era mesmo um sabichão no que lhe dizia respeito. Falava com igual propriedade de livros, de Poções, de magia negra em tudo o que poderia haver de mais sutil e de mais sórdido nisso, e principalmente sobre a arte dos Duelos, intercalando histórias, em geral mordazes contra alguns de seu desafetos.
- Então, como eu ia lhe contando Alvo, bem que o Macnair tentou se desviar de meu ataque, mas não conseguiu. – explicava ele, passando as mãos empoeiradas pelo rosto. – obviamente, não iria conseguir, não era tão qualificado quanto eu.. E no livro de Marshall.. – este aqui, srta. Granger... – com seu dedo longo e pálido, indicou a terceira obra de cima para baixo na grande pilha.- tinham algumas técnicas avançadas de como desarmamos os inimigos sem Expelliarmus. Me parece marcante que depois de 20 anos eu ainda consiga desamar o tolo do Mcnair assim. – ele deu um sorriso forçado. – Não lhe parece irônico que algumas pessoas ganhem prestigio pelo tempo em que eu demore para desarmá-las?
Hermione estava encantada com os livros. Realmente era uma seleção muito apurada e todos pertenceriam a ela, ainda no final daquela noite.
Ao folhear um enorme " Compendio de Poções Quimicamente Perfeitas" sua atenção fora distraída por uma breve dedicatória: "A Severo Snape, desejando muitas felicidades, um feliz Aniversário, de seu colegas da faculdade de Poções, Março de 1983"
- Professor. – chamou ela, interrompendo o caso que Snape e Dumbledore comentavam. – esse livro tem uma dedicatória. –ela alcançou o livro aberto a ele.
- Um velho presente de aniversário. – comentou ele. – que prosaico. – Ganhei de meus pais o mesmo livro daquele ano. Ninguém tinha a capacidade de ir na Floreios e Borrões ver se eu já adquiria aquela obra. Talvez hoje você aprecie isso, srta. – comentou ele, dirigindo-se a Hermione- mas algum dia, certamente lhe será extremamente melancólico pensar que jamais ganhou um presente de alguém que não fossem livros.
Dumbledore e Hermione apenas trocaram um olhar. Mais alguns minutos se passaram e cada livro que Hermione pegava para folhear, vinham com uma explicação junto. Snape mantinha os olhos fixos nos livros, e explicava o que cada um continha. Estranhamente ele parecera estar se divertindo com aquela tarefa.. Até que a sineta do jantar soou.
- Pode ir jantar, Srta. Granger. – lhe dissera o diretor, e Hermione se ergueu da cadeira palpavelmente insegura.
- Mas ela ainda não escolheu os livros... – começou a falar Snape, obviamente transtornado por ver sua preleção interrompida.
- Voltaremos depois, não é Srta. Granger? – ela sentou que os olhos azuis do diretor lhe miravam e confirmou:
- Claro que sim. Depois do jantar.
- Pode ir, senhorita. – dissera o diretor. E Hermione caminhou em direção a porta ouvindo os homens conversarem.
- Acho que vou me arrumar para o jantar. Não posso aparecer assim perante toda a escola. – comentou Snape com frieza, enquanto sua voz, se tornava mais e mais longínqua.
Aquilo era realmente uma cena inusitada. Se alguém algum dia lhe dissesse que estaria ali, sentada de fronte a lareira (acesa) de Severo Snape ouvindo-o falar sobre livros jamais acreditaria. Fazia horas que estava li, e as preleções eram cada vez mais interessantes. Claro que todo aquele falatório era cansativo, ainda mais com a crescente expressão de sabe-tudo do professor de Poções. Com os cabelos a lhe cair sobre os olhos, lendo passagens dos livros parecia mesmo Ter a sabedoria de um ermitão, não pela idade mas por falar e falar e falar sobre a mesma coisa, por horas seguidas. Hermione, sabidamente uma pessoa inteligente, sabia o quão isso ser difícil. Mas na verdade, ela sabia como era agir assim, isso não era ler, conhecer, saber.. isso era se esconder. Ela perfeita consciência de que Alvo Dumbledore que ressonava placidamente numa cadeira próxima tivera absoluta razão ao falar. Snape, assim como ela própria, em menor escala, usava os livros para se esconder. Ia se amofinando pouco a pouco, dentro daquelas lombadas, dentro das páginas cobertas de pó e roídas de traças. Ia se acabando, se doando a algo que não tinha como retribuir. Trocando a felicidade diária por um par de horas numa biblioteca silenciosa. Algo que o professor dissera mais cedo, era para ela, Hermione Granger, uma verdade incontestável. Nunca ganhara presentes que não fossem livros. Porquê? Era verdade que gostava deles. Mas ninguém nunca se preocupara em conhecer a Hermione por de trás dos livros. Tinha seus amigos, era verdade, mas amigos entre si. Ela era amiga deles, mas entre os dois, com o passar do tempo, passara a haver uma cumplicidade que não a incluía. Mas ela não sentia-se rejeitada. Tinha os livros, a biblioteca, o refugio natural...
- Srta. Granger.. – ela voz fria de Snape quem lhe chamava
- Desculpe me distrai. – ela explicou com um leve sorriso.
- è natural. Nos distraímos discutindo os livros e a noite corre solta. Espero que você faça bom uso dessas obras, e qualquer duvida, me procure. – ele se ergueu de sua poltrona sem esperar a resposta da moça, e chamou o diretor. – Alvo...
- Minerva, me deixa em paz! – disse o diretor, continuando a dormir, enquanto virava-se para o lado.
Hermione só abafou uma risada. Seus olhos cruzaram com os olhos negros do professor de Poções que sorria abertamente. Sempre desconfiara de algo, mas agora suas suspeitas estavam sendo confirmadas. Ele fez nova tentativa.
- Alvo, acorde!
- Depois, Minnie, depois... – o diretor só se remexeu, escorado na poltrona, e os dois começaram a rir. Foi muito engraçado. Hermione estava surpresa pelas duas ocorrências, pela reação do diretor e mais, por Severo Snape parecer estar se divertindo muito com a cena, justo ele o ditador que não achava nada engraçado. E reclamava de tudo. Com o som dos risos, o diretor acordou assustado.
