Capítulo 5

Momento de decisão

Nada de aparições grandiosas, efeitos de luz ou espetáculos para as massas. Quando apareceu, Voldemort usava apenas um grande manto com capuz. Para Harry, que ainda estava no chão, tudo bem. O rosto do Senhor das Trevas não mudara em nada: continuava feito e repulsivo como sempre. E a cicatriz do garoto não parava de arder.

- Ah, meus fiéis Comensais. Vejo que vocês conseguiram trazer meu mais duradouro oponente: Harry Potter.

Os homens de capas negras e máscaras brancas mexeram-se nervosamente. Toda vez que o Senhor das Trevas pronunciava o nome do garoto, o ódio era tamanho que queimava a Marca Negra em seus braços.

- Mas meu fiel Robert o trouxe para mim. Haverá grandes recompensas para você, Robert – meu amigo.

Outra comoção entre os Comensais. Harry sentia a cicatriz doendo tanto a ponto de partir sua testa ao meio.

- Você já me deu seu sangue para que eu pudesse voltar, Potter. Agora temo que serei obrigado a lhe pedir uma outra doação – Ele tirou um pequeno frasco do meio do manto. - Antes de ser descoberto, o traidor Severo fez uma poção que me será muito útil agora, quando eu usá-la para drenar seu poder para mim. Serei mais poderoso que Dumbledore, mais forte que o próprio Merlin. E você, Potter, será meu servo. Ninguém poderá me deter!

Ruídos de satisfação percorreram os Comensais. Foi para eles que Voldemort se dirigiu:

- Agora!

A primeira maldição, vinda da esquerda, atingiu Harry no meio do abdômen e ele se dobrou em dois, num reflexo gritando:

- Protego!

Nada adiantou. Voldemort riu e tomou a poção. A segunda maldição, vinda da direita, fez um corte na têmpora esquerda. E foi então que Harry viu: zunindo pelo meio das árvores, mais negro que a própria noite, Severo voava como um urubu alucinado, gritando:

- HARRY!

Já estava mais que na hora, pensou Harry, desviando-se das outras maldições.

- Eu ouvi isso! – disse Severo, colocando-se entre Harry e os comensais, que passaram a atacar com toda a força. – Agora pegue sua varinha!

Voldemort disse:

- Eu o quero vivo!

- Eles estão atacando por trás! – disse Harry.

Severo não teve dúvidas: puxou Harry contra si, abriu as magníficas asas ao máximo e envolveu-o nelas. As maldições batiam contra as asas, mas Harry, completamente a salvo dentro delas, via os raios ricocheteando, alguns atingindo de volta quem os tinha lançado.

Voldemort até mudou de voz:

- O que está acontecendo?!

Harry gritou:

- Coma isso, Voldemort!

Nesse momento, uma chuva de maldições caiu sobre os comensais. Pelo menos doze professores e alunos de Hogwarts chegavam de todas as direções, lançando maldições e azarações à vontade contra Voldemort e seus comensais. Harry pôde ver Dumbledore, McGonagall, Sprout carregando Flitwick, Sinistra e Hagrid correndo. Em vassouras, estavam Angelina Johnson e Rony Weasley, e o Prof. Binns estava voando sem precisar de vassouras, claro, embora ninguém soubesse exatamente como ele poderia ajudar.

A confusão era grande na Floresta, e o ar se riscava de maldições e contra-maldições, com raios multicoloridos. Um desses raios – verde, ferino e malévolo – perfurou uma asa de Severo, e ele caiu:

- Ah!

- Não! - gritou Harry, correndo para sua varinha, mas foi detido e agarrado pelo colarinho por ninguém menos do que Voldemort.

- Você não vai me escapar dessa vez, moleque – rosnou o Senhor das Trevas.

- Não! – disse Harry, tentando se soltar, mas tão pendurado pelas roupas que seus pés sequer tocavam o chão. – Me larga, monstrão!

No chão, ferido, Severo gritou:

- Não!

Agarrando Harry com apenas uma mão, Voldemort levou a outra até perto do peito de Harry, recitando baixinho um encantamento que Harry não reconheceu. Mas sentiu.

A mão de Voldemort começou a brilhar em vermelho, e Harry sentiu primeiro um ardor, depois uma dor que parecia fazer cada uma de suas células quererem se desprender de seu corpo. Foi quando uma luz saiu de seu peito, indo para a mão de Voldemort. O Senhor das Trevas sugava os poderes mágicos de Harry Potter.

- AAAAHHHHH!!!!!

Severo usou o que lhe restava de forças para se erguer e afastar a mão de Voldemort. Mas ele não estava forte o suficiente. Sólido, Voldemort simplesmente atravessou seu corpo. E Harry parecia ainda pior, contorcendo-se e urrando a plenos pulmões:

- AAAAAAAHHHHHHH!!!!

Voldemort olhava para a luz, em franco regozijo, os olhos vermelhos arregalados de prazer, um sorriso malévolo no rosto, dizendo com satisfação:

- Sim, sim!! Eu posso sentir!

- Pare! – disse Severo.

Adiante, na Floresta, a luta era feroz e encarniçada. Como fantasma, o Prof. Binns ia assombrando os Comensais que tentavam fugir e esses eram levados a fugir bem para os braços de Flitwick, que os deixou pendurados no ar. Outros eram detidos com o ataque aéreo de Angelina e Rony, ou pela varinha certeira de Hermione Granger. A honra de deter Robert Lambert coube a Hagrid, que o segurara pelo tornozelo e agora ele se debatia, de cabeça para baixo.

A Profª McGonagall tirou sua varinha, mas o Prof. Dumbledore a impediu de usá-la.

– Não será preciso, Minerva.

- Ele vai matar o menino!

Dumbledore pediu:

- Espere.

Tirando forças não se sabe de onde, Severo usou o máximo de seu poder de corporalidade para empurrar Harry para longe de Voldemort. E deu certo. Aliás, deu mais certo do que ele imaginava.

Harry caiu no chão e Severo se jogou em cima de seu protegido, voltando a envolvê-lo com suas asas. Voldemort estava tão próximo de Harry que Severo encostou-lhe no ombro, mesmo sólido. Seu corpo angelical sólido tocou o corpo do Senhor das Trevas – um toque tão cheio de amor, bondade e compaixão que Voldemort não podia suportar.

O Senhor das Trevas cambaleou para trás, segurando o ombro, urrando em dor. Ele apontou um longo malévolo dedo para Harry e gritou:

- Doliturus destruo!

Atingido pelo raio vermelho, Severo ficou imóvel por um segundo, depois rolou para o lado, sem sentidos, deixando Harry vulnerável. Dumbledore se virou para Minerva e disse:

- Agora, sim. Podemos intervir.

Com agilidade e elegância, ele apontou sua varinha contra Voldemort e proferiu, em voz calma:

- Riddle Evanesca.

Um vento sobrenatural começou a soprar, partindo as nuvens e engendrando raios, enquanto Voldemort se contorcia no chão, como se estivesse contaminado por uma praga horrorosa: amor.

- AAAHHHH!!

O céu se partiu e um raio da mais pura luz veio do mais alto local, atingindo-o em cheio. Seu corpo estremeceu e depois foi consumido por uma luz tão branca e tão pura que sequer deixou cinzas.

- Harry! – era Hermione, que seguida por Angelina, Rony e os professores McGonagall e Dumbledore, se agachou ao lado do amigo caído. – Harry, pode me ouvir?

Fraco, Harry se mexeu. Imediatamente se virou para o lado e viu Severo imóvel:

- Não!

Dumbledore dirigiu-se a Angelina:

- Srta. Johnson, por favor, poderia levar Harry em sua vassoura para ver Madame Pomfrey?

- Agora mesmo! – disse a garota, agarrando sua Nimbus 2000.

- Harry – pediu Dumbledore – Vá com ela. Você está fraco.

Harry podia sentir as lágrimas subindo. Ele não queria deixar Severo: ele salvara sua vida. De novo. Talvez estivesse... morto de novo?

- Mas... Prof. Dumbledore...

- Não discuta, Harry.

O menino olhou para Severo pela última vez, e como se adivinhasse, o anjo ferido sumiu.

Harry fechou os olhos e desmaiou.

Dumbledore estava sentado ao lado da cama de Harry, que, segundo Papoula Pomfrey, deveria acordar a qualquer momento. O rapaz já tinha tomado uma infusão de mandrágora e uma receita de chocolate pelos próximos sete dias, mas ficaria bom. Ah, as vantagens de se ter apenas 16 anos.

Do outro lado da cama, invisível ao olho humano normal, Severo Snape também guardava o leito de seu protegido. Sua asa esquerda ostentava um belo curativo angélico, e seus mantos negros tinham sido trocados por um conjunto azul claro, mais apropriado para um anjo.

- Ah, Harry – disse Dumbledore baixinho, só para o garoto adormecido. – Não sei se pode me ouvir, mas não sei se gostaria do que eu vou dizer. Lamento ter colocado você em tal posição. Eu não fazia idéia do preço que seria pago. Eu sabia apenas que você estaria seguro, e achei que isso fosse o suficiente. Me desculpe.

Severo estreitou os olhos e rosnou:

- Seu bode velho, você sabia sobre Lambert, não é? Sabia o tempo todo, e ainda assim deixou Harry em perigo. Deve haver um lugar especial lá embaixo para você!

- Harry, você precisa entender que eu sabia que estaria protegido. Nunca duvidei que você tem proteção especial. Mas eu não sabia que você também sabia disso.

Severo arregalou os olhos:

- Alvo? Você pode me ver?

Dumbledore virou-se para o anjo:

- Ah, Severo. Que bom que você decidiu parar de me ignorar.

- Mas... como pode me ver?

- Posso não ser um mestre, mas eu sei muito bem lidar com Poções. E tem uma muito especial, que meu amigo Nicholas Flamel me ensinou, sobre criaturas sutis. Ela deverá perder o efeito em alguns poucos dias. Eu sabia que quando você dera a sua vida para salvar Harry, os dois tinham ficado ligados. Era uma questão de tempo até você aparecer. Fico feliz que tenha sido nessa sua atual... forma.

- Por isso atraiu Lambert. Porque sabia que eu protegeria Harry e não deixaria que nada acontecesse com ele.

- Exato – disse o velho professor. – Eu sabia que Voldemort iria querer um espião em Hogwarts, agora que você não estava mais aqui. Só não sabia que ele estava tão desesperado para confiar em um americano. Até os trouxas reconhecem que os grandes espiões são ingleses. Veja, por acaso, 007 é americano?

- Esse novo? Acho que é um maldito irlandês.

Dumbledore riu-se.

– É bom ver que seu senso de humor continua intacto no pós-morte. E que suas roupas melhoraram desde a última vez que o vi, na Floresta.

- A idéia, obviamente, não foi minha. Eu teria preferido um verde Sonserina.

- Naturalmente – Dumbledore fez uma pausa. – O jovem Harry pensou que Voldemort tivesse conseguido destruir você. Ele está corroído de culpa, ainda maior do que quando você morreu.

- Está me dizendo isso para me fazer sentir culpado? Você deve saber que eu não posso mais deixá-lo me ver.

- Calculei que essa hora chegaria. Ganhou suas asas, afinal?

- Se não percebeu, eu já tenho asas. Ganhei uma promoção.

- Parabéns. Você mereceu. Como será que Harry vai reagir quando souber?

- Talvez ele não precise saber.

- Claro. Faça como achar melhor, Severo.

- Diga-me, Alvo: tem alguma coisa que você não saiba?

Dumbledore olhou para Severo e piscou um dos penetrantes olhos azuis:

- Bom, isso é uma coisa que você adoraria saber, não é mesmo?

Um movimento na cama chamou a atenção antes que Severo desse uma resposta desaforada. Harry mexeu a cabeça, olhou para Severo e sorriu. Depois, quando se deu conta de quem estava vendo, deu um pulo na cama:

- Você está bem!

Dumbledore disse:

- Bem, Harry, estou tão bem quanto se pode esperar de alguém com minha idade.

Harry quase deu outro pulo. Ele não tinha visto o Diretor de Hogwarts bem a seu lado.

- Prof. Dumbledore!

- Como se sente, Harry?

- Estou bem, senhor. – Ele olhou em volta, viu os cartões de pronto restabelecimento dos colegas. – E os outros?

- Os Aurores vieram imediatamente e levaram todos os comensais. Madame Sinistra reclamou que o cabelo dela ficou pavoroso depois da luta. O Prof. Binns diz estar quase rejuvenescido, e que jamais se divertiu tanto.

- E o Prof. Lambert?

- Azkaban, claro. Harry, eu preciso lhe pedir perdão. Eu não esperava que ele tentasse algo tão cedo, esperava que ele ganhasse sua confiança.

- Então o senhor sabia o que ele era?

- Desconfiava. Se ele tinha desagradado tanto Severo no passado, alguma coisa não estava certa a respeito dele.

- E Voldemort?

- Ainda estamos comemorando. As provas, é claro, foram todas canceladas. – Dumbledore se ergueu, dizendo: - Bem, agora que está realmente melhor, acho que vou deixá-lo descansar mais um pouco. Eu tenho certeza de que você gostaria de ficar uns minutos a sós com seus... pensamentos.

- Obrigado, Prof. Dumbledore.

Harry esperou até o Diretor sair da enfermaria e virou-se para Severo, quase pulando na cama:

- Você está bem! Eu vi você desaparecer! Pensei que Voldemort o tivesse matado!

- Eu já estou morto. Mas tive que ir para uma espécie de enfermaria.

- Mesmo? E já está bom? – Ele apontou – O que é aquilo? Band-Aid de anjo?

- Pode-se dizer que sim.

- Obrigado por tudo o que fez. Desculpe por achar que tivesse demorado, eu não tinha direito de-

- Harry, está tudo bem. Eu ganhei uma bronca por isso, mas no final tudo deu certo. Eu até fui promovido.

- Promovido? Por isso está vestido assim?

- É. Meu novo uniforme, por assim dizer.

- É diferente do seu estilo. – Harry pensou um pouco e ficou intrigado: - Mas como foi promovido? Virou anjo de primeira classe?

- Os detalhes não interessam. O importante é que eu ganhei novas responsabilidades, novos poderes e novas tarefas.

- Você pode fazer coisas novas? Aprendeu coisas novas, é isso?

- Exato.

- Espere aí – Harry não estava mais sorrindo. – Novas responsabilidades? Você não vai ser mais anjo da guarda?

Severo parecia triste ao dizer:

- Não, eu continuarei sendo anjo da guarda.

- Mas de uma outra pessoa, é isso?

- É sim, Harry. Assim que você ficar bom, eu passarei a cuidar de meu novo protegido.

- Ele tem sorte.

- Na verdade, não ficarei longe, Harry. Você o conhece. Pode adivinhar de quem estou falando?

Harry pensou um pouco e arriscou:

- Neville?

- Quem mais? – Severo riu-se. – Eu estarei por perto. E lembre-se, Harry: você nunca estará sozinho.

- Eu nunca me esquecerei de você.

- Na verdade, essa é outra coisa que me ensinaram na minha estada na tal enfermaria lá em cima. Posso apagar minha presença da sua mente. Receio que terei que fazer isso.

- Vai me fazer esquecer de você? – Harry estava muito triste. – Mas por quê?

- Você viu o porquê, Harry. Ao saber que eu existo, você passou a depender de mim. Você não precisa mais disso. Estava precisando naquele momento porque Voldemort queria roubar sua alma. Mas agora está tudo certo. Você é um grande bruxo, Harry Potter. E tenho certeza de que vai realizar coisas muito grandiosas.

Ele abraçou Severo, lágrimas nos olhos:

- Eu não queria dizer adeus.

- Mas não é adeus, Harry. Você vai sempre ter alguém por perto. Nunca estará sozinho. – Ele cobriu Harry docemente. – Agora descanse, Harry. Você vai acordar se sentindo bem melhor.

Com um toque na testa de Harry, Severo apagou as memórias daquele que em breve seria seu ex-protegido. E tornou-se invisível aos olhos dele. Harry caiu em sono profundo.

A porta abriu-se e Rony e Hermione entraram. – Prof. Dumbledore disse que ele tinha acordado.

- Vai ver que ele não agüentou. Ele estava muito fraco, Rony. Melhor a gente deixar ele dormir.

- Espere aí. Deixa eu colocar o presente dele na mesa de cabeceira.

Rony caminhou pé ante pé e deixou a caixinha na mesinha com os cartões e os óculos de Harry. Severo sorriu ao ver que dentro da caixinha estava um pequeno anjinho de madeira.

Fim