CAPÍTULO VINTE E TRÊS – A FAMÍLIA DUMBLEDORE E O DOM

Ao amanhecer, a Grifinória já estava agitada. Harry dormiu pouco. Chegou a acordar no meio da noite, por volta das cinco horas, com um grito. Mas o descanso fora ótimo. A cena da noite passada corria pelos seus sonhos e o fazia sorrir. Acordou com Rony, comentando com Simas sobre os gritos e o vaso estilhaçado na sala comunal.

         - Harry, você precisa ver – disse Rony. – Encontraram os cacos do vaso por toda a sala comunal. A McGonagall está de cabelos em pé lá embaixo.

         Harry nada comentou e trocou-se. Ainda pôde ver a capa de Ametista no meio dos lençóis. Pensou bem e encarou Rony por um momento. Do jeito que ele vinha nervoso com mulheres (na verdade, a mulher tinha nome: Hermione), Harry decidiu omitir por enquanto o ocorrido da noite anterior. Junto ao amigo, a turma toda estava eufórica. Apenas, estranhamente, Parvati e Lilá estavam afastadas num canto, parecendo nervosas. McGonagall, ao perceber Harry chegar, chamou-o. O garoto acompanhou-a até o corredor fora da sala comunal. Lá estava Hermione, estralando os dedos de nervosismo. Quando viu Harry aproximar-se, amarrou a cara. Mas a expressão da amiga era estranha. Era um misto de fúria e muita preocupação.

         - Sr. Potter – dizia a mestra bastante nervosa. – A Srta. Granger garantiu-me que o senhor não tinha nada a ver com essa... bagunça – o tom foi bem forte. – Posso confiar? 

         Harry sentiu-se muito mal. Porém, por que tudo o que acontecia, ele tinha de ter o nariz no meio? Preferiu manter a calma.

         - Eu não fiz nada. – confirmou em tom inocente.

         A mestra respirou fundo e olhou para Hermione ao seu lado, que permanecia calada.

         - E presumo que o senhor também não saiba o quê aconteceu com a senhorita Dumbledore?

         Harry franziu a testa, aflito.

         - Como assim? – indagou perdido.

         Minerva encarou-o severamente e suspirou.

         - Sr. Potter, queira-me acompanhar. – ordenou a professora, com Hermione em seu encalço.

         Harry fitou-as por um momento e sentiu suar frio. Algo acontecera com Ametista. McGonagall seguia à frente, e Hermione e Harry logo atrás. A garota permanecia bem nervosa.

         - Qual é o problema, Mione? – perguntou Harry.

         Hermione parou de repente, olhou bem no fundo dos olhos verdes do amigo e disse bastante austera:

         - Eu sei que eram você e Ametista. Eu consigo reconhecer os seus gritos de longe. – ralhou em um sussurro para a mestra não ouvi-los.

         Harry abaixou os olhos.

         - Por acaso o vaso foi jogado por um de vocês para acertar a cabeça do outro, não é mesmo? – deduziu a garota muito brava.

         O garoto ouviu e segurou a risada. Na verdade, ele não tinha a menor idéia do que fizera aquele vaso partir-se. No entanto, certamente, não fora jogando na cabeça de Ametista.

         - Nós apenas discutimos... – tentou explicar a Hermione, mas ela o interrompeu.

         - Vocês precisam aprender a conter mais a boca e os instintos, é isso que precisam! – brigou Hermione realmente chateada. – Eu tive de mentir para a professora ontem e não foi nada legal! Nunca me senti pior! Eu sou a monitora da Grifinória e tenho o dever de acabar com essas... – procurava agora uma expressão grave. – disputas de poder ridículas entre os alunos, mesmo que sejam os meus melhores amigos!

         Harry não sabia o que responder. Tinha os olhos arregalados. Não imaginava que Hermione levara tão a sério então o que tivera de fazer na noite passada, encobrindo ele e Ametista.

         - Mione, eu... – tentou novamente explicar, mas parou subitamente. – Que é que aconteceu com a Ametista? – perguntou temeroso.

         Hermione respirou fundo e virou-se para frente, continuando com o caminho. Harry sentiu um frio na espinha e descobriu facilmente para onde estavam se encaminhando: a sala do diretor.

***

Abriu os olhos com dificuldade. A vista estava muito embaçada. Conseguia enxergar três vultos: um todo branco em pé, e outros dois sentados ao seu lado. O corpo todo doía, mais especialmente os pulsos. Tentou observar melhor e viu cordas negras prendendo-os à cama em que estava deitada. Observou o vulto branco aproximar-se devagar do lado direito da cama e injetar-lhe algo numa veia do braço estendido. Uma dor incômoda tomou-lhe o corpo. Ouviu alguns murmúrios e a vista escureceu. As pálpebras ficaram pesadas e caiu novamente no sono.

***

Dumbledore escrevia em um pergaminho. Parecia não ter dormido a noite toda. Levantou-se e envolveu a carta na perna de uma linda coruja branca que bicava seu braço carinhosamente. Neste instante, entraram em sua majestosa sala Minerva, Hermione e Harry. O diretor ajeitou os óculos que caíam de seu rosto e sentou-se, indicando os assentos aos dois jovens. McGonagall deixou a sala um tanto afobada.

         - Srta. Granger, já lhe contou? – indagou o diretor pacientemente.

         - Não professor. Deixei em suas mãos. – respondeu nervosa.

         Harry estava realmente preocupado agora. Dumbledore tirou os óculos meia-lua e apoiou as mãos sobre a mesa.

         - Harry, você soube o que acontecera esta noite?

         O garoto arregalou os olhos e engoliu em seco. Imaginou que Hermione contara algo sobre a discussão entre ele e Ametista. E sabe lá o que mais!

         - Não, não sei professor. – respondeu.

         O diretor olhou para Hermione e a garota entendeu o recado, deixando a sala sorrateiramente. Harry sentiu-se pior e começar a ofegar apavorado.

         - Eu não posso dizer que criei Ametista... – começou Dumbledore.

         - O que? – indagou Harry sem entender.

         Dumbledore suspirou e recomeçou:

         - Um ano depois que Ametista nascera, a mãe dela morreu. Voldemort espalhava terror por todos os lados e, posso dizer que mesmo a minha filha não sairia viva disso. – disse ele muito magoado.

         Harry ouvia tudo com muita atenção. Não tinha som de bronca ou mesmo repreensão.

         - Tolice minha acreditar também que a minha neta sairia sem nenhum arranhão dessa era de horror... – divagava o diretor.

         Harry começou a formar várias hipóteses do que poderia ter acontecido com Ametista. Dumbledore parecia muito saudoso e doído.

         - Como você já deve ter percebido Harry, minha filha, Hariel, era muito amiga de seus pais, não é mesmo? – indagou Dumbledore. Era a primeira vez que ele tocava neste assunto tão claramente para o garoto, que vivia tão sedento de notícias do passado seu e da sua família.

         Harry apenas concordou com a cabeça.

         - Da turma deles, apenas sobraram Remo, Sirius e Arabella. Foram-se Hariel, Tiago e Lílian. Ficaram três, foram-se três. Eu ainda me lembro da tristeza no enterro deles.

         Harry permanecia com os ouvidos abertos. Entretanto, era muito triste ver um homem de tanta força de espírito diminuir-se ao falar da filha morta tão cedo.

         - Você não sabe Harry, mas a morte dos seus pais e da minha filha aconteceu na mesma noite.

         Harry paralisou. Aquilo sim era novo. E relembrar a morte deles era recordar os gritos da mãe que ele sempre ouvia ao chegar perto dos dementadores de Azkaban, os ecos de seus pais saindo da varinha de Voldemort no ano passado, e tantas outras dores de solidão e revolta que ele já sentira em sua vida com os Dursley, ou mesmo em Hogwarts.

         - Quando Voldemort chegou na casa de Hariel, eu senti uma dor tão grande em meu coração, que aparatei num instante na casa dela. Encontrei-a com a minha neta nos braços, tentando botá-la para dormir... – o diretor pigarreou. – E então ouvimos o romper da porta e um clarão. Voldemort estava lá.

         - Curiosamente, Sirius também apareceu naquele exato momento – Harry surpreendeu-se ao ouvir aquilo. – Eu ainda lembro-me de trocar um olhar com ele e então soubemos ao mesmo tempo. Voldemort fora lá para matar Hariel. Assim como fez com a minha mulher. – o diretor tomou um tom de leve raiva.

         - Sua... sua mulher? – espantou-se Harry.

         Dumbledore abaixou a cabeça e voltou a encarar o garoto.

         - Minha amada mulher – enfatizou Dumbledore saudoso. – Quando Hariel tinha quinze anos Harry, assim como você.

         O garoto não conseguiu segurar-se e perguntou:

         - Como Voldemort matou sua mulher?

         O homem suspirou e contou:

         - Até hoje não sei muito bem. Hariel estava prestes a voltar para o quinto ano de Hogwarts. Foi no dia dezessete de agosto, lembro-me muito bem. Ela precisava comprar uma varinha nova, pois ela havia quebrado a outra numa brincadeira com o seu pai em cima de uma vassoura – Harry e Dumbledore riram por um momento. – Eu então resolvi acompanhá-la até o Beco Diagonal e ao Sr. Olivaras. Minha mulher decidiu ficar em casa para terminar a veste a rigor de Hariel. Ela mesma as fazia, e como eram belas! – divagava. – Ela estava de férias do Ministério da Magia, assim como eu de Hogwarts.

         - Ela trabalhava no Ministério da Magia? – perguntou Harry.

         - Sim, no Serviço de Espionagem. O Departamento de Espionagem foi apenas oficializado há oito anos, mas sempre houve um serviço especial no Ministério. Nunca tivera medo de nada, a minha flor – elogiou-a carinhosamente. – E ela decidiu passar essa característica para Hariel. A coragem da Grifinória. Ela também estudava lá.

         Harry sorriu compreensivo ao imaginar o casal. Deveriam ser muito apaixonados. Dumbledore suspirou.

         - Quando estava saindo do Sr. Olivaras, senti um aperto tão forte, uma dor estridente no coração! A mesma que iria sentir anos à frente com Hariel – completou doído. – Engraçado, mas a minha filha também sentiu. Ela deu um pulo de repente e eu me espantei. Hariel era difícil, mas não saía pulando pelos cantos com quinze anos!

         O garoto riu. Então Ametista havia alguém para puxar.

         - Voltamos para casa. Colocando o pé na casa senti uma presença estranha, sombria. E foi então que encontrei o vestido azul de Hariel jogado no chão, terminado. E uma mensagem na parede. Escrita com a tinta que minha mulher usara para tingir o vestido de Hariel. Ela era filha de trouxas, então não perdera alguns costumes...

         "ELA É A PRIMEIRA. LOGO NOS VEREMOS NOVAMENTE E SERÁ PIOR COM A SEGUNDA DESCENDENTE. MAS A TERCEIRA E ÚLTIMA SERÁ MINHA RECOMPENSA" – ditou Dumbledore, que gravara a ameaça na mente.

         - Hariel caíra no chão desesperada. A mãe era tudo para ela. Era seu espelho, seu modelo. Arabella pode lembrar-se de como minha filha falava da mãe e suas qualidades. Eu só tive tempo de comunicar o Ministério da Magia e ir atrás de Voldemort das formas que podia.

         - É muito triste. – disse Harry meio sem jeito, reconfortando.

         - Hariel ainda sofrera com alguns alunos mal intencionados de Hogwarts. O monitor da Sonserina falou para ela que a minha mulher havia apenas escolhido o lado melhor e traído a nossa devota confiança – Dumbledore arriscou uma risada vitoriosa. – Coitado.

         Harry entranhou.

         - O monitor era Lúcio Malfoy – os olhos de Harry arregalaram-se novamente. – Fora ainda no corredor do expresso de Hogwarts que ele arriscara, eu diria, a própria vida – ironizou o diretor. – Hariel era uma ótima aluna e tinha grandes poderes por herdar meu sangue. Ela o estuporou e o azarou ao mesmo tempo. O monitor-chefe da época contou-me e eu não tinha como protegê-la, pois apesar de ser um absurdo, eu tinha de ser igual para todos. Tive de puni-la.

         Harry sorriu. Hariel definitivamente era mãe de Ametista. Harry apostava que ela estuporaria Draco Malfoy até mesmo no meio do salão principal.

         Dumbledore sorriu ironicamente.

         - Mas é claro que Voldemort cumpriria sua palavra! – prosseguiu, mudando o tom de voz. – Alguns anos depois, eu senti aquela mesma dor no coração e sabia que ele iria atrás de Hariel. Aparatei, encontrei Sirius e tivemos a certeza da morte da minha filha. Voldemort usaria seus maiores artifícios para conseguir o que queria... – Dumbledore pausou por um instante procurando fôlego para continuar. – Quando o vimos atravessar a porta, Hariel abraçou Ametista contra o corpo. Ela era tão pequena. No instante seguinte, Voldemort mostrava-se pronto... – enquanto o diretor contava a Harry o dia trágico, imagens formavam-se na sua mente.

"Cruzou a sala determinado. Tanto Hariel, Sirius ou mesmo Dumbledore não sabiam o que fazer. Voldemort estava ali para cumprir a ameaça feita há tantos anos atrás. Era a vez da segunda descendente: Hariel. Em seguida, como num passe de mágica, apareceu Remo suando frio. Voldemort riu em deboche:

         - Um a menos, um a mais. Tanto faz, eu mato todos se precisar. 

         Hariel tremeu apreensiva. Sabia que era a hora de despedir-se da vida, da filha, do amor da sua vida. Olhou ao redor e não encontrou Arabella, Lílian ou Tiago. Na verdade, ele haviam tido todos o mesmo pressentimento, porém, também sentiram o perigo para si mesmos. Arabella fora para casa de Lílian e Tiago, enquanto Remo fora para a casa de Hariel.

         Voldemort aproximava-se mais e mais. Dumbledore construiu uma barreira de proteção envolta de Hariel, que ainda segurava Ametista nos braços. Mas o mestre das Trevas prosseguia com o caminho.

         - Dumbledore, você sabe muito bem que isso não irá proteger a sua filhinha! – disse debochando. – Oh! Essa então é a terceira! A minha! – e deu uma boa olhada na criança nos braços de Hariel.

         A mulher entrou em pânico. Seu corpo tremia todo e chacoalhava a criança em seus braços, que parecia querer chorar. Rapidamente, Sirius correra até Hariel e tomara Ametista nos braços.

         Voldemort pareceu sorrir:

         - Vocês podem tentar escondê-la de mim o quanto for possível, mas eu sempre terei uma maneira de encontrá-la. Assim como encontrei você, minha querida Hariel. – disse o bruxo em um tom que deixou todos enojados.

         Sirius olhou para Dumbledore. Ele sabia que tinha, mesmo apesar de tudo, que ser naquele momento um verdadeiro exemplo. Então, num impulso, Sirius beijou a testa de Ametista e entregou-a aos braços agitados de Remo. Os dois trocaram um olhar desesperado, mas confiante e Lupin desapareceu. Voldemort pareceu perder o chão.

         - DEVOLVAM-NA! DEVOLVAM-NA PARA MIM! ELA É MINHA! – vociferou descontrolado.

         O Lord das Trevas apontou a varinha para o escudo de Dumbledore e atacou. Os primeiros feitiços não tiveram sucesso. A barreira protegia facilmente os três bruxos. Porém, foi o homem gritar uma das maldições imperdoáveis, a Crucio, para o escudo romper-se e atingir Sirius.

         Voldemort parecia adorar.

         - Sofra mais do que já sofreu Black! – gritava enlouquecido de ódio, ambição, raiva.

         Hariel assistiu Sirius contorcer-se no chão de dor. Parecia que o estavam rasgando, o virando do avesso. Ela tomou então a varinha em suas mãos e olhou para o pai. Dumbledore deixou escapar uma lágrima de profunda tristeza. Não conseguira proteger sua segunda descendente. A própria filha. Conseguiu ler rapidamente nos lábios dela:

         - Eu amo você papai, mas preciso salvá-lo.

         Dumbledore retirou totalmente o escudo e Hariel jogou a maldição Crucio também em Voldemort, já que era permitida usá-la, sendo do Ministério da Magia. Retirando a sua atenção de Sirius, Voldemort tornou-se para ela. Dumbledore ajudou a levantá-lo enquanto o Lord das Trevas voou até Hariel e envolveu a mão esquerda em seu pescoço, tentando sufocá-la, e a outra, apontando a varinha para o seu coração.

         - Eu não esquecerei de você. Você é a mãe. – sussurrou Voldemort no ouvido trêmulo de Hariel.

         Pôde-se ainda ouvir um grito de pavor de Sirius, que assistira, junto de Dumbledore, a morte de Hariel. Voldemort matou-a com o Avada Kedavra, a pior maldição. Voldemort sabia que de nada adiantaria ficar ali e apenas finalizou:

         - Nós nos encontraremos novamente Dumbledore e Black. E pode deixar que eu encontrarei a terceira. A última. A minha. – e Voldemort aparatou.

         No chão da sala ficou. Estendido, sem vida. A beleza ainda se conservava, mas a expressão de terror e medo podia ser vista com facilidade e clareza. O corpo de Hariel Dumbledore jazia no chão de sua casa em Godric´s Hollow. Morta."

         Harry não conseguia imaginar tamanha desgraça. Dumbledore completou depois, com certa serenidade.

         - Ficamos ali, eu e Sirius. Eu tive tempo de dar um beijo em seu rosto e Sirius ficara abraçado a ela. Todos eram muito próximos, muito amigos. Tanto que todos pressentiram a sua morte. Eu pedi que Sirius trancasse o corpo intacto na casa enquanto fui atrás de Lupin para encontrar minha neta, que agora estava em seu poder – o diretor tomava fôlego novamente. – Sirius contou-me depois que sentiu um novo pressentimento e seguiu para a casa de seus pais, Harry. Encontrou os corpos de Lílian e Tiago mortos. Assim como Hariel.

         Harry sentia agora as lágrimas saírem. Ao tentar visualizar os corpos de seus pais caídos, sem vida, o coração se rachava. Ficaram durante um bom tempo silenciosos. Harry voltou a si e perguntou a Dumbledore:

         - Mas por que o senhor me disse tudo isso?

         Dumbledore suspirou. Harry tremeu de pavor.

         - Voldemort... Voldemort não pegou Ametista, não é mesmo? – espantou-se Harry.

         - Não, não. Por Merlin ainda não! Porém, algo aconteceu com ela que eu acho que posso ter alguma relação. – explicou o diretor.

         - Como assim? – estranhou o garoto.

         - Acompanhe-me, Harry. – pediu Dumbledore, levantando-se da sua cadeira.

***

- Não adiantará de nada os senhores permanecerem aqui. – disse em tom mandão Madame Pomfrey.

         - Não será preciso, Papoula – ecoou a voz firme de Dumbledore. – Eu necessito mesmo conversar com os professores.

         A enfermeira olhou feio para o diretor, mas tinha de obedecê-lo. Ao observar o olhar de Dumbledore, encaminhou-se para a porta.

         - Nunca consigo cuidar de meus pacientes... – resmungou ao sair.

         O diretor havia levado Harry a ala hospitalar. Em uma cama ao fundo da enfermaria, encontrava-se o corpo estendido de Ametista, adormecido. E ao seu lado, sentados estavam Lupin e Snape. Dumbledore aproximou-se, levando Harry junto ao corpo. Snape levantou-se.

         - Por que trouxe Potter, Alvo? – indagou o mestre bastante mal humorado.

         - Ele pode nos ajudar, Severo. E também, a senhorita Granger logo contaria a ele e ao senhor Weasley. – respondeu Dumbledore.

         Os lábios de Snape crisparam de ódio.

         - Mas ainda assim não há necessidade de ele estar aqui. Afinal, não são os dois que vivem discutindo? – envenenou o professor, um tanto prazeroso.

         - Severo. Eu trouxe Harry e ele ficará aqui. – afirmou o diretor como uma ordem.

         Snape sentou-se novamente e voltou a observar Ametista. Harry fez o mesmo e bateu os olhos nas cordas negras que a amarravam pelos pulsos junto à cama.

         - Por que estas cordas? – espantou-se Harry.

         Dumbledore lançou um olhar aos professores, como se fosse o dever deles responder àquela pergunta do aluno. Lupin e Snape trocaram um rápido olhar.

         - Qual prefere começar? – indagou Dumbledore.

         Lupin suspirou.

         - Ametista sofreu um ataque nesta madrugada. – disse o mestre, fazendo Harry levantar as sobrancelhas, estarrecido.

         - Como assim? Ela foi atacada? – perguntou seguidamente nervoso.

         Snape incitou:

         - Bem que você gostou de ouvir isso, não é mesmo Potter? Você adora ouvir que ela sofreu um ataque!

         Antes que Harry pudesse responder, Dumbledore tomou a frente:

         - Severo, nós estamos aqui para tentar explicar o que aconteceu nesta noite. Não para acusarmos uns aos outros.

         O professor de Poções fechou a cara macilenta. Lupin retomou:

         - Madame Pomfrey avisou-nos que por volta das quatro e meia da madrugada, a senhorita Granger, Hermione – melhorou o mestre, que já os chamava pelo nome. – invadiu a ala hospitalar aos gritos.

         Harry suou frio. Então entendeu a expressão nervosa da amiga.

         - Ela dizia que Ametista fora atacada por alguma coisa, por alguém. Dizia que a amiga estava histérica trancada no banheiro.

         - Eu cheguei a acordar com um grito no meio da noite. – lembrou-se Harry por um momento.

         - Provavelmente o de Ametista – arriscou Lupin. – Madame Pomfrey seguiu imediatamente para a torre da Grifinória com Hermione. Ela diz que a encontrou caída no banheiro e tinha os dois pulsos cortados, como se tivesse tentado se matar, além de alguns cortes pelo rosto.

         - Ela não tentou, não é? – indagou Harry.

         - Claro que não, senhor Potter! – respondeu Snape. – Ametista não é estúpida para fazer uma coisa dessas!

         Dumbledore levantou a mão, como se impedisse Snape de continuar com os gritos em defesa da neta do diretor.

         - Em seguida, Papoula avisou Alvo, eu, Severo e Minerva. Sendo a diretora da Grifinória, McGonagall tentou acalmar os poucos alunos que acordaram e as garotas do quarto de Ametista. Posso dizer que as senhoritas Patil e Brown estavam paralisadas. Disseram, assim como Hermione, que a companheira de quarto acordou aos gritos e o sangue escorria de seus pulsos, sujando a cama, tudo. – disse Lupin um tanto tonto.

         Harry tornou-se trêmulo e de vez em quando, tirava os olhos do professor e olhava Ametista. Agora sim ele percebia os leves cortes no rosto.

         - Vocês têm idéia do que possa ter sido isso? Quem fez isso? – indagou Harry.

         Snape respondeu prontamente:

         - Ela já teve outros ataques como este.

         Harry arregalou os olhos, porém parecia o único impressionado.

         - Severo já havia me contado sobre estes ataques – disse o diretor. – O último fora num dia antes de vir para Hogwarts, não é mesmo? – Snape concordou com a cabeça. – Ela até tem uma explicação.

         - Então como não fazem parar?! – surpreendeu-se o garoto.

         Lupin agitou a cabeça negativamente.

         - Não há como parar, Harry. Isso que ataca Ametista é uma projeção da sua própria imaginação.

         Harry sentiu-se mais confuso ainda.

         - Imaginação? Ela criou isto? – indagava exaltado.

         - Nós ainda não sabemos bem o que é, Harry. Só sabemos que ela é atacada sem avisar durante um sonho repetitivo. – disse Lupin.

         - Mas como alguém no sonho dela pode machucá-la?! Isso é... é impossível! – sentiu-se perdido o garoto.

         Snape adiantou-se.

         - Desde que ela está aos meus cuidados, eu me lembro destes ataques no meio da noite. Mas eles pioraram com o tempo. Antigamente, os cortes eram pequenos, superficiais. Até que na noite anterior à vinda a Hogwarts, o ataque cortou profundamente seus pulsos.

         - Por isso das faixas azuis... – sussurrou Harry para si. – E por que ela está com essas cordas?

         Dumbledore respondeu:

         - Quando chegamos com ela aqui, a colocamos nesta cama. Ela geralmente fica chorando, gritando por um bom tempo. Assustada. No entanto, desta vez, a encontramos desmaiada no banheiro e, quando deitamos seu corpo na cama, ela despertou e começou a se debater. Severo e Remo a seguraram, mas ela parecia mais forte que nós juntos e tivemos de estuporá-la – Harry franziu a testa, impressionado. – Os pulsos ainda sangravam e decidimos, depois de envolvê-los, prendê-la a cama. Snape preparou a poção que ele usara sempre com ela nesses casos para adormecê-la e Ametista está assim agora. Acordada, caso ela se debatesse novamente, não conseguiria sair da cama.   

         Harry parecia ainda mais perdido. Que história maluca, Rony diria.

         - E no que eu posso ajudar? – indagou ao final o garoto.

         Dumbledore suspirou e respondeu:

         - Você precisa nos contar exatamente o quê aconteceu ontem a noite após aquela conversa que nós tivemos. Afinal, quando vocês voltaram, a sala comunal já estava em horário de todos estarem em seus dormitórios.

         Pronto. Estava apavorado. Como contaria aos três homens que havia discutido de forma absurda com Ametista, se escondido da professora McGonagall e ainda, que ele a havia beijado?!

         - Por que os senhores precisam saber do que aconteceu ontem? – indagou Harry, ganhando tempo.

         - Porque estes ataques nunca acontecem por acaso, Potter. Sempre há uma razão que a "sacode" de alguma forma, como por exemplo, a forte emoção de vir a Hogwarts, provocando os ataques. – respondeu Snape.

         Harry engoliu em seco, sentindo-se pior ainda. Então ele pode ter provocado aquela ataque em Ametista com a sua discussão, ou até mesmo, o beijo entre os dois.

         - E então, Harry, conte-nos o que houve ontem. – disse Dumbledore pacientemente.

         O garoto não tinha a menor idéia do que fazer. Mas uma certeza ele tinha. Não contaria por nada nesse mundo o quê acontecera entre os dois à meia-noite passada. Sem mesmo querer, Harry lançou um olhar a Lupin, como se pedisse sua ajuda. E seus pedidos foram atendidos.

         - Alvo, Severo, eu acho melhor Harry descansar um pouco, não é mesmo? Muita informação para uma cabeça só. Deixe-o por hoje. Talvez amanhã, ele e Ametista possam nos explicar. – pediu Lupin.

         Harry poderia abraçar agora o professor, mas não era nada certo naquele momento. Dumbledore e Snape, mesmo que a contragosto, concordaram. Harry deu uma última olhada ao corpo estendido de Ametista e saiu da ala hospitalar.         

***

Assistir àquelas aulas após tudo que acontecera de manhã fora demais para Harry. Para piorar ainda, Hermione sequer olhava na sua cara. Rony, por sua vez, tentou descobrir porquê Harry parecia distante, mas nada conseguira. Após o almoço, o garoto fez questão de passar na sala da madrinha. Naquele momento, ela parecia a mais indicada para uma conversa.

         Arabella estava checando alguns pergaminhos em cima de sua mesa na sala de Aparatação. Harry bateu na porta e foi recebido pela madrinha.

         - Harry! Que surpresa! O que faz aqui?! – espantou-se a mestra, dando um delicado beijo no rosto do afilhado.

         - Eu queria conversar com você. Tem tempo? – indagou ligeiramente tímido.

         Arabella sorriu.

         - Sempre tenho tempo para você, Harry. Sente-se. – disse, indicando a cadeira na frente de sua mesa.

         A mulher transfigurou um candelabro da sala em uma cadeira e puxou-a para frente do garoto. Harry ficou impressionado. Ela parecia ter sido uma ótima aluna.

         - Então, o que aconteceu ontem? – perguntou Arabella docilmente.

         Harry arregalou os olhos.

         - Como... como você sabe que vim falar sobre isso? – indagou o garoto estarrecido.

         Arabella riu timidamente. Depois, aproximou mais a sua cadeira.

         - Eu tenho uma espécie de dom. – respondeu, olhando bem nos olhos do afilhado.

         - Dom? – estranhou.

         Arabella suspirou, ainda encarando bastante o afilhado.

         - Harry, eu sou mestiça. Minha mãe era bruxa e meu pai trouxa. E ela tinha este dom. Ela tinha o poder de ler mentes.

         - Ler mentes? – Harry sentia que seu cérebro ia enguiçar facilmente depois de um dia agitado que nem aquele.

         - Sim – afirmou. – Vem do meu sangue. Todas as mulheres da família o possuem, mas eu fui escolhida para exercê-lo.

         - Você então nasceu com esse dom? – indagou Harry tentando entender melhor.

         - Todas nós possuímos esse dom, mas apenas algumas são escolhidas para exercê-lo, para poder usá-lo, entendeu?

         Harry concordou com a cabeça.

         - Minha mãe foi escolhida, assim como eu. E então aprendemos a desenvolvê-lo. Eu mesma posso dizer que não o desenvolvi por completo. – continuou Arabella.

         - E como... – ia perguntar Harry, mas a madrinha o interrompeu.

         - Como eu consigo ler? – o garoto riu levemente. Ela leu sua mente novamente. – Eu mantenho um contato visual com a pessoa. Assim como eu faço com você agora.

         Realmente, Arabella não tirava os seus pequenos negros olhos dos de Harry. O garoto sentia-se um pouco desconfortável e a madrinha notou, retirando o contato visual.

         - Você ficou sabendo do que aconteceu com a Ametista?

         - Remo contou-me quando veio aqui agora há pouco. Eu não consigo mais ler a mente dele. Ele realmente se irrita com isso! – e eles riram. – Ele já aprendeu como fugir do meu dom. É muito raro quando consigo.

         - Como ele já aprendeu? – perguntou Harry.

         - Não sei, ele nunca me disse. Remo sempre foi muito discreto. Acho que ele não gostou quando perguntei a ele uma noite porque ele deixava a sala comunal quase uma vez cada mês.

         Harry riu. Arabella transformava-se quando não estava com Harry para os treinos especiais ou mesmo aulas. Mas ainda assim, a madrinha era um completo mistério para ele.

         - Acabei descobrindo logo o fato de ele ser lobisomem. Bem antes de nós ficarmos amigos. – terminou a mestra.

         - Mas Arabella...

         - Pensei que você poderia me chamar de Bella. Assim como os outros. Seu pai que começou com isso.

         Harry sorriu.

         - Tem tanta coisa que eu ainda não sei sobre os meus pais... – divagou por um momento chateado.

         A expressão de alegria da madrinha mudou.

         - Harry, ainda há muitas coisas que você não sabe, coisas que você não tem sequer idéia. Os sete anos da nossa turma em Hogwarts foram os melhores anos das nossas vidas, assim como também deveria ser da sua e dos seus amigos. Nós não formamos amigos aqui, nós formamos irmãos.

         O garoto lembrou-se então de Pedro Pettigrew. Encheu-se de raiva. Arabella fixou seus olhos em Harry.

         - Pedro traiu nossa confiança, mas principalmente traiu o laço que nós demoramos a construir. Sirius ficou doze anos em Azkaban por causa dele, seus pais foram descobertos por causa dele e tantas outras maldades que ele realizou. – a mulher dizia amargurada.

         Harry abaixou os olhos. Como doía ouvir tudo aquilo. Voltou a olhar para a madrinha.

         - Bella, eu acho que provoquei o ataque de Ametista.

         Arabella franziu a testa. Harry, por mais que quisesse quebrar o contato visual entre eles, não era possível. De repente, um sorriso abriu-se no belo rosto da madrinha e ela quebrou o contato visual. Harry tremia.

         - Em primeiro lugar Harry, somente eu posso quebrar o contato visual – Harry sentiu as pernas moles. Ela sabia então. – Segundo, não foi exatamente você que provocou o ataque em Ametista. Aconteceu. E você sabe por quê?

         Harry sentia-se profundamente desconfortável em tocar neste assunto, mesmo que tenha sido por causa dele que fora visitar a madrinha. Arabella era mulher e talvez entenderia melhor que Sirius. Sem contar que, provavelmente o padrinho teria um treco ao ouvir Harry contando que beijou Ametista.

         - Snape disse que só acontecia quando ela sofria uma emoção muito forte. – explicou Harry sem jeito, muito corado.

         Arabella aumentava o sorriso cada vez mais.

         - Você tem quinze anos Harry – a professora voltou a manter o contato visual. – Nada mais natural que isto aconteça! Seu pai mesmo teve seu primeiro beijo no quarto ano – Harry arregalou os olhos. – E Ametista é uma menina bonita. – o garoto nunca achara isso de verdade, até a noite anterior.

         - Você acha que eu posso ter provocado?

         - Como eu disse Harry, não foi você que provocou. Foi a emoção que ambos sentiram no momento.

         Harry lembrou-se do vaso estilhaçado. Arabella arregalou os olhos.

         - Um vaso se quebrou? – indagou preocupada.

         Harry começou a se acostumar com a madrinha lendo o que pensava. Harry respondeu:

         - Muitos ouviram. A sala comunal hoje estava super agitada.

         - Isto é interessante... – divagou a mestra. Depois encarou de novo o afilhado. – Por que Ametista? – leu a mente novamente do afilhado.

         O lábio inferior de Harry crispou nervoso.

         - Harry, nós não escolhemos com quem as coisas podem acontecer em algumas oportunidades. Esta foi um delas. Talvez vocês não se gostem, ou mesmo se odeiem, como já notei diversas vezes – lembrou-se a mestra da aula em que teve de tirá-los da sala por discutirem e do episódio esquecido por todos quando Ametista estuporou Harry. – mas pode existir algo que tenha convencido vocês naquela hora de se beijarem. Afinal, ela também te odeia, assim como você a odeia, mas acabou concordando, não é mesmo?

         Harry sentiu a mente chacoalhada. Arabella dizia tantas coisas sábias e que pareciam tão certas. Então, ele talvez não gostasse de Ametista, apenas o momento foi propício e aconteceu. No entanto, estranhamente, a mestra tinha um sorriso enorme nos lábios.

         - Mas por que você... – Arabella o interrompeu novamente.

         - Feliz? Por que estou feliz, Harry? Eu estive tanto tempo tão distante de você que me sinto muito feliz de você ter vindo conversar sobre seu primeiro beijo comigo. 

         Harry sorriu, corando levemente.

         - Por que você demorou tanto para aparecer? – indagou Harry de repente. – Sirius, eu entendo. Doze anos em Azkaban. Mas você? Por que?

         - Sabe Harry, esta é uma longa história. E eu ainda não posso te dizer, não enquanto há tantas outras coisas envolvidas, entende? Você precisa esperar, mas logo entenderá porque eu demorei tanto a te procurar. – respondeu Arabella entristecida.

A madrinha lembrava até um pouco como a Sra. Weasley o tratava. Como um filho.

         - Muito obrigado Harry – agradeceu a mestra. – Obrigado por confiar. Para mim, você é um filho.

         Harry imediatamente levantou de sua cadeira e deu um grande abraço na madrinha. Algumas lágrimas saiam dos seus olhos. Ambos ficaram durante um bom tempo apenas abraçados. Harry sentiu um calor e lembrou da mãe, pensando: "Mãe, você não podia ter escolhido madrinha e padrinho melhores!".

         Antes de deixar a sala, Arabella o chamou por uma última vez:

         - E Harry, não esquente com Sirius. Eu sei que você também quis conversar com ele sobre isso, mas ele reagiria mal com certeza – Harry lembrou de pensar naquilo mesmo. – Não é que ele odeie Ametista, ele é apenas enjoado, é só. – e riu.