(Rurouni Kenshin e Neon Genesis Evangelion Crossover)
por Tomoe Ayanami e DarK Rei
............................................................
Palavras para evitarmos processos judiciais:
Basicamente todos os personagens pertencem a Nobuhiro Watsuki, Gainax, Yuu Watase e seus respectivos distribuidores. Siim, estamos usando estes personagens sem a permissão dos autores. Este fic não tem fins lucrativos. (u.u") Maaas, interessados em depositar dinheiro na minha conta bancária me mandem e-mails ^.~
............................................................
[- Kenshin e Tomoe... -
A partir daquele instante, a roda do destino que regia a vida dos dois começou a girar...
Começou a girar de uma forma lenta... até adquirir uma velocidade insana...]
Rurouni Kenshin manga, Reminiscências – Parte 3: A Chuva de Sangue que Cai Sobre Um Homem e Uma Mulher (Ato 167)
............................................................
[Capítulo 2 – Callisto]
*
............................................................
O sol deitava-se no horizonte tingindo a cidade com a luz do crepúsculo. Uma leve brisa fresca levava consigo o que restara do ar pesado naqueles últimos dias de verão. Ayanami caminhava num ritmo constante, observando sempre o caminho à sua frente. Aos seus olhos a cidade estava manchada de vermelho. 'A cor que eu odeio.'
Não muito atrás, outra pessoa quebrava a monotonia do ambiente, caminhando à passos despreocupados e freqüentemente lançando olhares à garota a sua frente. Carregava sua mochila descontraidamente num ombro só, segurando a alça com uma das mãos. A outra permanecia segura no bolso da calça de seu indisciplinado uniforme. A franja ruiva balançava conforme a brisa, ora encobrindo os olhos de um violeta escuro. Para Kenshin, a cidade estava manchada de sangue. 'Sangue... Cheiro de sangue.'
De repente os passos de Rei cessaram, mas não os de Kenshin, que com isso aproximou-se mais dela. Estreitando os olhos, a voz feminina soou fria.
"Por que está me seguindo?"
Foi só então que ele também parou, lançando um olhar penetrante nas costas de Ayanami. Alguns momentos tensos se passaram em silêncio até que o jovem, com um discreto suspiro, retomou seu ritmo. Ao passar por Rei, que permanecia no lugar, com um olhar quase cordial ele respondeu-lhe.
"Sigo apenas o meu caminho."
A garota de cabelos azuis ponderou por segundos as palavras do novo colega, observando-o com suas passadas ritmadas até o momento em que a luz do entardecer trouxe desconforto aos seus olhos, despertando-a e fazendo-a prosseguir em seu próprio caminho. 'Já vai escurecer.'
Os dois caminharam próximos no mesmo trajeto por mais alguns quarteirões, sustentando cada um a impertinência de um estranho sentimento de conforto pela consciência do outro.
Esse sentimento confundia Rei no lugar mais profundo de seus rubros olhos e a mesma sensação fazia com que Himura mergulhasse em seus pensamentos. Ao perceber que o conforto da presença de Rei esvaía-se conforme adiantava seus passos, Kenshin sobressaltou-se e, virando discretamente o rosto, notou que Ayanami havia mudado de direção na última esquina.
A jovem encolheu um pouco mais os ombros como se estivesse mais sensível àquela brisa, conforme ia afastando-se pela rua lateral.
............................................................
Yui Ikari trabalhava com mãos ágeis sobre a refeição à qual dedicara todo o final de tarde na cozinha. Colocou a travessa no forno e apressadamente deixou o recinto e dirigiu-se para outro quarto, parando diante da porta e batendo de leve.
"Shinji? Shinji querido, você já está pronto?"
De dentro do quarto ouviu-se a resposta abafada e sem ânimo do garoto.
"Pra quê?" O jovem Ikari estava deitado de bruços em sua cama, ainda com a roupa do colégio. Ele estivera ali, pensativo, desde que chegara da aula. Os fatos do dia rodopiavam em sua mente, incessantemente, não o ajudando em nada a ficar de pé. Tinha os fones de seu walkman nos ouvidos, mas a música já não tocava fazia alguns minutos.
"Como 'pra quê'? Nós temos convidadas para o jantar hoje, esqueceu? Já me basta o seu pai se atrasando por causa do trabalho..."
'Ahh... é... Era só o que me faltava...' Ao lembrar-se do compromisso o garoto enterrou a cabeça no travesseiro, desejando nada mais do que sumir naquele instante. Ficou alguns momentos lamentando sua má sorte, até que ouviu a voz de sua mãe novamente.
"Elas estarão aqui em vinte minutos! Apresse-se, quero que você as receba, tá?"
'Ah, melhor ainda... E eu tenho escolha...?' Com um gemido de desaprovação, Shinji levantou-se com esforço, respirou fundo e tentou empurrar seus pensamentos para longe, em vão.
"Eu disse 'Tááá?'" Repetiu Yui, perdendo a paciência com o silêncio de seu filho.
"Tá, Kaa-san..." Soou desanimado pela porta do quarto. Sem escolha, o jovem começou a se arrumar e preparar-se para encontrar as convidadas – uma delas em especial provocou uma expressão de desgosto no rosto do pobre Shinji. 'Haja paciência...'
Quinze minutos depois a campainha soou. O aroma do jantar já se espalhava pela casa.
"Shiiiinji!" A voz de Yui atravessou a sala, vinda da cozinha.
"Já sei, mãe..." Com passadas desanimadas, o jovem atravessou a sala e foi abrir a porta. Preparando sua melhor expressão de alegria ele girou a maçaneta.
"Guten Abend, Shinji!" Os ruivos cabelos esvoaçaram enquanto Asuka adentrava a casa a sala com um sorriso cínico, que logo se desfez, seguida por sua mãe, que cumprimentou Ikari cordialmente.
"Konbanwa." Seus cabelos eram ruivos também, como os da filha, porém mais claros e sua fala tinha um sotaque alemão carregado.
"Entrem, por favor, sintam-se à vontade." Respondeu Shinji apontando para o sofá. Não tardou para que Yui entrasse na sala com um sorriso alegre, limpando às mãos.
"Desculpem-me por não tê-las recebido" falou a senhora cumprimentando a amiga, "Estava terminando de preparar o jantar!" Logo se virou para Asuka. "Olá, querida! Nossa, como você cresceu!"
"Olá, Senhora Ikari! Muito obrigada por ter-nos convidado." Respondeu-lhe a garota.
Tal educação surpreendeu Shinji, que ficou imaginando por que sua colega não podia ser sempre assim.
"Deixe-me ajudá-la então" respondeu Kyoko dirigindo-se à cozinha junto com Yui. "E Gendou?"
"Aquele vai atrasar-se, invariavelmente." Respondeu a senhora Ikari, com um gesto da mão. "Shinji, querido, faça companhia a Asuka. Garanto que vocês têm muito que conversar"
Asuka sorriu gentilmente para as duas senhoras e, quando estas passaram pela porta da cozinha, jogou-se no sofá tomando o controle remoto. Shinji observou-a com desinteresse, permanecendo de pé, como se presenciasse uma cena patética. Até o momento em que suas pernas suportaram, ele permaneceu parado em pé, depois juntando-se hesitante à Asuka no sofá.
Em resposta aos movimentos do garoto, Asuka lançou-lhe um olhar desdenhoso, mas a princípio não disse nada. Shinji nada disse também, e logo os dois estavam jogados no sofá com expressões que refletiam o tédio que os consumia.
"Baka."
"Quê?" Shinji disse, reflexivamente.
"Dumb. Stupid. Idiota, entendeu?"
"Não enche..."
"Uhhh, agressivo... Tenho que me cuidar com ele e seus dois seguidores." Um sorriso cruel tomou lugar nos lábios da garota.
"Cala a boca." 'Ó toda poderosa metida à boa.' Não era o melhor dia para irritar o jovem Ikari.
"Nerd" A garota passava pelos canais sem prestar atenção à nenhum dos programas, tonteando Shinji.
Ele fez menção de levantar-se.
"Bah, como você é entediante..."
"Humpf"
Asuka olhou o garoto com ódio, como se aquela resposta ferisse seu orgulho. Shinji não se conteve e, bruscamente, retirou-se do sofá com os dentes cerrados. A passadas pesadas ele tomou o rumo pelo corredor e ia voltar ao seu quarto quando ouviu a porta atrás de si abrir-se e a voz de seu pai soar pela casa.
"Tadaima!" Gendou Ikari disse claramente enquanto tirava os sapatos para entrar em casa.
O rosto de Yui apareceu na porta da cozinha, sorridente.
"Que bom que você chegou, querido. Cumprimente nossas convidadas, e depois me ajude a colocar a mesa, sim?... Ah! Já ia me esquecendo, o Professor Fuyutsuki ligou esta tarde."
Internalizando todas as informações, Gendou largou suas coisas sobre a poltrona e começava a realizar suas tarefas quando colocou os olhos em Shinji ao fundo do corredor.
"Ei, filho, já que você está parado aí sem fazer nada, me ajude aqui com esses talheres. Qual que vai aonde?" Pediu Gendou, um pouco perdido.
"Hai, hai..." Shinji Ikari suspirou, voltando até a sala para ajudar seu pai. Pelo jeito, esta seria uma longa noite.
............................................................
Um vulto deslocava-se discretamente pelas ruelas da cidade. Escondido pelas sombras, fazia seu caminho sorrateiramente em direção a um beco próximo. Não tardou, o homem desconhecido se fez percebido por um outro à espreita no já mencionado beco.
"Está atrasado." A voz masculina e fria espalhou-se pelo ar parado da noite.
"Ah, detalhes, detalhes..." Olhando no relógio, o outro homem – mais alto e moreno –constatou. "Atrasado? Mas veja só, nós ainda temos tempo!"
"Hmpf." Foi o único comentário que veio do outro.
"Hey, Himura. É aquele o lugar." Informou ele, apontando para uma casa noturna não muito elitizada.
Kenshin levantou os olhos e observou o lugar para onde Hideki, o informante, apontava.
"Hai." Concordou o jovem ruivo. Ele deu as costas a Hideki e começou a andar na direção oposta.
"Aonde você vai?" Perguntou o informante, seguindo-o.
"Você não disse que tínhamos tempo? Vou dar uma volta até a hora combinada."
"Sim... temos. Mas acho melhor você entrar agora. O homem que te colocará pra dentro vai estar te esperando nos fundos." Hideki lançou, de relance, um olhar à katana que Kenshin carregava presa ao quadril. Suavizando a expressão, ele perguntou descontraído. "Por que você tem que lutar com uma coisa dessas? Não é muito prático..."
"Porque não é tão patético quanto o único movimento de um dedo que você usa pra tirar vidas."
"Uhh... Vou anotar isso..." Falou ele, irônico. 'Certamente ele é autêntico'
Himura, então, lançou-lhe um olhar um tanto intolerante. Voltando-se novamente na direção da casa, perguntou friamente.
"Que eu tenho que fazer?" Obviamente ele tinha uma noção geral da tarefa, mas os detalhes finais eram sempre dados nos últimos minutos.
"Nós temos que cuidar do homem. Não o perca de vista a partir do momento que o achar. Ele deve sair às quatro. Não se faça notar antes disso. Há muita ente lá dentro e é difícil saber quem são os capangas dele."
"Wakarimashita."
"Ei, e você sabe. Não pode haver _nenhuma_ testemunha."
"..." 'Claro.'
Kenshin percebera que o semblante do homem tornara-se sombrio ao recapitular o plano, mas a expressão pesada dissolveu-se com as próximas palavras dele. "Que acha de irmos lá beber algo antes de começarmos?"
"Não bebo antes do trabalho."
"Ora..." Sorriu Hideki. "Pois bem. Eu vou indo, faça como eu lhe disse. Espero você lá dentro... E já sabe, fique sempre alerta."
Com isso, e um assentimento da cabeça de Kenshin, os dois se separaram. Hideki seguindo para a entrada da casa noturna e Himura continuando pela rua escura, em direção aos fundos do estabelecimento.
............................................................
As luzes piscavam e rodavam, dando a impressão de movimento constante no interior do prédio. A Kenshin, a iluminação provocava nada mais do que uma inconveniente tontura, o que o obrigava a estreitar os olhos e afastar-se da pista de dança.
Entrar na casa armado foi bastante fácil. O homem para quem ele trabalhava tinha muitos contatos. Permanecer com sua katana incógnita lá dentro - pensava ele - seria impossível. Para sua surpresa, porém, ninguém parecia percebê-la, todos muito dispersos devido à iluminação, à bebida, à música ou então, às drogas. Tomando maior distância possível das frenéticas luzes e do barulho incessante da música, o jovem Himura recostou-se no balcão de um dos bares do lugar.
Mesmo pouco tempo depois de ter entrado ali, o calor do lugar já começava a desagradar-lhe. Virando-se, ele ordenou um copo d'água. Enquanto esperava, observava cuidadosamente as pessoas à sua volta, seus olhos com um sinistro brilho âmbar.
"Ae, Himura."
"Hideki." Kenshin não virou-se nem moveu-se, enquanto o homem sentado atrás de si dava-lhe as costas mas seguia com a conversa.
"Ele não está aqui agora, mas vai descer a qualquer minuto. Atente para as escadas laterais."
"E você?"
"Eu? Eu vou beber!"
Com um leve suspiro de desaprovação, Kenshin virou o rosto para o lado contrário, e percebeu que seu copo d'água havia chegado. Estendeu a mão, pegou-o e bebeu em grandes goles, sorvendo o líquido com prazer, depois recolocando o copo vazio de volta no balcão.
"Kirei da, ne..." Hideki comentou, casualmente chamando a atenção do jovem ruivo atrás de si. Havia um claro traço de malícia masculina em sua voz.
Kenshin virou o rosto, curiosamente cativado pelo comentário simplório do outro homem. Esperou para saber de quem Hideki falava.
"Aquela," Apontou o homem com a cabeça. "...ali atrás." ,
O jovem, sem dizer nenhuma palavra, voltou o olhar para a pessoa indicada. Encontrou uma garota, que não devia ter mais do que 18 anos. Os olhos de Kenshin perderam grande parte de sua frieza ao vislumbrar a figura da jovem que tinha os cabelos longos e muito negros, que desciam lisos e soltos, encobrindo suas costas. Num vestido preto até o joelho e sem mangas, sua pele se contrastava, muito branca e lisa. Ela permanecia de frente para a pista, sua cabeça movimentando-se lentamente, como se quisesse achar alguém.
Os delicados ombros estavam à mostra e por alguns breves instantes, Himura imaginava o quão macios deveriam ser. Ao surpreender-se em tais pensamentos, Kenshin retornou à sua posição original e pôs-se a observar a escada, transtornado. Ele tentava concentrar-se em seu objetivo, mas seus olhos insistiam em tentar enxergar os olhos da jovem, que ele não pôde ver. 'Que estou fazendo? Não posso me dispersar assim.'
Não foi muito mais tarde que Himura notou seu alvo descendo as escadas e juntando-se às pessoas que se espremiam na pista de dança. O homem alto vinha acompanhado por mais três, usava roupas coloridas e alguns anéis em suas mãos.
Neste instante, o jovem sentiu o cotovelo do informante tocar-lhe discretamente as costas, como um aviso. Hideki afastava-se do bar conversando com uma mulher, enquanto Kenshin observava os homens que acompanhavam o outro. Parecia que os outros seguranças do lugar não estavam envolvidos com estes últimos, o que significava que Himura poderia movimentar-se dentro do lugar sem causar maiores suspeitas.
E foi o que fez. Levantou-se, levando consigo sua katana oculta e atravessou o lugar por fora da pista, lentamente, sem tirar os olhos do eu alvo. Encontrou mais adiante uma mesa vazia e ali sentou-se. Na mesa de trás pessoas riam e falavam alto, havendo mais ou menos dois homens e três garotas. Ignorando as conversas libidinosas, ele concentrou-se em vigiar seu alvo.
Os olhos de Kenshin estreitavam-se para conseguir distinguir os movimentos que o homem que observava realizava. Mesmo assim, quase inconscientemente, ele varreu toda a pista de dança com o olhar, em busca da figura daquela jovem que vira mais cedo. 'Ah, de novo. Por que eu estou agindo assim? E agora... onde aquele cara se meteu?'
Horas passaram-se até que o espadachim percebeu que seu alvo deixava a pista de dança, dirigindo-se diretamente para a porta principal, juntamente com dois homens. Kenshin levantou-se e, desviando-se das pessoas foi dirigindo-se para a mesma saída.
No caminho, porém, algo ao seu lado chamou-lhe a atenção e, desviando o olhar para tal direção, encontrou os olhos penetrantes daquela jovem, por entre as pessoas que se aglomeravam por ali.
Himura vacilou por alguns instantes e sua respiração tornou-se mais superficial e rápida. Estranhamente, a bela mulher olhava-o diretamente nos olhos, sem hesitar. Nunca um simples olhar havia inspirado nele tal reação.
Ele sentia-se quase nu diante daquele par de olhos profundos. Sentia-se constrangido, e, pela primeira vez, quase culpado de sua condição. Após instantes, que se seguiam como horas para Kenshin, a jovem desviou seu olhar e, sem aviso, perdeu-se no meio das pessoas. 'Dare...?'
O garoto (que voltou naquele instante a realmente parecer um) respirou fundo e ao olhar para a porta notou um dos homens que seguia seu alvo deixando o lugar. Não encontrando mais ninguém, rapidamente direcionou-se à saída, muito atento aos movimentos do grupo que agora se fazia visto, indo em direção à esquina.
Do outro lado da rua escura, diante da casa noturna, Hideki se fez notar por Kenshin. O primeiro acenava indicando ao último que o carro do homem encontrava-se naquela rua lateral para qual o grupo se deslocava. Kenshin assentiu com a cabeça e começava a andar quando o informante novamente chamou-lhe a atenção.
Afastando o casaco preto, a luz da lua refletiu num pequeno cabo de metal – a arma. Hideki lançou um olhar questionador para Himura, como que perguntando se ele queria ajuda. 'Não sei se posso confiar nele. Nunca vi alguém matar com uma espada... Não sei até onde vão suas habilidades.'
Ao perceber o que o homem queria, Kenshin colocou a mão no cabo da katana e, com um olhar de certo desprezo, continuou a seguir silenciosamente sua vítima. Agora o que passava em sua cabeça era como ele iria dispersar o bando para então chegar ao seu alvo sem maiores perdas. 'Isso vai ser um pouco mais complicado do que pensei.'
............................................................
Os pingos ecoavam nas paredes frias do banheiro, deslizando da torneira, chocando-se com a água avermelhada da banheira. Roupas pendiam na borda, molhadas e manchadas. O que iluminava o pequeno recinto era a luz da noite, que atravessava a janela ao lado. Mesclando-se com o ambiente, um homem semi-submerso na água já fria permanecia imóvel, o olhar vagando em algum pensamento distante.
'Eu já não sei mais o que é certo.'
Os pingos quebravam o silêncio pesado do ar, mas passavam despercebidos pelo jovem, com seus cabelos ruivos que, molhados, caíam grudando em seus ombros firmes.
'Eu venho fazendo isso há muito tempo... Mas agora... Agora eu já não sei se acredito.'
Os olhos que antes tinham um brilho cor de âmbar, agora perdiam a vivacidade, com pupilas vacilantes e piscadelas ocasionais.
'Ela... quem era?' A imagem da jovem que estava na casa noturna insistia em retornar à sua mente, junto com pensamentos que ele preferia afastar por sentir-se constrangido quanto a eles.
'Os olhos... Como eu não consegui resistir a olhar pra eles? Como pude ficar tão exposto?'
O jovem balançou a cabeça levemente fechando os olhos e respirando fundo. Estranhamente pensar naquela garota tirava-lhe o fôlego e o deixava confuso, com uma sensação de que não era só aquilo... Um pressentimento que ela iria ocupar um lugar cada vez maior em seus pensamentos... 'Em minha alma.'
O frio da água fez Kenshin então encolher-se, abraçando os próprios joelhos. Observou, com olhos vagos, sua mão, cujos dedos já estavam murchos devido ao tempo que permanecera naquela banheira. Enquanto isso, pensava no dia que tivera, tão incomum.
'Dia agitado... Duas pessoas... Duas pessoas que mexeram com minha alma... Qual a razão disso? Será a mudança para essa cidade? O que meu coração quer assim? Parece que algo, ou _alguém_ quer que eu mude...' Um longo momento de abstratas reflexões se seguiu.
'Será que não sou _eu_... quem quer mudar?'
'Não... Não posso dar tantas esperanças à isso. É claro o porquê de eu ter vindo para cá. Eu não estou me afastando ou escapando das minhas próprias sombras... Estou mergulhando cada vez mais fundo nelas. Tenho uma missão, e devo cumpri-la... Sem envolver ninguém.'
Mas para ele, algo estava muito estranho, enquanto ele não conseguia conter as recentes memórias.
'E aquela dos olhos vermelhos...'. Um leve suspiro quebrou a monotonia do ar. 'Eu não me importava... em estar lá. Ela me entendia.'
Uma gota de sangue escorreu de suas roupas manchadas e dissolveu-se ao tocar a água turva.
'Nani? Mas que besteira, Kenshin... Não se iluda, uma garota como aquela nunca iria te entender... Nem mesmo eu consigo me entender... Agora mesmo... estava alimentando falsas esperanças... Mas sua presença... Tão... confortante.'
Himura ergueu os olhos escurecidos para o teto e ficou a observar a tinta que descascava. 'Idiota.'
'Baka.'
............................................................
No meio da noite morna, uma garota deitava-se em meio aos desarrumados lençóis de sua cama. Os cabelos azuis ainda pingavam, sobre a alva fronha, a água gélida do banho recente.
Cruzando os braços sobre o travesseiro, Rei Ayanami baixou lentamente a cabeça, até que seu queixo estivesse apoiado nos pulsos. Desviando o olhar vermelho para um ponto qualquer ao lado, ela se deixou levar pelos pensamentos que há algum tempo impediam-na de dormir.
'Por que ele insistiu em falar comigo? O porquê da sua.. sua ousadia, eu desconheço. Talvez eu deveria estar sentindo-me ofendida, não? Demo... Iie. Não é assim. A verdade é que não foi ruim, não foi um incômodo. Sua presença... ela é tão.... agradável... esta é a verdade. Ele é tão fechado... será parecido comigo? Iie. Seus olhos não são como os meus...'
Ela suspirou, o som já fraco foi abafado pelo travesseiro.
'Mas e o Ikari-kun? Doushite... ele reagiu daquela forma? O que ele estava sentindo..? Ao menos eu sei o que senti... sim, isso eu sei. Eu senti... Paz, talvez? Iie, a paz não é algo que eu conheço. Demo... Tranqüilidade? Apesar de tudo, da surpresa, não era ruim, era aconchegante... Seguro? Sua presença... minha alma era como um lago plácido... Naquele momento.'
'Ikari-kun... O que exatamente perturbou-o tanto? Será que fui eu?... Mas em tanto tempo, ele nunca demonstrou isso, por que agora? Iie. Não sou eu. Eu não quis isso. Dakara... o motivo disso, possivelmente... Himura Kenshin. Himura Kenshin, Himura...'
Nessa hora a garota fechou os olhos e encolheu-se na cama, aproximando os joelhos do peito, procurando um sono que inconvenientemente tardaria a chegar.
............................................................
Os primeiros raios do sol da manhã varreram as sombras da noite, levando com elas as lembranças sombrias, deixando pra trás rumores obscuros dos acontecimentos que nela se passaram. Os primeiros sinais de vida se mostraram – muitas pessoas já começavam suas rotinas, já havia movimento nas ruas, o dia raiava trazendo a esperança de que a noite não era o fim, sempre haveria uma manhã para recomeçar...
Pelos corredores iluminados da escola Fujiro Kou Akonbi, o diretor Kozo Fuyutsuki andava animado, cumprimentando aqueles que passavam.
"Ohayooou!" Dizia ele ao encontrar um professor, assistente ou faxineiro.
Continuou assim quando passou pela sala do professor Hiko Seijuuro. Logo deu uma leve batucada na porta e foi enfiando a cabeça para dentro da sala.
"Ohayou gozaimasu!"
Hiko, que pressentiu a aproximação do velho Fuyutsuki, não foi contagiado pela empolgação do diretor.
"Bom dia." Disse com sua voz potente. Ele arrumara uma pilha de folhas para a aula do dia.
"Como anda o trabalho? Gostou da turma?" 'Eles são a turma mais problemática da história deste colégio... Uma tarefa à altura, presumo eu!'
"Hmpf." Hiko levantou a sobrancelha. "Está tudo sob controle, aqueles pirralhos vão entrar na linha queiram ou não."
"Ohh..." Kozo arregalou um pouco os olhos, que eram mais fechados tanto pela natureza quanto pela idade. "Pegue leve com eles... São jovens! Jovens!" Continuou o diretor, saindo novamente pela porta.
Hiko ainda ouviu a voz do homem ecoar, enquanto ele distanciava-se de sua sala, algo como 'Jovens! Tão cheios de vida! Ohohohoh...' Seu único pensamento concreto quanto ao comportamento de Fuyutsuki refletiu-se como um longo suspiro.
'Será que aquele velho já não passou da idade de estar vivo?'
............................................................
Não tardou para os alunos começarem a chegar ao colégio. Aos poucos – sozinhos, duplas ou bandos - iam atravessando o portão principal e dispondo-se no grande jardim da frente, orgulho da instituição.
Logo um jovem alto, de cabelos castanhos e olhos azuis entrou na escola e dirigiu-se a um dos bancos onde outros dois estavam.
"Shinji!" Exclamou Touji, virando a cabeça para o amigo.
"Quem diria... Pensei que depois do escândalo de ontem você não iria aparecer na aula hoje..." Comentou Aida.
"..." Foi a resposta.
"Opa..." Touji percebeu o clima em que o amigo estava. "O negócio tá feio, então..."
"..." Shinji sentou-se largando a mochila no chão de qualquer jeito e cruzando os braços.
"Conta aí, Shinji. Que mal te aflige?" Aida perguntou, aproximando-se do colega com um ar preocupado.
"Asuka." Disse o jovem Ikari, a contragosto.
"Asuka?!" Espantaram-se os dois em uníssono.
Touji prosseguiu seus pensamentos, que coincidiam com os de Kensuke. "Mas você não tava afim da Ayanami? Que história é essa de Asuka??"
"Não é-" O garoto de cabelos castanhos ia se explicando quando foi interrompido.
"Quê?! Shinji você bebeu? A Asuka é o demônio encarnado!" Exclamou Kensuke, enfatizando suas palavras com gestos.
"Dá pra calar a boca e me escutar?!" Vociferou o jovem, mal-humorado.
Seus amigos olharam-no surpresos, não era de seu feitio ser tão estúpido e impaciente – normalmente estas eram virtudes de Touji. Ignorando os olhares, Shinji aproveitou a brecha para continuar.
"Asuka foi jantar lá em casa ontem."
Antes de Shinji poder falar qualquer outra coisa, ele viu os olhos de seus dois amigos arregalarem-se. Percebendo que fora seriamente mal-interpretado, ele prosseguiu sua explicação o mais rápido que conseguiu.
"Não isso! Vocês sabem, a mãe dela é amiga dos meus pais, então elas foram convidadas..."
"Ahh... e aí?" Acalmou-se Touji.
"Como 'e ai'?" Disse Shinji, ainda de cara amarrada.
"Tá, lembrei que seu dia ontem não foi muito bom..." Touji recostou-se no banco e olhou para o céu '... E que a Asuka não é a melhor das visitas...'
"Ei, Shinji..." Kensuke chamou a atenção do amigo.
"Hum..." Murmurou Shinji em resposta.
"Olha quem tá chegando" Kensuke sinalizou o portão principal com a cabeça.
Os olhos do jovem Ikari brilharam com ódio e estreitaram-se ferozmente. 'Ele...'
............................................................
Os cabelos, de um vermelho profundo, presos num rabo de cavalo, balançavam a cada passo seu. Em seu segundo dia de aula, Himura Kenshin já não passava despercebido.
Logo que adentrou o jardim da escola, várias garotas – entre elas Kaoru- deitaram seu olhos nele. Graças a isso, não tardou para que olhar masculinos se dirigissem ao novo aluno, repletos de inveja.
Não obstante, o jovem Himura sentia o peso de todos os olhares que recebia, mas preferiu ignorá-los e continuava a caminhar. Foi então que, em meio a sensação de vários olhos sobre si, ele sentiu. Alguém lançava a ele um olhar feroz e odioso.
Agindo por reflexo, ele parou imediatamente, segurando a respiração. Em seguida, virou a cabeça para o lado esquerdo, erguendo os olhos violetas escuros para focá-los em duas órbitas azuis, que fervilhavam com raiva.
'Que quer...?' Instintivamente, Kenshin estreitou os próprios olhos, adquirindo uma expressão intimidadora.
............................................................
Shinji, enquanto observava o aluno novo, não esperava que este fosse percebê-lo e, menos ainda, que fosse devolver-lhe o olhar daquela forma. Enquanto seus olhos se cruzaram, a impressão que tiveram foi que um absorvia a energia do outro. Permaneceram assim por algum tempo, imóveis, até que houve uma reação de Kenshin.
O jovem ruivo voltou seus olhos ao normal, tornando seu semblante neutro, como o de costume e desviando-os para seguir o seu caminho rumo ao prédio da escola.
Quando se viu livre dos olhos penetrantes do outro rapaz, Shinji percebeu que se esquecera de respirar, o que o fez tomar uma súbita golfada de ar. Enquanto acalmava seu coração agitado, seus dois amigos – que permaneciam calados até o momento, incapazes de dizer qualquer coisa devido à tensão que surgira no ar – começaram a falar.
"É melhor..." Touji hesitou quando Shinji virou-se para ele com uma expressão sombria. "É melhor você não se meter com ele."
"Por quê?" Ikari ergueu a sobrancelha.
"Eu..." Aida se pronunciou, engolindo seco devido ao nervosismo. "...pesquisei sobre esse cara ontem e..."
"E...?" Insistiram Shinji e Touji.
"E..." Kensuke ajeitou os óculos. "Ele é um completo mistério."
Um momento de breve silêncio se seguiu. Realmente, Ikari e Suzuhara, esperavam algo mais esclarecedor.
"Como assim um mistério? Isso a gente já percebeu!" Irritou-se Touji, decepcionado.
"É que na ficha escolar dele, por exemplo, só tem nome, idade e procedência. Não diz onde ele mora, nome dos pais ou o motivo da transferência."
"Tá, mas isso não é grande coisa!" Reclamou, ainda não convencido, o estourado Touji. "Você mesmo disse que na ficha da Rei tem menos ainda."
"Você também não me deixa terminar!" Ainda pigarreou e continuou, com ar de segredo. "Quando eu estava procurando algo sobre ele, eu descobri um artigo de jornal com o nome dele relacionado a um tal Rao Misawa."
"..." Touji ficou a observar o amigo, esperando que ele continuasse a falar.
"Bem... Esse tal Rao é um homem muito poderoso, envolvido com a máfia e o tráfico. Ele mora na mesma cidade de onde este Himura vem."
"Então esse cara é metido com drogas!" Exclamou Suzuhara, concluindo sua idéia apressadamente.
"Quem sabe... mas o artigo não era de um jornal oficial."
"Mas o que dizia?"
"Aha... agora vem a melhor parte..." Lançando um olhar significativo para Shinji - que se mantinha calado, ouvindo a conversa, semi-absorto em seus pensamentos. Aida prosseguiu com gosto. "Estava escrito que fora preso, entre outros, Himura Kenshin, sob acusação de distúrbio da ordem pública e.... homicídio" As letras da última palavra foram cuidadosamente pronunciadas, uma a uma, com gosto.
"Homicídio...??" Por essa nem Touji nem Shinji esperavam.
"É, mas não conseguiram provar nada. E além do mais, este tal Rao Misawa deu uma ajudinha pra livrar a cara dele, decerto."
Todos se calaram. Tal acusação era muito séria e, se fosse verdadeira, este novo aluno tinha um passado muito mais negro do que qualquer um deles poderia ter imaginado. Cara de inocente era o que ele não tinha. Essa foi a conclusão dos três amigos. Quando a falta de palavras começou a tornar-se desconfortável, Touji se pronunciou.
"Bom, bom... ficaremos de olhos caso esse tal Himura invente de aprontar por aqui." Depois de dizer isso, o jovem Suzuhara levantou-se, batendo nas roupas a fim de desamassá-las, e pegou sua mochila.
Os outros dois não falaram nada. Kensuke olhou o relógio e levantou-se também, seguido por Shinji.
Dois minutos depois, o sinal tocou.
............................................................
Na sala do 3°G, a movimentação era constante. Alunos entravam e saíam do recinto, andava para lá e para cá, de mesa em mesa. Asuka, Kaoru e algumas outras meninas formavam um grupinho que, no centro da sala, ria e falava alto.
Tamahome e mais alguns rapazes estavam sentados em cima de mesas mais ao fundo. Vez que outra ouvia-se vindo deles, algum comentário impróprio, seguido de várias risadas. Era um grupo animado, sem dúvida.
Outros colegas, menos entusiasmados, deitavam as cabeças nos braços cruzados sobre as classes, procurando alguns minutos de sono para sobreviver à aula que viria.
O trio tomava seu lugar de costume. Kensuke recostava-se na parede e Suzuhara sentava-se sobre uma mesa desocupada, ambos em volta da classe de Shinji Ikari. Este último não estava nada empolgado com a perspectiva de um dia inteiro de aulas entediantes. Sua raiva passara, agora ele se remoía de preocupação.
'O que ele quer com a Ayanami? Para ter sido preso, ele deve ser, no mínimo, perigoso...'
Sem notar, Shinji desviou os olhos para a mesa de sua colega, e percebeu que a silenciosa Rei não estava lá. Vasculhando rapidamente a sala com o olhar, não a viu em lugar algum. Voltou a observar então a mesa da jovem.
"Pois é, Shinji..." Havia um tom excessivamente irônico na voz de Touji desta vez.
"..."
"Como você vai agüentar a aula sem ela por aqui?" Touji levou as costas da mão a testa, dramatizando.
"Quieto." Murmurou Shinji entre os dentes.
"Nah, Shinji! Que houve cara? Desde que você voltou eu não consegui tirar nenhuma direito com a sua cara..!" Reclamou Touji.
"Ah, gomen gomen... vou ser mais vulnerável da próxima vez..." Zombou Shinji.
"O meu... vai se catar..." Touji então virou-se para Kensuke. "Caladão, hein?"
"Olha..." O jovem de óculos apontou para a mesa na frente da de Rei. " O novato também não está..."
Neste exato instante, o professor Ryouji Kaji entrou e fechou a porta atrás de si.
'Ayanami não apareceu... Soshite, o Himura veio à escola, mas também não está aqui.' Shinji quase pulou da cadeira quando deduziu o óbvio. "NANI???"
"Calma, cara!" Adiantou-se Touji, prevendo a reação do amigo. "É impossível eles estarem juntos."
"O Himura-kun bem pode estar cabulando e a Ayanami falta bastante, você sabe..." Em tom tranqüilizador, falou Kensuke.
"Aa... Vocês devem estar certos..." 'Pelo menos, eu espero....'
............................................................
Não fazia muito, o sinal do início das aulas tinha soado. Havia movimento na piscina coberta da escola, localizada ao lado do ginásio de esportes.
Uma jovem lentamente livrava-se do resto das suas roupas no vestiário. Com delicadeza, ela pegou seu maiô branco, deslizando-o pelas pernas macias sem pressa. Pendurou o uniforme que antes vestia e, carregando somente uma toalha, deixou o vestiário.
Passo a passo ela aproximou-se da borda da piscina, abaixou-se e, largando a toalha ao seu lado, molhou suas mãos na água. Em seguida, ergueu-se novamente, posicionando-se ereta com os pés unidos e deu um pequeno impulso, flexionando os joelhos.
"Você vai ficar com frio."
'Himura...' Foi com graça e habilidade que Rei Ayanami, mesmo interrompida pelo colega, mergulhou na piscina.
O rapaz, que acabara de entrar na ampla sala, dirigiu-se às arquibancadas e, sentando-se nas primeiras fileiras, largou a mochila no chão. Ele seguiu a garota de cabelos azuis com os olhos, ela que descrevia um trajeto retilíneo sob a água até o outro lado da grande piscina.
O ambiente fechado fazia o som da água ecoar alto e não permitia que o silêncio reinasse. A água refletia, de forma distorcida, a luz que vinda do teto de vidro nas paredes, como feixes inquietos. Logo Rei retornou à superfície, apoiando-se na borda oposta.
'O que ele quer aqui?' A jovem, no entanto, não deixou nenhum sinal de inquietude transparecer em seu rosto. Seu semblante era neutro e impassível como sempre. Não obstante, Kenshin também sabia disfarçar suas emoções. Ele tinha consciência de que ela fora afetada por sua presença, só não sabia como. Em termos gerais eles eram iguais. A este pensamento, ele inconscientemente sorriu.
'Quem será ela... De verdade...?'
"Você não deveria estar na aula?" A garota dava as costas a Himura, enquanto preparava-se para sair da água.
"Talvez." 'Mas agora eu precisava... te ver...' A lembrança vaga de certos olhos escuros perseguia-o incessantemente.
"..." Rei nada disse enquanto, apoiada nos braços, retirava-se da piscina.
De pé, a garota pingava água fria, que formava uma pequena poça no chão. Ela andou até a sua toalha, aproximando-se muito mais do rapaz ruivo, mesmo sem a intenção de tal. Quando a jovem inclinou-se para frente, a fim de pegar sua toalha, Kenshin – que permanecera com a atenção fixada no rosto de Rei -, não conteve o impulso de deslizar o olhar sobre o corpo molhado dela.
'No que eu estou pensando?!' Colocando seu instinto de lado, o rapaz voltou seus olhos à procura do rosto dela. Foi, então, pego desprevenido ao chocar-se com o olhar incisivo de Ayanami, o que o fez corar levemente.
"Por que está aqui?" Perguntou Rei com uma voz fria, após desviar os olhos.
"Eu..." Kenshin suspirou, desistindo de camuflar suas emoções na frente daquela garota. 'Se ambos continuarmos assim, nunca vamos nos livrar destas máscaras que usamos para proteger quem realmente somos...' "Eu precisava de um tempo para pensar."
"..." Rei não pôde – nem quis – contestar, dada a sinceridade no tom do colega.
"Então..." Prosseguiu Himura, inesperadamente. "...resolvi vir aqui e te encontrei."
"Se precisa pensar em algo, precisa de privacidade. Com licença, não o incomodarei." 'Por que não consigo ignorá-lo?'
"Iie..." Kenshin baixou os olhos ao responder. 'Você me conforta... Sua presença é calma... Tão diferente da minha.' "Se importa se eu ficar aqui?"
Ayanami simplesmente piscou os olhos, suavizando-os e voltou à piscina com uma ponta.
Em confortável silêncio, os dois relaxaram na presença um do outro.
............................................................
Um período de História com o Kaji-sensei; um de Gramática com o Shinomori-sensei e um de Geografia com a tal Gabrielle-sensei – uma mulher vinda da França há menos de seis meses e que mal conseguia pronunciar os nomes dos alunos em japonês, que diria sobre dar aula...
O almoço foi bem vindo por todos os alunos e, quando o sinal tocou, todos se apressaram para descer. O refeitório estava cheio, mas Shinji, Touji e Kensuke não faziam parte do grupo que estava almoçando.
"Ahh! Eu não acredito que você vai fazer eu perder meu almoço pra isso!" Para Suzuhara nada era mais importante na escola do que o almoço.
"Nah, Touji! Você tá gordo! Não precisa almoçar" Respondeu Shinji, fazendo pouco caso do desespero do amigo.
"Gordo?? Eu?!" Touji deu um passo para trás e apontou a si mesmo, totalmente ofendido e surpreso. "Vê se eu to gordo, Aida!" Disse ele, enfurecido. Suzuhara, então, abriu a camisa para revelar um abdômen que, com certeza, não era nada gordo...
"Não Touji. Você não tá gordo." Respondeu desanimado Kensuke, não olhando diretamente para o colega. "Agora pára a palhaçada e coloca essa camisa porque você já fez escândalo." O jovem de óculos indicou duas meninas que passavam por ali – ambas com olhos esbugalhados e faces extremamente coradas.
"Ano..." Sorrindo sem jeito, Touji acenou para as duas transeuntes, ainda com a camisa aberta.
As jovens, para a surpresa dos três, acenaram de volta, mandaram beijos e, sorrindo, seguiram seu caminho. Ficaram para trás um Shinji bastante confuso, um Kensuke assustado e um Touji com um ego estratosférico.
"Ah...! Nós íamos procurá-lo!" Sacudindo a cabeça, o jovem Ikari tirou seus colegas de seus respectivos estupores.
"Mas pra quê?" Relutou Touji. "Esse Himura pode nem estar mais na escola."
"Não custa nada verificar!"
"Custa o meu almoço..." O rapaz cruzou os braços, insatisfeito.
"Ah, você não vai morrer por isso!" Ikari puxou o amigo pelo braço, impedindo qualquer argumentação. "Viu ele, Kensuke?" Indagou a seguir.
"Não. Ele não tá na biblioteca." Respondeu Ainda, que até há pouco tinha o rosto colado no vidro da janela da biblioteca, à procura da familiar figura ruiva.
"Ele não pode ter simplesmente sumido!" Disse Shinji.
"Mas ele pode estar em qualquer lugar da escola... isso _se_ estiver na escola." Kensuke coçou a cabeça, não havia jeito de convencer Shinji desta vez.
............................................................
'Onde pode estar?' Tamahome arbitrariamente se perguntava enquanto terminava o almoço com seus amigos.
"Ô, Tamahome! Tá acordado?" Cutucou-o Touya.
"Nan da?" Respondeu o jovem, sem sobressaltos.
"É que você ta aí, viajando..." Ele prosseguiu, após uma pequena pausa. "No que tá pensando?"
"Em nada." 'Lá vem...'
"Ah... Ahh... ah..." Começou Ranma. "… Ayanami!"*²
"..." 'Eu não mereço isso...' Tamahome revirou os olhos, enquanto seus amigos riam. "Que tem ela?" Perguntou, tentando parecer indiferente.
"O que ela tem?" Ranma subitamente adquiriu um olhar de malícia (que dizer, _mais_ malícia). "Quer que eu liste?" Falou, fazendo menção de contar nos dedos.
Tamahome já ia repreendê-lo, mas calou-se quando seus amigos recomeçaram a falar das 'qualidades' da colega.
"Vejamos... Ela tem coxas." Disse Ranma, obtendo assentimentos dos outros rapazes na mesa. "Duas, inclusive."
"Tem uma boca macia..."
'Boca macia?!? Desde quando você já tocou nela pra saber??!' O jovem lutador tinha os punhos fechados, assim como os olhos, e se segurava para não voar pra cima dos amigos e parecer indiferente ante a clara provocação.
"Opa! De quem é que estão falando aí?" Um rapaz chamado Joutaro, de uma outra turma, uniu-se ao grupo.
"Da Ayanami." Responderam-lhe.
"Aquela quietinha?" Ele viu os outros assentirem com a cabeça. "Hmm... Imagino se ela ia continuar calada quando eu—"
"Damare!! Rosnou Tamahome, levantando-se e, por pouco, não levando a mesa consigo. "Se forem falar assim de alguém, falem da Asuka, que ela gosta!"
A passadas pesadas e com um olhar furioso, o jovem Tamahome saiu do refeitório, deixando para trás seus amigos espantados e uma garota alemã muito, mas muito ofendida.
............................................................
A porta da sala da piscina se abriu. Tamahome viera parar ali depois de andar um pouco pelos jardins – onde não conseguia manter-se muito tempo sozinho.
'É chato ser gostoso...'
Ele buscava um lugar calmo, para que pudesse ordenar suas idéias – ultimamente sua colega, Rei Ayanami, estava ocupando grande parte delas.
Coincidência ou não, os olhos do lutador acabaram por se deparar com a imagem daquela mesma jovem.
'Ayanami.'
De imediato, ele desceu o olhar para observá-la por inteiro, corando pouco a pouco, enquanto via-a secar-se com a toalha. Pingos molhados escorriam pela pele clara.
'...'
Não conseguia formular sequer um pensamento coerente, ficando parado na frente da porta, embasbacado.
"Vai para a aula agora?" Uma voz masculina ecoou pelo ar, tirando Tamahome de seu estado.
'Dare...?!' O lutador voltou a si ao escutar a voz de outro homem. 'Quem está aqui?'
"... Hai." Rei respondeu a Kenshin, que permanecia invisível a Tamahome, sentado nas arquibancadas.
"Então eu vou também..." Himura levantou-se e, juntando sua mochila, desceu os degraus.
Antes, porém, que ele pudesse chegar ao chão, uma figura saltou habilidosamente à sua frente, tentando acerta-lo com um chute lateral. Pego de surpresa, Kenshin usou seus instintos e, jogando o material para um lado, atirou-se para o outro, parando ajoelhado alguns níveis acima de onde estava.
"Nan da?!" Inquiriu, finalmente apto a ver quem era seu oponente. 'Aquele cara... meu colega.'
"Você é o novato, não é mesmo? Himura?" Tamahome passou a mão nos cabelos, afastando a franja rebelde dos olhos. 'Até que ele não é tão ruim... para se esquivar tão rápido.'
"Aa. Que quer?" O rapaz vislumbrou de relance sua mochila – um objeto, como um cabo - despontava dela. 'Se ao menos eu pudesse alcançar... Você já estaria morto.' Pensou. Seus olhos refletiam um brilho âmbar.
O som de uma porta fechando interrompeu o conflito dos dois. Ayanami, ao que parecia, ignorara completamente a luta iminente dos colegas e foi trocar-se no vestiário. Nenhum deles esperava essa reação de uma garota, estavam certos de que qualquer menina iria, no mínimo, gritar ou intervir numa situação dessas. Com isso, ambos perderam o clima de combate, mesmo que a tensão ainda fosse forte entre eles.
'Ela...' Pensou Kenshin.
'... Simplesmente saiu.' Concluiu a si mesmo Tamahome, sem entender.
"Oro..." Sussurrou o espadachim.
"Ei!" Chamou-lhe a atenção o jovem lutador. "Que estava fazendo aqui com ela?" 'Se tiver tocado nela eu juro que te quebro...!'
Himura sentiu a pontada de ciúme e receio no colega. 'Hmpf.' "Pode se acalmar. Eu só a encontrei por acaso, assim como você, eu suponho."
Tamahome ergueu a sobrancelha, desconfiado.
"Deve considerá-la muito para se preocupar a esse ponto." Disse Kenshin, antes de recuar a posição de luta, relaxando o corpo.
Tamahome ergueu a outra sobrancelha, surpreso.
Aproveitando que pegara o colega desprevenido, Kenshin pegou sua mochila e deixou o prédio sem olhar para trás.
Tamahome baixou ambas as sobrancelhas, franzindo a testa. 'Será...?' Ele, então, ouviu a porta do vestiário se abrir, revelando a jovem Ayanami já com o uniforme escolar usual e os cabelos ainda úmidos. Momentaneamente perdendo o jeito, ele logo tratou de se recompor e usar seu charme.
"E aí, vamos voltar?" O lutador fez menção à porta, com um sorriso que derreteria praticamente qualquer coração feminino.
Rei parou e olhou-o fixamente nos olhos, o que o desconcertou um pouco. Em seguida voltou a andar, dirigindo-se à saída sem dar voz a nenhuma resposta.
'Bom... Vou encarar isso como um 'talvez'...' Pensou ele, coçando a cabeça. 'O que também não me ajuda muito.' Tamahome suspirou, e não conteve o sorriso. 'Mas... Como eu sou cara-de-pau...'
O rapaz logo estava andando ao lado de Rei que, como de costume, parecia não se incomodar e apenas seguia seu caminho.
............................................................
Na primeira aula da tarde só se falava numa coisa.
"Takashi, seu viado!"
Ahn... Bom, não exatamente.
"O Tamahome-kun? Não acredito!" Surpreendeu-se Kaoru quando ouviu. 'Asuka não vai gostar de ouvir isso...'
"Pois é! Mas eu mesma vi os dois chegando juntinhos antes da aula! E ficaram um tempão sozinhos aqui na sala..." Falou Akemi.
Kaoru lançou um furtivo olhar à solitária figura de Rei que, absorta observando pela janela, _parecia_ não escutar nada do que diziam.
"Ah! Mas ainda assim é muito estranho!" Concluiu a garota de rabo-de-cavalo. 'Ao menos ela não está com _ele_...' Não pôde deixar de pensar e de lançar um rápido olhar ao aluno novo.
No lado masculino o assunto era o mesmo, mas a abordagem era bem menos sutil.
"Puta que pariu!!" Ranma bateu o punho na mesa. "Mas é um cretino mesmo!" Riu ele ao receber a notícia.
"Nah... Vindo do Tamahome não é surpresa..." Touya murmurou. "Demo, concordo que ele é um baita cretino." Com isso jogou mais uma bolinha de papel no amigo em questão.
"Ah, olha a carinha dela agora, Tama-kun! Cansou a menina..." Zombou Ranma.
"P****!" Já disse que não fiz nada com ela! Não pode ser tão difícil de acreditar nisso... Eu só estava andando do lado..."
"Só! Como se andar do lado _dela_ fosse algo comum!"
"Bah, vocês gostam de torrar a paciência, não? Nem vou repetir se vocês não forem me escutar." Cruzando os braços o lutador fechou os olhos e passou a ignorar as conversas alheias. Ou ao menos tentou.
............................................................
"Não incomoda você?"
"..." Silêncio.
Kenshin sorriu enquanto guardava o material sob a classe – ele sabia que ela agiria exatamente assim. 'Tão típico de mim mesmo...' "Mas ainda acho que te incomoda."
"Um pouco." Rei finalmente cedeu e respondeu à pergunta do colega.
"Quer que eu faça-os parar?" Ofereceu-se o colega.
"..."
"Tá certo." Sorriu, recostando-se na parede.
"Só... não gosto desse tipo de atenção." Ela finalmente tirara os olhos da janela e agora hesitava em focá-los nos do colega.
"Imagino." Kenshin fez com que o olhar dela encontrasse o seu. "Que tipo você gosta?"
"Nani?" Os olhos vermelhos pestanejaram, confusos.
"O tipo de atenção que lhe agrada, qual é?" Repetiu o jovem. 'Será que ela vai se abrir?'
"Não..." 'gosto.' "Não sei." Ela disse, e desviou o olhar para o mundo além do vidro.
"Hm." 'Não desta vez.' Assim, Himura passou a observar as calorosas discussões que se passavam na sala. 'Turma peculiar, realmente.'
............................................................
"Nani?! Mais ele agora?" Shinji Ikari sacudiu a cabeça. "Tô perdido..." Deitando a testa na mesa fria, o rapaz recalculava suas chances.
"Mas você sabe que boatos sem fundamento são o q ue mais correm nesta escola." Falou Kensuke.
"Calma, Shinji... A Rei não faria isso." Touji deu uns tapinhas nas costas do amigo.
"Aa, demo... Matte!!!" 'O que eu to fazendo?!?' "Ei, ei, ei!! Quem disse que eu gosto dela???"
Em resposta à esta pergunta, o jovem Ikari recebeu os olhares mais céticos de sua vida.
"Hontou ni! Eu exagerei um pouco, eu sei. Mas, pensando bem, eu nem tenho certeza se gosto mesmo dela ou é um sentimento fraternal." Explicou-se Shinji, com um ar sério.
Em resposta à este comentário, recebeu os 2°s olhares mais céticos de sua vida.
"Fraternal??" Ressaltou Touji, mantendo seu olhar cético.
"É, sabe, como uma irmã mais nova que você quer proteger..." Shinji coçou a nuca, sem jeito. 'Onde eu fui me meter?´
"Sei. Imouto, ne? Com a qual você fica pensando em fazer coisinhas durante a noite? Acho que não, cara." Touji ergueu a sobrancelha, sem acreditar numa palavra do colega – que agora tinha o rosto corado.
"É, Shinji. O Touji aqui pode ser estúpido, mas não tanto assim. Você não vai nos enrolar, somos seus melhores amigos!"
"Mas eu falo sério!" 'Pelo menos é verdade que eu não sei o quê, exatamente, sinto por ela...`
"Kensuke... Do que você me chamou?!?" Interrompeu Suzuhara, ofendido.
"Dá um tempo, Touji. O assunto é outro."
"Tempo coisa nenhuma, Aida! Quem você pensa que é pra me chamar de estúpido?"
Shinji respirou fundo, o argumento de seus dois amigos ia durar bastante, e o professor acabara de entrar na sala. Com o canto dos olhos ele buscou a mesa de Rei e, como de costume, deixou-se levar por seus pensamentos. 'E você... o que sente, afinal?'
............................................................
O dia encerrara-se sem maiores acontecimentos. A noite já caía sobre a cidade, escurecendo o céu que já se enchia com nuvens. A previsão era de chuva intensa para o dia seguinte, como anunciava a televisão na casa da família Sohryu.
"Ih, que droga... Vai chover, você viu?" Comentou Asuka ao telefone enquanto deitava-se no sofá.
"-Vi sim. E vai esfriar também. -"
"Hm. Como foi o final da aula hoje?"
"-Ah! É mesmo... Por que você saiu?-" Perguntou Kaoru, no outro lado da linha.
"Cólica." Mentiu a garota ruiva.
"-Ahn... que pena! Está melhor?-"
"Claro, claro... Mas o que me conta?"
"-Bom... Tava rolando um boato lá, né...-"
"Qual?" Asuka pareceu subitamente interessada.
"-É, tipo... do Tamahome...-"
`Ano baka!` Desanimou-se ela quase com a mesma rapidez com que se interessara.
"- ... to Ayanami.-" Prosseguiu Kaoru, cautelosa.
"Como?" Asuka quase engasgou com sua bebida.
"-É que os dois tavam saindo juntos lá da piscina e foram assim até a sala de aula. É dizem que ficaram um tempão lá sozinhos..."
"..." 'O quê? Aquele babaca me ofende na frente de toda a escola e depois vai atrás daquela cadela?!` "Duvido que eles estejam juntos." Falou Asuka, forçando uma voz calma.
"-É, também acho.-" Riu Kaoru. "-Ela é muito esquisita!"
"Falando em esquisito... E aquela sua atração pelo novato, já passou?" Mudou de assunto a jovem ruiva.
"-Err... É que... ainda não...-"
"O que você vê nele? Pode até ser bonitinho, mas ele é estranho demais...!"
"- Pois é. Acho ele um pouco frio demais, demo... sei lá.-" Kaoru preferiu deixar a frase no ar.
"Credo. Beijar aquele cara deve ser como lamber um cubo de gelo!" Riu ela.
"-Ah, pára!-" Kaoru também preferiu rir junto com a amiga.
............................................................
Chuva, tal como a previsão do tempo anunciara poucas horas antes, caía contínua sobre a face escura da cidade. Mas a vida noturna e obscura permanecia corrente em partes menos elitizadas da cidade. Ele encontrava-se num palco que já lhe era familiar. Estivera ali na noite passada, mas naquela oportunidade viera com o intento de realizar uma tarefa. Hoje, estava ali perguntando-se por que voltara.
'Não tenho boas lembranças daqui, mas ainda assim acabei vindo.' Kenshin estava sentado no bar da boate, que parecia mais vazia que no dia anterior. Desta vez, detinha nas mãos um copo de sake, o qual sorvia eventualmente enquanto pensava e lançava furtivos olhares às pessoas em volta. Buscando.
Certos olhos negros perseguiam-no dentro de sua mente. O pensamento deixou-o inquieto.
'Por que voltei aqui?' Perguntava-se, receando já saber a resposta.
............................................................
'Malditas luzes.' Pensou a jovem, que tentava varrer a pista de dança com o olhar.
Os efeitos de luz e a fumaça, no entanto, impediam que o olhar de qualquer pessoa permanecesse muito tempo voltado para lá. E ela não era exceção. Já estava há mais de meia hora a procura do irmão, sem sucesso. Sua cabeça rodava e ela sentia-se tonta, aquele ambiente não lhe fazia bem.
Desistindo momentaneamente da busca, a garota de olhos negros dirigiu-se ao bar. Ultimamente, aprendera a beber. Desde que sua vida havia se desfeito, ela começara a encontrar alívio temporário na bebida, sua única companhia nas últimas noites. Sentando-se num banco ela pediu uma dose de sake e em goles sucessivos bebeu-a toda.
Alguns funcionários e freqüentadores do local já a conheciam de vista. Admiravam-se ao ver uma jovem de aparência tão frágil resistir tanto à bebida. Havia noites, segundo eles, em que ela bebia mais de uma dezena de doses, e saia séria como sempre.
Já no fim da terceira dose, resolveu procurar algo em sua bolsa, em vão. Tornou-se então para o homem sentado ao seu lado e perguntou, educadamente.
"O senhor poderia, por favor, me dizer as horas?"
............................................................
Himura estava entretido demais com sua introspecção para notar que alguém havia tomado o lugar ao seu lado. Ele foi resgatado de seus pensamentos apenas quando ouviu uma voz feminina e fria dirigindo-se a ele.
"O senhor poderia, por favor, me dizer as horas?"
Ao voltar olhar distraidamente para a pessoa que lhe falava, Kenshin gelou. O que ele menos esperava acabara de acontecer, e, naquele instante, os mesmos olhos negros que o perseguiam em sua memória fitavam-no mais uma vez. Sua expressão atônita não pôde durar muito tempo, pois a mesma voz dirigia-lhe a palavra de novo, enquanto ressoava em sua mente.
"Com licença?"
Himura levou a mão ao pulso, para só então lembrar que não usava relógio.
"Ah, gomen... eu não tenho horas." Gaguejou ele com uma voz incerta.
"Hai, arigatou." A jovem deixou algum dinheiro sobre o balcão e levantou-se, pedindo licença.
Mas ele não queria. Não queria lhe dar licença, queria saber quem ela era. Porém, seu estado de inércia apenas permitiu que a figura da bela jovem mais uma vez se perdesse na penumbra da boate, diante de seus olhos.
Kenshin ficou ali, perplexo, enquanto concentrava-se no aroma de hakubai kou deixado no ar por ela. Foi então que ouviu uma voz desdenhosa atrás de si.
"Ei, ruivo!"
Himura tornou-se para ver quem o chamava.
"Que cara de pau a sua, não?"
"...?" O instinto de Kenshin fizera com que seu corpo já ficasse pronto a qualquer ataque, pois sabia que as intenções do homem não eram as melhores.
"Depois do fez ontem, esperava mesmo não ser pego?" O homem aproximava-se ameaçadoramente.
"... Não sei do que você está falando."
"Não se faça de inocente!" Elevando o tom de voz, falou o homem. "Sabemos que foi você quem entrou armado aqui ontem!"
Para as pessoas ao redor, parecia ser uma discussão de homem pra homem, porém o rapaz que interpelava Himura sabia que não estava só. Havia, atrás do jovem, um outro homem com o olhar fixo em seus movimentos.
"..." Kenshin olhou para os fundos da boate e seus olhos tornaram-se mais ferozes, brilhando âmbar. 'Há um espião.' Ele lançou depois um olhar ameaçador para o segundo homem, que o observava em silêncio atrás de si, tornando então a dirigir-se ao primeiro. "Vamos discutir isso lá fora."
O rapaz, com longos cabelos vermelhos, dirigiu-se imediatamente à saída dos fundos do lugar, sendo logo seguido pelos dois homens e mais dois outros que não se fizeram notar e permaneceram distantes do jovem até então.
............................................................
Himura ofegava – três mortos. O quarto homem ele golpeava agora com sua katana. Ele mantinha sua arma sempre junto a si, a única coisa na qual podia confiar. Já se passara algum tempo desde que deixara a casa noturna. Kenshin demorou a parar de andar – só deixou seus perseguidores alcançarem-no quando achou um lugar adequado à briga. Entenda-se, sem testemunhas.
Até aquele momento, os três corpos jaziam despedaçados no asfalto. O último homem de pé já havia sido atingido no braço esquerdo e na canela. O rapaz ruivo avançava sobre ele com rapidez, empunhando sua espada.
'Já devia tê-lo matado... Será que estou muito lento?' Pensava.
Os quatros haviam rido dele ao ver sua arma – uma katana – e, assim, desfizeram-se das armas de fogo, decidindo matá-lo a facadas e chutes. 'Assim será bem mais divertido' – um deles chegou a dizer, que por acaso, foi o primeiro a tombar pela espada de Kenshin.
Agora, o último homem que restava em pé estava mais do que desesperado, vendo que sua vida logo chegaria ao fim. Com um impulso final, ele conseguiu se esquivar do golpe mortal de Kenshin e alcançar a pequena adaga que deixara cair. Reflexivamente, já que sua vida dependia disto, lançou-a contra seu oponente, virando-se e correndo para dentro da noite chuvosa sem ao menos ver se havia acertado.
"Kuso." Cuspiu Kenshin, que desviara da adaga voadora por um triz. Viu o vulto já distante do homem perder-se nas sombras. 'Como consegue correr? Quase arranquei a perna dele...' Pensava com frieza, recuperando o fôlego. "Não posso deixá-lo vivo." Murmurou entre os dentes cerrados – ele ainda sentia o sangue ferver e pulsar dentro de suas vidas.
Embainhando a katana, ele partiu no rastro de sangue que sua presa, já ferida, deixava para trás. Havia um sorriso escondido nos lábios pressionados do rapaz.
............................................................
A chuva que caía servia para abafar os sons das ruas, enquanto a jovem caminhava em meio à escuridão. Já era tarde, era certo, mas ela não sabia ao certo que horas eram. Aquele rapaz não tinha relógio e ela não chegou a falar com mais ninguém depois disso. Saíra da boate um pouco tonta, e sentia-se assim até agora. A pessoa por quem ela procurava também não apareceu e, agora, ela voltava para casa.
Carregava um guarda-chuva que, por sorte, trouxera consigo naquele dia. Mas ele não servia para protegê-la do frio – nem do frio da noite, nem do frio da alma. Encolheu os ombros, procurando algum conforto consigo mesma. O som da chuva caindo parecia insistir em hipnotizá-la, enquanto seus pés pisavam com discreta leveza no chão encharcado. O brilho que a lua agora escondia sob as nuvens negras, parecia emanar dessa figura feminina que fazia seu caminho pela noite.
Aproximou-se de uma esquina, onde a rua que ali cruzava, parecia mais escura que as demais. Foi ali que ela dobrou. E parou.
Um grito entrecortado. Alguém ofegava. Um homem partindo-se ao meio em pleno ar, bem à sua frente. Uma sensação... de algo quente, molhado, que não era a chuva. No seu rosto, nas suas mãos, na sua roupa. E o cheiro.
'Sangue.' Constatou ela, sem desviar os olhos do que via.
Kenshin acabara de matar seu último oponente e ali estava, ajoelhado, com sua katana ensangüentada ainda na mão, ofegando.
'Hakubai kou...!' O rapaz levantou o rosto para ver a jovem mulher, como se despertasse de um transe.
'Os olhos...'
'Os olhos...'
A chuva caía mais forte agora, servindo para silenciar ainda mais o mundo em volta deles. E, por longos momentos, eras talvez – nenhum deles saberia dizer -, olharam-se, enxergaram-se, viram-se, observaram-se...
Ao que o mundo parecia derreter, restando somente os dois, Tomoe abriu a boca, deixando palavras deslizarem pelo ar – palavras que não soaram originais, mas, estranhamente, encaixaram-se com perfeição para aquela ocasião.
"Anata wa... hontou ni... furesaseru no desu ne..."
Olhos escuros, dourados, arregalaram-se enquanto o coração de Kenshin pareceu esquecer-se de bater.
"...chi no..."
'...'
"...ame wo..."
A espada que Kenshin segurava na mão direita foi escorregando, sem que ele percebesse, até cair com um baque no chão vermelho.
............................................................
[Filetes vermelhos de sangue fluíam para um lago escarlate... Trajes alvos como a neve, refletindo a lua, com ornamentos púrpura... Os olhos, negros como as trevas da noite, permeavam a cena...]
Rurouni Kenshin, manga. Ato 168: Reminiscências – Parte 4: Yukishiro Tomoe *
............................................................
O sol ainda não brilhava, as nuvens ainda cobriam o céu, respingando lágrimas sobre a terra. Não havia amanhecido, e Himura Kenshin permanecia com os olhos bem abertos, fixados na pessoa deitada em sua cama.
'O que eu vou fazer...?'
Ele passara toda a noite pensando nisso, e ainda não fazia idéia de alguma resposta para essa pergunta.
'Quando ela acordar, vai fazer um escândalo... e então...'
Ele não queria pensar nisso, mas era a única resposta que ele conhecia. Matar.
'Mas... ela não teve culpa...'
Sacudindo a cabeça, ele tentou espantar o sono que insistia em dominá-lo. Não se lembrava de estar tão cansado desde seus dias de treinamento de kenjutsu. Mas naquela noite sua cabeça pesava demais, e certas palavras ecoavam incessantemente na sua mente. Fechou os olhos, voltando ao momento em que as escutou pela... primeira vez...
*_
'- "Você realmente faz chover, não é...? Uma chuva... de sangue..."–' Repetiu-se incalculáveis vezes na cabeça de Kenshin. Ao erguer o rosto, ele sabia quem veria, mas não esperava que fosse se sentir assim.
Tinha a impressão que maculara um anjo. Ela estava coberta de sangue. E ele não sabia o que sentir ao vê-la assim. Mais do que isso, ele não entendia por que se importava. Nunca se importara assim com ninguém – e ele nem sabia quem era ela... 'Então... O que está acontecendo comigo...?' As palavras e a voz dela impregnaram-se em seus pensamentos – Fria. Quente. Ele sofria de um deja vu assustadoramente real.
Ela simplesmente fitou-o com aqueles intensos olhos negros. Ninguém poderia dizer quanto tempo se passou, até o momento em que ela fechou os olhos. A jovem pendeu para frente, cedendo a uma inconsciência que pareceu surgir de dentro de si.
Naquela noite, Tomoe caiu nos braços de Kenshin. Os céus chorariam até a manhã seguinte.
............................................................
Ele a amparava com o braço e com o corpo, impedindo que caísse no chão. Com cuidado, virou-a nos braços, para que pudesse ver-lhe o rosto. Observou as feições femininas por alguns momentos, afastando uma mecha de cabelos negros com a mão. Viu as manchas de sangue sendo lavadas pela chuva, e sentiu-se aliviado por isso.
"Ela desmaiou... Mas isso não é de se espantar. Após ver todo esse sangue..." Constatou, suspirando. Mirou novamente o rosto da garota. 'Esse perfume...' Talvez ele não pudesse perceber, mas seus olhos – que até aquele momento emanavam um brilho dourado – suavizaram-se e adquiriram, pouco a pouco, uma tonalidade violeta...
Depois de mais alguns instantes olhando-a, resolveu que o melhor era sair dali logo. Seria muito pior se mais alguém o visse ali. Ele não precisava de mais testemunhas.
Ergueu a jovem inconsciente e passou-a por cima do ombro. Ela era mais leve do que parecia. Olhou em volta e viu o guarda-chuva que ela carregava no chão. Abaixou-se e juntou-o. Foi quando percebeu que a katana não estava em suas mãos.
'Eu a soltei...?'
Sem querer pensar muito sobre isso, pegou a espada do chão e embainhou-a novamente. Levantou-se e, segurando com cuidado a mulher que carregava no colo, partiu para longe da rua escura.
............................................................
Talvez por não conhecer outro caminho ou talvez por costume, quando Kenshin percebeu, estava dirigindo-se para seu apartamento. E parou ao dar-se conta disso.
'Aonde eu vou deixá-la? Não posso deixar uma mulher na rua assim... Isso não. Mas...'
Ele também não podia ficar parado. Já era de madrugada, mas qualquer um que, por acaso, passasse pela rua, acharia muito estranho ver um rapaz carregando uma jovem daquela maneira – principalmente com as manchas vermelhas de sangue sobre os dois. Decidiu, então, seguir para o único lugar onde saberia que seria seguro, e deixar para pensar depois.
............................................................
Ao chegar, largou o guarda-chuva no chão e procurou algum lugar para acomodar a garota. Andou mais um pouco e deitou-a em sua cama. Retirou a katana do quadril e encostou-a na parede. Com um suspiro, ele sentou-se numa cadeira e pôs-se a pensar.
_*
Agora, Himura Kenshin tinha que tomar uma decisão quanto ao que fazer com a jovem mulher que havia trazido para casa. Ele ainda estava de olhos fechados e, talvez por isso, não percebeu quando adormeceu, ali mesmo, sentado na cadeira.
............................................................
Foi com a chuva fina que Tamahome acordou e treinou naquele início do dia. Sempre treinava antes de ir para a escola, desde que se conhecia por gente. Aos poucos, lutar foi tornando-se seu refúgio. Seu pai nunca estava presente, sempre ocupado com viagens e negócios – este era o refúgio dele, algo para encher o vazio deixado pela morte de sua mãe. O filho foi criado com todas as mordomias, fruto da dedicação do pai, mas cresceu sem uma imagem a seguir. Sem exemplos, Tamahome construía aos poucos os pilares de seu caráter, sempre às escuras.
O rapaz tinha uma rotina simples. Resumia-se a treinar cedo pela manhã; tomar banho; ir à escola; sair com os amigos ou com alguma garota – algo que o mantivesse ocupado – e voltar para casa. Era durante a noite que, junto com o ócio, vinham os pensamentos. Tamahome odiava a noite, pois era nessa hora que lhe sobrava tempo para refletir sobre a maneira como levava sua vida. Muitas vezes, ele desejava ser fútil o suficiente para não pensar; em outras, agradecia não ser tanto a ponto de tornar-se cego e ignorante.
Logo que terminou seu treino, Tamahome tomou banho e sentou-se para o café. Quando ia começar a comer, o telefone soou em vários aposentos pela grande casa.
"Senhor..." Chamou um dos empregados.
"Pode passar." Disse Tamahome, com um sorriso. Atendeu à ligação e, depois de algumas frias palavras trocadas, desligou o telefone e voltou a comer. Sua expressão estava pesada.
"O seu pai voltará hoje?" Perguntou uma empregada, um pouco sem jeito.
"Iie." Respondeu o jovem, sem demora. E logo acrescentou. "Não se preocupem, eu vou fazer os pagamentos."
Tamahome terminou o café em silêncio, levantou-se e saiu sem dizer uma palavra.
............................................................
Eram passos ligeiros e ágeis os que dava Kaoru pela rua. Vez que outra, pulava ou desviava-se das poças na calçada. Para proteger-se da chuva, carregava um guarda-chuva amarelo – cor que se destacava alegre em meio ao cinza monótono do mundo em volta. Com a expressão preocupada, olhou as horas no relógio.
"Sete e meia!" Exclamou. 'Vou me atrasar para encontrar a Asuka! Preciso correr.'
Acelerando o passo, a jovem logo perdeu-se entre as pessoas e seus guarda-chuvas que, aos poucos, enchiam as ruas.
............................................................
No início das aulas daquela manhã, a maioria dos alunos estava mais quieta do que o normal. Alguns, talvez, pelo sono ou pelo clima chuvoso. Mas certos alunos tinham motivos bem específicos para estarem introspectivos.
Kaoru tinha duas razões para estar calada e pensativa. Uma delas referia-se ao que Asuka lhe contara mais cedo. Outra envolvia a expressão carregada do novato Himura enquanto entrava na sala.
Até Asuka, quem diria, estava quieta naquele dia. Observava com olhos ferozes o jovem Tamahome. Tinha um sorriso satisfeito nos lábios.
O próprio Tamahome não percebera os olhares que recebia. Sentou-se sem cumprimentar ninguém e, apoiando os pés na mesa, fechou os olhos. Seus amigos não se atreveram a perturbá-lo.
Shinji Ikari apoiava a cabeça nas mãos e tentava não pensar para ver se assim conseguia explicar o que sentia. Até Touji e Kensuke pareceram se contagiar com o desânimo do amigo e estavam, cada um em seus lugares, com expressões pouco felizes.
Mas se fosse para escolher a pessoa mais concentrada em seus próprios pensamentos, essa seria, de longe, Himura Kenshin. Entrara na sala com uma cara e mantinha-a até então. E não era uma cara satisfeita.
'Como pude dormir?!? E agora... Se ela avisar a polícia, ou qualquer pessoa...' Repreendia-se sem parar, o jovem. Quando finalmente acordara com o sol naquela manhã, vira a cama vazia, com os lençóis desarrumados e sujos aonde deixara a garota durante a noite. 'Por que eu fui trazer ela justo para o meu apartamento?? Perfeito, Kenshin. Agora você tem uma testemunha livre e que sabe o seu endereço e conhece o seu rosto...' O rapaz começou a pensar se não teria sido melhor se ele tivesse seguido as ordens e... 'Não.' Parou antes mesmo de começar a avaliar a questão. 'Mesmo que esta tenham sido as ordens, eu não teria conseguido silenciá-la...'
Com a fuga da jovem, Kenshin se deparava com riscos enormes. Poderia ser denunciado e descoberto. Poderiam até estar revistando seu apartamento neste momento... 'Baka. Como pude deixar isso acontecer?? Vou ter muitos problemas...' Ele decidiu que precisava encontrá-la o mais rápido possível. Cogitou a possibilidade de voltar àquele bar, onde a vira duas vezes, mas logo a descartou. 'Não posso voltar lá depois do que houve ontem...' Himura conteve a vontade de bater a cabeça na mesa. 'Onde eu fui me meter??'
Himura não conseguia explicar porque fora tão descuidado. Não entendia, também, o que havia acontecido naquela hora... Quando seus olhos encontraram os dela. Era como se estivesse nu e totalmente desprotegido. Aquele olhar intenso e profundo fazia-o sentir-se julgado e, mais do que isso: culpado.
'Kanojo wa... dare?'
De repente, a potente voz de Seijuro o despertou desses pensamentos. A aula começara. Aquele homem exercia um poder inexplicável sobre Kenshin. O rapaz não podia evitar prestar atenção em tudo o que ele dizia e até, sentir-se um pouco inferior. Isso era outra coisa que o desconfortava.
"Atenção, minna-san." Falou o professor em tom imponente, fazendo a sala silenciar-se. Uma vez satisfeito com isso, prosseguiu. "Como alguns de vocês já sabem, recebemos dois alunos novos nesta classe este ano." Disse, lançando um olhas que cobria todos os estudantes. "Fora os repetentes." Acrescentou, fulminando o olhar a algumas pessoas em especial. "Bem, o Sr. Himura já lhes foi apresentado..." Os olhos negros de Hiko encontraram brevemente os dourados de Kenshin. "... e o nome Yukishiro Tomoe já é familiar da folha de chamada – para os que prestam atenção nela, claro." Mais olhares específicos. "A Srta. Yukishiro não pôde comparecer aos primeiros dias letivos por motivos particulares, mas peço que a recebam agora." Concluiu o coordenador, fazendo menção à porta.
A notícia era inesperada, deixando os alunos surpresos. Muitos nem sabiam de uma aluna nova, outros haviam esquecido. O certo é que, ao ouvir mencionar uma nova colega, os rapazes fizeram suas melhores caras, torcendo por uma beldade.
Da porta aberta, adentrou a sala uma jovem de aparência serena e, para a alegria geral da ala masculina, incrivelmente bela. Traços suaves no rosto, pele alva e uma aparência frágil. Ela tinha longos cabelos negros e brilhantes, presos habilmente na altura da nuca. Uma franja, repicada ao longo da face, adornava seu rosto; mechas soltas caíam por sobre os ombros delicados. Com passos leves e silenciosos ela se dirigiu até o lado do professor - que parecia um gigante perto da garota - e apresentou-se.
"Yukishiro Tomoe desu." Disse, com uma breve reverência.
A turma estava catatônica. Havia algo nela que cativava e fazia parar e simplesmente observá-la. Algumas pessoas não puderam evitar fazer uma relação imediata: Havia duas Rei Ayanami na turma. Tamahome, Shinji e Kaoru, no entanto, logo perceberam uma diferença muito grande entre as duas. 'A Ayanami tem algo como... uma sensação pura e vazia... essa garota tem uma sensação triste e fria.' A aura de quem nunca teve e a aura de quem teve e perdeu.
Mas havia alguém cujo coração parara no momento em que aquela jovem dera o primeiro passo dentro da sala.
Certo de que seus olhos o traíam, Kenshin pestanejou diversas vezes, buscando, ao abrir os olhos, encontrar uma pessoa diferente da que estava ali. Mas não aconteceu. Não importava quantas vezes ele abria os olhos, de quantos ângulos olhasse, era a mulher que ele havia levado ao seu apartamento na noite anterior.
'N-não pode ser...' O rapaz estava totalmente paralizado, com o coração batendo eventualmente. Sem ar. 'O que... isso significa...?!' Seus olhos não se desgrudaram dela nem por um segundo enquanto ela dirigia-se a uma classe vazia para sentar-se, não muito longe dele.
'Yukishiro... Tomoe...' Repetia a si mesmo o nome dela, que parecia deslizar com tamanha facilidade de seus lábios... Como se já estivesse acostumado a repeti-lo por toda a eternidade. Manteve os olhos fixos nela até que viu-a virar o rosto, revelando seu perfil. Perdeu mais ainda o fôlego – se é que isso era possível – quando ela lançou-lhe um olhar fulminante, como se quisesse dizer que sabia que ele estava ali.
O primeiro período de aula seguiu seu curso normal, dentro do possível. Porém, Himura, desta vez, não tinha condições de prestar a mínima atenção às palavras do professor Seijuuro.
............................................................
Sinal. Término do primeiro período. Antes mesmo de o professor deixar a sala, os alunos já se levantavam. O rapaz ruivo ergueu-se abruptamente, com olhos incisivos ainda fixados na aluna recém-chegada. Numa fração de segundo, tinha sua mão sobre o ombro dela. Virou-a sem cuidado, obrigando-a a encará-lo.
"Precisamos conversar." Murmurou entre os dentes, para que somente ela pudesse ouvir, embora a atenção de muitos já se voltasse para o par.
"..." Sem dizer nada, Tomoe encarou-o por breves instantes, abaixando os olhos logo depois. Ela sabia que ele iria abordá-la, mas não de uma forma tão explícita e rude. Mas logo se lembrou de que ele tinha bons motivos para estar nervoso. Ela, então, levantou-se da cadeira e deixou-se levar até a porta da sala.
Ao perceber os olhares dos colegas sobre si, Kenshin removeu a mão que tinha firme sobre o ombro da colega, mas seguiu-a de perto – olhar fixo e incisivo nas costas dela. Uma vez fora da sala, o nervosismo o venceu novamente. Agarrou o braço de Tomoe com uma mão e, com a outra, apoiou o queixo da garota, obrigando-a a olhá-lo nos olhos.
"Você está me machucando." Murmurou ela, com calma, encolhendo levemente o corpo e mantendo os olhos em Kenshin.
O rapaz arregalou os olhos e, antes de soltar a garota como se a pele dela pegasse fogo, sentiu suas mãos tremerem. Afastando-se, ele evitou o olhar dela, desconcertado por suas próprias ações.
"Você..." Começou a falar Kenshin, depois de alguns momentos de silêncio. 'O que... eu ia dizer, mesmo...?'
"Desculpe se lhe trouxe problemas ontem à noite." Interrompeu ela, falando com suavidade. "Não contei nada a ninguém. Portanto, não se preocupe." Fez uma breve referência e prosseguiu, antes de dar-lhe as costas e voltar para a sala. "Eu estava bêbada."
'Nani?' Kenshin permaneceu alguns momentos onde estava, assimilando as palavras dela. Estava surpreso, de qualquer forma. 'Bêbada...?' Lembrou-se do rosto de feições delicadas dela e ficou ainda mais confuso. 'Você...?'
"Vai ficar aí fora, Himura-san?" Fez-se ouvir uma voz amigável.
"Oro?" Kenshin virou-se, para encontrar sua professora de biologia sorrindo para ele.
"Que bonitinho! Agora vamos entrando, eu tenho que dar aula." Misato riu da reação do jovem. Esperou que ele entrasse e seguiu-o, fechando a porta atrás de si.
............................................................
Durante a aula de biologia, Misato anunciou uma viagem de turma – o que só serviu para dispersar a atenção da turma. Os alunos do 3G partiriam, dali a uma semana, para um acampamento onde, teoricamente, teriam que fazer pesquisas para as diversas matérias. Buscando cativar os alunos novamente, a professora anunciou um trabalho em grupo a ser realizado na biblioteca e finalizado durante a viagem.
Sete grupos logo foram formados de acordo com a escolha aleatória da professora Katsuragi. Tamahome e Ayanami caíram no mesmo grupo, junto com Touya e Akemi, para desgosto de uma certa colega ruiva. Himura e Yukishiro, ambos novatos, ficaram com Shinji, Kaoru e Ranma. Asuka acabou por pegar o grupo que incluía Kensuke, Touji e mais duas garotas. O incentivo para os alunos não poderia ser mais motivador... o melhor trabalho ganharia um ponto a mais na média final.
Quando os estudantes já estavam no corredor, se depararam com o diretor, que cantarolava e assobiava enquanto passeava pela escola. Era uma figura pacata, o velho Fuyutsuki.
"Dizem que ele não bate bem..." Sussurrou Kaoru para uma amiga a seu lado.
A jovem de rabo-de-cavalo recebeu, inesperadamente, um olhar incisivo do velho senhor que lhe causou calafrios. O diretor, no entanto, logo adquiriu uma expressão faceira e acenou para ela, que seguiu confusa, conduzida pela amiga.
............................................................
*
............................................................
[Fim do Capítulo 2 – Callisto]
............................................................
Traduções:
Nani: Quê/O quê
'Kanojo wa... dare?': 'Quem é ela?'
Iie: Não
Baka: Idiota/Burro/Estúpido (Ororo! =P)
Katana: Espada japonesa.
Hakubai kou: Perfume da Ameixeira Branca (a fragrância da Tomoe)
Kuso: Ô.o Merda. =P
'Nan da?': O quê?
Hai: Sim
Dare: Quem
'Anata wa hontou ni furesaseru no desu ne... chi no ame wo': A famosa frase que a Tomoe diz quando encontra o Kenshin pela primeira vez (?)*³, retirada do OVA. A do manga é um pouco diferente, principalmente se for a do manga brasileiro. A frase que se repetiu na cabeça do Kenshin foi tirada do manga em português. Mas, no fundo, é tudo a mesma coisa, ne?
Aa: Sim (mais informal)
'Kirei da, ne': Literalmente, 'Bonita, né' Tipo... o cara vê uma mulher bonita e faz um comentário assim...
Wakarimashita: Entendi.
Konbanwa: Boa noite.
Tadaima: Estou de volta em casa. (Algo assim, ne!)
*Trovador: Err... Bom, não sei se usa-se esse termo em outros lugares... Mas por aqui seria algo como um cara 'garanhão' que pega várias gurias... Bom de papo... etc. (u.u")
*²: Vocês entenderam o sentido dos 'Ahh's né? (sejam maliciosos... =P)
*³: Coloquei o '?' porque (talvez quem tenha visto os OVAs adivinhe) de fato, o Kenshin e a Tomoe trocam seu primeiro olhar sob a chuva de sangue, numa noite em Kyoto. Mas, no entanto e porém, há quem se lembre do comentário do Iizuka sobre uma bela mulher enquanto ele e o Kenshin caminhavam durante o dia pela cidade. O Kenshin se vira para ver quem era e... TXARAM! Tomoe está parada do outro lado da rua! Ele fica observando-a até que ela parece perceber o olhar e vai virando o rosto para ver, ao mesmo tempo que o Kenshin vai desviando seus olhos dela. Então, o olhar deles não chegou a se encontrar daquela vez e, quando ele olhou mais uma vez para o lugar onde a Tomoe estava segundos antes..., ela havia desaparecido. (Araaa! Isso não lembra ninguém de alguma coisa? Alguma coisa extremamente parecida... Só que entre um ataque de anjos e robôs humanóides gigantes... ^-^")
............................................................
Notas:
Ara, ara! Vocês devem ter percebido – ou não – que eu usei frases do manga original de Rurouni Kenshin nesse capítulo... Bom, eu simplesmente não pude evitar! Eu sou apaixonada pela história do Kenshin e da Tomoe, então vocês podem imaginar o estado em que eu estou com esses números do manga aqui comigo... *Êxtase XD~~~* Mas eu vou tentar me controlar... Se bem que com a chegada dos novos números do manga de Eva vai ficar difícil. E põe difícil nisso... Ah! Quase esqueci de falar do fic... Esse capítulo foi feito quase que exclusivamente a mão. Digo, eu escrevi ele com lápis, quando eu não tinha acesso ao computador... É bem possível que a narrativa tenha mudado de estilo porque eu mesma mudei um pouco com tudo o que passei, e várias partes foram escritas sem a DarK_Rei. Mas não se preocupem... Se estiver decaindo muito, me avisem que eu dou um jeitinho... Ok? Era isso, eu acho! Kisu... Ja!
Tomoe Ayanami.
............................................................
[Próximo capítulo: Pasiphae]
