Todos estavam muito apreensivos, a final do campeonato de quadribol estava próxima e ainda não haviam decidido quem substituiria Angelina, que continuava com os dois braços imobilizados, na ala hospitalar. Draco Malfoy tinha praticamente inutilizado a garota, que agora precisava de assistência até mesmo para desempenhar tarefas simples como coçar o nariz. Os alunos da Grifinória tinham ficado furiosos mas, em parte, sentiam-se vingados, uma vez que embora a melhor artilheira estivesse contundida gravemente a Sonserina tinha perdido o jogo devido à falta cometida. Harry, apesar de estar muito cansado - mal pregara os olhos nos dias anteriores - tinha marcado um treino especial para decidir o que fariam em relação à falta de um artilheiro. Estavam todos reunidos no campo de quadribol.
- Ah! Harry, francamente! Não entendo qual foi o objetivo de nos reunir aqui. Está super cedo. E o que um goleiro pode ter a ver com a artilharia? - reclamava Rony, bocejando, com muito sono.
- Ron, você pode não ser artilheiro mas faz parte do time e deve participar das decisões. Olívio era goleiro também e era o capitão - Harry agora estava agindo da mesma forma que o antigo capitão, promovendo treinos matinais e sendo muito disciplinador.
- Está bem Harry, você é o capitão, se você acha melhor... Mas o que nós vamos fazer? Como arrumaremos um artilheiro entrosado com o time se faltam só duas semanas para a final? Mesmo que a gente treine alguém em duas semanas essa pessoa nunca vai se adaptar ao resto do time - Rony tinha uma certa razão no seu ponto de vista.
Harry sorriu enigmaticamente, como se soubesse de algo que os outros não sabiam.
- Não necessariamente... Conheço alguém que já está bem entrosado e joga muitíssimo bem nessa posição - o time todo se olhou curiosamente.
- Quem é essa pessoa, Harry? - ele apenas sorriu.
- Eu vou precisar falar com ela primeiro. Depois, se a pessoa aceitar, eu conto para vocês. Será um grande choque - ele então saiu correndo, deixando o time inteiro na maior curiosidade.
- Tadinho, deve ter surtado - comentou Jorge.
- Esse aí é doido, coitado... – completou Fred.
Harry estava na sala comunal, parecia procurando por alguém em especial, olhava para os lados, varrendo o cômodo com o olhar. Gina estava sentada eu uma das mesas de leitura, parecia muito compenetrada. Ele sorriu e lentamente se aproximou.
- Oi Gina, tudo bem? - ela apenas olhou para ele de maneira desdenhosa e baixou os olhos.
Harry sabia que ela ainda devia estar aborrecida por conta do Baile de Inverno e ainda não tinham conversado sobre o assunto. Mas a causa era nobre dessa vez, era o time da casa e ele tinha o dever, como capitão, de passar por cima de qualquer mal entendido que fosse e arriscar.
- Eu vim em missão de paz - disse, tentando sorrir, parecendo amigável. - Você soube o que aconteceu com a Angelina?
- È claro que eu soube... Você sabe disso... - disse de modo ríspido. - Eu assisto aos jogos, Harry. Ela ainda está muito machucada? - perguntou, sem levantar o rosto para ele.
- Está. E a final é daqui a duas semanas. Ela não vai poder jogar com os braços daquela forma. Se aquele idiota do Malfoy... - ela fez uma cara feia para ele, por mais que ele e Draco não fossem mais amigos e Gina tivesse ficado arrasada por Angelina o garoto tinha sido seu par no baile e tinha agido decentemente. Era natural que ela se aborrecesse com o comentário. - Digo, se ela não tivesse sido contundida daquela forma eu não estaria aqui, te importunando.
- Você não está me importunando – retrucou, olhando dessa vez para ele mas se arrependeu de ter feito isso, virando novamente o rosto. - Quer dizer, você ainda nem disse qual é o assunto, como pode saber que me aborrece? - ela tinha se saído bem na resposta, apesar de ter corado loucamente.
- É o time, Gina. Eu sei que você ainda está chateada comigo mas eu queria te pedir um favor, em nome da Grifinória, da nossa amizade... - ele agora aproveitava que ela estava olhando e fazia a maior cara de cachorro sem dono que conseguia. Embora para Gina isso fosse completamente desnecessário.
- Fala logo, o que é? - ela tentava não se derreter toda para ele, fazendo cara de quem estava com pressa.
- Eu quero que você seja a nova artilheira do time. Você é ótima! É rápida e ágil. Tem grande afinidade jogando, pelo menos comigo. Além disso você já jogou com a maioria dos jogadores do time, à exceção da Katie e da Alicia. Mas já as viu jogando diversas vezes e entende bastante de quadribol. E então, o que você acha? - ele tinha alvejado Gina com os seus melhores argumentos. O que ela podia responder?
- Eu aceito! - ele deu um sorriso que iluminou o seu rosto. Os olhos verdes brilhando. "Deus! Como ele é lindo!", pensava ela, tentando afastar uma imagem de ela se pendurando em seu pescoço ali mesmo, beijando-o loucamente, da sua imaginação. - Mas eu só estou aceitando pela nossa casa, sabe, pela Grifinória - ele concordou, sem deixar o sorriso sumir, balançando a cabeça. Ele sabia que aquilo significava que a menina estava voltando às boas com ele.
- Claro Gina - e deu um beijo na sua bochecha, que ficou escarlate. Ele, sem reparar nisso, se despediu. - Até amanhã e obrigado! O treino será às seis, antes do café da manhã. O resto do time vai adorar - e saiu, satisfeito.
Gina tinha a expressão mais satisfeita ainda, tinha vontade de nunca mais lavar o rosto. Quando achou que ele já tinha ido Harry voltou rapidamente.
- Gina... - ela olhou para ele. - Nós estamos bem? Digo, você me desculpa? - ela sorriu e sacudiu a cabeça afirmativamente. O menino então deu um sorriso ainda mais bonito e saiu da sala comunal correndo.
Depois das aulas Harry reuniu o time e contou a novidade. Tinha arranjado uma nova artilheira mas seria uma surpresa, só veriam quem era na manhã seguinte. Então após um delicioso jantar subiram para dormir. Rony esperava que o amigo fosse abrir uma exceção para ele e contar quem era a nova jogadora mas Harry negou. Explicou que a ética de um capitão o impedia de contar certas coisas. E não podia ultrapassar as barreiras da amizade. Rony ficou muito aborrecido e contrariado, quando o amigo deitou na cama e se cobriu com o cobertor, caindo no maior sono praticamente na mesma hora. Nesse instante Neville entrava no quarto, seguido por Dino e Simas.
- Rony, você ainda está acordado. Que bom! Mione está lá em baixo, quer falar com você - ele ainda tinha uma certa quedinha por ela, por isso tentava dar o recado de forma descontraída.
Com essas palavras deitou na cama, bem como os outros dois amigos. E logo já roncavam. Rony colocou as vestes por cima do pijama e desceu as escadas do dormitório.
- Oi meu amor. O que foi? Eu já ia dormir... Harry não quis me contar nada sobre a nova jogadora do time. Veio com uma conversa sobre ética e funções a desempenhar. Eu não entendo... - ainda tinha as orelhas muito vermelhas de raiva.
- Ora Rony, eu entendo o que ele quer dizer... É como eu. Como monitora não posso falar certos assuntos com vocês. São sigilosos, segredos acadêmicos, é muita responsabilidade – disse, o peito estufado de orgulho.
- Quê? Você também? Minha nossa! Onde o mundo vai parar? Meu melhor amigo e minha própria namorada me escondendo as coisas e... - Mione deu um olhar para ele de "Se você continuar agindo assim vai ficar falando aí sozinho" e se calou bruscamente.
"Melhor assim!", pensou Mione, sorrindo, triunfante.
- Eu te chamei por que ando preocupada com o Harry. Ele não nos contou todo o teor dos "sonhos" que anda tendo mas eu presumo que tenham algum significado. Eu não acho que sejam sonhos comuns. Ele os tem mesmo tomando a poção anti-sonhos que nós fizemos.
- Ah Mione, eu andei pensando... Madame Pomfrey não é nenhuma medi-bruxa. Talvez a poção dela esteja vencida, talvez não seja uma receita que funcione. Mas era sobre isso que você queria falar? - estava decepcionado. - Eu achei que íamos dar uma escapulidazinha, se é que você me entende... - disse, corando.
- Rony Weasley! Como você pode pensar nisso numa hora dessas, depois das coisas que estão acontecendo? Harry precisa muito da nossa ajuda. Ele está muito confuso. Só pode contar conosco! Francamente... – estava sobressaltada.
- Está bem, está bem. Mas um homem não pode ser guiado pelos hormônios de vez em quando? Caramba, Mione, você sabe mesmo fingir que não tem quinze anos... - agora caminhavam de mãos dadas para o sofá.
- Ah! Rony, eu sei que já faz um tempão que a gente não fica junto. Mas tem tanta coisa acontecendo... Tem a monitoria, as provas finais, os NOM's, o Harry, e a Gina também, agora...
- A Gina? E o que é que tem a Gina? - Mione desconversou, esqueceu que não era para contar para o namorado sobre a paixão da amiga por Harry e do verdadeiro motivo de ela ter se aborrecido com ele no Baile de Inverno.
- Ah! Meu amor, sei lá, são todas essas pessoas atrapalhando a gente... Você sabe o que eu quero dizer... – disse, aconchegando-se em Rony, a cabeça no ombro dele, fazendo-o esquecer de tudo.
Rony estava bem mais alto que ela e olhava para Hermione de cima para baixo. Podia ver o alto da cabeça dela e pôde observar, daquele ângulo, que ela usava uma camisola cor-de-rosa por debaixo das vestes. Ele na mesma hora desviou o olhar, corando. Não era direito tentar observar as roupas de baixo da namorada, por mais excitante que isso fosse. Ela ergueu a cabeça e sorriu para ele, alheia ao que o namorado tinha acabado de fazer.
- Eu gosto tanto de ficar assim, juntinho de você. Quase me esqueço que temos problemas. Que o mundo lá fora ainda existe... - e tocou os lábios de Rony com os seus. Quanta saudade tinha sentido de beijá-la.
Na mesma hora ele a abraçou, e assim pôde tornar o beijo mais intenso. Ela suspirava em seus braços. Os dois já estavam ficando um pouco tontos com aquilo. Rony a abraçou pela cintura. Foi deitando com ela aos poucos no sofá, sem parar de beijá-la, e Hermione chegou para o lado, dando espaço para acomodá-lo. Ele se deitou ao seu lado e ficou observando cada detalhe seu. Ela sorria para ele, com os lábios e com os olhos.
- Você é linda! Mas já que eu sou o Senhor-hormônios acho que devemos parar por aqui. Sei muito bem os meus limites, Mione. Ficar assim com você está se tornando, como eu posso dizer? Intoxicante para o meu cérebro adolescente - ela riu.
- Eu compreendo. Mas não podemos ficar só mais um pouquinho? Só até o sono chegar? Eu sinto tanto sua falta... - ela se aconchegou nele, bocejando, e em questão de segundos já ressonava... Era impressionante como dormia rapidamente.
Ele ficou meio sem saber o que fazer. Não podia dormir ali, na sala comunal com ela, tampouco deixá-la sozinha. Subiu correndo e voltou com a capa de Harry. Pegou Mione no colo – ela dormia pesadamente - e a levou para o quarto dela, a capa cobrindo os dois. Assim que entrou certificou-se que todas as meninas do dormitório dormiam e colocou a namorada na cama, cobrindo-a. Fechou o cortinado do dossel de Hermione e desceu as escadas, satisfeito. Quando chegou de novo na sala comunal encontrou Gina sentada, acordada. Ele ainda estava invisível e resolveu ver o que a irmã fazia. Ela estava escrevendo. Ele se aproximou e pôde ler.
"Querido Diário,
Eu estou muito feliz em parte. Acabou tudo bem... Hoje ele me beijou," - Rony fez uma cara muito feia - "no rosto é claro..." - Rony suspirou, aliviado. - "Ganhei o dia mas foi só isso. Ele nunca vai reparar em mim. Nunca vai me enxergar da forma que eu gostaria. Eu não passo de uma pirralha para ele. E agora vou estar bem próxima a ele. Todos os dias. Como é que eu vou lidar com isso? Eu o amo, cada vez mais. Mas não há tempo para nós, nem lugar ou chance."
Gina começou a chorar e o irmão se retirou, não queria ferir mais a privacidade dela. Ele subiu e dormiu, no dia seguinte tinha treino bem cedo e estava curioso para saber quem era o novo artilheiro da Grifinória.
Pela manhã o time inteiro da Grifinória já se reunia no campo de quadribol. Só faltava Harry e a nova jogadora, é claro. Ele chegou primeiro e já foi dando as ordens.
- Bom, gente, bom dia! Vamos começar... - mas foi interrompido.
- 'Per'aí, capitão! - protestava Rony. - Cadê o novo jogador?
- Estou aqui - respondeu calmamente Gina, que acabava de chegar. Tinha sofrido um pequeno atraso pois tinha ido até a enfermaria, buscar a vassoura de Angelina, uma Cleensweap, emprestada.
- O QUÊ? - os três irmãos Weasley gritaram em uníssono. Rony continuou, sozinho.
- Você está louco, Harry? A Gina é muito nova, pode se machucar. E depois... - Harry resolveu protestar antes mesmo da própria garota.
- Não estou. Você mesmo foi o primeiro a me apoiar quando entrei para o time. E eu só tinha onze anos. Gina já é uma moça - ela corou. - E as meninas aqui - apontou para Katie e Alicia - começaram na idade dela, Gina joga muito bem, é a melhor solução. Vamos, vocês não querem vencer? - Rony e os gêmeos concordaram, afinal perderiam o campeonato de outra forma, mas ainda assim estavam preocupados com Gina.
- E se ela se machucar, Harry? Sabe, é um jogo para valer, não é como lá no nosso quintal... - Rony era o mais superprotetor dos irmãos Weasley.
- Rony, eu não sou mais criança e não vou me machucar. Parem de falar como se eu não estivesse aqui - ela agora protestava.
- É, ela não vai se machucar. Eu me responsabilizo por ela. E para evitar algum incidente vamos treinar muito, eu já reservei o campo, todos os dias. E depois, o jogo é contra Corvinal, não com os sonserinos. Não haverá violência, vai ser um jogo limpo – Harry estava confiante e, com um sinal, começou o treino.
Gina estava realmente afinada com o time. Era mais leve que as outras artilheiras, mais ágil. Marcava pontos com facilidade e tinha não só bons reflexos como mãos firmes. Os dias que se seguiram foram maravilhosos para ela. A cada dia experimentava uma hora de cumplicidade absoluta com Harry. Entendia as jogadas que ele planejava com um só olhar do rapaz. Estava se tornando uma excelente armadora.
Finalmente chegou a véspera da partida. Harry tinha marcado um treino técnico à noite para ver como eles se saíam com pouca visibilidade. Mesmo assim o time se saiu muito bem. Voltaram todos felizes para o castelo, com a sensação de dever cumprido. Foi muito difícil dormir aquela noite. Especialmente para Gina, seria o seu primeiro jogo. E logo uma final de campeonato. Contra o time de Cho Chang, acabava de se dar conta disso.
O jogo seria no final da tarde e as aulas daquele dia pareceram se arrastar. Depois do almoço os jogadores tiveram um tempo livre para se preparar para a partida. E finalmente chegou o momento.
Havia um grande rebuliço de alunos, atrasados, correndo pelos corredores e os times já estavam no vestiário, em aquecimento. Era a primeira vez que Gina vestia o uniforme oficial de quadribol. Estava muito orgulhosa mas ansiosa também. Hermione tinha ido até o vestiário para desejar boa sorte a eles. As arquibancadas estavam lotadas e a torcida estava dividida. Lufa-lufa torcia para Grifinória - pois tinha sido derrotada pela Corvinal - e Sonserina obviamente torcia contra Grifinória. De preferência para que todo o campo de quadribol explodisse.
Madame Hooch apitou e Harry e Cho apertaram as mãos. Ele ficou um pouco intimidado com o gesto, sentiu-se desconfortável e sem graça, e abaixou a cabeça, corando, enquanto a menina sorria para ele. Gina percebeu a cena e ficou com ciúmes mas decidiu guardar essa emoção para depois, precisava ser profissional naquela hora.
Quando começou o jogo todos se surpreenderam com a rapidez de Gina, ela já havia marcado 20 pontos para Grifinória em dois minutos de jogo. E a torcida gritava seu nome. Ela estava muito feliz e trocou um olhar de aprovação com Harry.
Corvinal tinha a posse da goles agora e Harry e Cho estavam atentos, esperando o pomo aparecer. Enquanto isso o placar marcava 60 a 20 para Grifinória. Estavam todos muito compenetrados no jogo quando o tempo começou a nublar. Estava esfriando de uma hora para a outra e uma neblina densa tinha aparecido do nada. Logo o campo estava coberto por um nevoeiro branco e pesadas nuvens carregadas de chuva cobriam as cabeças dos jogadores.
Não conseguiam mais se ver apropriadamente. Só se estivessem muito próximos. E agora até mesmo a torcida pensava se não seria melhor adiar o jogo ou mesmo cancelá-lo. Foi então que Harry avistou o pomo, um pequeno brilho dourado. Tinha acabado de passar a milímetros do seu rosto, como um mini-cometa. Ele acelerou sua Firebolt e começou a perseguí-lo. As vozes dos outros jogadores ecoavam, ele não podia mais identificar de quem eram, de onde vinham, tampouco onde cada um estava.
De repente começou a chover torrencialmente. As nuvens estavam densas, escuras e raios cortavam o céu. Mas Harry estava decidido. Tinha que pegar logo o pomo. O jogo terminaria e venceriam o campeonato.
Estava tão distraído que não percebeu que as vozes de qualquer outro jogador - e mesmo os protestos da platéia, indignada por não enxergar absolutamente nada - tinham cessado. Só se podia ouvir o vento agora e o frio estava ficando insuportável. Ele já estava encharcado e voava insanamente no encalço do pomo.
Então uma fumaça esverdeada começou a invadir seu campo de visão. Ele não percebeu de início. Estava concentrado em vencer. Tinha o pomo já quase fechado na mão direita. Faltava um centímetro para tocá-lo quando se lembrou do seu sonho. Na mesma hora ficou congelado na vassoura. À sua frente ele via um vulto. O mesmo vulto que vira em sonho, a garota na vassoura. Seus pensamentos se voltaram para ela. Estava acontecendo de novo. Seu pesadelo estava se tornando real. Os raios cortavam, verdes, agora o céu e ele se viu gritando.
- Madame Hooch! Parem o jogo! Parem! - não houve resposta.
Ele não sabia mas estava muito alto agora. Tinha subido a uma altitude impressionante, atraído strategicamente, pelo pomo. Estava fora do alcance dos outros. Ele olhou para a garota, lembrou o pedido de Cedrico e gritou.
- Cho! Cuidado! Fique aí. Eu já estou indo! - sua voz parecia se perder no vento, diluindo-se antes de chegar aos ouvidos da moça.
Ele então ouviu a gargalhada. A mesma de seu sonho, aguda, fria, cruel. Sua cicatriz doeu tão forte que teve que se segurar com as duas mãos para não cair da vassoura ou desmaiar. Ele viu quando um raio verde se formou no céu, vindo de uma nuvem negra, e atingiu em cheio a garota.
Ele não pôde ouvir o grito dela mas ela gritou e, com a vassoura fulminada, despencou para o abismo de nuvens, rasgando o espaço. Ele também gritou.
- NÃO! - mergulhou a vassoura, decidido, voando para baixo na direção dela, para tentar amparar a queda.
Harry nunca havia forçado tanto a sua Firebolt. O vento assoviava em seus ouvidos. Sentia a vassoura trepidar, a qualquer momento ela se partiria em duas. A resistência de diamante não suportaria a sobrecarga, arrebentaria. Ele voava alucinadamente por entre as várias camadas de nuvens, não sabia em que direção ela estava caindo mas podia sentir. Era como se estivesse atraído para ela, como se sua própria vida dependesse dela. Sentia a vassoura cedendo, rachando, até que visualizou a garota. Ela caía à sua frente, estava encharcada e chamuscada, as vestes enegrecidas pela descarga elétrica. Forçou mais ainda a vassoura e interceptou a queda da menina.
Despencaram juntos, estavam a poucos metros agora do chão. A Firebolt não tinha suportado essa última arrancada e o peso dos dois. Harry bateu violentamente no chão e ela caiu desajeitadamente por cima dele. Ele estava bem, a queda não tinha sido de muito alto. Mas sua Firebolt estava destruída, a resistência queimada e o cabo de freio partido ao meio. Ele se voltou para a menina, que estava desacordada. Mas ela não era Cho. Era Gina.
- Gina! - ele a olhava, assustado, agora. Ela tinha os olhos fechados. Não respirava. - SOCORRO! - gritou, na esperança de que alguém ouvisse e viesse até eles.
Mas ninguém veio. A chuva, torrencial, ainda castigava. Formava uma cortina que isolava a visão e o som de quem quer que fosse. Só restava a ele para ajudá-la agora. Estavam ali sozinhos.
- Gina! Por favor, não morra! Não morra! - ele se sentia agora da mesma forma que havia se sentido dentro da Câmara Secreta, quando ela quase tinha morrido.
Harry se projetou para frente, tentando protegê-la da chuva com o corpo, e a segurou nos braços. Agora ele percebia, observando melhor, que ela ainda respirava, lentamente, estava por um fio. Os lábios entreabertos, tentando sorver o ar, em vão. A face pálida. Marcas de fuligem pelo rosto. Os cabelos chamuscados. Ele não sabia o que fazer.
- Gina! Acorde! Deus! Por quê? - segurava a mão dela, que estava muito gelada, tomando o seu pulso, muito fraco. - Gina... - ele começou a chorar.
Não sabia direito o que estava acontecendo mas sentia que estava perdendo algo muito precioso. O que deveria fazer? Então se deu conta. A menina do sonho era Gina, o tempo todo era ela. Não tinha percebido antes e era tarde demais. Ele próprio a havia chamado para o time e causado tudo aquilo. Não podia ter deixado aquilo acontecer. Agora ia perdê-la. Ele se desesperou.
- Não! Gina! Por favor! Não me deixe! Fica comigo, fica comigo... - chorava, desesperadamente, soluçando.
Gina abriu os olhos, devagar. Olhou serena para ele, que retribuiu, olhando dentro dos seus olhos.
- Har...ry - ela gemeu, tinha o rosto contorcido em dor mas mesmo assim o olhava ternamente. Ele a deitou no colo, protegendo-a com o corpo da chuva que ainda castigava. - É vo...cê...
- Gina! Não fale! Não se esforce... Deus! Eu não sei o que fazer... Só me diga como te ajudar... - ele chorava ainda, as lágrimas corriam quentes pelo seu rosto gelado e molhado de chuva.
- Só... Me... Abra...ça... Tá... Tão... Frio... Dói... - ela falava com dificuldade mas não queria deixar de dizer a ele algo muito importante. Estava tentando reunir forças para conseguir falar.
- Foi tudo culpa minha! Eu era responsável por você... - ele agora soluçava e as lágrimas caíam sobre ela, no seu corpo, no seu rosto, enquanto a abraçava forte e esfregava seus braços, tentando aquecê-la. Gina estava muito gelada. - O que eu vou fazer sem você? Como é que eu vou viver?
Ela então esticou, com dificuldade, o braço, esboçou um sorriso e tocou a testa dele, passando com carinho a pontinha dos dedos pela famosa cicatriz em forma de raio.
Ele fechou os olhos, reconhecendo no mesmo instante o toque dela. Era ela a garota que tinha o beijado apaixonadamente no sonho. E ela estava morrendo naquele momento, em seus braços. Ele não podia permitir. Ela ainda conseguiu falar, num último esforço, antes de fechar os olhos, finalmente.
- Não se preocupe... Você... Vai ficar... Bem... Engraçado... - ela manteve o olhar sereno para ele. - Não sinto mais a dor... - deteve a mão no rosto dele, que então a segurou com a própria mão, beijando-lhe a palma. - Tudo que eu fiz... Por você... Valeu a pena... Mas não foi... Sua culpa... Eu quis... Eu te a... - ela não conseguiu completar a frase.
Ele a segurou firme, sentindo seu corpo ceder. A mão desprendeu o toque do rosto dele, descendo, mole, até o chão. Ele a amparou e em total desespero gritou.
- GINA! NÃO! NÃO É JUSTO! EU NÃO VOU TE PERDER - ele chorava como uma criança, sacudindo-a, tentando fazer com que acordasse.
Sentia o coração arrebentando dentro do peito. Gina ainda repousava em seu colo, sem pulso agora. Não respirava também. O tênue sorriso ainda permanecia nos lábios agora pálidos. Ela estava completamente fria. Morta. Uma das lágrimas de Harry caiu sobre Gina e escorreu quente pelo rosto gelado da menina, entrando pelos lábios entreabertos.
- Por favor, não me deixe! – disse, a voz miúda e rouca, quase sumindo, num sussurro.
Não tinha mais condições de falar. Abraçou-a forte, contra o próprio peito, fechando os olhos com força, como se aquilo pudesse por um fim à imensa dor que ele sentia.
Era muito pior do que a maldição Cruciatus. Era como se estivesse sendo dilacerado por inteiro. Lembrava dos momentos que tinham passado juntos. Do rostinho dela, observando-o tímido, com curiosidade, por trás das portas d'A Toca. Do cartão ridículo que tinha mandado para ele no Dia dos Namorados, quando entrara em Hogwarts. Ele podia vê-la deitada, quase morta, frente à estátua de Salazar, dentro da Câmara Secreta. Lembrou, depois, de ela chorando de vergonha por ter aberto a Câmara, no escritório de Dumbledore. Viu-a rindo das "gemialidades" dos irmãos. Revia claramente a imagem dela dançando com Neville no Baile de Inverno do ano anterior, os pés totalmente massacrados por pisões do garoto. O pijama de vassourinhas, os cabelos vermelhos soltos ao vento quando jogaram quadribol n'A Toca. Os olhares cúmplices, os presentes de Natal exatamente iguais. A aventura na estufa, ela vestida como uma princesa na porta do Salão Principal... As imagens passavam em frações de segundos, como um filme acelerado.
Lembrava cada sorriso, cada lágrima derramada, cada vez que ela havia corado simplesmente de olhá-lo. Era como se, naquele momento, todas as recordações se resumissem na existência inteira de Gina. Só tinha em mente o quanto precisava dela, o quanto queria salvá-la. Pensou em como sua mãe devia ter se sentindo, vendo seu pai morto. Na forma que tinha sacrificado a própria vida por ele, Harry. Como sua mãe, ele também daria a vida por Gina. Trocaria de lugar com ela num segundo se isso fosse possível...
Algo inexplicável aconteceu. As nuvens começaram a se dissipar e a chuva parou. O céu estava clareando aos poucos. Ele pôde sentir o calor do sol aquecendo o seu corpo e um dos seus raios atingiu os dois, iluminando-os com uma forte luz dourada. Ele foi se sentindo cada vez mais aquecido e notou que ela também tinha o corpo mais quente. A cor estava lentamente voltando ao rosto dela, podia sentir o coração dela batendo devagar contra o seu. Os lábios estavam novamente cor de carmim. De repente ela sorveu o ar com violência, como quem retorna de um mergulho profundo, para respirar. Sua respiração tinha recomeçado. Aos poucos ela estava voltando a si. Voltando para ele. Estava viva de novo.
Ele viu que ao seu lado estava caído o pomo de ouro. Pegou-o e guardou no bolso, sorrindo pela ironia da situação. Esperou, ensopado e exausto - mas muito feliz -, segurando Gina com força, pelo socorro que viria. Tudo que importava era que agora ela estava viva e segura.
Dentro de alguns minutos pôde reparar que Dumbledore chegava, seguido por vários professores e Madame Pomfrey. Rony e Hermione vinham também. E até mesmo os gigantes, amigos de Hagrid, vinham logo atrás. Todos estavam encharcados até os ossos e muito surpresos e preocupados.
Foram resgatados e levados à enfermaria. Primeiro receberiam os cuidados médicos necessários, depois viriam as explicações. Afinal de contas todos, principalmente Harry, queriam saber exatamente o que tinha acontecido.
