Nessa manhã de vésperas de aniversário, Shun acordou tarde, a cabeça doendo-lhe horrivelmente. O que acontecera a noite passada? Ah, claro, o costume. Sair com os amigos até ás tantas da noite e ficar com o irmão a vadiar até de madrugada. Há quanto tempo eram aqueles os seus dias? Uma semana. Sentou-se na cama e sentiu um odor desagradável do seu próprio corpo. O perfume já nem se notava, apenas o cheiro de álcool, fumo, suor e um pouco de sangue que esguichara de um homem que liderara um grupo de assalto contra eles. Teve nojo de si próprio. Foi até à casa de banho, tirando a camiseta e parando em frente ao espelho. Sem olheiras, sem marcas, sem olhos vermelhos. Apenas a escuridão verde insondável em que os seus olhos se haviam tornado. Nem uma bebedeira. Rezara muito por uma, vergonhosamente ansiava por uma bebedeira de tal forma descontrolada que o descontrolasse a ele, e pusesse fim a todos os seus problemas, fosse lá como fosse, declaração ou morte. Bebera muito, muito mesmo. Mas descobrira que também ele, como o irmão, tinha uma extrema resistência ao álcool, que apenas o viciava, não embriagava, quanto muito deixando-o de pernas um pouco falsas e algumas dores de cabeça. Parecia estar no sangue dos Amamiya. Ah, e houvera a cena de pancadaria, um grupo que os tentara assaltara e que os obrigara a lutar com eles há porta do último bar a que tinham ido, um casebre mal iluminado, que aquela hora tardia se encontrava cheio de passadores e prostitutas.

Bateu com o punho na parede. Maldita vida! Maldito caminho por onde estava a ir. Enfiou as mãos nos bolsos, para ver se estavam vazios antes de pôr as calças no cesto da roupa suja. Encontrou um papel dobrado. Abriu-o desconfiado e viu um número de telefone e um nome. Talis. As memórias da noite anterior invadiram o seu cérebro. a amiga de Ikki que aparecera sabe- se lá de onde. que se sentara ao lado dele. que metera conversa com ele. que desavergonhadamente o beijara. e que finalizara no chão com um copo de absinto despejado por cima. Cheio de raiva abriu impetuosamente a porta do quarto e entrou no quarto em frente.

O quarto de Ikki estava escuro. Abriu violentamente os cortinados e olhou o irmão que ressonava em cima da cama vestido com as roupas da noite anterior. Aproximou-se e sentiu o mesmo cheiro enjoativo que se desprendia do irmão. Chamou em voz alta e, à recusa em acordar, abanou-o violentamente. Ikki acordou em sobressalto, pondo-se de pé, o cabelo espetado em todas as direcções. Acalmou-se quando viu o irmão.

- O que foi, Shun? - olhou o relógio em cima da secretária - Onze e meia. não me digas que querem ir à praia. Shun? Porque estás com essa cara?

- Estás a ver isto, niisan? - abanou o papel à frente dos seus olhos - Sabes o que é isto? - o outro bocejou.

- O número de telefone da Talis. É verdade, o que te deu ontem para atirares a pobre rapariga ao chão? Ela só queria ajud.

- Eu não quero, ouve bem Ikki, EU NÃO QUERO ser ajudado por ninguém, entendes? Eu não preciso de ajuda. Nunca mais empurres pegas para cima de mim. ou nenhuma das tuas amigas. Ou vamos ter chatices.

- Não precisas de ajuda?
- Porque precisaria? Passa-se alguma coisa de estranho?

- Bem. - o outro foi perspicaz - deixa ver, um rapaz calmo, dócil e pouco dado a aventuras que de repente passa as noites na rua a beber como um camelo e a frequentar bares de, como diria o Cisne, legalidade duvidosa e mal frequentado, que ouve música em altos berros e passa a vida a treinar como um louco. Alguma coisa se deve passar, não achas?

- O que se passa não é da tua conta!

- Vais esquecê-la, Shun, descansa, sobretudo se fores para a frente com aquela garotinha que canta no "Lyoness". De qualquer modo, a outra era muito sem sal, muito sonsa. - Ikki respondeu com moleza, bocejando a cada duas palavras. Tanto que não deu pelo golpe rápido do irmão que o espetou contra a parede, o cosmos erguido com uma agressividade inusitada. Tentou- se recompor, mas Shun agarrou-o pelos ombros, pôs um cotovelo no seu peito e pressionou-o contra a parede.

- Nunca - rosnou baixo, perigosamente - nunca mais fales da June. Nunca mais fales nada acerca dela, ou de mim, ou de um em relação ao outro. E, sobretudo, nunca mais fales de nós.

- Parem, vocês os dois! - a voz de Saori fez-se ouvir da porta. Shun sentiu-os atrás de si. Riu-se desdenhosamente, soltou o irmão e disse calmamente:

- Vou tomar um banho. Devias fazer o mesmo, niisan.

- Vê se te controlas, Shun! - Saori olhou para ele zangada quando passou por ela. Shun, do alto, olhou-a com desprezo:

- Quem tem que se controlar, és tu, Saori, e a tua língua bífida. Aliás, devias ter cuidado: homens não gostam de comadres, e estas ficam sempre para tias. - estupefacta, Saori ficou sem resposta. Shun tomou um banho frio, como de costume, e desceu, em direcção à saída para ir treinar. Estacou no hall petrificado a olhar uma rapariga vestida de modo simples. Esta sentiu a sua presença e virou-se para ele. Cabelos castanhos, olhos verdes, pele pálida.

- Bom dia. - cumprimentou amavelmente.

- Bom dia. posso ajudá-la?

- Estou aqui para ver Saori Kido. Ela mandou chamar-me para combinar- mos algumas músicas ao vivo para um aniversário. amanhã? - então era isso. a rapariga que cantava no bar.

- Sim, há festa amanhã. Mas não sabia que iria haver música ao vivo, muito menos cantada por si, senhorita?

- Oh, espero não ter estragado nenhuma surpresa!

- De modo nenhum, senhorita, é o aniversário do meu irmão.
Tatsumi escolheu esse momento para dizer que a senhora recebê-la-ia nesse momento. Encaminhando-se para a porta, a rapariga estendeu os dedos suaves e brancos para Shun, que os apertou levemente.

- Foi um prazer falar consigo, senhor Shun Amamiya. - disse com um sorriso carinhoso e caminhando para a sala. Shun reagiu quando ela estava na soleira da porta.

- Espere, diga-me pelo menos o seu nome. - Ela fez um sorriso enorme e os seus olhos verdes brilharam misteriosamente.

- Kiris Eahan. - E desapareceu pela porta. Shun encostou-se a uma parede, o coração a bater desenfreadamente. Não. Correu até ao ginásio, até à sua sala de treino e recomeçou a treinar loucamente. Até que, algum tempo depois, deixou cair a espada com que se exercitava e abanou a cabeça pensativo. Mas o que se passava? Agora acreditava em contos de fadas? No entanto.

- Eahan. - Shun sabia que Eahan era uma pseudo raça de elfos. Elfos guerreiros que apareciam nos livros de histórias míticas. Elfos servidores da Mãe. Elfos que eram "shuras", sacerdotes e servos da Mãe-Terra, da Natureza, que a protegiam e auxiliavam os humanos quando estes precisavam. Como ele precisava.

Abanou a cabeça zangado consigo próprio. "Pára com isso!" ordenou-se. Sinceramente. Ouviu Hyoga a chamá-lo do lado de fora. Era verdade, prometera ir com ele comprar a roupa para a festa. Deitou uma última mirada à espada que deixara cair no chão. Espada. Por outro lado.

Shun ouviu a música insuportável a que já se tinha habituado com desagrado. Não quisera vir. Olhou para o irmão que procurava uma mesa onde coubessem todos sem resultados.

- Ikki! Isto está à pinha! Vamos embora! - gritou aos ouvidos do irmão.

- Não queres ver a tua dama a cantar, caçula? - gritou o irmão em resposta. Shun encolheu os ombros.

- Para estar esta barulheira infernal é porque não vem. - mas Ikki já não o ouvia, liderando o grupo em direcção a uma mesa donde havia saído um grupo bastante grande. Shunrey teve que se sentar ao colo de Shiriyo para caberem todos bastante apertados. Ikki propôs-se a encomendar ele próprio as bebidas, mas o grupo declinou a oferta, já que queriam sair pelas próprias pernas dali. Shun foi-se pela opinião dos outros. Aliás, nem ouviu o que escolheram, embevecido a contemplar June que se sentara quase em frente. Tão bela. não a vira muito, durante a semana. Nem ás raparigas. Estaria estado com o outro? Os olhos dele escureceram. Um alarme do cosmos avisou-o que estava a ser observado e reparou nos olhos da amazona fixos nos seus. Encolheu os ombros, levou o copo aos lábios e virou os olhos para o pequeno palco que se tornara o sítio melhor iluminado do bar. Kiris acabava de saltar para cima do palco, microfone em punho, vestida com umas calças de ganga artisticamente cortadas, umas sandálias de tacão e um top não muito curto com um decote grande mas não demasiado, abotoado no pescoço, maquilhada de modo simples e um penteado em tranças. Shun sorriu ao pensar no propósito daquilo tudo. Exposta mas o essencial bem protegido. ao fim e ao cabo, ainda na infância da noite, estavam todos sóbrios para se deixarem levar; e ás tantas de noite já ninguém se importava se estava tudo tapado ou não, a mente conseguia imaginar. A rapariga atacou aos primeiros acordes "Bring Me to Life", Evanescense. A voz dela, mesmo sem equalizadores, ecoou na sala bem timbrada e afinada. Era isso mesmo. precisava que ela, não ela que estava a cantar, mas ela o trouxesse de volta à vida, o arrancasse daquele vicio em que mergulhara. Olhou para o copo à sua frente. Era diferente e estava cheio de novo. abafou um suspiro, levou-o de novo aos lábios e olhou para June, de perfil a ver Kiris cantar. Aqueles lábios. suaves, doces, grossos. nunca um beijo fora algo tão divino como o que haviam trocado na cozinha. O rosto de anjo. sim, era isso, estava apaixonado por um anjo. havia uma música que falava no amor pelos anjos, não era? Como é que se chamava.

- "Angels", de Robby Williams! - Shun ia tendo um ataque duplo cardíaco, quando ouviu a voz monocórdica a anunciar a próxima música e a voz de Kiris entoar docemente a o início da letra.

I sit and wait

Does an angel contemplate my fate

And do they know

The places where we go

When we're grey and old

'cos I have been told

That salvation lets their wings unfold

So when I'm lying in my bed

Thoughts running through my head

Os bonitos olhos de Kiris mergulharam nos seus e ele sentiu uma vertigem, como se fosse ele a falar pela voz dela.

And I feel the love is dead

I'm loving angels instead

And through it all she offers me protection

A lot of love and affection

Whether I'm right or wrong

Sim, sentia que era ele que cantava desesperadamente, que a dor clássica com que ela entoava a música era a sua.

And down the waterfall

Wherever it may take me

I know that life won't break me

When I come to call she won't forsake me

I'm loving angels instead

Esperança. Os olhos dela deixaram-no e a sensação de vertigem acalmou.

When I'm feeling weak

And my pain walks down a one way street

I look above

And I know I'll always be blessed with love

And as the feeling grows

She breathes flesh to my bones

Realmente? Seria que o seu amor por June não o estava a destruir mas sim a mantê-lo vivo naquela fase em que preferia morrer? Era isso que Kiris lhe queria dizer? Disparate, Kiris não lhe queria dizer nada, estava a exercer o seu trabalho, era somente uma música. Então os olhos dela mergulharam de novo nos seus, e tudo se repetiu. A vertigem, a sensação de que era ele que cantava..

And when love is dead

I'm loving angels instead

And through it all she offers me protection

A lot of love and affection

Protecção? É isso? Estou a ser protegido?

Whether I'm right or wrong

And down the waterfall

Wherever it may take me

I know that life won't break me

When I come to call she won't forsake me

I'm loving angels instead

Mas ela abandonou. não abandonou? Ela foi com ele. ou não foi? Ou foi levada? Ela está a sentir o mesmo que eu? Confusa, como eu?

Os olhos de Kiris mergulharam com uma maior intensidade nos seus. Shun sentiu uma vertigem poderosa que, ao invés de o deitar por terra, pareceu trazer-lhe um autodomínio que nunca sentira antes naquela situação.

And through it all she offers me protection

A lot of love and affection

Whether I'm right or wrong

Esperança. tanta esperança.

And down the waterfall

Wherever it may take me

I know that life won't break me

When I come to call she won't forsake me

Ela nunca me há-de abandonar.

I'm loving angels instead

- "I'm loving angels instead." - Shun pronunciou docemente o final da música sem dar por isso, os olhos semicerrados fixos em June. Os amigos olhavam-no estupefactos.

- Shun, estás bem.? - perguntou Eri receosa.

- Shun?

- Que diabos, Shun, não me digas que ao quarto copo já está assim! - Ikki bufou.

Mas o rapaz só estava interessado nos olhos marejados de lágrimas de June. Ele sentiu que alguma coisa se ia passar. Ouviu um apelo no seu cosmos para levantar a cabeça, um aviso. Viu de relance os olhos de Kiris direccionarem-se como duas lanternas luminosas de alarme para ele. Mas ele somente via June levantar-se indecisa e ir na direcção dele. Para trás dele. Cumprimentar o rapaz que a roubara de si.

O choque foi tão grande que Shun ficou incapacitado de respirar. Mesmo sem um beijo na boca, mesmo que não fora mais do que dois beijos pueris na bochecha, ele nunca se havia de esquecer daquela cena. Ouviu a voz de Saori.

- Este é David Ho'nia. É um neto de um bom amigo do meu avô. - e, ao virar-se para Ikki - Convidei-o para a festa, acho que não te importas.

- Claro que não!

- O quê? - perguntou Shun, conseguindo finalmente respirar. Os outros olharam-no novamente estupefactos. Saori franziu as sobrancelhas com aquela falta de etiqueta.

- Eu disse que tinha convidado o David para a festa do Ikki e perguntei-lhe se havia algum problema. - surpreendeu-se com um olhar gelado que veio do outro lado da mesa. Olhou para Hyoga, cujos olhos azuis brilhavam de gelo. Mas o olhar letal vinha de outros olhos igualmente azuis. Eri. Os seus olhos pareciam a muralha da Sibéria. A rapariga levantou, sacudindo os cabelos soltos sendo seguida por Hyoga. Aproximou-se de Shun e abraçou-o, dando-lhe dois beijos fraternos na face.

- Até amanhã, Shun. - disse com uma voz carinhosa e uns olhos que transmitiam o calor de verão. Endireitou-se e ao ouvir a voz de Saori os seus olhos endureceram novamente.

- Mas, Eri, o que se passa?

- Porque é que se vão já embora? - perguntou Seiya, completamente a leste do que se estava a passar.

- Porque, Ogawara, eu estou farta dos jogos pérfidos que certas protegidas mimadas fazem, sem se lembrarem que têm uma função a cumprir neste mundo. - Saori abriu a boca indignada.

- Yah, é isso mesmo. Por outro lado, por muito que seja russo e idolatre a vodka, acho que se ficar aqui mais um segundo ela vai sair toda, por isso. - apertou um ombro de Shun amigavelmente com as mãos quentes. Shiriyo levantou-se, o olhar sério.

- Por acaso também já estou enjoado destes jogos. Por isso, se me dão licença. - Shunrey hesitou ao receber um olhar de Saori, de quem era tão amiga. Mas ficou irritada quando o olhar da pseudo deusa se tornou irritantemente imperativo. Por isso levantou-se também e deu o braço a Shiriyo, não sem antes abraçar também Shun e murmura-lhe baixinho um pedido de desculpas. Os dois casais olharam friamente o grupo, viraram as costas e saíram.

O dito David sentou-se ao lado de June e olhou com um daqueles sorrisos snobes para Saori.

- Espero não ter criado problemas.

- Claro que não! Há pessoas que não se sabem comportar, só isso.

Apesar do conforto que sentia ter sido dado pelos amigos, Shun sentiu- se miseravelmente atraiçoado. Olhou para o palco, para onde Kiris regressava e fixou os seus olhos nos dela, gravando a fogo nas esmeraldas que eram os seus olhos TRAÍSTE-ME. Kiris, de olhos brilhantes, deu a impressão de abanar a cabeça e fixar de novo os olhos nos dele. Ele sentiu um cosmos enorme entrar a jorros no seu coração e fechar-se lá dentro. Sentiu a carícia dos seus olhos. Ela entreabriu suavemente os lábios.

Empty spaces - what are we living for

Shun levantou-se da mesa sem dizer uma palavra. Não reagiu ao que os outros lhe perguntaram. Deixou dinheiro sobre a mesa, nem aceitando que Saori pagasse, e saiu dali.

Abandoned places - I guess we know the score

On and on, does anybody know what we are looking for...

Caminhou lentamente até casa, respirando o ar fresco da noite como há tanto tempo não fazia. Olhou a lua, lembrando-se dos sonhos agradáveis que tivera a última vez que a olhara, há duas semanas atrás.

Another hero, another mindless crime

Behind the curtain, in the pantomime

Pela primeira vez naquela semana, não quis saber dos treinos, nem das armas, nem de performance, nem de nada. Passou pelos amigos que estava na sala, sorriu-lhes docemente e foi para o quarto. Não queria saber de mais nada. Não queria mais aguentar aquilo.

Hold the line, does anybody want to take it anymore

Tomou um bom banho quente, vestiu os boxers favoritos, abriu os cortinados, deitou-se e, antes de adormecer, murmurou para a lua: "- Maara oloores." . Acordou bem disposto na manhã seguinte, vestiu uma roupa confortável, e desceu para tomar o pequeno-almoço. Entrou sorridente na sala, deu um enorme abraço ao irmão, desejando-lhe imensas felicidades e passando-lhe para as mãos o relógio que ele namorava há séculos, arrancando gritos de satisfação de Fénix. Dignou-se mesmo a cumprimentar June alegremente, beijou Eri e Shunrey como faria a duas irmãs pequenas e deu uma forte palmada nas costas de Shiriyo quando este bebia o seu chá, arrancando risos por parte de Hyoga.

O teatro da vida continuava.

The show must go on

The show must go on, yeah

Inside my heart is breaking

My make - up may be flaking

But my smile still stays on

Participou alegremente no almoço, passou aquelas horas intermináveis à mesa com os outros. Já à tardinha, foi tomar banho, vestiu as espectaculares calças cinzentas que comprara no dia anterior e a camiseta leve de algodão de gola alta preta e calçou uns bonitos sapatos também pretos. Encharcou-se em perfume, pôs o relógio prateado, deu uma penteadela nos cabelos, abanando a cabeça para dar-lhes um aspecto descuidadamente cuidado. Olhou a unhas impecavelmente curtas, afastou-se para admirar o resultado. Perfeito.

Whatever happens, I'll leave it all to chance

Another heartache, another failed romance

On and on, does anybody know what we are living for?

Desceu ao mesmo tempo dos outros, enfrentando com eles a casa cheia. A noite já tinha caído, uma noite clara, com estrelas e uma lua em pleno quarto minguante.

I guess I'm learning (I'm learning learning learning)

I must be warmer now

I'll soon be turning (turning turning turning)

Round the corner now

Olhou June maravilhosa num vestido preto de saia comprida com uma racha que acompanhava durante bastante tempo as suas longas pernas níveas e as alças em seda cinzenta-prateada que reflectiam a luz das bolas de espelhos e abotoavam no pescoço, dando a sensação de se iniciar no entrançado que se formava também em seda prateada em redor de todo o decote, a longa cascata de cabelos dourados que caía descuidadamente pelos ombros e pelas costas desnudas, os olhos azuis que brilhavam intensamente.

Viu David entrar, atravessar a sala e rodear June num abraço. Viu levá-la para longe de si.

E não chorou.

Outside the dawn is breaking

But inside in the dark I'm aching to be free

Acompanhou todos os outros em danças, boquinhas, conversas, brincadeiras, passeios pelo jardim.

Sim, o teatro da vida continuava.

The show must go on

The show must go on, yeah yeah

Ooh, inside my heart is breaking

My make - up may be flaking

But my smile still stays on

Viu Kiris entrar na sala, cumprimentou-a com um beijo na testa, familiarmente. Ela era a sua elfo. Realidade ou ficção, para sempre era a sua guarda. E estaria ao seu lado sempre. Ela era a sua espada e ele o cavaleiro de June.

E ele podia vencer, sempre.

My soul is painted like the wings of butterflies

Fairytales of yesterday will grow but never die

I can fly - my friends

The show must go on (go on, go on, go on) yeah yeah

The show must go on (go on, go on, go on)

Ouviu um grito no jardim, passos a correrem, pessoas a gritarem. Viu toda a gente afastar-se e ele ficar só no meio do salão. Sentiu um cosmos agressivo na sua direcção e limitou-se a levantar os olhos para ver David a apontar um punhal à garganta de June, os olhos vermelhos, o cosmos maligno a rodeá-lo.

Ouviu o seu desafio, salvar June, lutar para isso. Mas soube que era mais que isso. Que tudo aquilo era uma farsa para algo maior. Mas que, mesmo sem saber o que era, eles eram a peça principal.

Viu a armadura negra do outro tomar conta do seu corpo e ele cortar superficialmente um pouco o pescoço da rapariga. Shun subiu o cosmos e alguém na sala subiu o cosmos com ele.

I'll face it with a grin

I'm never giving in

On - with the show

O seu cosmos brilhou roxo com reflexos de prata, uma armadura brilhante, de cor indefinida colou-se ao seu corpo. Duas asas cresceram nas suas costas. O outro ergueu o cosmos e atacou a uma velocidade incrível. O corpo de Kiris brilhou e transformou-se em algo indefinido. Shun estendeu a mão.

Ooh, I'll top the bill, I'll overkill

I have to find the will to carry on

. para agarrar a espada comprida, pesada, majestosamente fulgurante em que Kiris se tinha transformado. A espada cantou por sangue. De um só golpe, quando David se aproximou, Shun cortou o adversário ao meio. Este gritou insurdecedoramente, o seu cosmos arrastou o seu corpo numa espiral e foi absorvido pela espada. Shun baixou-a e estendeu a mão a June, para ajudá-la a levantar. Esta percorreu-lhe o pescoço com os braços e abraçou- se a ele a tremer. Shun chamou-a docemente até ela levantar a cabeça. E então beijaram-se interminavelmente.

On with the show

On with the show

The show - the show must go on

Go on, go on, go on, go on, go on

Go on, go on, go on, go on, go on

Go on, go on, go on, go on, go on

Go on, go on, go on, go on, go on

Go on, go on

«Salvem a alma do Mundo.» murmurou uma voz na quietude da sala. Shun sentiu as suas asas baterem até levantá-lo do chão e, agarrando June, deixou que estas os conduzissem pelo céu de Agosto.

Caíram no meio do bosque que cercava a enorme propriedade dos Kido, ao pé de uns pequenos lagos interiores rochosos de água tépida. A armadura deixou o corpo do rapaz e as asas desapareceram. June levantou a cabeça do seu ombro e olhou-o maravilhada.

- Shun. - o rapaz silenciou-a com um beijo profundo e encostou-a a umas rochas macias que ladeavam um dos lagos maiores.

- Não é tempo de palavras. - murmurou com voz rouca, beijando-lhe o pescoço enquanto desabotoava as alças e deixava cair o vestido, maravilhando-se ao descobrir a não existência de soutien.

Deixou a boca correr até aos mamilos duros, beijou-os, passando-lhe a língua em pequenos círculos, chupando-os e mordendo-os amorosamente. Sentiu as mãos dela levantarem-lhe a camiseta e deixou-a tirá-la e desabotoar-lhe as calças que correram livres até ao chão. Pegou-lhe ao colo, deitando-a nas rochas, beijando o seu corpo, para de vez em quando voltar há sua boca, afastando-se sempre do que ela ansiava, ouvindo-a protestar entre gemidos.

Esfomeada, June deslizou as mãos pela sua cintura e tirou-lhe os boxers, acariciando-lhe o sexo com as mãos macias, empurrando Shun para trás para poder lambê-lo, engoli-lo, chupá-lo, mordê-lo. Deliciado, o rapaz fechou os olhos e ronronou de prazer até não aguentar aquela doce tortura. Aí empurrou-a de novo contra as rochas, tirou-lhe a calcinha bem devagar, ouvindo-a protestar com voz rouca. Abriu as suas pernas e mergulhou naquele ninho de prazeres, lambendo suavemente o sexo da rapariga, tocando-lhe nos pontos mais sensíveis, insistindo ao ouvi-la pedir mais e mais, insistindo ainda mais quando a ouvia arquejar, arranhar-lhe as costas e pedir para parar. De súbito, parou. Levantou-se com ela no colo e mergulhou dentro de água. Surpreendida, June riu-se e atirou-lhe água para a cara. Shun perseguiu-a até há margem, deixando que ela o abraçasse pelo pescoço e envolvesse o seu corpo com as pernas. Empurrou-a contra a rocha, segurou-se à margem e começou a estocá-la devagarinho, deixando-a sentir tudo em "câmara lenta", beijando-lhe o pescoço demoradamente e deliciando-se em vê- la de olhos fechados. Aumentou o ritmo das estocadas, vendo-a ficar levemente corada e deixando escapar gemidos que se iam tornado cada vez mais altos. Apertou-se mais contra ela, tirou o pénis para mete-lo de novo, corrigindo a posição do corpo dela com uma mão. Ela olhava-o com os olhos brilhantes e Shun sorriu-lhe antes de recomeçar as estocadas. A rapariga abraçou-se ao seu pescoço gemendo baixinho, mas o controlo era algo em possível naquela altura e em breve começou a gritar, pedindo mais e mais. Shun apertou-a contra a rocha e preencheu-a com um grito. Depois encostou a cabeça ao seu ombro, respirando entrecortadamente, abandonando-se ás suas carícias. Ergueu a cabeça pouco depois e olhou-a com ternura.
- Amo-te. - murmuraram os dois ao mesmo tempo. Depois riram-se e içaram-se para a margem. Shun olhou com o sorriso maroto para o corpo desnudo da amazona.

- Cansada?

- Nunca!

- Óptimo. Porque a noite ainda é uma criança e temos a vida toda à nossa frente. - murmurou ele antes de beijá-la novamente.

Show must go on.

Dois olhos verdes sorriram satisfeitos quando olharam para o coração da alma do Mundo, que pulsava fortemente, o seu cosmos vermelho iluminando todo o espaço. Um vulto apareceu atrás dela.

- Conseguiste, então.

- Sim, Pai.

- E o teu irmão?

- Prendi-o na espada.

- E a espada?

- De volta ao lago sagrado.

- Arriscaste muito, nunca deverias ter ido lá abaixo! - a voz de Zeus ecoou zangada. A rapariga encolheu os ombros.

- A alma do Mundo está salva, isso é o que importa. Além disso dei mais algum alimento à imaginação dos homens, que também anda bem fraca.

- Não de todos, filha, não de todos.

PARA A MINHA AMIGA GRAÇA!!!!

Notas: -Eahan é uma raça de elfos guerreiros, sacerdotes e defensores da Mãe, da deusa da Natureza. São conhecidos como shuras. - Kiris é Sindarin, língua comum a todos os elfos e significa "Espada". - As músicas apresentadas foram: "Velha Infância" dos Tribalistas; "Bleeding Heart", dos Angra; e "Show Must Go On", dos Queen.