Capítulo VI- Necessidade de um amigo
Essa masmorra é fria, pensou Severo Snape, talvez pela milésima vez naquela noite. Não era a masmorra que estava fria, pois sempre o fora assim. Era a sua vida que estava gélida. Enquanto aquecia os pés com uma manta escura lia com leve satisfação um correio que chegara mais cedo, e que o convidava a palestrar sobre Poções numa universidade suíça. Sim, evidentemente esse não era o primeiro convite que recebia desse gênero, mas sem saber o que porque, este parecera diferente aos seus olhos. Os convites sempre foram um reconhecimento ao seu trabalho, ao seu conhecimento. E isso, poderia ficar muito bem trancafiado nas páginas de um livro.
Talvez pela primeira vez em anos, pensou na falta que lhe fazia um amigo, um pai, uma mãe, um irmão.. alguém para conversar, para trocar idéias. Dar opiniões.. Era difícil ele sentir falta de alguém assim, era muito difícil. Sempre fora um grande e incorrigível individualista e esse tipo de pessoa, apenas quer ecos e não compartilhadores de idéias. E se fosse para Ter ecos poderia chamar os elfos domésticos que simplesmente repetiriam suas opiniões. Não, na verdade precisava de alguém para lhe contestar, lhe trazer a razão nos erros, lhe mostrar que infelizmente nem sempre estava certo. Alguém a quem não pudesse punir por suas opiniões... mas que as tivesse. isso era totalmente complicado.. encontrar pessoas que tivessem opiniões. Basicamente, todos se contentavam em repetir aquilo que os outros tinha dito.. e os que não eram assim, possivelmente seriam como ele. mas reconhecia, sim.. ele Severo Snape, o ermitão das masmorras,reconhecia que lhe fazia muita falta alguém para conversar. Mas não fora sempre assim? Até algum tempo nunca sentira falta de ninguém para compartilhar suas opiniões e crenças.. mas aquele fora o Severo Snape que ele se esmerava em matar.. aquele era o Severo Snape frio, calculista e mau que ele queria enterrar para sempre de sua historia.. O novo, o que renascera das cinzas precisava de alguém com quem conversar naquelas noites frias que ainda vigoravam naquela Masmorra.
Há dias, Hermione conjecturava consigo mesma se deveria falar com a professora Mcgonagall sobre um assunto que muito lhe preocupava ou não. E for fim, decidira que iria falar-lhe no final daquela aula. Seus olhos corriam pelo pergaminho enquanto copiava as palavras ditadas pela professora ainda sem ter certeza de agir certo. Não poderia negar que Snape houvesse mudado, e muito. Até convidara alguns alunos cujas notas deixavam a desejar que fossem ter aulas extras.. E isso sim era incrivelmente impressionante. Porque o tirano-ditador iria querer fazer algo assim? Ela lembrava-se com clareza da expressão assustada de Neville ao escutar isso na aula. Sim, ele arregalou os olhos como se sua sentença de morte tivesse sido decretada. Não que ela continuasse a ter aquela opinião de Snape, o monstro. Nem teria cabimento pensar assim quando o homem lhe dera muitos livros raros, aparentemente apenas para se ver livre deles. Nunca mais tivera que lhe falar a sós, e nem Dumbledore lhe dera mais informações a seguir, e com o passar dos dias, as transformações do professor de Poções deixaram de ser um assunto importante que foi substituída por algumas fofocas mais recentes, mas que ele não era mais a mesma pessoa, não era. Isso, por um aspecto lhe preocupava, mas por outro....
Era uma manha muito fria. O exterior do castelo estava coberto de neve e Hermione vinha rapidamente até a biblioteca. Era maçante aquilo de ser Monitora-Chefe. Claro, fora uma recompensa por sua dedicação, por seu estudo... mas será que alguma coisa pagaria todo aquele tempo despendido, toda aquela vida massacrante que vinha levando desde a nomeação? Sim, era muito complicada aquela situação. A professora Minerva não se opusera a que ela freqüentasse as aulas de reforço que Snape, estranhamente vinha ministrando aos alunos. Pelo contrário, até dissera fazer questão de que ela aprendesse mais e tivesse desempenhos superiores. Mas Hermione, embora gostasse daquela rotina, estava farta! Sim, esse era o termo exato, farta de ser a sabe-tudo, farta de ser a cumpridora e fiscalizadora das regras, farta de ter que ser a pregadora da moral e dos bons costumes.. farta, farta, farta.. Aquilo não era vida.. acordar cedinho todos os dias, enquanto a escola dormia, ter que ficar horas e horas estudando e deixando de aproveitar os campos, os dias de sol, as gargalhadas dos colegas simplesmente por preferir estudar , para manter sua fama, para manter as notas maravilhosamente bem. Mas e ela, Hermione Granger, preferia realmente estudar? Ou será que não seria aconselhável dosar seu estudo com a sua vida normal. Uma vida que incluísse também divertimentos e não livros e livros.
Manter uma inteligência não era algo nada fácil. Muito complicado para falar a verdade. Dentro em pouco a escola despertaria para mais um dia de estudos e ela mais uma vez iria cumprir seu papel.. Mas estava farta, farta, farta....
Neville carregava seu livro de Poções e sentando numa poltrona ao lado da porta do Salão Comunal a espera de Hermione. O garoto simplesmente não conseguia entender porque Hermione freqüentava aquelas aulas. Na realidade, ele nem conseguia imaginar porque o professor Snape estava dando aulas particulares aos alunos. Snape estava muito diferente, isso era verdade.. Não tinha mais o habito de ficar lhe controlando nas aulas e por conta disso seu desempenho melhorara muito. Talvez até conseguisse terminar o ano deixando de ser o pior aluno de Poções da escola. A perspectiva por si só era agradável. Sua avó ficaria radiante,e ele bem sabia como a velha precisava de motivos para se alegrar.
Hermione chegara com sua habitual pressa e em pouco eles desceram até a Masmorra maior, onde eram dadas as aulas. Muitos alunos já estavam presentes, de diversas casas e anos. Lufa-lufas eram a maioria, mas tinham alguns de outras casas, todos se prepararam para a chegada do professor, que apareceu com sua longa e esvoaçante capa negra carregado de pergaminhos. Ele depositou os pergaminhos por sobre a mesa e fixou os olhos nos alunos. A sala parecia totalmente bruxuleante naquela noite, apenas com achas que iluminavam as paredes... por um segundo, Snape parecia estar procurando alguém e seu olhos a encontraram. Tinha certeza absoluta de que ela estaria lá.. Desde quando a sabe-tudo dispensaria uma aula adicional?
- srta. Granger, venha até aqui, por favor? – pediu ele, com sua voz habitual.
Hermione surpresa, levantou-se de sua mesa indo até a cátedra.
- Espero que não se importe em me auxiliar nesta aula. – explicou ele. – A masmorra está cheia.. De onde saíram tantos alunos para apreciar a minha maravilhosa companhia numa noite tão fria quanto essa? – uma sombra de um sorriso perpassou pelo rosto pálido do professor.
-Os boatos de que o senhor estaria dando aulas extras se espalhou rapidamente pela escola. – disse ela, com reservas- E que o senhor era menos... – ela procurou a palavra- rígido nas aulas extras motivou muitos a estarem aqui.
Snape apenas limitou-se a arquear as sobrancelhas. Menos rígido fora uma maneira contida de dizer que ele era menos tirânico e ditador e que humilhava menos os alunos nas aulas extras, ao contrário do que poderia se esperar.
Minutos depois todos os alunos trabalhavam nas poções pedidas e Hermione, com a insígnia de monitora-chefe, que lhe dava plenos poderes, mas ao mesmo tempo lhe impedia de ter uma vida normal dentro de Hogwarts, auxiliava Snape. Ele distribuira os pergaminhos e cada aluno trabalhava na Poção de acordo com as suas exigências. Neville parecia confiante, e quase nem necessitava da assistência de Snape ou Hermione para cumprir as tarefas propostas. Muitos alunos, especialmente os mais jovens conjeturaram o porquê da mudança de Snape.. e que realmente era melhor lidar com eles naquelas aulas extras do que nas aulas habituais.
Por fim, todas as pessoas sairiam e Hermione também se preparava para deixar a Masmorra, quando foi subitamente interrompida pela voz do professor.
- Srta?
Ela virou-se a espera de algum tipo de orientação. Talvez algum tipo de correção ou de reprimenda... Porém o professor segurava um livro.
- Achei que talvez a senhorita gostasse de ver esse livro. Era um livro com letras prateadas na capa, mas que pela escuridão da Masmorra ela não conseguia ler. Hermione caminhou até a mesa do professor que lhe alcançou a obra: "Poções medicinais das trevas". Hermione já lera algo sobre aquela obra. Era o mais completo livro sobre a chamada Medicina das Trevas...
- Mas, mas.... – ela disse, inebriada com o livro e folheando.- este livro é raro...
- Pois é. – comentou ele, olhando a moça com atenção. – Srta. Granger, se você folhear a obra até a página 406 verá um artigo meu.
Ela olhou-o com os olhos arregalados, mas percebeu que ele tinha no rosto a sua expressão normal de profundo desgosto, embora percebesse que aqueles olhos negros brilhavam mais do que o habitual.
"Plantas que Minimizam a ação da Maldição Império"
Era o titulo do artigo que ele dissera. Na realidade ele estava sentindo-se lisonjeado com a atenção e com a admiração com que ela mirava o artigo.
- Posso ler? – ela perguntou com insegurança.
- O artigo? – ele perguntou com total desfaçatez.
- Sim, o artigo. – disse ela, que não havia entendido o tom de irônica brincadeira anterior.
- Este livro é seu! – afirmou ele, mas perante o olhar incrédulo dela procedeu a explicação.- Cada autor tem uma cota da obra para presentear as pessoas que quiser. E bem.. – ele baixou os olhos- pensei que talvez .. a senhorita é uma das poucas pessoas que conheço que sabe valorizar os livros. – ele parou, olhou o teto e depois continuou.- mas se não quiser a obra...
- È claro que eu quero! – afirmou ela, abraçando o livro e sorrindo para o homem que apenas limitou-se a lhe fazer uma expressão letal- Muito obrigado, professor Snape. E parabéns pela publicação do artigo.
O sisudo professor de Poções apenas limitou-se a assentir com a cabeça , e ficar observando a moça sair.
Hermione encostou a porta da masmorra com o livro ainda na mão, cujas letras da capa brilhavam de encontro com as achas de madeira. Mas algo lhe fazia ficar pensativa a esse respeito. Porque sem mais nem menos, Snape lhe presentearia com um livro raro que continha um artigo seu? Sim, até cogitava ser possível o que ele dissera a cerca de não ter a quem presentear os livros. Mas porque justo ela? Era certo que ela diferente dos demais alunos, seu amor pelos livros, pela responsabilidade..
E de repente a resposta lhe ocorreu:
" Será que ele estava presenteando a ela, Hermione Granger com o livro, ou estaria presenteando a ele mesmo?"
