Capítulo 4

Sem guia nem protetor

Severo podia sentir a tristeza de seu protegido e correu atrás dele:

- Harry, para onde está indo?

Ainda caminhando apressadamente pelos corredores de Hogwarts, Harry disse:

- Eu preciso ficar sozinho. Escute, não é nada pessoal, mas eu gostaria de te pedir um favor.

- Claro, o que é?

- Você pode sumir como fez no campo de quadribol? Eu realmente estou precisando de um tempo.

Severo ia abrir a boca para protestar, especialmente depois do que eles tinham acabado de ouvir de Hermione. Se Harry estava em perigo iminente, Severo objetava veementemente a deixá-lo sozinho. Contudo, a expressão no rosto do rapaz foi suficiente para fazê-lo mudar de idéia. O pobre garoto realmente parecia transtornado.

- Na verdade, eu não sei se posso sumir - confessou. - Ainda estou trabalhando nisso. Mas posso ficar afastado. Serve?

Harry assentiu:

- Eu agradeceria muito.

- Está bem - disse Severo. - Mas não se atrase para o jantar.

Harry teve que sorrir, e observou o ex-professor de Poções se afastar com um coração pesado. Verdade que ele estava se sentindo sufocado, mas ele sabia que tinha ferido os sentimentos de Severo.

Harry caminhou até a beira do lago e sentou-se numa pedra, a cabeça girando. Ele começou a atirar pedrinhas no lago, mas logo viu que se sentia mal por ter magoado Severo. Resolveu cruzar os braços, os sentimentos divididos.

As palavras de Hermione ainda ecoavam na sua cabeça. Pelo que ela tinha lido, aquele arranjo de ter um anjo a tiracolo era para sempre. Será que ele teria que agüentar Severo no seu pé pelo resto da vida? Seria o fim total de sua privacidade?

Harry tinha que admitir que Severo estava realmente se esforçando para lhe dar sossego. Ele tomava banho em paz, pelo menos, mas havia outras ocasiões que ele realmente queria ficar sozinho. E quando ele quisesse namorar? Pior ainda: e se ele quisesse namorar alguém que Severo não aprovasse? Ele jamais ouviria o fim das reclamações e do mau humor de Severo.

Nesse momento, ele estava pensando em quebrar o segredo para seus amigos. Ele precisava compartilhar isso com alguém, e ele tinha certeza de que Rony e 'Mione iriam compreender. Na primeira vez que ele tinha comentado que estava vendo Severo, os dois tinham ficado assustados, mas Harry não sabia o que estava acontecendo. Agora, que ele estava ciente e até aceitara um pouco da situação, talvez fosse bom ele compartilhar seus sentimentos.

Outra pessoa que Harry imaginava poder compartilhar isso era seu padrinho, Sirius. Harry imaginou que a reação inicial de Sirius seria fúria. Afinal, seu padrinho tinha um ódio declarado e mútuo por Severo. Mas é claro que Sirius não tinha conhecido o lado de Severo que protegia Harry e que, de um certo modo, até nutria afeto pelo garoto de 16 anos.

Estavam frescas na cabeça de Harry as demonstrações, mesmo relutantes, de afeto de Severo. O diálogo dos dois sobre os pais de Harry tinha sido uma agradável surpresa. A atitude de Severo tinha sido surpreendente, mas Harry também tinha se surpreendido com o tanto de mágoa ele ainda guardava com os pais. Saber que Severo, uma pessoa que nem gostava muito dele, e não seus pais, é quem o protegia, tinha sido duro. Harry se sentira ainda mais abandonado por James e Lily. Encontrar consolo para esse abandono em Severo tinha sido mesmo uma bênção inesperada.

E aparentemente Severo tinha aceitado a tarefa. Harry lembrou-se de tê-lo desafiado, e a resposta, na voz aveludada, tinha sido: "Sou seu guia e protetor." Era uma garantia de que ele jamais estaria sozinho, jamais erraria por caminhos inseguros sem uma presença amiga a seu lado. Essa sensação era uma coisa que simplesmente não tinha preço. Ele se sentia cuidado e aceito, não por ser o Menino Que Sobreviveu, mas por ser Harry. E nada mais incrível de que o fato de ser Snape que o fazia se sentir assim.

Uma sensação de alívio e tranqüilidade que sorrateiramente se apropriara de Harry tinha dado lugar à sensação de não estar sozinho. Ele se virou para o lado e viu que havia uma outra pessoa com ele, perto do lago. Mas não parecia que tinha visto Harry.

O novo professor, Robert Lambert estava agachado, de costas para Harry, tendo a seu lado uma cesta de madeira cheia de alguma coisa escura. Ele usava a varinha para cortar algumas folhagens, absorto em seu trabalho. Harry observou-o usar um feitiço para retirar com precisão as raízes de uma planta ao lado, e viu que ele estava se aproximando. Resolveu ir cumprimentá-lo:

- Olá, professor.

O jovem professor deu um pulo. Quando viu que era Harry, pôs a mão no peito e riu-se:

- Oh, Sr. Potter, não me assuste dessa maneira.

- Desculpe. O que o senhor está fazendo?

- Ora, renovando os estoques de Poções, claro. - Lambert voltou ao trabalho, atacando as raízes com afinco. - Não pude encontrar tudo que precisava nas estufas da Madame Sprout, então nosso amigo Hagrid me deu a dica de que quase tudo que eu precisava estava bem à mão, veja só. Eu ainda tenho muito o que fazer. - Ele olhou para Harry: - E você, rapaz, o que faz aqui?

- Nada. Vim pensar um pouco.

- Entendo. Eu soube o que aconteceu. Digo, entre você e o Prof. Snape. Se você quiser conversar, Harry, pode contar comigo.

- Obrigado, senhor.

- Você quer conversar agora?

Harry foi sincero:

- Eu preferia que não, senhor.

Lambert sorriu:

- Ah, tudo bem. Eu mesmo também acho difícil pensar que Snape se foi. Ele era mesmo... único.

- O senhor conhecia o Prof. Snape?

- Harry, todo mundo que lida com Poções conhece Severo Snape. O homem era inigualável em sua arte. Imagine você que ele me rejeitou quando me candidatei a Mestre de Poções.

- Foi mesmo?

- Sim. Faz alguns anos. Na verdade, eu deveria agradecer Snape pelo que ele me fez. Eu revi todas as minhas prioridades e conceitos. Enveredei por um caminho que me abriu um mundo de possibilidades.

- Ele não me disse.

- Como?

- Quero dizer, eu não sabia disso.

- Ah, como eu disse, já faz algum tempo. Escute, Harry, por que você não vem comigo me ajudar a pegar alguns ingredientes na Floresta? Prometo que eu o deixarei livre de minha companhia antes da hora do jantar.

Harry sentiu a pegadinha:

- Mas professor, a Floresta Negra é proibida para todos os alunos.

Lambert deu uma piscadinha, sorrindo:

- Eu não conto se você não contar.

Harry sorriu de volta e assentiu. Lambert pegou a cestinha, colocou as plantas e raízes que colhera dentro dela e se ergueu:

- Bom, então vamos.

Os dois começaram a caminhar rumo à Floresta e Lambert disse:

- É bom ficarmos alertas, Harry. Ninguém sabe com certeza o que essa Floresta esconde. Você tem sua varinha?

- Claro, professor.

- Ótimo. Deixe-a à mão e mantenha os olhos abertos, hein?

Professor e aluno adentraram a densidade da Floresta Proibida. A noite estava próxima, mas a escuridão da Floresta era devido às suas árvores, imensas e copadas. Usando Lumos em sua varinha, Lambert guiou o caminho, enquanto Harry se lembrava de todas as vezes que fora obrigado a entrar na Floresta. Poucas delas tinham sido prazerosas - as aulas de Hagrid eram uma delas.

- Ah, perfeito - disse Lambert, com um sorriso, olhando à frente. - Naquela clareira, ali, acho que vejo tremoliços de floração tardia. Venha, siga-me.

Harry quis saber, chegando à clareira:

- Eu não conheço essa planta. São usados em quê?

- Isso não me espanta. Não são usados em muitas poções, Harry. São raízes de parasitas que só crescem em ocasiões muito grandiosas, e ainda assim, só com ajuda de tronquilhos. Sabe, Harry, esses tremoliços são capazes de contar a história de várias gerações. Dão poções de um efeito muito potente. - Ele parou e usou a varinha para mostrar a referida raiz. - Calculo que essas tenham pelo menos uns... 16 anos.

- Como o senhor sabe, professor? - quis saber Harry. - Eles têm anéis, como as árvores?

- Não exatamente. Eles marcam apenas ocasiões grandiosas, como eu disse. No caso, a última ocasião grandiosa que seria registrada por um tremoliço de floração tardia foi a ascensão do Lorde das Trevas.

Harry corrigiu:

- O senhor quer dizer a derrota de Voldemort?

Lambert olhou para Harry, mostrando todos os seus dentes:

- Não, Harry, eu quis dizer a ascensão do meu Mestre. Expelliarmus!

Sem varinha, Harry tentou fugir, mas não foi rápido o suficiente. Lambert largou a cestinha e agarrou o menino com apenas uma mão, apontando sua varinha acesa para o alto. A noite estava mais próxima, e a Floresta estava ainda mais escura - mas a Marca Negra brilhava na clareira, acima dos dois, sinalizando o local.

- Não! - Harry tentou se livrar, tentou chutar, mas mesmo com uma mão só, Lambert parecia tê-lo prendido completamente. - Não! Me larga, seu vendido!

- Quieto! - disse Lambert, os olhos injetados, o rosto transfigurado pelo ódio e desprezo - Você agora terá a oportunidade de ser protagonista de uma dessas ocasiões grandiosas! Ajoelhe-se para receber seu novo Mestre!

- Nunca! - E recebeu uma rasteira que o fez cair de bunda no chão.

Em minutos, Harry ouviu vários estalidos ao seu redor. Pelo menos uma dezena de comensais haviam se materializado em volta deles, e os cabelos na nuca de Harry se ergueram tamanha a tensão. Se Lambert estivesse sozinho, ele ainda poderia ter a esperança de uma chance para fuga, mas ele jamais poderia escapar de todos aqueles comensais que o rodeavam.

Ele estava perdido.

Só lhe restava esperar o inevitável: a chegada de Voldemort.

- Mais chá, Minerva?

- Obrigada, Prof. Dumbledore. – A chefe da Casa Grifinória aceitou a xícara oferecida e pôs-se a mexer o líquido quente.

De todos os locais onde poderia ter ido para dar um pouco de paz a Harry, Severo ficou se perguntando por que teria ido ao gabinete de Dumbledore. Ainda mais com aquela ave, Fawkes, olhando abertamente para ele. Severo decidiu encarapitar-se na murada perto do observatório estelar e olhou para baixo, onde os dois professores estavam tomando chá e discutindo assuntos da escola.

Minerva McGonagall pigarreou e disse:

– A Srta. Granger e Ronald Weasley vieram falar comigo sobre Harry Potter.

Dumbledore ergueu as sobrancelhas:

- Mesmo? Biscoitinhos de canela?

- Aceito, obrigada. – Ela se inclinou e retirou uma das guloseimas com os longos dedos enrugados.- Aparentemente, segundo eles, o jovem Potter está bastante impressionado com o que aconteceu ao Prof. Snape. Eles estão preocupados com o amigo.

A conversa tomava um rumo interessante, pensou Severo. Fawkes saiu do poleiro e pousou na murada, ao lado dele. Severo encarou a ave, que não parecia nem um pouco inclinada a se intimidar com seu olhar patenteado.

Dumbledore disse:

- Sim, os dois são bons amigos.

- Mas eu temo que estejam certos, Alvo. Potter me parece um tanto... inquieto ultimamente.

- Compreensível, você não diria?

- Certamente, certamente. Mas acho que não faríamos mal em monitorar o rapaz com mais cuidado.

- Creia, Minerva: tudo está se arranjando conforme o previsto.

- Mesmo o novo professor, Lambert, notou a distração de Potter.

- Ah, eu não duvido disso.

- Já que estamos no assunto... Alvo, longe de mim de contestar suas escolhas, mas não acha que contratar esse americano pode ter sido um tanto... precipitado?

- Os alunos precisavam de um professor de Poções. Robert Lambert se inscreveu para tirar o título de Mestre há alguns anos. Severo o conhecia.

McGonagall deu um sorrisinho com o canto dos lábios:

- Bem, como ele não tem o título de Mestre, devo presumir que Severo estava na avaliação.

Dumbledore sorriu abertamente:

- Você conhece mesmo Severo.

O ex-mestre de Poções cruzou os braços e bufou. – Humpf!

- Mas Alvo... Ele é um americano. Isso não pode se revelar um tanto... er, como direi? Eu estou preocupada com os alunos, claro. Um americano tem outros costumes, outra visão de mundo, se entende o que quero dizer.

- Se está preocupada apenas com o intercâmbio cultural, Profª McGonagall, fique certa de que a experiência só será benéfica para o corpo estudantil de Hogwarts.

- Mas e a experiência didática dele?

- Logo saberemos mais sobre isso. Temos uma reunião de staff até o fim da semana, e –

Foi quando o chá com biscoitinhos de canela foi interrompido por alarmes. McGonagall quase deixou sua xícara cair ao se dar conta do que era.

- Magia Negra...!

Dumbledore se ergueu com uma agilidade incrível para seus 150 anos, e pegou sua varinha. Com um feitiço Sonorus, sua voz espalhou-se por toda a escola:

- Atenção todos. Os alunos devem procurar imediatamente seus monitores. Monitores, acompanhem os alunos de volta às suas casas de forma ordeira e rápida. Professores, dirijam-se ao Lago à beira da Floresta Proibida.

McGonagall repetiu:

- A Floresta, Alvo?

Após o feitiço Quietus, Dumbledore dirigiu-se apressadamente à porta:

- Sim. É lá que Voldemort está. E Harry também.

HARRY.

Rápido como um raio, Severo atravessou a parede rumo à Floresta.