Capítulo 5 – Um Milhão de Lágrimas Derramadas

Nicolle passou a noite em claro. De manhã tinha os olhos vermelhos e inchados. Foi inevitável que sua mãe percebesse que algo estava muito errado. Alicia bateu na porta do quarto e a encontrou deitada na cama, encolhida. Sentou-se na cabeceira e colocou a filha em seu colo.

- O que foi, Nikkita? – disse, fazendo cachinhos nos cabelos ruivos da filha, que suspirou.

- Ah mamãe. Eu não queria falar sobre isso agora. Eu não posso apenas ficar aqui em seu colo para sempre? - respondeu, virando o rosto para Alicia.

- Até poderia meu amor. Mas eu não vou durar para sempre. Você precisa arranjar um "colo" substituto... - ela deu uma pausa. - E eu achei que tivesse arranjado... - Nicolle se levantou da cama.

- Que droga mamãe. Eu vou demitir Paolo. A senhora fica sempre sabendo de tudo antes de eu contar. É tão revoltante... Já pensou que poderia ser uma grande fofoca e uma grande mentira? - Alicia sorriu.

- Bem, eu até poderia achar que era mentira se eu não a conhecesse bem para saber que as lágrimas que escorreram desses olhinhos azuis têm um nome masculino - Alicia acrescentou em tom irônico; Nicolle bateu de leve o travesseiro na mãe.

- Mamãe, a senhora é terrível, sabia? - a outra mulher sorriu.

- E o que você queria? Eu te coloquei no mundo. Ninguém te conhece mais do que eu... - Nicolle abaixou a cabeça.

- Eu nunca poderei conhecer alguém dessa forma - Alicia segurou a mão da filha.

- Não seja precipitada, Nikkita. Sempre há um modo. Você poderia ado... – ela cortou a mãe.

- Não. Eu não quero mais falar disso. Eu passei muito tempo fazendo análise para ter que enfrentar isso de novo. Por isso eu escrevo. Assim eu posso ser e ter o que eu quiser, através de minhas personagens. Meus livros são meus filhos – a mãe bufou.

- Um dia você vai ter que lidar com isso, filha. Você vai encontrar um homem que valha à pena tentar e...

- Não mamãe. A senhora não vê? Foi horrível o que eu passei com o Richard. A senhora tem o papai, que praticamente tem um misto de adoração e obediência à senhora, mas o que o Richard fez foi desprezível. Eu não acho que sobreviva a isso novamente... - Alicia apertou sua mão.

- Nikkita, você está com alguém, não está? - a moça sacudiu a cabeça afirmativamente. - E você ama esse alguém, não ama? - Nicolle tentou sacudir a cabeça negativamente mas não pôde, então trocou o eixo do movimento, sacudindo afirmativamente. Alicia sorriu. - Então, filha, a questão aqui é: ele ama você? - Nicolle deixou as lágrimas escorrerem.

- Ele disse que sim - Alicia ergueu o queixo da filha.

- E você acha que é sincero?

- Acho que sim, mas eu estou com medo. Quando ele me disse isso eu fiquei tão assustada que o mandei embora - a mãe sacudiu a cabeça.

- Minha filha, você não contou nada a ele? - Nicolle respirou fundo. - Como espera que ele esteja se sentindo? - ela deu de ombros.

- Eu tive medo de perdê-lo, mamãe. Quando ele souber...

- Você tem medo de perdê-lo e o mandou embora? Então você prefere que seja por suas mãos que ele saia da sua vida? - Nicolle soluçou.

- Não, não... Eu só não quero que eu o perca porque eu sou... Diferente das outras mulheres, mamãe. Eu sou uma aberração... - Alicia olhou fixamente para a filha.

- Eu suponho que se este homem ama mesmo você vai compreender o seu problema. Mas você não está nem mesmo dando uma chance a ele, está? - Nicolle não soube o que responder. - Ele também deve ter seus problemas, segredos e dias ruins. Se ele te ama confiaria em você o suficiente para partilhar isso. E você crê que o apoiaria? - Nicolle sentiu o coração disparar, ele havia contado seu mais profundo segredo para ela. - Você seria capaz de aceitá-lo se ele fosse diferente, Nikkita? Seria, Nicolle? - Alicia mantinha o tom de voz altivo.

Nicolle começou a pensar em como deveria ter sido difícil para Draco revelar sua origem e o quão deveria estar magoado naquele momento. Sentiu o sangue ferver e depois gelar nas veias. O corpo ficou dormente. Tinha cometido um erro. E precisava urgentemente saber se era tarde demais para consertá-lo. Mas Alicia ainda não tinha acabado.

- Se ele a ama, minha querida, partilhará isso com você. Mas se você realmente o ama não vai ser apenas aceitando o que ele lhe trouxer que demonstrará o seu amor. Você vai precisar aprender a dividir o seu fardo com ele - Nicolle suspirou.

- Eu espero que ele ainda me queira, mamãe... - Alicia sorriu.

- Ele quer. Você é uma jóia, Nikkita, não vai deixá-la escapar assim... - neste instante as duas ouviram batidas na porta.

- Viu? Aposto que o seu querido Draco, é esse o nome dele? – a filha assentiu. - Está aí fora, esperando para ouvir uma boa razão para ter sido expulso depois de quase desfrutar um café feito por você... - Nicolle arregalou os olhos.

- Eu não acredito que essa história chegou aos seus ouvidos... - Alicia sorriu.

- Ainda bem que eu não contei ao seu pai - as duas riram; Paolo bateu novamente à porta.

- Madame, senhor Malfoy está lá embaixo. Ele pergunta se pode subir.

- É claro que ele pode, Paolo. Obrigada - murmurou por fim para a mãe, que sorriu.

- Eu te amo Nikkita. É para isso que eu ainda teimo em existir, para cuidar de você. Espero que este Draco possa tomar meu lugar. Este serviço cansa - Nicolle riu -, eu ficaria para conhecê-lo mas espero um momento melhor. Sogras não ajudam em nada. Eu vou sair pelos fundos. Mas, por favor, me conte filha. Não quero saber da história pelos chiliques de seu mordomo - ela sorriu.

- Tudo bem mamãe. Eu vou contar. Eu te amo também - ela se despediu e Alicia foi embora no exato momento em que a campainha soou.

Nicolle ouviu os sons abafados de Paolo recebendo Draco na sala e fazendo-o percorrer o longo corredor até seu quarto. Olhou-se no espelho e viu que não tinha uma aparência nada atraente. Checou o hálito. Pelo menos não estava dos piores. Novamente ouviu batidas na porta.

- Entre - ela viu um par de olhos cinzentos surgir pela fresta da porta.

Draco entrou e fechou a porta cuidadosamente. A luz do dia entrava pela janela e o vento fresco da manhã balançava as cortinas e os lençóis de cetim brancos. Ele deu a volta e parou de frente pra ela, que continuava sentada na cama. Ajoelhou-se à sua frente e ficou assim, estático por alguns minutos. Olhava fixamente os olhos azuis dela, como que se tentasse decifrar algum enigma. A respiração dele era suave em contraste com a dela, urgente e ansiosa.

- Eu vim aqui por que eu precisava saber uma coisa - ele disse de repente, assustando-a. - Eu preciso saber se é porque eu sou um bruxo...

- Como assim Draco? Não compreendo, eu... - ele a cortou.

- Tudo bem, eu vou facilitar as coisas, Nicolle: você não me ama porque eu sou um bruxo. Eu posso entender mas você poderia ter me dito isso antes. Naquele mesmo dia. Eu não teria insistido... Bem, talvez eu tivesse, mas pelo menos você teria sido sincera. Eu não consigo imaginar o porquê de você ter continuado a sair comigo. Você é rica, inteligente, linda... Era algum tipo de brincadeira? - Nicolle sentiu as lágrimas quentes nos olhos.

- Não. Não era...

- Então você não me ama por quê, Nicolle? Se não é porque eu sou bruxo, é por quê, então? - ela abaixou a cabeça.

- Não é por isso... - ele apertou os olhos.

- Ah! Já é um grande começo. Então admite que não me ama e...

- NÃO. Eu não admito nada disso - disse com urgência.

- E quem entende as mulheres? - disse, sarcástico. - Primeiro você me conquista, depois me manda embora e agora está me dizendo que não assume que não me ama? Por favor, Nicolle, me explique. Eu sou bruxo, não adivinho - ela sacudiu a cabeça.

- Eu não posso assumir algo que não é verdade - disse com certa dificuldade; ele pareceu surpreso.

- Então você...

- Amo sim. Muito mas... - ele sorriu.

- Ama mesmo? - ela esboçou um tênue sorriso.

- Draco, isso não vem ao caso. Você irá embora mesmo depois que souber algo sobre mim... - ele apertou os olhos.

- É claro que isso vem ao caso e não me interessa que você tenha segredos. Eu tenho os meus. Contanto que você seja humana e mulher, está tudo bem para mim... - ela deu um sorriso triste.

- É exatamente isso... - ele parou de respirar.

- Você não é humana? - ela riu.

- Não, digo, sou. É a outra parte... - ele arregalou os olhos.

- Nicolle, se você me disser que é um homem eu vou me achar o ser mais facilmente enganável do planeta. Eu conheço bem uma mulher quando vejo uma e te garanto que você é uma, e como é, me atrevo a acrescentar... - ela não conteve o riso.

- Você não entendeu o que eu quis dizer.

- Explique-se.

- Eu não sou completa. Eu não sou uma mulher completa. Pronto, falei. Não foi tão difícil - ele franziu a testa.

- Falta algo em você? Não imagino o que poderia ser. Me pareceu tudo na mais perfeita ordem e... - ela bufou.

- Draco, é impossível conversar com você fazendo graça assim... - ele sacudiu a cabeça.

- Tudo bem. Explique. O que é tão grave assim que a faça se sentir incompleta?

- E-eu sou estéril... - gaguejou.

- E... - ele gesticulou para que ela prosseguisse.

- E o quê? - perguntou, incrédula. - Significa que eu não posso ter filhos - ele sacudiu a cabeça.

- Eu ainda sei o significado das palavras, Nicolle. Eu quero saber o que isso tem a ver com o seu problema - ela se surpreendeu.

- Draco, isso é o meu problema - ele deu uma gargalhada e ela não pareceu gostar muito.

- Nicolle, eu não acredito que isso esteja te preocupando agora... - ela abaixou a cabeça.

- Você diz isso agora mas quando for mais tarde você vai me cobrar filhos e...

- Filhos? E por que eu gostaria de ter filhos? Eu nunca pensei em filhos... Despesas para criá-los, aí vêm os netos e então mais despesas. Noites sem dormir? Não, obrigado.

- Você diz isso agora. Mas vai querer alguém para continuar o seu nome. A sua família... – ela insistiu, fazendo-o rir.

- Nikki, eu vou lhe falar duas coisas sobre a minha família. A primeira: eles me odeiam. A segunda: eles me odeiam. Bem, acho que é só uma coisa mas é tanto ódio que achei melhor dividir. Eu nem sei se meu filho seria considerado um Malfoy, ainda mais se fosse filho de uma trouxa... - ela ainda não estava convencida.

- Richard disse algo parecido quando eu perdi a primeira gravidez - ele parou e a olhou; agora estava começando a entender a gravidade do problema.

- Richard?

- Meu ex-marido.

- Você foi casada?

- Por dois anos - Draco riu intimamente; o mesmo tempo que ele e Gina foram casados. - Namorei Richard desde o colegial. Fazíamos planos de casar e ter uma penca de filhos mas nem sempre os nossos planos dão certo. Então, depois que ele se formou, casamos. Estava tudo correndo bem. Eu engravidei logo mas da forma que veio foi. Com três meses eu perdi o bebê. Ele me apoiou e disse que ficaríamos juntos. Então depois de outros dois abortos eu procurei um médico. Um especialista em fertilização. Eu fiz tantos exames e estava cheia de esperanças mas depois de ser virada do avesso ele foi taxativo: "Não poderá ter filhos, não é capaz de segurar uma gestação e levá-la a termo" - ela se lembrou do laudo do exame chorando - Draco sentou ao seu lado e a abraçou. - Depois que saiu o resultado meu casamento esfriou. Richard começou a ficar distante. Chegava tarde e às vezes não voltava para casa – continuou tristemente. - Então, depois de tentar de tudo, inclusive implorar para que ele me contasse o que estava havendo, eu o segui - Draco acariciava os cabelos dela enquanto desabafava. - Estava chovendo e eu peguei um táxi. Fui atrás dele. Ele entrou em um prédio. Eu saltei do táxi e perguntei ao porteiro em qual apartamento o homem que tinha entrado ia. Ele me respondeu que o Sr. Richard e a esposa moravam no apartamento 306. Eu tomei um choque tremendo mas não foi a parte pior. O porteiro prosseguiu, me contando que agora que a esposa estava grávida ele estava voltando para casa mais vezes, já que trabalhava fora... Eu senti o meu mundo desabar. Voltei para casa e de manhã, quando Richard voltou, as malas dele estavam prontas. Ele entendeu que eu já sabia tudo, provavelmente ligou o que o porteiro deve ter dito ao fato de suas malas estarem feitas. Eu achei que era o fundo do poço mas ele me mostrou que ainda havia mais a afundar. Ele me disse que era culpa minha que o casamento acabasse. Que se eu fosse uma mulher completa e lhe desse um filho nada daquilo aconteceria. Eu nunca me senti tão humilhada - Draco a acalentava de forma terna.

- Se eu encontrar um dia com esse imbecil terei prazer em lhe lançar uma Maldição Imperdoável... - foi o que pôde dizer.

- Eu comecei a fazer terapia e meu médico me sugeriu que eu ocupasse a mente. Foi quando eu me descobri escritora. Foi tão bom encontrar algo em que eu me destacava, algo em que eu poderia ser tudo o que eu queria... - ela sorriu. - E aqui estou eu. É por isso que é tão importante para mim. Eu me sinto mutilada... - suspirou.

- Eu não me importo com isso. Juro. Você não é menos mulher para mim por isso - ela tentou sorrir mas soluçava, abraçada a ele. - Eu também já fui casado - ela arregalou os olhos. - Meu casamento foi anulado por que minha ex-mulher resolveu fugir de casa com meu pior inimigo, o que não é uma história mais agradável do que a sua, acredite. Ela está esperando um filho dele. E mesmo ela podendo gerar filhos, não consigo achá-la mais do que você. Não consigo achar mulher nenhuma, aliás... - ela sorriu, passando a mão pelo rosto dele. - Eu não me importo com isso, Nikki. Já disse - ela suspirou mais uma vez.

- Mas eu me importo. Eu quero poder ter uma parte sua em mim e depois entregá-la em seus braços. Eu quero sentir o bebê chutando dentro de mim, trazê-lo ao mundo, acordar no meio da noite, amamentar... Eu quero ser mãe. É mais do que isso... - ela tomou coragem. - Eu quero ser mãe do seu filho, Draco.

Ele a apertou com força, fazendo carinho em seu rosto, ergueu seu queixo.

- Desculpe. Eu não sabia que era tão importante para você... - ela retribuiu o abraço.

- Eu só queria me sentir completa. Te fazer completo...

- Você já faz.

- Mas eu quero que isso dê frutos. Eu preciso disso... - ele deu um sorriso maroto.

- Eu acho que pode haver um jeito...

- O que você quer dizer? - ela se afastou para olhar em seus olhos.

- Bem, eu acho que uma mulher não é mais complicada que um computador... - ela riu, estava entendendo onde pretendia chegar.

- Você acha que... - ele sorriu, dando um beijo em sua testa.

- Quem sabe? Nós nunca seremos culpados de tentar, não é mesmo? E, depois, nós já podemos começar a praticar... - disse num sussurro em seu ouvido e ela se arrepiou.

- Draco, eu te amo... - disse, derretida.

- É. Eu sei disso... - completou, trazendo-a para mais perto.