Capítulo 9
Algo estranho no estômago
Naquela noite, quando Snape voltou à casa dos McTaggart, aquela estranha coisa no estômago estava de novo perturbando seus pensamentos. Assim que ele entrou, cumprimentou Brian e Edna, que estavam observando a tela colorida. O pequeno Billy se agarrou nas pernas dele, chamando-o para brincar. O fato de ele se deixar arrastar até o quarto do menino sequer o alarmou. Sentou-se na cama, alheio aos gritos e pulos de Billy ao seu redor:
- Sevvie-wevvy! Sevvie-wevvy!
O cérebro de Snape parecia estar a todo vapor. Mas estranhamente, só o que ele sentia era aquele embrulho no estômago:
Billy trouxe diversos brinquedinhos, na maior parte, pequenos bonecos, e os colocou nas mãos de Snape:
- Segura aqui. Você vai ser o primo chato e eu vou ser o Bob Esponja! Faz assim, ó! Tchibum! Água!
Snape mal ouvia o menino. Só o que ele podia pensar era Martha. Mais especificamente, ele pensava em como ela tinha simplesmente dito tudo o que sentia. Que coragem! Ou burrice.
- Agora é você, Sevvie! - dizia Billy, alheio à distração de seu companheiro de brinquedo. - Vou te levar para a banheira! Lavar o cabelo!
Uma voz diferente o despertou de seus pensamentos:
- Ei, cara. Tá na boa?
Snape encarou Brian, que estava na porta, encarando-o com uma expressão de preocupação. Ele abriu a boca automaticamente para dizer uma mentira bem-comportada e socialmente aceitável, quando viu que na sua mão esquerda havia um pequeno boneco de uma esponja amarela, e Billy o estava olhando com grande expectativa. Olhando de novo para Brian, ele notou que não queria mentir para o amigo.
- Eu não sei - disse sinceramente. - Eu... simplesmente não sei.
Billy subiu no colo dele, o rostinho também preocupado:
- Você tá triste, Sevvie? Fica triste não.
Brian entrou no quarto e sentou-se a seu lado, na cama de Billy.
- Quer conversar?
Snape deu de ombros:
- Eu nem sei o que dizer. Eu não saberia por onde começar.
- Começa pelo começo - disse Brian simplesmente. - Vamos por eliminação: estresse no trampo?
- Não.
- Doença?
- Acho que não.
- Pouca grana?
- Bom, sim, mas isso não me preocupa.
- Isso mesmo, Sev. Dinheiro a gente sempre arruma, sempre tem um jeito. Não vale a pena se preocupar por causa de dinheiro, vai por mim - Brian olhou para Snape. - Então só pode ser mulher.
Snape o olhou, pálido. Brian não parecia ser dos homens mais brilhantes, mas ele sempre mostrou ter grande sensibilidade e um coração tão grande quanto seu corpanzil. Ele realmente fazia Snape lembrar-se de Hagrid.
Ele só pôde concordar:
- Acho que você está certo.
- Então, Sev, mano broda, vamos levar um lero - Com uma mão apenas, Brian retirou Billy do colo de Snape. - Pequerrucho, vai brincar na sala.
O menino não foi sem resistir:
- Mas papi, Sevvie tá triste. Não deixa ele ficar triste.
Brian tentou explicar:
- Eu sei, filhão, mas nós vamos conversar coisa de adulto pro Sev ficar melhor. Então se manda, guri. Se não eu vou chamar tua mãe.
Palavras mágicas. Billy disparou porta afora.
- Bom - disse Brian, suspirando -, assim tá melhor. Pó falá. Qual é o pó? É aquele broto que você tinha azarado?
Snape disse:
- Eu.... estou dividido. Essa minha... colega de trabalho... ela disse que quer alguma coisa comigo.
Brian abriu um sorriso:
- Mesmo? Aí, Sev, garanhão! - Ele bateu nas costas de Snape, que quase voou para a frente. - Então qual é o estresse? Ela é uma baranga?
Palavra nova.
- Baranga?
- Mocréia, dragão. Uma bruxa, saca?
Se ela fosse bruxa, não haveria problema, pensou Snape. Ele deveria estar falando de alguma outra coisa.
Brian finalmente esclareceu:
- Tô perguntando se ela é feia, chata ou uma parada dessas.
- Não - garantiu Snape, retorcendo o bonequinho amarelo de esponja nas mãos. - Ela não é nenhuma beleza estonteante, mas é razoavelmente atraente, bem-humorada, organizada...
- Parece ser gente fina, Sev.
- Sim, ela é uma boa moça.
- E você disse que o namorado dela tá fora da parada?
- Sim, ele sumiu. Tudo indica que de vez.
- Bom. Mas, Sev, eu quero entender qual é o pó. Não vejo problema.
Snape parecia mesmo angustiado:
- O que eu devo fazer?
- Você é a fim dela?
- Bom, ela é -
- Não perguntei o que ela é, eu quero saber se você gosta dela também.
- Er... Eu não sei. Eu estou pensando muito nela.
- Então é um bom sinal. Você quer pensar ainda mais nela?
- Eu... Eu não quero dar falsas esperanças a ela. Entenda, eu não ficarei minha vida toda aqui em Londres. Mais cedo ou mais tarde eu voltarei para o norte. Ela ficaria magoada, e eu não quero ser responsável por isso.
Brian assentiu, sem olhar para Snape.
- Até isso acontecer, você acha que ela ficará infeliz?
Ele explicou:
- Bom, ela não vai sofrer tanto quando chegar a hora de partir. Entende o que eu digo?
- Eu saquei o que você falou. Mas não sei de onde você tira essas idéias. - Ele olhou para Snape, sério, e começou a gesticular com as mãos muito rapidamente. - Como você sabe que assim ela vai sofrer menos? Ela disse que queria alguma coisa contigo. Se você disser que não quer nada com ela, é claro que ela vai ficar por baixo, na pior, entende? Então não vai adiantar nada essas suas idéias.
- Mas pelo menos ela não vai sofrer depois, no momento da separação. É o melhor para ela.
- Não, não é o melhor para ela, porque ela já está sofrendo agora, Sev. Você diz que não quer magoar a mulher, mas já está magoando - Snape olhou para ele, assustado. Obviamente, ele não pensara nisso dessa maneira. - E por que você não convida ela para ir para o norte com você? Você não tem ninguém lá, tem? Digo, você está enganando a moça e tem uma patroa lá em cima com cinco Sevvizinhos?
- Não, não tem ninguém. Mas... é que eu estou indo para ficar um tempo longo. Não é justo pedir que ela largue tudo aqui.
- Você já perguntou isso para ela? Quem sabe ela gostaria de pelo menos ser perguntada? Mesmo que ela vá dizer não - e ela tem todo o direito -, acho que você deve perguntar. Nem que seja por consideração, isso conta. Mas cara, que pena que você vai ter que voltar. Sinto que vou perder um irmão.
- É, estou esperando um aviso a qualquer momento. Por isso é que eu não acho justo começar qualquer relacionamento. Ela até manifestou desejo de ir, mas eu acho -
Brian não o deixou terminar:
- O quê? Ela já aceitou ir com você para o norte? Assim, de prima? Na boa?
- Na verdade, foi ela quem se ofereceu para ir junto. Mas ela não sabe o que isso significa, ela -
De novo, o homenzarrão o interrompeu:
- Escuta aqui, Sev: você quer jogar limpo com essa moça ou não? Você gosta mesmo dela? E como é mesmo o nome dela?
- Martha.
- Legal. Nome da minha avó - Snape ficou encarando-o, querendo saber o que isso tinha a ver com o que estavam conversando, mas Brian logo se emendou: - Se você quer ser um cara gente fina com a Martha, então joga limpo! Diz para ela o lance na moral e depois ela decide se quer ou não. Mas você tem que dizer para ela, na boa. Além do mais, mulher gosta disso - de falar. Sobre sentimentos, sabe? Eu não sei por quê, mas é uma coisa delas. E se você se mostrar interessado em falar, então, nossa, ela vai te amar.
Snape concordou, lembrando-se da experiência pela qual acabara de passar em pleno pub lotado:
- Elas gostam de falar. É, eu percebi isso.
O motoqueiro advertiu:
- Mas elas cheiram uma mentira a uma estrada de distância. Não pense em enganá-las, a menos que queira uma passagem no expresso mais rápido para o inferno. Por isso, Sev, eu acho que primeiro você tem que saber qual é a sua, e daí levar um plá com a guria. Jogo aberto. Pensa nisso, Sev. Jogar limpo faz bem pra todo o mundo: para você, para ela, para o Universo, entende?
As palavras de Brian tinham uma profundidade que impressionou Snape. Ele refletiu sobre o que tinha ouvido, calado. Os dois fizeram silêncio durante alguns minutos, os barulhos distantes da TV na sala o único ruído. De repente, o homem corpulento bateu nas suas costas.
- Agora é melhor você tirar isso da sua cabeça, cara, se não você vai pirar, falô? Escuta, quer rangar? A patroa fez uma gororoba esperta.
- Não, obrigado. Eu acho que vou dormir.
- Na boa. Agora você está bem, Sev?
- Acho que estou melhor. Obrigado, Brian.
- Que isso, cara? Família é para essas coisas. - Ele se ergueu e disse: - Se você quiser ir para a sala, tá passando aquele noticiário que você gosta.
Snape olhou para ele e respondeu:
- Só.
Brian riu-se e foi para a sala. Snape olhou para o bonequinho do Bob Esponja que segurava. Devia haver um modo de ele conseguir ter a ótica daquela simplicidade cristalina de Brian. Havia muito a refletir naquela noite.
Mas de repente, ele sentiu um daqueles impulsos.
Pegou o casaco e disse:
- Eu volto logo!
Ele já estava na rua quando Edna começou a gritar que estava tarde.
*
- Sev?
Martha foi à porta com uma expressão de quem jamais esperava visitas. Ela estava enfiada num roupão e obviamente se esforçava para mantê-lo fechado.
- Aconteceu alguma coisa?
- Não, eu - Snape finalmente reparou nos olhos dela. Estavam meio avermelhados. Ela estivera chorando, e aquilo partiu o coração dele. - Eu... me lembrei de que amanhã é sábado, e nós trabalhamos apenas meio expediente. Eu gostaria de saber se você me permitiria acompanhá-la até seu apartamento.
Ela olhou para ele:
- Claro. Eu gostaria muito, Sev. Mas você poderia ter me feito essa pergunta amanhã, no serviço.
- Eu... er... queria me assegurar de que você não teria algum... arranjo prévio.
- Também poderia ter ligado.
Snape já ouvira essa palavra antes, e o significado lhe tinha escapado. Tentando contornar aquela dificuldade, ele disse, simplesmente:
- Achei melhor vir pessoalmente.
- Desculpe não te convidar para entrar, mas está ficando meio tarde...
- Não, eu... entendo. Eu é que deveria ter calculado que isso seria inconveniente. Desculpe o incômodo.
- Tudo bem, Sev. A gente se fala amanhã.
- Até amanhã, então. Boa noite.
- Boa noite.
Ela fechou a porta. Snape ainda encarou alguns minutos a porta fechada, e perguntou-se o que exatamente teria vindo fazer ali. Ele não tinha uma resposta honesta para essa pergunta. Só o que ele sabia era que tinha visto Martha, e isso tinha sido tanto reconfortante quanto perturbador. O estômago dele estava inquieto de novo.
Descendo as escadas do pequeno prédio, Snape sentiu que estava em sérios apuros. Mas de alguma maneira, ele gostava daqueles apuros.
