Capítulo Três - Anjos ou Demônios?
Draco entrou assoviando em casa naquela manhã. Tinha conseguido ótimos negócios para sua empresa. Agora era dono de um banco. E tinha conseguido ampliar muito o seu patrimônio durante a guerra, emprestando dinheiro bruxo para os aliados trouxas e cobrando juros altíssimos depois. Realmente tinha aderido a um modo de vida totalmente trouxa - e feito isso a pedido de Gina.
- Doçura? - ele chamou pela casa. - Cheguei - disse, recolhendo a correspondência.
Draco andou pelo apartamento, procurando por ela. Estranhou não encontrar o gato. Salt sempre miava alto, avisando que ele tinha chegado, e se escondia embaixo de algum móvel.
- Virgínia? Meu anjo? - chamou de novo.
Draco caminhou até o quarto e encontrou uma carta com o nome dele apoiada na penteadeira. Um maço de dinheiro repousava sob um vidro de perfume. Ele franziu a testa. Esticou a mão e a abriu enquanto se sentava na cama.
"Draco,
Eu espero que acredite que eu realmente sinto muito. Porque eu sinto mesmo. De verdade. Eu não esperava que as coisas tomassem esse rumo. E sinceramente eu não queria que isso acontecesse dessa forma." Ele respirou fundo, passando a mão pelos cabelos. "Eu não queria magoar você. Mas eu sei que é inevitável. De um jeito ou de outro eu acabaria magoando.
Eu fui embora. E isso lhe parece óbvio agora. Mas não pense que a culpa é sua, porque não é. Você não fez nada errado. Eu estraguei as coisas. Eu me coloquei em uma situação difícil. Eu menti para mim mesma por tanto tempo. Eu menti para você. E isso é o que me dói mais. Eu não suportava mais fingir ser algo que eu não sou. Viver a vida de outra pessoa. Eu não poderia fazer você feliz. Acredite, eu sei. Uma pessoa só pode dar felicidade à outra quando sente esse sentimento pulsando dentro da si. E eu não sentia. Já não sinto há muito tempo. E você deve ter reparado. Eu nunca me encontrei em nada que fiz porque eu me perdi antes de iniciar essa nova etapa das nossas vidas. E é por isso que eu fui embora. Para me encontrar. Eu não pude esperar para dizer isso olhando para você. Eu não suportaria olhar nos seus olhos. Eu sei que você deve me odiar agora. E eu acho que mereço. Mas eu não podia fazer diferente. Não espero que você me perdoe. Eu não poderia querer isso, nem te pedir isso. Seria cruel e injusto.
Eu não posso dizer que te amo. Eu nunca disse isso a você... E é outra coisa pela qual eu sinto muito. Eu tentei amar. Tentei sentir. E você fez tudo para que eu sentisse. Eu apenas não consegui. Pelo menos não da forma que eu deveria e que você merecia. Mas eu te amei de várias formas. Como amigo, companheiro, até como amante. Eu só não pude amá-lo como merecia, como o marido que eu escolhi. Mas espero que encontre uma mulher capaz de fazer isso para você. De torná-lo completo. Você, mais do que ninguém, merece isso.
Adeus e obrigada por tudo.
V.W.
PS: Eu quero que aceite os três mil marcos. É o que Salt custou a você. É o dinheiro da venda de um de meus quadros."
Ele percorreu a carta com os olhos. Não podia acreditar. Ela sequer tinha assinado o nome de casada! Dentro do envelope encontrou a aliança de ouro - com o nome dele e a data do casamento - e o anel de noivado que tinha dado a ela. Segurou-os com tanta força na mão que o diamante saliente lhe produziu um corte, manchando os lençóis brancos da cama com o sangue. Ele não se importou. Saiu porta afora como um raio, os olhos cintilavam emoções que nunca tinha experimentado em relação a ela.
Ele sentia ódio de Virgínia. Ódio por ela tê-lo feito abandonar toda uma vida e então o abandonar da forma mais cruel e desprezível que poderia. Pensava que gostaria de vê-la morta enquanto descia as escadas até a portaria. Mas sabia que não isso era verdade, que estava apenas descendo para se certificar de que ela não estava esperando por ele lá embaixo, arrependida de tudo. E ele a receberia de volta, de braços abertos, e faria amor com ela a tarde toda, como tinha pretendido. Mas ela não estava na portaria. Apenas o zelador ouvia no rádio o noticiário da manhã. Este se aprumou quando Draco apareceu em frente a ele.
- Herr Malfoy? O senhor já voltou? - perguntou em alemão. Parecia desconfortável e Draco presumiu que sabia de alguma coisa.
- Não Hans. Eu ainda estou de viagem... - respondeu de modo grosseiro, esquecendo-se da promessa que tinha feito a Gina de nunca mais tratar mal os subordinados. Agora ela não estava mais ali. Não tinha mais sentido algum manter uma promessa idiota como aquela. - O que você está olhando? - perguntou para o homem, que observava o sangue escorrer pelo braço e pingar no tapete persa do Hall de entrada. O zelador apontou para a mão dele, e Draco a abriu, percebendo o corte na palma e os dois anéis de ouro banhados em sangue.
- O senhor deve saber que sua esposa viajou - ele disse, nervoso. Draco franziu a testa.
- Ela não é mais minha esposa – respondeu com amargura na voz. - Ela foi embora - completou, mais para se convencer do que para dar uma satisfação ao homem. O zelador não sabia o que dizer então disse o que achou melhor mas a escolha não poderia ter sido pior.
- É, senhor... O irmão dela veio buscá-la ontem pela manhã - disse em tom aflito. Draco apertou os olhos.
- Um Weasley? O Weasley veio aqui? Ronald Weasley? - perguntou para o zelador, que deu de ombros.
- Eu não sei o nome dele, Herr Malfoy - Draco se aproximou com o olhar ameaçador e ele prosseguiu. - Era um homem alto, magro, cabelos pretos e olhos claros. Eu não sei o nome dele. Eu só reparei na estranha cicatriz que ele tinha na testa e nos óculos que usava - Draco segurou o homem pelo colarinho.
- POTTER! - berrou agora, sem se preocupar em falar em alemão. - O maldito Potter. Sempre ele... - prosseguiu, olhando para o teto e largando um Hans apavorado. - Obrigado Hans - disse secamente e subiu as escadas com uma idéia em mente. - Aquele desgraçado vai ver só uma coisa - ele sorriu.
Entrou em casa e foi ao mesmo closet que Gina havia aberto para pegar a mala. Draco afastou seus ternos de griffe e arrancou o fundo falso do armário. Escondido ali atrás havia um cofre. Girou a combinação e a pequena porta se abriu. Lá dentro havia uma pequena caixa comprida. Ele sorriu.
Abriu a caixinha e pegou a sua velha varinha. Ele não a tinha quebrado, como Gina tinha feito com a dela. Havia deixado de lado mas não desistido completamente da magia. Rodou a varinha entre os dedos. Apontou para o vaso de plantas que tinha sido quebrado por Salt.
- Collatio! - uma luz azul subiu em espirais pelo vaso, juntando todos os cacos. Draco sorriu. - Expllodere! - o vaso explodiu em mil pedaços com um estrondo. Ele deu uma gargalhada, satisfeito pela sua habilidade em magia estar preservada. - Ele não sabe com quem está lidando. Ele vai ver no que dá provocar um Malfoy - disse para si mesmo. E desaparatou. Era o fim da sua vida como trouxa.
Gina sentiu um aperto no peito depois que Harry saiu do vagão. Ela se recompôs. Lavou o rosto e se vestiu para o café da manhã. Esperou por ele na mesma mesa do dia anterior mas Harry não veio. Sentiu-se tola e entediada, olhando para a paisagem passar lentamente do lado de fora. Ergueu a mão e a garçonete veio atendê-la.
- Por favor, o Sr. Potter, aquele rapaz que me acompanhou ontem no almoço - a moça acenou, mostrando que sabia a quem ela se referia. - Ele não veio tomar o café? - perguntou, curiosa. A garçonete pediu licença para verificar e voltou rapidamente.
- Eu não poderia lhe informar - ela disse, disfarçando enquanto fingia tomar nota do pedido de Gina - mas parece que ele pediu que o café fosse levado até sua cabine. Provavelmente não se sente bem - acrescentou. - Eu só estou dizendo isso porque, pelo visto, ele é seu amigo - com a última frase ela se retirou, deixando uma Gina pensativa para trás.
- É, ele é meu amigo... - ela murmurou para si mesma, melancólica. Ainda podia sentir o corpo inteiro vibrar pela noite que tinha passado com ele.
Gina saiu do vagão restaurante e passou pela cabine de Harry. Parou em frente à porta, na dúvida se deveria ou não bater. Por fim preferiu respeitar sua privacidade. Passou a mão pela madeira escura da porta de Harry mas ouviu um barulho lá dentro e entrou assustada na própria cabine. Assim que fechou a porta se encostou nela, arfando. A mão no peito, que subia e descia depressa. Parecia uma criança medrosa.
- Droga. Estamos juntos há um dia e eu já estou apavorada - depois de alguns minutos ela escutou batidas na própria portae se sobressaltou.
"Ai meu Deus! É ele...", pensou, nervosa. Respirou fundo e abriu a porta. Não era Harry. Ela se sentiu aliviada mas, ao mesmo tempo, decepcionada. Era o cobrador.
- Srta. Weannie, seu tíquete por favor - ela sorriu, desconcertada.
- Aqui está. E é Srta. Weasley - ele acenou com a cabeça.
- Me desculpe, sua cabine está registrada nesse nome - ela sorriu. Provavelmente tinha sido um erro de quem registrou as passagens.
- Estamos chegando? - ele acenou a cabeça afirmativamente e se dirigiu à cabine de Harry.
- Sr. Potter? - ele bateu. Gina ouviu sua voz abafada. - Sr. Potter? - novas batidas na porta. Ninguém respondeu. Ela o ouviu abrir a abriu a porta da cabine de Harry. E escutou o cobrador ligar o walktalkie. Um apito e um zumbido se ouviram do lado de fora. - Sherman? - ele falou para a outra pessoa do outro lado. - Você pegou a passagem do Sr. Potter, Harry. Cabine 14? - ele deu uma pausa. - Não? Verifique se ele está no vagão restaurante, por favor - alguns minutos de espera. Gina colou o ouvido na porta. - Ele não está aí? Como? Eu recebi ordens diretas de encontrá-lo - disse a última frase para si mesmo. Gina arregalou os olhos. - Tudo bem, eu vou verificar no banheiro masculino - ela ouviu os passos do homem se afastarem e abriu a porta.
Olhou para os dois lados e não viu nenhum sinal de Harry. Ficou preocupada. Verificou se alguém estava olhando e abriu a cabine dele. Não havia nem sinal de Harry. A bolsa dele estava em cima da cama, aberta. Ela olhou lá dentro e não viu sua carteira. Será que o homem a tinha roubado? Começou a tirar as coisas de dentro da bolsa quando, do nada, uma mão lhe tapou a boca. Gina esperneou, tentando se desvencilhar. Harry saiu de baixo da capa de invisibilidade de seu pai.
- Sou eu. Calma - ele sussurrou em seu ouvido e retirou a mão que ainda a impedia de gritar.
- Harry? - ele ouviu um barulho no corredor e jogou a capa sobre ela, cobrindo os dois.
- Nunca se sabe quando vamos precisar ficar incógnitos - ele se referiu à capa. - Shhhhhh! - disse em seu ouvido enquanto a apertava contra si. Gina sentiu as pernas bambearem.
Foram ouvidos alguns barulhos na cabine ao lado, na de Gina. Harry a segurou firme, sentindo que ela estava trêmula. Fez um gesto com o dedo sobre os lábios, vendo que ela queria perguntar algo. Estava atento e preocupado. Seu coração batia forte e rápido e ela sentia contra o próprio peito, como na noite anterior. Ficaram em silêncio total e conseguiram ouvir os dois homens conversando.
- Então a tal Weannie era a Weasley que deveria estar com o Potter? - ela reconheceu a voz do cobrador. Trocou um olhar preocupado com Harry; ele apertou os olhos. - Ela estava aqui há pouco. Não deve ter ido muito longe, Sherman - completou.
- Talvez ela tenha entrado na cabine do comparsa dela.
"Comparsa?", Gina pensou. Agora estava sendo tratada como se fosse uma criminosa. Harry se encostou com ela na parede, o mais longe possível do caminho. Os dois homens abriram a cabine e olharam as coisas dele espalhadas pela cama.
- Bem, um dos dois voltou aqui. Estas coisas não estavam espalhadas, Sherman - o cobrador afirmou. O outro retirou um lenço sujo do bolso e enxugou o suor do rosto.
- Nós temos que achá-los. Se estão neste trem temos que achá-los. E antes que cheguemos à estação em Bruxelas - ele se dirigiu à janela, bem próximo da onde Harry e Gina estavam encobertos pela capa de invisibilidade.
Ela prendeu a respiração enquanto ele a enlaçou pela cintura, encolhendo-se ainda mais com Gina.
- Não vai perder tempo abrindo essa janela, Sherman. A maioria dessas porcarias está emperrada. Você vai acabar suando mais - os dois riram e saíram.
- Vamos nos dividir - Harry e Gina ouviram o cobrador falar. - Temos que achar esses dois - eles escutaram os passos se afastarem.
- Harry... - Gina colocou a mão na boca e deixou escapar um gemido de pânico. - O que você acha que eles querem com a gente? - perguntou, nervosa.
- Ora, Gina. Você não tem nenhuma idéia? - ela deu de ombros. Estava começando a suar debaixo da capa. - É óbvio que seu maridinho está usando a influência e o dinheiro dele para nos achar. Por que você acha que eu dei um nome falso para comprar a sua passagem? - ela arregalou os olhos. - Eu só não sei como ele ligou a sua partida a mim. Eu sei que você não mencionou que eu iria te buscar naquela carta, mencionou? - ela sacudiu a cabeça.
- Não... Hans - lembrou de repente. - O zelador viu você comigo. Não deve ter sido difícil para o Draco descobrir que você tinha ido me buscar - disse, angustiada. - Meu Deus, ele deve estar pensando que eu e você... - Harry torceu os lábios para ela. Gina fez uma careta. - É, eu sei que nós... Bem, mas tecnicamente nós não... E eu também não... Ah! Você me entendeu... – disse, desconcertada.
- Não adianta você se preocupar com isso agora. Temos que sair daqui. Eu creio que ele não vai ter uma recepção muito calorosa para nós dois se pensa realmente o que você acha que ele pensa - Gina sacudiu a cabeça. Harry tirou a varinha do bolso. - Eu vou tirar nós dois daqui, rápido - ele ajeitou a capa sobre ambos e manteve a varinha pronta para se eventualmente precisasse estuporar alguém.
Harry sabia que poderia alterar a memória dos dois tripulantes mas não queria passar por cima da ética de convívio entre trouxas e bruxos, tampouco desrespeitar as leis do Ministério da Magia. Abriu a porta e, certificando-se de que não havia nenhum sinal dos dois homens, saiu andando pelo corredor. Caminharam até a parte traseira do trem. Ela ficou olhando a paisagem passar depressa e o trilhos correrem debaixo deles.
- Nós vamos ter que pular, Gina - ele disse, decidido, e ela arregalou os olhos.
- Está louco? Nós vamos morrer... – respondeu, nervosa; ele riu.
- Eu sei - ela olhou séria para ele. - Estou brincando - ela franziu a testa. - Eu trago sempre comigo duas coisas da maior importância. Na verdade três - completou.
- E o que são? - ele piscou o olho, dobrando a capa.
- A capa do meu pai, cuecas de algodão - ela fez uma careta. - Eu tenho alergia ao poliéster - completou, sério. - E isto - esticou algo miúdo para ela. Gina forçou os olhos. - Amplificus! - apontou a varinha para o objeto, que se revelou.
- Uma vassoura? – Gina perguntou, feliz; Harry sorriu.
- É. Uma Firebolt Thunderpower 3000 - completou, orgulhoso. - Mas vamos ter que ser rápidos. Venha - ele subiu na vassoura e esticou a mão para ela.
- Harry... Eu não vôo há muito tempo - ela hesitou. Harry olhou dentro dos olhos castanhos de Gina.
- Você confia em mim? - ela sacudiu a cabeça. – Venha, eu não vou deixar você cair - ela pegou sua mão e montou atrás dele, segurando-o pela cintura. Harry deu um impulso e em dois segundos estavam fora do chão.
