Capítulo Seis - No Olho da Tormenta

Quando Harry abriu os olhos se espantou. Hermione estava à sua frente. Tinha o rosto lavado de lágrimas. Ela o abraçou forte.

- Eu achei que você fosse morrer - ela disse, chorosa. Ele se mexeu na cama e sentiu uma forte dor no corpo.

- Onde eu estou? - perguntou, curioso.

- Num hospital bruxo. Nós transferimos você do hospital trouxa assim que estabilizaram seu sangramento.

- Gina? - tentou sentar mas novamente não conseguiu; Mione suspirou.

- Eu fui avisada pelos meus pais que tinha havido um tiroteio no Depósito Municipal de Animais. Então imaginei que o plano tivesse dado errado e fui visitar o ferido no hospital. Aí consegui a sua transferência para este hospital bruxo - suspirou. - Não consegui saber nada sobre Gina. Parece que a memória de todos havia sido já apagada - Harry fechou os olhos.

- Ele a pegou, Mione. Tenho certeza. O maldito do Malfoy a tirou de mim de novo. Mas eu temo o que ele possa fazer com ela. Ele deve estar realmente furioso... - Mione parecia tão aflita quanto o amigo.

Harry estava absolutamente certo. Draco estava com estava com ódio dela. Um ódio tão forte que não cabia dentro do peito. Ela o havia feito de idiota. Havia usado o que ele sentia por ela. Pior, havia feito-o sentir. Sentimentos que não deveriam estar dentro dele tinham preenchido o vazio que sempre teve moradia certa em seu coração gelado. Ela o fazia se sentir fraco. Fraco e patético.

Draco queria poder arrancar o próprio coração. Arrancaria se não fosse um órgão vital. Se o que sentisse por ela estivesse guardado num braço ou numa perna seria tão mais fácil... Ele se ocupava agora em destilar toda a raiva que tinha sentido. Toda a humilhação que ela o havia feito passar.

Tinha conseguido recuperá-la. E agora Gina estava na sua mansão. Exatamente onde ele queria. Onde havia sido criado e aprendido a apreciar o sofrimento no seu mais puro significado. E agora aquelas paredes a fariam sentir o mesmo que ele. Ela se arrependeria de ter feito aquilo. Logo ela, uma Weasley miserável... Ele tinha proporcionado a ela uma vida de princesa, com todos os mimos, todos os caprichos atendidos, algo que ela nunca teria. Maldição, ele tinha vivido dois anos como um trouxa desprezível, tudo por causa dela. E como ela tinha agradecido?

- A maldita fugiu de mim. Me traiu. Eu sempre fiz tudo o que ela quis e ela fugiu de mim. Com Potter. Malditos - ele repetiu várias vezes para si. - Ninguém faz isso comigo. Não com Draco Malfoy - tentava se convencer enquanto caminhava até onde ela estava sendo mantida.

- Senhor! - um homem alto o saudou solenemente, com uma reverência. Ele guardava a porta do quarto em que ela estava.

- Saia - disse para o homem, que apenas acenou com a cabeça e se retirou. Ele acompanhou o homem com o olhar até que esse virasse o corredor.

Quando estava sozinho colocou a chave na fechadura e abriu a porta. Certificou-se de que a chave estivesse bem guardada consigo. Não estava com a varinha. Queria enfrentá-la como homem. Não como bruxo.

Ele a adivinhou na penumbra do quarto. Estava sentada encolhida, recostada na parede, a cabeça entre os joelhos. Olhava a paisagem do jardim dos Malfoy. A lua nova e a noite, mal iluminada por esparsas estrelas, davam ao labirinto feito de arbustos um aspecto ainda mais sinistro. Ela sentiu que não estava mais sozinha.

- Eu estava imaginando quando você ia ter coragem de entrar aqui... - disse com a voz monótona.

Ele caminhou devagar até ela. Gina ergueu o rosto marcado por traços de lágrimas e encarou seus olhos cinzentos.

"Maldição!", pensou. "Ela tinha quer ser assim tão linda?", tentou afastar a imagem deles juntos no apartamento de Berlim de seus pensamentos mas não estava sendo muito feliz nisso.

- O que você vai fazer comigo, Draco? - perguntou no mesmo tom de antes; ele respirou fundo.

- Como você ousa me fazer uma pergunta dessas? - disse, irritado. - Que tipo de maníaco você pensa que eu sou? - prosseguiu com os olhos faiscantes. Agora estava de pé à sua frente e se abaixou, chegando o rosto a poucos centímetros do seu. Ela engoliu em seco, passando a língua pelos lábios secos.

- Eu não sei... O tipo que deixa a esposa passar um dia inteiro sem beber água? - respondeu imediatamente.

- Não me desafie. Eu acho que estou sendo até muito gentil com a minha esposa adúltera – disse, um brilho maldoso no olhar. Gina arregalou os olhos. Ele esticou a mão para segurar seu queixo mas ela se inclinou para trás, afastando-se do toque dele. - Você está com medo de mim, Virgínia? - ela respirou fundo, tentando se acalmar. Tinha passado dois anos da sua vida casada com ele e não o conhecia o suficiente para lhe dar uma resposta segura. Apenas tentou ganhar tempo.

- Não sei. Eu deveria? ele deu um sorrisinho malicioso.

- Em todos os anos que namoramos, em todos esses anos em que vivemos juntos, eu nunca dei motivos, sequer uma vez, para que você tivesse medo de mim, dei? -  perguntou, ressentido. Ela abaixou a cabeça e a sacudiu negativamente. - Então por que você está me olhando como se eu fosse alguma espécie de monstro, agora? - ela ergueu os olhos cheios de lágrimas para ele.

- Você quer que eu olhe como para você, Draco? Você mandou os seus capangas me perseguirem, me seqüestrarem, aquele cretino atirou no Harry... – disse, a voz fraca. Ainda temia que estivesse morto, mesmo também tendo ouvido a sirene da ambulância. - Você o matou - disse em um soluço. - Simplesmente o matou -  não se conteve e avançou para ele, que segurou firmemente os pulsos dela.

- O maldito não está morto... Infelizmente, se lhe interessa saber - disse, irritado, deixando-a surpresa.

- Por que você me trouxe aqui? - perguntou, soltando-se dele.

- Eu deveria supor que se quisesse conversar com você era só ir até a casa do Potter e você me receberia por livre e espontânea vontade? - perguntou em tom debochado e agressivo.

- Você sabe muito bem que não – respondeu no mesmo tom e ele riu.

- Muito bem, então pelo menos em uma coisa nós concordamos. Os fins justificam os meios, afinal - zombou da situação.

- O que você quer comigo?

- O que você acha, Virgínia? Você ainda é minha esposa. Eu tenho certos direitos sobre você... – ele estava sério, ela tremeu.

- Draco, não... Eu não posso mais voltar e... – disse, sem ter certeza do que dizia, fazendo-o rir.

- Eu não estou pedindo uma reconciliação, Virgínia. Apenas uma despedida – murmurou, a voz rouca, parecendo-lhe completamente insano. - Você me deve isso... - completou, erguendo-a nos braços e levando-a até a cama.

- Draco, eu não...

Ele não a deixou terminar. Colou os lábios nos seus com violência, matando uma parte da saudade imensa que sentia. Beijou-a devagar, sentindo o gosto que tanto ansiava sentir, saboreando cada minuto daquilo. Ela tentou se soltar do beijo mas ele a apertou forte, segurando seus braços para trás. Ela sentiu nojo dele naquela hora. Nojo e raiva.

- Não! - ela disse virando o rosto. - Você está me machucando - completou. Ele a soltou, o ódio cintilando nos olhos cinzentos.

- Eu deveria matar você - ela arregalou os olhos, apavorada. - Mas eu não vou fazer isso. Seria muito pouco para você. Eu prefiro que você passe o resto da sua vida miserável remoendo a culpa de ter sido tão baixa e vil - ela virou o rosto, envergonhada. - Eu desprezo você, Virgínia - disse amargamente. - Você se acha muito boa, não é mesmo? A bondosa e certinha Virgínia. Pois saiba que você é bem pior do que eu, meu anjo. Você é falsa, dissimulada - ela sentiu os olhos se encherem de lágrimas. Não sabia que a mágoa dele era tão profunda. - Eu nunca fui falso com você. Nem com ninguém. Nunca fingi gostar da sua maldita família de esfarrapados. Nunca - ela se sentou na cama, as lágrimas escorriam dos olhos assustados. - Não ouse me olhar assim... – disse, irritado, o tom de voz alto. - Como se você fosse a grande vítima aqui. A vítima sou eu. EU - ele berrou a última palavra. - Eu fui enganado, traído, usado. Você me fez de idiota, me fez jogar a minha vida fora. Eu perdi o respeito da minha família por você. Eu deixei de ser um bruxo temido para me tornar um desprezível trouxa ao seu lado - ela soluçava agora. O que ele estava fazendo era pior do que se ele tivesse lançado a maldição Cruciatus. - Você é uma cobra traiçoeira. Deveria ter ido para Sonserina. Teria feito uma bela carreira por lá... - ela tremia, a cabeça baixa. As lágrimas pingavam na cama, deixando marcas redondas no lençol. - Vai ficar em silêncio? Não vai tentar se defender? Ah! Talvez queira justificar o seu comportamento de alguma forma, não é mesmo? – disse, aproximando-se. - Mas eu não vou permitir isso, Virgínia. O que você fez é injustificável. Estou falando com você, maldita seja. OLHE PARA MIM - gritou, ela ergueu a cabeça, encontrando seus olhos cinzentos e impiedosos.

- Eu sinto muito, Draco. Eu juro. Eu sinto mesmo... - disse, a voz trêmula e fraca. Ele sentou à sua frente, olhando demoradamente dentro daqueles olhos castanhos que tinham sido por muito tempo a única luz da sua vida.

- Espero que sinta muito mesmo e que isso se torne tão insuportável que a faça não querer mais viver. Saiba que eu te amei - disse secamente. - Tanto que não seria capaz de dizer o quanto. Eu nunca pensei que pudesse sentir isso por ninguém. Não da forma como eu sentia por você - ela respirava fundo, tentando controlar as lágrimas que escorriam quentes pela face rubra. - Me responda só uma coisa. Foi tudo uma grande mentira, Virgínia? - disse com mais calma agora, segurando o queixo dela com uma quase ternura. Gina procurou se controlar, respondendo com a voz chorosa.

- Não Draco. Não foi uma mentira - ele procurou verdade nela. - Pelo menos não para você - ele pareceu pouco convencido.

- Eu não acredito em você. Tudo em você soa falso, fingido. Você é uma grande mentirosa - soltou-a, aborrecido.

- Não... - ela iniciou. - Era uma mentira para mim, eu confesso, mas não para você... Eu menti para mim mesma. Mas quando eu descobri fui embora. Não era justo fazê-lo passar por isso - disse calmamente, as lágrimas escorriam dos olhos castanhos e ele leu sinceridade neles. - Eu nunca tive a intenção de magoar você – disse, passando a mão por seu rosto. Ele a deteve, fechando os olhos e sentindo o toque da pele na sua. Ficou em silêncio por alguns minutos.

- Eu odeio realmente você. Você não imagina o quanto - ele disse, retirando a mão dela do rosto. Gina sabia que Draco queria dizer que a amava, apesar da raiva e mágoa que estava sentido.

- Eu sei disso – olhava nos olhos cinzentos dele, nos quais parecia estar se formando uma grande tormenta.

- Espero que você seja muito infeliz, mesmo, com o maldito Potter - disse em tom amargo.

- Isso significa o quê? – perguntou, curiosa.

- O que você acha? Que eu ia mantê-la aqui para sempre e esperar o garoto cicatriz vir aqui te resgatar? - deu uma gargalhada cínica. - Você pode ir agora - entregou a chave na mão dela. - Caia fora. Suma das minhas vistas. Antes que eu mude de idéia e exija os meus direitos de marido na marra – acrescentou em tom ameaçador.

- Você não faria isso – provocou, ficando de pé; ele deu um sorriso maldoso com o canto dos lábios.

- Não me tente a fazer, Weasley - respondeu maliciosamente.

- Eu vou correr o risco - ela caminhou até ele e o abraçou. Draco fechou os olhos, aspirando o perfume dela, guardando-o na memória. Ela tocou os lábios de levinho nos dele, dando-lhe um beijo carinhoso. - Espero que possa me perdoar um dia, Malfoy - machucou quando ela o chamou como nos tempos da escola.

- Eu nunca vou perdoá-la. Você vai ter que viver com isso, se for capaz... - disse, ressentido.

Ela abriu a porta e saiu. Draco sabia que nunca mais a veria. Pelo menos não mais daquela forma e que a melhor coisa que poderia fazer era ir para a Alemanha, se desfazer do apartamento e de tudo que o fazia se lembrar dela. Virgínia Weasley agora era parte de seu passado.