Quando Nicolle abriu os olhos Draco não estava ao seu lado. Viu que havia uma bandeja com um farto café da manhã, composto de pães, frutas e sucos. Sorriu ao ver no travesseiro dele uma singela rosa vermelha e um bilhete escrito à mão.
"Volto logo, amor. D."
Então ela deitou de novo preguiçosamente na enorme cama. Até que a noite na casa bruxa havia sido interessante. Quando estava quase dormindo novamente percebeu que alguém havia entrado no quarto. Pensou que Draco já tinha voltado por isso fingiu estar dormindo ainda. Percebeu que a pessoa deu a volta na cama e sentiu quando se sentou ao seu lado. Então algo inesperado aconteceu, a coberta foi arrancada de cima dela num só puxão.
- Draco! - ela e o homem exclamaram juntos.
O homem a olhou e fez uma expressão de puro nojo.
- Eu pensei que meu filho já tinha se livrado de você e da sua família de inúteis, Weasley... - ele disse com frieza.
Nicolle puxou seu robe e se cobriu.
- Eu... Eu não... - ele olhou de perto, de modo que a deixou desconfortável. - Sr. Malfoy, eu... - ele apertou os olhos.
- Você não é a pobretona da mulher do meu filho... - disse, olhando melhor a moça. - Quem é você? - perguntou em tom desdenhoso.
- Ni-Nicolle Marah, senhor - estava nervosa agora.
Onde Draco havia se enfiado que não tinha voltado ainda e por que não havia dito que seu pai iria visitá-lo? Enquanto ela pensava isso Draco estava entrando calmamente pela porta da frente. Estava com uma expressão feliz e amena mas percebeu algo que chamou a sua atenção. Havia marcas de pegadas de lama no chão, a bengala de prata e a capa do pai penduradas no cabide. Não precisou que Nell, a elfa doméstica que tinha os olhos esbugalhados em pânico, dissesse nada. Ele já sabia e ouviu os gritos provindos do andar de cima.
- UMA TROUXA? QUE BRINCADEIRA É ESSA? - Nicolle se encolheu. - UMA TROUXA USANDO O CORDÃO DA MINHA ESPOSA? - ela levou a mão ao pescoço mas não foi rápida o suficiente, Lúcio arrancou o colar com um só puxão.
Nicolle gritou enquanto Draco subia as escadas correndo.
- VOCÊ NÃO É BOA O SUFICIENTE NEM PARA AMANTE DE MEU FILHO! – agora apontava a varinha para Nicolle, que tinha os olhos arregalados. - Adeus - disse no exato momento em que Draco abria a porta e apontava a própria varinha para o pai.
- Expelliarmus! - a varinha do homem voou, indo parar nas mãos do filho, Lúcio foi jogado contra a parede.
Lúcio pretendeu se levantar mas Draco manteve a varinha apontada para o peito do pai.
- Nem pense nisso - ele se virou para Nicolle subitamente. - Você está bem meu amor? - ela chorava, tinha o pescoço marcado e estava encolhida no chão.
- Acho que sim... - ela alisou o vinco vermelho no pescoço.
Draco observou o colar caído no chão.
- Accio! - o colar flutuou até ele. - Isso é seu, Nikki. Eu dei a você - completou, olhando nos olhos do pai.
- Como você pode dar algo que pertenceu à sua mãe a essa, essa... - Draco jogou a varinha do pai pela janela. - Vai defender a namoradinha trouxa, Draco? Que decepção! Sangue do meu sangue... - Draco cuspiu no chão.
- Amaldiçôo você e o seu sangue de Malfoy. Maldito sangue que corre nas minhas veias. Preferia ter nascido trouxa... - Lúcio permaneceu estático.
Nicolle ainda chorava mas agora estava de pé, próxima a Draco. Lúcio olhou do filho para ela, que deslizou a mão para a de Draco, com medo do olhar que recebeu do sogro.
- Então você vai renegar a sua família de novo? Primeiro uma pobretona... Eu teria impedido aquele casamento se não estivesse exilado. Agora uma trouxa. Draco, o que eu te ensinei? - disse tentando distrair o filho.
- Nada Lúcio. Não me ensinou nada de útil. Apenas me mostrou o que não é correto. Você me ensinou que o ódio é o sentimento mais forte. Mentira. Você me ensinou a trair, a mentir, a matar... - ele fechou os olhos. - Você destruiu a minha mãe, Lúcio. Você destrói tudo em que toca. Você é patético...
O homem tinha uma expressão monótona no rosto.
- Então você não deve se importar de ser retirado do meu testamento... - Draco deu de ombros. - E você está expulso de casa, não quero que leve nada daqui... – o filho se virou para ele.
- Típico de um ser mesquinho... - ele olhou o pai e sacudiu a cabeça. - Você é digno de pena, Lúcio. Vai acabar sozinho. E nunca conheceu a única coisa que vale à pena na vida: o amor - ele ergueu a mão unida à de Nicolle e se virou para sair.
Lúcio disfarçadamente retirou de dentro do casaco um punhal de prata. Draco estava a apenas dois passou do pai e sentiu algo estranho, algo que o fez se virar. Viu o que o pai pretendia fazer, deu um salto em cima de Lúcio e bateu com a sua mão na parede, desarmando-o. Então lhe enfiou um soco no meio da cara.
- Nunca mais toque nela. Nunca mais se aproxime de nós. Nem ouse pensar em nós... Ou eu acabo com você com as minhas próprias mãos e ninguém vai encontrar vestígios. Isso eu aprendi muito bem, "papai" - disse, cínico, enquanto saía do quarto.
- Isso não vai ficar assim, Draco... – o pai acrescentou mas o rapaz já havia batido a porta.
Draco e Nicolle saíram da mansão e foram direto para a casa dela. Ele ainda estava furioso.
- Draco - Nicolle tentava acalmá-lo mas ele andava de um lado para o outro, passando violentamente as mãos pelos cabelos - Draco...
Ele ficou algum tempo em silêncio e por fim deu um urro de raiva e se ajoelhou, dando uma pancada com as duas mãos fechadas no chão. Ela se abaixou do lado dele.
- Draco, você está me assustando... - ela disse baixinho. - Por favor! Se acalme.
Ele se sentiu mal por tê-la assustado. Respirou fundo e esticando o braço, enlaçando-a pela cintura, beijou-lhe o alto da cabeça.
- Me desculpe meu amor. Eu só... - ele deu uma pausa. - Eu só tive que me conter muito para não acabar com ele ali mesmo e com isso destruir o nosso futuro... - ela passou delicadamente a mão por seu rosto. - Quando eu vi o que ele ia fazer... Por Merlin, ele é muito pior do que eu pensava. Não posso negar que é surpreendente ainda, mesmo após tantos anos - deu uma risada debochada.
- Draco, por que você nunca me falou do seu pai?
- Bem, tirando o fato que ele agrediu você e tentou matá-la, o que realmente ilustra o quão ele sabe ser simpático... Ele não é, digamos, uma pessoa de bem... - ela sorriu.
- Se você não quiser contar eu entendo e... - ele colocou a mão nos lábios dela.
- Não é isso, Nikki. É que essa história toda é tão suja, tão imunda e fedorenta que eu não gostaria que você fizesse parte, é só.
- Draco, se você faz parte dela ela já é parte de mim... - ele não pôde deixar de sorrir.
- Você é boa nisso, hein? - ela franziu a testa.
- Em quê?
- Convencer as pessoas - ela deu uma gargalhada.
- Draco, eu sou uma escritora. Argumentação e persuasão são palavras básicas no meu vocabulário.
- Então tudo bem, eu vou te contar. Mas eu preciso de um bom banho frio antes. Para esfriar as idéias - ela sorriu.
- Tudo bem. Eu também preciso - ele passou a mão pelo rosto dela e deslizou até o pescoço.
- Ai! - o risco vermelho provocado pelo arrancar do colar estava roxo e dolorido.
- Maldito - disse beijando de levinho o trajeto da marca e curando o machucado com um feitiço, deixando Nicolle abismada com a cura instantânea. - Agora sim. Vamos esfriar as nossas cabeças... - ele tomou a mão dela na sua e a conduziu até o banheiro.
Os dois ficaram muito tempo no banho, era como se toda a sujeira, raiva e medo que sentiram na mansão Malfoy estivesse escoando pelo ralo.
- Engraçado... - ele disse, massageando as costas dela. - Eu nunca me senti tão bem em toda a minha vida. Me sinto livre, limpo... Tudo bem, estou saindo de um banho de meia hora, mas é outro tipo de limpeza - ela virou para ele, abraçando-o e deixando a água cair sobre os dois juntos.
- Eu entendi perfeitamente o que você quer dizer.
- É como se tudo o que eu fui, que me ensinaram a ser, estivesse no lugar de onde nunca deveria ter saído. No esgoto - apontou para a água que rodopiava em direção ao ralo.
Depois do banho os dois colocaram um roupão e se sentaram na varanda. Estava uma linda tarde, o céu estava especialmente azul.
- Me conte - ela disse, dobrando os joelhos e abraçando-os, como uma criança que vai ouvir um conto de fadas. Mas a história de Draco estava longe disso.
- Para começar eu não deveria ter nascido - disse de súbito e Nicolle se espantou.
- Como assim Draco? - ele bufou, não de impaciência mas de infelicidade.
- Minha mãe odiava meu pai, Nikki. Eu só soube disso quando ela já não estava mais conosco.
- Ela está morta? - ele parou por alguns minutos.
- Eu não sei. Eu acho que não. Ela deixou esse colar no meu travesseiro na noite da minha formatura em Hogwarts. Aquele foi o último dia em que a vi - Nicolle sentiu uma grande tristeza no peito. - Ela odiava Lúcio. Eles se casaram por obrigação. Meu avô materno tinha dívidas com o meu avô paterno e pagou com a minha mãe por elas. Ela ainda era uma criança quando começou a ser preparada para se casar com ele. Foi educada por uma governanta da minha avó materna. Ensinada a agir como uma Malfoy. Mas ela não era uma Malfoy. Nunca foi - Nicolle se encolheu mais, colando a ponta do queixo nos joelhos; ele percebeu o desconforto dela. - Você quer que eu pare? - ela apenas acenou com os olhos para que prosseguisse. - Ela acabou realmente se casando com ele, não que ele gostasse dela também. Tinha várias mulheres, amigas, como costumava dizer para mim quando eu ainda era garoto, mas precisava de um herdeiro. Então uma noite ele foi até o quarto dela e exigiu esse herdeiro. E ela ficou grávida de mim. Mesmo contra a vontade - Nicolle abaixou os olhos marejados. - Ela passou toda a gravidez infeliz. Não queria ter um filho dele. Queria morrer. Mas ela me teve, num dia chuvoso e escuro eu nasci - Nicolle suspirou fundo. - Então ela encontrou um motivo para viver. Ficou encantada por ter tido um filho. E realmente me amava... Muito. Hoje eu sei disso - sentiu a voz falhar. - Ela me cercou de carinho e proteção até esse dia - apontou para o colar no pescoço dela. - Esse foi o último sorriso verdadeiro que eu dei. Por isso ela carregava esse relicário no pescoço. Porque a partir desse dia eu fui separado dela. Nós ficávamos em alas separadas da casa. Lúcio não a considerava capaz de criar um Malfoy legítimo e a mesma governanta que a criou foi para a mansão, preparar mais um Malfoy. Mas eu fui um Malfoy, Nikki. Eu demorei a me tornar um, mas eu me tornei... - olhou nos olhos dela.
Os olhos de Draco tinham uma tonalidade mais azul que o tom do céu daquela tarde.
- Ela tentou me ver, fugia do quarto no meio da noite e dormia abraçada comigo até quase o dia amanhecer. Mas isso não durou muito. Ela foi descoberta e passou a ser trancada no quarto durante a noite. Não podia fazer mágica. Era apenas uma figura decorativa em festas. E se comportava pois sabia que se não fosse fria o suficiente comigo quem sofreria as conseqüências seria eu. Lúcio deixou isso bem claro. Se eu fosse um fraco, como ela, seria tratado como um. Então ela me ignorava em festas e eventos.
Nicolle chorava agora mas se mantinha firme, escutando.
- Então um dia eu finalmente me esqueci de como era ter uma mãe e escondi as lembranças dela no fundo da minha memória. Como um sonho ruim, algo que a gente não quer mesmo acreditar que existiu. Algo que só nos faz sofrer mais e nos sentirmos fracos e patéticos. Isso eu aprendi muito bem com Lúcio. Eu comecei a agir friamente com as pessoas, depois veio a agressividade. Ele se orgulhava de mim. E isso era o melhor que eu podia ter. Não havia amor, apoio, amizade. Havia orgulho. Por eu conseguir ser frio o bastante para assistir um duelo de bruxos até à morte com apenas sete anos - Nicolle olhou para ele, admirada.
- Como, Draco? Como você pôde viver assim? - disse, enxugando as lágrimas.
- Como eu disse, eu realmente me tornei um Malfoy. Criei uma armadura impenetrável com isso mas meu ódio e meu orgulho me fizeram seguir um caminho inesperado - ele olhou o céu, sentindo o vento no rosto.
- Virgínia...
- Exato. Eu pretendia me vingar do maldito do Potter mas eu não contava que ainda houvesse algo bom dentro de mim. Eu não me considerava mais capaz de amar. Eu nem me lembrava disso.
- E como foi? - perguntou, curiosa. - Quando você descobriu que a amava? - ele sorriu. - Pode falar. Eu não vou ficar com ciúmes. Você é só meu agora... - acrescentou com a voz miúda, como uma garotinha. Ele passou a mão pelo rosto dela.
- Foi como ter o universo não mãos e realmente não saber o que fazer com ele - Nicolle sorriu. - E ainda é assim, só que agora eu sei o que fazer... - ela corou.
- E o que você fez na época?
- Eu fiz o que eu sabia fazer: menti. Fingi que era tudo um jogo, uma crueldade com Potter. Mas minha mãe me viu com Virgínia no dia da formatura. Soube que eu estava mentindo. Ela soube que eu realmente amava a pobretona e patética filha dos Weasley, como eu costumava chamá-la para agradar Lúcio. E então ela percebeu que ele não tinha conseguido terminar o que tinha começado - fechou os olhos e lembrou-se das palavras da mãe no dia da formatura. - "Meu filho, hoje é o dia mais feliz da minha vida. Eu me orgulho de você. Eu espero que seja feliz com Virgínia". Ela me abraçou na hora dos cumprimentos, como todos faziam, mas as palavras dela não eram falsas daquela vez. "Eu hoje me sinto sossegada", ela completou. Naquela noite ela partiu. De manhã eu encontrei o pingente e uma carta no meu travesseiro. Contava toda a história, dizia que sabia que eu realmente amava a Virgínia e que isso era o único motivo de ela ir embora. Eu estava salvo e ela também precisava se salvar. Ela me pediu perdão e eu nunca a perdoei. Não até que acontecesse o que ela previu na carta.
- O que aconteceu? - Nicolle se mexeu, inquieta, estava esfriando e o sol já havia ido embora; ele a aconchegou nos braços.
- Meu pai descobriu que eu realmente amava minha noiva. Tentou então impedir o casamento mas a guerra era iminente. E o lado do bem, a Ordem da Fênix, era mais forte e tinha o precioso Potter... Lúcio acabou exilado e eu fui execrado pela minha família porque não assumi o meu papel na guerra. Eu não escolhi um lado. Eu escolhi ficar com ela, com Virgínia, e ela me levou para onde quis. E isso quase foi a minha ruína.
- Você viveu como trouxa e perdeu o status social. Eu imagino... - ele riu.
- E ganhei muito trocando dinheiro bruxo por trouxa. Soube me aproveitar da guerra e criei uma ótima vida na Alemanha, quero dizer, ótima em termos, pois isso tudo acabou com a minha mulher fugindo de casa - os dois riram.
- Imagino o que deva ter sido viver assim. Eu o considero um sobrevivente - ele riu.
- De certa forma... Mas você entende por que eu não me importo em ter filhos? Eu tenho medo de passar essa maldição para ele. Essa frieza que eu carrego no nome, no sangue, na alma... - ela segurou o rosto dele.
- Draco, se Deus, ou Merlin, ou sabe-se-lá o quê, permitir eu vou gerar o seu filho. E nada, nada no mundo vai poder me fazer uma mulher mais feliz - ele sentiu os olhos se encherem de lágrimas.
- Ainda assim você quer? - perguntou, incrédulo.
- Agora mais do que tudo. Eu quero me misturar com você e gerar vida. Você vai ver que é capaz disso. Eu quero sentir você pulsando dentro de mim e quero um pequeno Malfoy para carregar nos braço. Um nome não é nada, Draco. Nomes são títulos, rótulos. As pessoas estão além deles - ele sentiu algo quente escorrer pelo rosto e se surpreendeu ao passar a mão e ver que eram lágrimas. - Eu quero você, cada vez mais. Estou ansiosa para visitar o bruxo-médico, ou algo assim... - ele sorriu.
- Então está bem... Se vamos ter um bebê vamos fazer as coisas do jeito certo - ele se ajoelhou e ela arregalou os olhos. - Nicolle Marah, você quer se casar comigo?
Ela sorriu e piscou várias vezes, ensaiou dizer algo mas não conseguia, faltava-lhe o ar. Ele riu marotamente.
- Nikki, se você não falar nada eu vou me sentir um bobo e os vizinhos vão achar que é alguma espécie de penitência eu estar aqui de joelhos - ela riu.
- Draco - respondeu finalmente -, você nunca ouviu falar em "quem cala consente"? - ele franziu a testa.
- Como assim? - levantou uma sobrancelha.
- Assim - ela o calou com um beijo. - Isso responde a sua pergunta? - sussurrou em seu ouvido.
- Não, mas já é um começo... - disse, malicioso, puxando-a para dentro do apartamento.
