7 – Uma noite muito longa
Claustrofobia. Foi essa a sensação que Draco teve ao entrar na cozinha dos Weasley, aonde iam jantar. Achou-a muito apertada para tantas pessoas, embora isso fosse um pequeno exagero de sua parte. Achou o teto muito baixo, e nisso ele tinha alguma razão. Achou tudo muito simples, e isso também era verdade, mas teve que admitir que estava tudo muito limpo e bem arrumado (ele achou um assombro que Molly conseguisse manter tudo tão limpo sem ajuda de elfos domésticos). Foi inevitável lembrar da sua sala de jantar com paredes brancas e piso de mármore grego, do teto alto e da louça de porcelana antiquíssima. "Pelo menos não vamos comer em pratos de papel", ele pensou lembrando de uma das ofensas que tinha feito a condição financeira da família Weasley. Todos se acomodaram na seguinte ordem: Arthur na ponta da mesa, e Molly do seu lado direito. Ao lado dela Percy, Rony, Hermione e na outra extremidade Carlinhos. Ao lado esquerdo de Arthur sentaram-se Fred, Jorge, Gina e finalmente Draco.
O jantar estava simples (pelo menos para o gosto de Draco), mas havia uma boa variedade de comidas, era óbvio que Molly havia caprichado. Draco se sentiu ligeiramente envaidecido ao notar que o jantar era uma ocasião especial porque ele estava ali, mas passou depressa. De qualquer forma, o clima era tão tenso que, no dia seguinte, nenhum deles saberia dizer o que tinha sido servido. Pros curiosos, o prato principal era um ensopado de frango com batatas com diversos acompanhamentos, e havia suco de abóbora e amêndoa para beber ("Dois tipos de suco só porque o Malfoy está aqui?!", pensou Rony quando viu as duas jarras sobre a mesa)
- Está gostando querido? – Molly distraiu Draco da sua observação.
Ele acenou com a cabeça, surpreendido pela pergunta. Ele tinha apenas acabado de dar a segunda garfada.
- Está perfeito senhora. – respondeu com educação e sinceridade. Ele tomou o cuidado de olhar apenas para Molly, evitando cruzar com o olhar dos outros ocupantes da mesa.
- Imagine! – ela corou envaidecida – Não deve ser nada perto do que você está acostumado.
- É mesmo. – Rony cortou falando por entre os dentes, a mão apertando o garfo - Todo tipo de iguaria devia ser servida na sua mansão, não é?
- Nem tanto... – Draco recusou-se a deixar uma provocação impune. E também achou que já era hora de começar a falar com seus cunhados. – Não há nada que se compare a comida caseira. – dizendo isso sorriu e piscou inocentemente para a Sra. Weasley.
Os olhos de Molly cintilaram, Arthur ergueu os seus com satisfação indifarçada. As juntas de Rony estalaram e Gina suspirou desolada imaginando o que ainda ia acontecer naquele jantar.
- Me fala cunhado... – Fred começou – O que você
costumava comer lá na Mansão?
- Carne humana? – Jorge completou
ironicamente.
Hermione parou de mastigar e deu um cutucão por baixo da mesa em Rony quando este ameaçou falar. Carlinhos riu alto sem querer. Percy olhou para os gêmeos com evidente reprovação.
- Só em ocasiões especiais. – Draco disse sem pestanejar. "Vocês estão malucos se acham que podem me pegar, Weasleys!", ele pensou deixando um sorriso malicioso surgir em seu rosto por um instante. Rápido demais para que Arthur, Molly e Carlinhos vissem. Devagar o suficiente para irritar Rony e os gêmeos e para fazer Gina e Hermione trocarem um olhar de cumplicidade tipicamente feminino.
- Muito espirituoso! – Arthur riu tentando descontrair os filhos, que não escondiam seus olhares assassinos para o convidado.
A todo minuto passava pela cabeça de Gina a imagem desastrosa de Rony levantando para dar um soco em Draco, de Draco falando uma maldade para Hermione, de Carlinhos botando o louro pra fora a pontapés... A única forma que ela via de evitar essas tragédias era falar alguma coisa e interromper o fluxo da tensão.
- Não vai beber nada, Draco? Tem dois sucos... – Gina disse apontando a jarra de vidro em frente a Rony (o suco de abóbora) e a jarra ao lado de Hermione. Draco queria beber mesmo pois estava com a garganta seca de nervosismo. Mas, depois de calcular mentalmente a distância viu que não alcançaria a jarra de suco de amêndoa sem se levantar da cadeira. "Levantar da mesa durante uma refeição não é NADA educado.", lição de finesse número 7 de Narcisa Malfoy. Ok, ele não ia levantar. Pedir que lhe passassem o suco de abóbora era arriscado, ele passaria pelas mãos de muitos Weasley e podia ser envenenado pelo caminho. Havia a segunda opção... "Sem chance!", pensou Draco olhando de soslaio para a garota de cabelos rebeldes que comia distraída bem na sua frente. "Credo! Porque eu tenho que sentar na frente dela?", pensou e quase involuntariamente encolheu as pernas para baixo da cadeira.
- Não Gina, obrigado... – ele disse sentindo a boca secar ao olhar para aquele chamativo suco de amêndoas.
A ruiva compreendeu qual era o problema. Ela pensou em pedir o suco para Mione fingindo que ia colocar no seu copo, e colocando discretamente para Draco. mas desistiu do plano quando viu que seu copo ainda estava bem cheio. Ela desistiu definitivamente de qualquer coisa desse tipo quando pensou que, se os irmãos a vissem servindo Draco, eles não perderiam a piada de jeito nenhum. "E Draco ficaria irado...", pensou expirando alto e voltando a comer. O louro fez o mesmo.
Para a surpresa do casal alguém mais percebeu o impasse em que estavam. Gina viu Hermione mover delicadamente o braço em direção a jarra de suco e Draco viu (talvez tenha sido imaginação) um leve brilho de gozação quando ela lhe ofereceu a jarra. Ele a olhou com quase pavor, como se ela estivesse lhe ameaçando com uma espada. "Não aceite nada da mão de sangues-ruins. Eles são porcos nojentos, é totalmente anti-higiênico.", lição de identidade racial número 5 de Lúcio Malfoy. Notando a hesitação do louro Hermione falou:
- Algum problema, Malfoy? – agora ele tinha certeza, ela estava se divertindo muito com aquela situação. – Está com sede, não está? O suco está realmente ótimo, você devia provar!
Uma sangue ruim, a Granger, a pior das sangue ruim, se divertindo as custas dele. Em outros tempos isso teria rendido a Draco um ataque histérico mas não naquela noite. "Estou apaixonado por uma Weasley, estou jantando na casa dela... O que poderia ser mais 'impróprio' do que isso?" ele pensou sorrindo e apanhando a jarra das mãos da garota.
- Muito obrigado, Granger. – quando ele disse, todos à mesa suspiraram de alívio involuntariamente.
Sem que ninguém soubesse a relação mais problemática presente naquela cozinha entrava em trégua naquele minuto. A mais problemática sim, porque a por piores que fossem, os Weasley eram sangues puros e Draco podia suportá-los. Mas uma sangue ruim... a Granger! Ele odiara durante todos os anos de Hogwarts o nariz empinado da monitora. E tinha achado muita graça quando ela e Rony começaram a namorar, "Eles se merecem", foi o que ele tinha dito e repetido na época. "A Granger deve ter me rogado uma praga...", ele pensou divertido. Para Hermione, a idéia de ter Draco convivendo com sua família postiça era repulsiva. Ainda mais na condição de namorado da sua amiga, que ela sempre tinha considerado meio ingênua. Hermione compartilhava da decepção da família, que sempre achou que Gina e Harry iam acabar juntos. Mas no final das contas, Mione foi a primeira a aceitar a situação, "Se ele pode pegar alguma coisa da minha mão, então deve estar mesmo gostando da Gi", concluiu em pensamento.
***
O jantar transcorreu sem mais emoções e quando terminou todos foram para a sala onde conversaram animadamente por cerca de uma hora. Claro que apenas Gina e seus pais dirigiam a palavra a Draco, mas ele não se importou. Só notou os outros quando Rony bocejou alta e forçosamente, chamando a atenção de todos. Draco entendeu o recado.
- Já é tarde, melhor eu ir embora. – disse levantando-se.
- Ir embora pra onde?! – perguntou Arthur com genuína surpresa.
Antes de dizer "pra casa", Draco lembrou que estava desabrigado e que teria que procurar um hotel. A idéia de sair no meio da noite batendo na porta de estalagens era desanimadora.
- Procurar algum hotel...
Os gêmeos Weasley já estavam de pé, quase pondo Draco pra fora, quando Molly se levantou e se aproximou do louro.
- A essa hora, querido? De modo nenhum! Você fica essa noite conosco e amanhã você pode procurar outro lugar, se quiser.
Draco viu pelo canto dos olhos os gêmeos sorrindo malignamente e Rony soltar um ruído indefinível. Os demais apenas olhavam a cena com atenção.
- Eu realmente não quero incomodar!
- Claro que não é incômodo! Você pode dormir no quarto do Ronald... – ela olhou para o filho – Não é?
Rony não teve nenhuma reação, apenas balançou a cabeça afirmativamente, com resignação. Gina correu para mostrar o resto da casa ao namorado e foi assim que Draco viu prolongada a noite mais insólita da sua vida.
Molly conseguiu um pijama de Rony para que seu convidado não tivesse que dormir de roupa. Ficou um pouco grande para ele, já que o ruivo era bem mais alto, mas naquela situação isso era o que menos importava. "Estou usando um pijama do Weasley! Que PORCARIA!", pensou mirando-se com uma expressão de desgosto. Draco teria ficado enojado de verdade se soubesse que anos antes Rony havia emprestado aquele pijama para Harry Potter. Os namorados se despediram discretamente (traduzindo: sem beijo na boca) porque toda a família assistia a cena e Gina já tinha dito antes que não se sentia a vontade em fazer cenas românticas na frente de seus pais.
Draco olhou com curiosidade quase cientifica o quarto do cunhado. "Laranja...", foi a única coisa que ele pensou. Era tudo muito laranja, e laranja era uma cor muito brega na opinião dele. A colcha da cama, os pôsters na parede, as cortinas. "Chudley Channons? Um time perfeito pra um perdedor como o Weasley...", pensou Draco, um torcedor incondicional do "Manchester Avengers". Draco estava chocado achou que ninguém podia ser mais fã de um time de Quadribol do que ele, mas ao ver o quarto de Rony não duvidava mais de nada. Uma coisa que fez o louro ter vontade de rir foi uma grande foto na parede, era enorme, e nela estavam Rony e Hermione. Ela estava pendurada nas costas dele, e beijava sua bochecha fazendo o menino corar. "Que meigo!", ele riu zombeteiro.
- Tá rindo de que Malfoy?! – Rony jazia de braços cruzados no canto do quarto.
Draco achou que se dissesse o real motivo da graça levaria um grande soco na cara, e ele lembrava muito bem da ótima pontaria do garoto. Não ia arriscar.
- Chudley Channons... – ele apontou o pôster do time – Um bando de perdedores.
- Não seja ridículo! Eles são os melhores! É impossível que você seja cretino o suficiente pra não reconhecer um grande time de Quadribol quando vê um.
- Não só eu reconheço como torço pra um. Não é apenas um grande time, é o melhor. – Draco disse com superioridade – Os Manchester Avengers são os MESTRES do Quadribol!
Rony riu com desprezo e provocou:
- As bichinhas de azul bebê? Deprimente até mesmo vindo de você...
- Eu vou adorar ver "as bichinhas de azul bebê" massacrarem os babacas de laranja no próximo mês. – Draco desafiou.
- Ah! Isso nós vamos ver, Malfoy!
Eles podiam ter ficado discutindo por horas, mas um barulho vindo da porta os silenciou.
- Já fizeram amizade?! – Carlinhos brincou.
- O que significa isso? – Draco se assustou ao ver todos os irmãos Weasley entrando no quarto e formando um circulo em volta dele.
- Só umas perguntinhas que não pudemos fazer lá em baixo. – Percy disse seriamente.
- O que você quer com a nossa irmãzinha, Malfoy? – perguntou Rony.
Draco não se intimidou. O que eles podiam fazer? Bater nele? De jeito nenhum, senão como eles iam explicar isso para a mãe de manhã.
- O que vocês acham?
Um pensamento obsceno, machista e bastante óbvio passou pela mente de Fred e ele avançou furiosamente pra cima de Draco.
- Seu filho da mãe...- ele não pode fazer o que tinha vontade porque Carlinhos o segurou e conteve sem dificuldade.
Ao perceber o que tinha dado a entender o louro revirou os olhos nas órbitas.
- Que mente poluída! Eu não estava falando disso... "Até porque se fosse só isso que eu quisesse já teria conseguido há muito tempo, seus idiotas.", ele completou em pensamento.
- Quais as suas intenções com a Gina?! Nós não vamos deixar você estragar a vida dela, tá entendendo? – Rony estava totalmente vermelho.
- Quais as suas intenções com a Granger? Quais as intenções de qualquer pessoa que namora? As minhas são iguais as de todo mundo, Weasley! – Draco vociferou.
- Não me compare com você, eu amo a Hermione! E pra sua informação e gente vai casar mês que vem. – em leve rubor cobriu o rosto de Rony quando ele citou o nome da noiva.
- E o que você acha que eu vou fazer com a Virgínia? Prender ela numa masmorra? Acha que eu ia me sujeitar a vir na sua casa se eu quisesse apenas me divertir com ela? Não seja burro Weasley!
Um silêncio tenso, juntas estalando, dentes rangendo e olhares muito raivosos.
- Você gosta mesmo da minha irmãzinha? – Carlinhos perguntou calmamente.
Draco hesitou em dizer essas sentimentalidades na frente de tantos garotos hostis, então apenas balançou a cabeça afirmativamente.
- E tem alguma coisa que nós possamos fazer pra você desistir dela? – Jorge perguntou um fio de esperança.
- Não. – Draco respondeu em voz baixa, mas sem hesitar.
- Eu vou MESMO ter que conviver com você? – choramingou Ronald com o rosto contraído numa expressão muito infantil.
- Receio que sim. – Draco disse desabando sentado sobre o colchão no chão. – Mas se isso te consola eu gosto tanto disso quanto você.
Carlinhos bateu palmas para chamar a atenção.
- Então se a conversa terminou eu vou dormir! – bateu nas costas de Percy e ele o acompanhou, sonolento. Subitamente o tratador de dragões voltou-se para Draco e assumiu uma postura assustadoramente agressiva – Mas se você machucar a minha maninha eu juro que arranco seu fígado, Malfoy. – então, como se nada tivesse acontecido voltou a sorrir jovial. - Boa noite!
Logo que os irmãos mais velhos fecharam a porta, Fred pulou para frente de Draco e começou a gritar, saltitar e bagunçar o cabelo dele.
- Temos um loirinho na família! – ele disse enquanto Draco tentava se desvencilhar da bagunça dos gêmeos.
- Aceita um caramelo? – Jorge disse colocando três caramelos coloridos na frente da boca de Draco.
Ele se afastou um pouco dos dois e recusou o doce com um sorriso esperto.
- Não, obrigado, Virgínia me avisou sobre os caramelos.
- Ah é? – os dois trocaram um olhar sarcástico e Jorge jogou um caramelo para Rony, outro para Fred e pôs o outro na boca– Mas aposto que ela não te disse nada sobre o nosso Pó Malfoy.
- Mais um empreendimento de sucesso das Gemialidades Weasley! – riu-se Fred, e os irmãos saíram gargalhando do quarto.
Quando Draco voltou-se para Rony viu que este também morria de rir, deitado na cama com as mãos na barriga. Era doentio, ele estava quase sem ar, e quanto mais olhava pra Draco, mais ele ria.
- Eles botaram esse tal Pó Malfoy em mim, não é? – Draco disse com um olhar soturno e ares de resignação.
Rony estava rindo demais pra falar, mas confirmou com a cabeça.
- E o que isso faz? – o louro perguntou.
Novamente o outro não pode falar, mas conseguiu fazer um ruído e apontar o espelho que pendia de um cordão do teto. Draco deu dois passos e já estava em frente ao espelho. "Porcaria de quarto pequeno...".
- Você está uma gracinha Malfoy!
Draco quase nem ouviu a ironia de Rony. Estava chocado. Estava embasbacado. Estava engraçado. Estava ridículo.
Estava RUIVO!
Cada orgulhoso fio do seu cabelo platinado estava num tom absolutamente Weasley. Ruivo, como seu detestado companheiro de quarto e toda a sua família.
- Quanto tempo isso vai durar? – questionou sem tirar os olhos de espelho.
- 24 horas... – o outro respondeu rindo um pouco menos.
Draco sentou-se no seu colchão e riu uma risada insana por alguns minutos antes de finalmente deitar. Antes de fechar os olhos ouviu a última gracinha do dia:
- Boa noite cabeça vermelha!
- Vai se ferrar Weasley!
Rony ainda deu uma derradeira risada antes de cair no sono.
