Na sexta-feira seguinte, de noite, Draco foi buscar Nicolle. Ela estava arrumada e tinha colocado as malas na sala. Ele achou graça.
- Nikki, por que as malas estão aqui?
- Para facilitar meu amor. Para colocarmos no táxi e... - ele abafou uma risada.
- Nikki, Você deu folga aos empregados? - ela sacudiu a cabeça. - Nós não vamos de táxi...
- Não? Vamos de quê, então? - ele suspirou.
- Tudo bem, você é inteligente então não vou insultá-la da forma que me insultaram quando me explicaram isso... - ela deu de ombros. - Eu vou te dar um objeto, você vai segurá-lo e isso vai te transportar até a minha casa - ela piscou.
- Por favor, me ofenda mas me explique melhor... - Draco riu.
- Muito bem... - ele retirou um saco de couro do bolso do casaco. - Aqui dentro há um caco de vidro - Nicolle se sentou no sofá e riu.
- Algo me diz que isso vai ser interessante... - implicou.
- Posso continuar Srta. Marah?
- É, então tá, Sr. Malfoy. Prossiga... - gesticulou e apoiou o queixo na mão, admirada de vê-lo tão compenetrado.
- Isso se chama chave de portal. Nós enfeitiçamos objetos que as pessoas não dão importância, lixo na maioria das vezes, e os usamos para transportar quem não sabe aparatar, em um horário pré-determinado; a chave só funciona no horário certo, depois volta a ser um objeto inútil.
- Aparatar é aquilo que você estava me explicando aquele dia?
- É, Nikki... Agora nós podemos ir? - ela pediu um tempo com a mão.
- Eu quero saber se posso me machucar, me desintegrar no meio do caminho ou... - ele a interrompeu.
- Eu não vou perder você facilmente, Nicolle Marah... - ela riu enquanto ele se aproximava para beijá-la, ao mesmo em tempo abria o saquinho e despejava o caco de vidro nas suas mãos, quando terminaram o beijo já estavam na sala de estar da mansão Malfoy.
Draco mostrou parte da casa para ela, que ficou realmente impressionada. De repente Nicolle pareceu se lembrar de algo.
- Draco, eu esqueci as malas. Temos que voltar... - ele riu.
- Não, não temos. Eu fiz compras para você - ele a puxou até o andar de cima e conduziu até seu closet; havia comprado uma série exagerada de vestidos, camisolas e até sapatos. Ela ficou em choque.
- Você não devia ter feito isso... - disse, colocando a mão na boca, completamente abismada.
- Você precisa ter roupas aqui em casa também, para quando vier, mesmo que para os finais de semana. Eu acho que fiz uma boa escolha. Foram compradas nas melhores lojas trouxas de Londres. Ah... – acrescentou, sorrindo. - Tem mais... - ela virou para ele ainda com os olhos vidrados.
- Draco... Por que eu tenho a impressão de que você está tentando me conquistar? - ele riu.
- Está funcionando? - perguntou, segurando-a pela cintura.
- Não sei ao certo mas estou gostando. Quando descobrir te conto... - ele a pegou pela mão e levou até o quarto.
- Tem algo que eu gostaria que usasse sempre... - ele abriu uma das gavetas do criado mudo.
Retirou de lá um pequeno colar de ouro com um pendente oval. Draco mostrou o trabalho no ouro; havia exatamente o brasão da família Malfoy nele. Entregou-o na mão de Nicolle.
- É lindo, obrigada. Coloca para mim? - ele sorriu.
- Abra Nikki.
- O que tem aqui? - perguntou, abrindo o pendente, era um relicário.
- Algo que eu quero que seja seu. Algo que existiu e morreu e que você pode trazer de volta - ela olhou para o relicário e viu a foto de um bebê sorridente, com vivos olhos azuis e cabelos platinados.
- É você? – disse, sorrindo, encantada. - Que coisinha linda...
- Sim mas é mais que isso. É a minha inocência. Algo que eu fui ensinado a esquecer e que depois já nem me lembrava mais. Algo do que me disseram para me envergonhar e o azul virou cinza... - apontou para a foto e o bebê estava agora com a expressão fria e triste. Nicolle se assustou. - Essa foto era da minha mãe. Meu pai chegou no exato momento em que a foto foi tirada. Então você pode imaginar como ele era um sujeito amigável... - deu uma falsa gargalhada.
- Obrigada pelo presente. Eu vou usar, para sempre - disse, levantando o cabelo para que ele colocasse.
Draco colocou o pingente e beijou delicadamente sua nuca, causando-lhe arrepios. Então estendeu a mão pra ela e a conduziu até o andar de baixo, onde uma bela mesa já estava posta.
- Draco, que coisa mais linda! - ela ficou abismada com o lustre de cristais que decompunha magicamente todas as cores do arco-íris, iluminando a sala como um sol particular.
- Nell - a elfa doméstica se adiantou para o amo.
- Si-sim, Sr. Malfoy - Nicolle estranhou o ser feio e desajeitado usando um pedaço de pano sujo em volta da cintura.
Nell se retirou e voltou com duas bandejas de prata flutuantes, que depositou delicadamente na mesa. Depois de servir o casal com alguns estalos de dedos ela se encolheu em um canto. Nicolle observou a expressão triste e deprimida dela.
- Draco - cochichou, tentando disfarçar. - O que ela é? - ele riu e respondeu em seu tom normal de voz.
- Nell é uma elfa doméstica, Nikki - Nicolle ficou roxa de vergonha e disse com os olhos que ele não deveria ter respondido alto, fazendo-o rir. – Elfos domésticos nasceram para isso, Nikki. Servir é a vida deles... - ela ergueu uma sobrancelha e ele se calou, sabia que tinha dito algo errado.
- O jantar está divino, Nell. Que cheiro maravilhoso - a pequena criada quase desmaiou ao ouvir seu nome sendo pronunciado pela convidada.
Nicolle olhou significativamente para Draco e depois para Nell, encorajando-o a ser gentil e fazer um elogio.
"Por Merlin! Ela não quer que eu...", ele pensou, rolando os olhos para cima, mas o par de olhos azul turquesa estavam fixos nele, esperando sua resposta. Ele deu de ombros e disse, desanimado.
- É, está ótimo - a voz soou sem emoção alguma.
Nicolle lhe lançou outro olhar e balbuciou.
- Você pode fazer melhor... - ele sentiu que depois daquilo dificilmente engoliria o jantar.
- O jantar está divino, sublime, soberbo, estupendo... - foi dizendo em tom sério mas aos poucos a entonação foi mudando, por fim estava rindo de si mesmo e de sua rabugice. Nicolle deu um sorrisinho triunfante.
- Melhor assim... - ela lançou uma piscadela para Nell, que se escondeu atrás do sofá.
A elfa imaginava que a convidada deveria ser uma bruxa muito poderosa para ter enfeitiçado seu amo daquela forma.
- Eu não entendo, você sabe ser encantador... - Nicolle disse enquanto Draco tomava um gole de vinho, fazendo-o quase se engasgar. - Então por que não é? - ele limpou a boca com o guardanapo.
- É um processo, Nikki. Eu pretendo explicar um dia, mas é uma longa história... - ela sorriu.
- Tudo bem meu amor. Vou ficar encantada em ouvi-la... Agora posso perguntar uma coisa? - ele deu de ombros.
- Adiantaria se eu dissesse não? - ela riu.
- Seu bobo! É claro que não. Eu estou conhecendo o seu mundo. Tenho direito de ter as dúvidas respondidas...
- É justo.
- Nell, ela passaria facilmente por um E.T. - Draco franziu a testa - se fosse vista por um trouxa. Mas ainda assim, em seu próprio mundo, como ela pode se vestir de forma tão estranha?
- Bem, é o símbolo da servidão, Nikki.
- Mas ela não pode usar algo mais apresentável? Por Deus, algo limpo? - Draco sorriu.
- Se eu der roupas a ela estará livre. Não será mais uma escrava - Nicolle arregalou os olhos.
- Que absurdo! Quer dizer que se ela ganhar uma roupa, qualquer roupa, ela se torna livre? - Draco não pareceu muito abalado e confirmou. - Nell - chamou a elfa doméstica, que veio tremendo até ela.
- Sim senhora. Nell pode servir a senhora, boa senhora, gentil senhora? - perguntou de cabeça baixa, tinha medo de ser enfeitiçada.
Nicolle retirou a echarpe de seda que tinha no pescoço e enrolou no pescoço da elfa, desafiando Draco com o olhar. Nell não podia acreditar.
- Eu quero que fique com isso. E depois nós duas vamos conversar sobre salários e direitos humanos, ou élficos, sei lá...
Draco sacudiu a cabeça de um lado para o outro.
- Meu Deus! É o segundo elfo doméstico que essa casa perde... - Nicolle ignorou o comentário.
- Espero que você fique aqui, Nell. Garanto que será muito bem tratada e receberá um salário, inclusive os retroativos, e terá férias também...
Draco pareceu ter engolido a comida sem mastigar.
- Muito bem. Adorei o jantar! O que faremos agora? - ele sorriu marotamente.
- Bem, poderemos promover a libertação dos escravos... Ah! Espere, você já fez isso... - ela riu.
- Ha, ha, ha. Que engraçado, Sr. Malfoy... - ele lhe roubou um beijo.
- Eu adoro te ver braba. Foi isso que me chamou a atenção em você, além de seu cabelo ruivo, seus olhos azuis e todo o resto que eu prefiro mencionar mais tarde... - ela corou. - Isso é novidade - apontou para as bochechas rubras dela.
- É que estou excitada - ele levantou a sobrancelha. - Empolgada - emendou, olhando-o, irritada - com tudo isso aqui - ele sorriu.
- Então venha conhecer o resto da casa - ele a puxou pela mão.
Nicolle ficou encantada com os quadros que se mexiam, mesmo os mais sinistros e sombrios eram interessantes. Draco mostrou todos os soturnos antepassados de seu pai e a galeria de pinturas da família dele.
- É a sua mãe?
- É.
- Ela é linda. Você tem os olhos dela... - ele sorriu. - Seu pai parece tão sério... – Draco riu.
- Ele não parece. Ele é... Bem, venha, eu quero te mostrar o salão de bailes, a biblioteca... As masmorras eu vou dispensar... - ela se assustou.
- Há uma masmorra aqui?
- Eu não deveria ter mencionado isso. Soou estranho. Engraçado, não me pareceu, na minha mente... É, há uma masmorra, mas é subterrânea, suja... Não é mais usada... As celas estão todas mofadas e...
- Celas? Draco? - ele gesticulou.
- Ignore o que eu disse, Nikki. Continuando... Bem, a biblioteca tem livros raríssimos e eu acho que você irá gostar muito - ele a puxou pela mão e Nicolle fez uma nota mental para depois lhe informar sua opinião sobre prisões e tortura.
Ela poderia imaginar algo impressionante mas nada nunca a surpreenderia mais do que a biblioteca Malfoy. Eram estantes de mais de seis metros de altura, repletas de livros e pergaminhos enrolados, o chão era de granito negro. Havia um tapete feito de pele de tigre branco em frente à lareira, que era mais alta que um homem em pé, uma escrivaninha de madeira de lei também escura e castiçais adornavam as paredes de pedra. Ela correu os olhos pelos livros, receosa de retirar algum das estantes enormes e repletas.
- Vamos lá, pegue um, qualquer um... - ela sorriu.
- Não são enfeitiçados?
- Alguns são de magia sim, mas a maioria é de história da magia, acho que tem alguns livros de falsos trouxas também...
- "Romeu e Julieta"? - ela pareceu surpresa. - Willian Shakespeare era um bruxo? - ela folheou o livro e leu "e foram felizes para sempre...". - Draco, o final do livro... - ele sorriu.
- É, eu sei, é diferente... Mas você queria que ele dissesse o quê? Que na verdade Julieta havia tomado a poção do morto-vivo e que Romeu não tomou veneno, sendo apenas contaminado por um poderoso elixir de urtigas, que o fez se coçar pro resto da vida? - Nicolle ficou surpresa. - Ele tinha que fazer uma versão mais trouxa, sabe. Vocês são muito difíceis de agradar e têm uma certa tendência ao melodrama - ela teve uma crise de risos.
- Eu com certeza vou querer ler esse. E esse também - ela pegou um exemplar escrito à mão de "20 Mil Léguas Submarinas".
- Nikki, pegue quantos livros quiser mas nem todos são modificados. Eu até gostaria de ter ido assistir a versão dramática da comédia romântica "Romeu e Julieta" - ela riu.
- Com certeza você não ia achar nada engraçado...
Os dois saíram da biblioteca e foram dar uma volta nos jardins. Ela ficou encantada com o labirinto de trepadeiras.
- Nem queira se aventurar ali dentro. Nem eu mesmo me atreveria a atravessá-lo.
- Por quê?
- Porque não é apenas uma moita arrumada, Nikki. É um labirinto de verdade e há perigos dentro dele, só meu pai entra aí - disse, segurando-a pelo braço e encaminhando-se para o jardim de inverno.
O espaço era amplo, as paredes e tetos de vidro, havia uma fonte em forma de serpente que cuspia água pela boca. Era sombrio porém bonito. As flores todas eram roxas ou azuladas e refletiam o luar que entrava pelo teto. No ar, um perfume doce de terra molhada fez com que Nicolle se sentisse confortada. Ela se soltou dele e deu a volta na fonte, escondendo-se de Draco. Ele sorriu. Encaminhou-se para o lado mas ela estava circundando a fonte, abafando risadas enquanto evitava ser vista. Nicolle prendeu a respiração e correu para trás de uma das árvores. Parou encostada no tronco e observou Draco completar duas voltas na fonte. Então espirrou, atraindo sua atenção.
- Droga - ela tirou os sapatos e amarrou a saia nas pernas, para correr melhor.
Então, como uma menina, saiu correndo pelo lado oposto ao que Draco vinha e se agachou atrás de um arbusto. Ela estava suando agora e sentia que o coração ia sair pela boca a qualquer momento mas ainda tentava prender o riso.
- Achei seus sapatinhos, "cinderela" - ele gritou para o nada.
Nicolle colocou a mão na boca, para que ele não a ouvisse ofegar, e novamente passou para trás da fonte.
- Assim você está querendo que eu trapaceie meu amor. Hey, Grendoul - a serpente da fonte criou vida e virou-se para ele.
- Sim mestre! - Nicolle deu um grito.
- Ahá! Achei você!
- Você trapaceou...
- Bem, cada um joga com o que tem... - ela apertou os olhos.
- É mesmo Sr. Malfoy? Então eu vou poder "jogar" com o que eu tenho também? - ela sorriu maliciosamente.
- Nicolle, o que você está aprontando?
- Eu? Nada! - ela se fez de santa.
- Eu não acredito - ela colocou a mão para trás. - O que você tem aí atrás? - disse, espichando-se.
- Nada Draco... - ele foi chegando mais perto.
- O que é?
- Você vai ter que chegar mais perto se quiser descobrir - ele encostou nela, que o derrubou na fonte, dando gargalhadas. Porém ele era mais esperto do que ela imaginava.
- Nikki não! - ele gritou. - Isso é ácido, é ácido, estou derretendo. Me tire daqui, me ajude - ele disse dramaticamente enquanto afundava.
Ela começou a chorar, desesperada, e tentou alcançar a mão dele mas Draco já tinha afundado na água escura, fazendo muitas bolhas subirem.
- Meu Deus, o que eu fui fazer? Eu o matei, eu o matei... - ela chorava. - Draco, Draco... - ela começou a soluçar.
Ele não agüentou e colocou a cabeça para fora da água, rindo muito.
- Draco? - ela levou um susto e caiu na fonte também, ele deu mais uma gargalhada.
Ela olhou para ele, encharcada até os ossos, e furiosa também.
- Eu sabia que você ia acreditar... - disse, sorrindo.
- É? – seus olhos cintilavam raiva.
- É, eu...
Ele não conseguiu nem terminar a frase, Nicolle virou-lhe a mão com toda força no rosto.
- Ai! - disse, segurando a mandíbula.
- Faça isso mais uma vez e vai realmente querer nadar em ácido, Draco Malfoy. Eu posso não ser uma bruxa mas você não gostaria mesmo de me ver furiosa.
Nicolle torceu a saia e se levantou, saindo furiosa da fonte. Não aceitou a mão que Draco oferecia para tirá-la da água.
- Nikki, Nikki - ele foi andando atrás dela, os dois pingavam e agora estava frio em comparação com a temperatura que fazia no jardim coberto.
Ela não deu atenção nenhuma a ele. Continuou olhando para frente enquanto Draco tentava fazer com que ela o olhasse. Finalmente, antes de alcançarem a porta da frente, Draco a alcançou.
- Nicolle, foi uma brincadeira. Eu não queria assustá-la... - ela virou para ele e o encarou seriamente.
- Você não disse isso ainda pouco. Está parecendo uma contradição ambulante - ele engoliu em seco.
- Eu não achei que você fosse pensar que...
- O seu problema é esse. Você achou. Você sabe por acaso o que passou pela minha cabeça? Você sabe o que é achar que matou a pessoa que você mais ama no mundo? - a frase final ela disse já perdendo o controle. - Você sabe? - ela deu alguns tapas nele, que a segurou.
- Me desculpe... Eu não queria te fazer chorar. Eu não dou importância pra minha vida, talvez seja por isso que escolhi um modo tão cruel de brincar... - ela se aninhou nos braços dele e espirrou, agora não mais de alergia mas sim de frio.
Ele sacou a varinha e secou os dois, formando uma grande poça de lama na porta da frente.
- Vem. Vamos entrar. Vamos enfiar você debaixo de cobertas quentinhas... - disse, esfregando os braços dela para aquecê-la.
Subiram as escadas devagar. Draco esperou que ela tomasse um banho e depois a colocou na cama.
- Você vem? - ela perguntou, sonolenta.
- Eu ainda tenho que tomar um banho e quero observar você dormindo um pouco...
- Por que isso agora? Eu não vou quebrar, você sabe... - virou-se para ele, que estava sentado no chão, o queixo apoiado na beirada da cama.
- Eu quero apenas olhar para você... - ela riu.
- Você ainda tinha dúvidas, não tinha? - ele franziu a testa.
- Dúvidas?
- É. Você não imaginou que eu te amasse tanto assim... - ele sorriu com os lábios e com os olhos.
- Pra dizer a verdade eu esperava entender como você consegue.
- Draco, você é maravilhoso... - ele deu um sorriso maroto.
- É, eu sou... Se você diz... - ele se levantou e foi pro banho, pensativo.
Ela imaginou se teria dito algo errado.
