Capitulo II – Além das Trevas
Batidas na porta vinham incomodá-lo. Sua cabeça reclamava gritantemente
de uma dor insuportável e tudo o que ele queria era permanecer sozinho
na escuridão. Como sempre esteve.
Mas alguém o aguardava do outro lado, no corredor, e ele devia atender. Sabia que devia. Afinal, ao que tudo indicava, ele só estava ali por ordem do dono daquele estranho castelo. Uma visita. Simplesmente isso... uma visita que teria de ir embora da casa do anfitrião... pelo menos, se tudo desse certo.
Os pés descalços tocaram no chão frio, mas Ron não se deu ao trabalho de procurar algo para calçar.
A luz do luar era a única que permitia que ele soubesse onde se localizavam os móveis, mas os olhos mal treinados sempre se esqueciam de captar uma pequena quina ou uma cadeira qualquer.
Ainda cambaleante, alcançou a maçaneta girando-a rapidamente. A luz vinda do corredor feriu seus olhos, como o brilho sempre fazia, e ele logo tapou-a com uma das mãos.
- Com licença, Ronald... quero dizer, er... Sr...
- Tudo bem, eu já me acostumei com esse maldito nome, Ronald... – disse um tanto rabugento, baixando a mão vagarosamente e deparando-se com um fino senhor usando vestes elegantes e com porte educado.
- Posso...? – indagou apontado para a porta.
- Ah... claro! Claro! Entre...
O homem passou pelo portal e logo a porta fechou-se atrás de si...
- Está um tanto escuro aqui, não?
- Ah! Sim... sim.. eu já vou acender essas velas. Deixe-me achar minha
varinha...
Ele estancou. Varinha?
As velas se acenderam magicamente. Com um aceno da varinha do visitante.
- Varinha... – repetiu ele – então... até onde você lembra da sua vida?
A luz mostrava profundas olheiras no rosto do visitante, que antes haviam passadas despercebidas, e algumas pequenas rugas, no rosto já afetado pelo tempo.
- Nada...
- Impossível...
Quem era aquela figura que invadira seu quarto? Quer dizer... era certo que aquele quarto, cedido por alguém para que ele pudesse finalmente sair da ala de enfermagem não era seu, mas ele estava lá, e isso devia ser respeitado.
- Sou Lupin... Remus Lupin. – disse como que lendo pensamentos.
- Ronald... mas você já parece me conhecer. Pelo visto, melhor
do que eu mesmo.
Ele assentiu com um aceno de cabeça.
- Eu sou o diretor dessa instituição... nós lutamos contra a magia negra, liderada por bruxos das trevas, mais conhecidos como Comensais da Morte. Você costumava ser um de meus valiosos soldados, e agora eu estou aqui para ajudá-lo e descobrir até onde você lembra da sua própria vida.
Não ouve resposta. Ronald parecia absorver as informações
e forçar-se a achar algo suficientemente bom para dizer. Mas a verdade,
inadmissível, mas ainda verdade, era que ele não podia afirmar
certeza de nada na sua vida
.
- Diga-me algo sobre você.
Silêncio.
Ron deixou-se sentar, esgotado, sobre uma cadeira forrada que dava para uma pequena escrivaninha. Ele não tivera vida. Como queriam que se lembrasse de algo?
- Vamos... eu sei que você se lembra de alguma coisa...
- COMO VOCÊ PODE SABER? – gritou o jovem num acesso de fúria. – Você não está dentro da minha mente! Você não sabe o que eu estou pensando! Não sabe das minhas memórias! Como pode afirmar algo que eu mesmo não tenho certeza?
A expressão no rosto de Lupin, que ainda estivera imutável, mostrou-se assustada, como se aquilo não fosse completamente esperado. Mas não precisou de mais do que alguns segundos para retomar a compostura.
- Bem... a varinha...
Ron baixou os olhos. Sim, ele lembrara da varinha. Na verdade, havia sido mais como instinto. Ele sabia que precisava da varinha para acender as velas. Inconscientemente, ele sabia.
- Você sabe que é um bruxo. Não sabe?
Um aceno de cabeça, concordando.
- Até onde você sabe?
- Isso é tudo que eu sei. Na verdade. Eu acabei de descobrir que sou... Eu apenas sei aquilo que já me contaram sobre mim mesmo.
Um olhar de compreensão cruzou-os quando Ronald finalmente levantou os olhos de novo para encarar seu anfitrião.
- Venha até minha sala. Eu providenciarei tudo o que precisar e responderei suas perguntas ao máximo que puder. Ron...
***
A luz do dia começava a irritar profundamente seus olhos inchados. Ela
lutava contra as cortinas, praguejando e amaldiçoando-as, descontando
todo seu ódio e desilusão naqueles pedaços de pano sem
importância, ao quais ela nunca havia dado um segundo sequer de atenção.
Mas lá estava ela, as lágrimas sobrepostas aos olhos castanhos, o rosto rosado e as orelhas vermelhas. A voz saindo fraca e seca, palavras arranhando a garganta, pensamentos torturando a mente.
"Como ele pôde fazer isso comigo?" ela dizia para si mesma, sem se dar conta que a amiga continuava sentada na beirada da cama, olhando para ela com os olhos vazios. "Como ele pôde me enganar desse jeito?".
Não, ela sabia. Ele nunca a havia enganado. Ela sabia que sempre havia alimentado esperanças demais. Sabia que ele devia estar morto. Enterrado. Apodrecendo.
Mas ele não estava. Pelo contrário, estava acomodado num quarto no andar logo acima, tão perto e ao mesmo tempo tão distante. Sem saber quem ela era. Sem saber quem ele mesmo era.
Estaria ele sofrendo tanto quando ela sofria?
Não. Claro que não. Ninguém poderia sofrer mais do que ela sofria agora. Não depois de descobrir que perdera os últimos cinco meses da sua vida naquele maldito hospital. Não depois de saber que tudo que ela fizera por ele, durante toda a sua maldita vidinha medíocre não adiantava de nada e nunca adiantaria. Descobrir que ela era uma tola. Uma tola esperançosa e romântica que achara que tudo ficaria bem no final. Que tudo voltaria a ser como antes.
Nunca nada seria como antes. As pessoas continuavam a morrer naquela guerra idiota que já durava seis anos. Seis longos anos. Anos que pareciam demorar cada vez mais para passar. Anos que a prendiam a uma vida de sofrimento tedioso e rotineiro. Onde tudo era sempre a mesma coisa. Sangue e morte. Sangue e morte. Sangue e morte. E por fim, quando você olha para frente, naquela pequena luz no fim do imenso túnel, você vê aquilo que você sempre soubera que veria, mas nunca quis acreditar... Sangue e morte.
- Gina. Acalme-se, você vai arrancar as cortinas... – a voz da amiga soava mais como um sussurro incerto do que uma advertência. No fundo, ninguém se importava com aquelas cortinas empoeiradas. Que se danem as cortinas!
- Hermione! – explodiu Gina – Como você pode ficar aí? Sentada? Cinco meses! Ele não se lembra de nada! Cinco malditos meses e ele nem ao menos sabe quem eu sou! Sua própria irmã! E ele não faz a mínima idéia de quem eu sou!
Silêncio. A voz e a força de vontade pareciam morrer dentro de Hermione, junto com ela mesma. Junto com sua vida.
- Ele não faz a mínima idéia de quem eu sou... – ela repetiu antes de se deixar cair na cama ao lado da amiga, não mais contendo as lágrimas.
***
Frio. Tão frio aquele lugar. Por que justo ele tinha de vistoriar aquelas masmorras? Tudo trancado. Como deveria estar. Ao fundo, outro guarda fazia o mesmo percurso, em direção contrária à sua. Um cumprimento rápido e logo eles estavam se afastando de novo. Nem ao menos sabia o nome do sujeito. Algo como Malton, Malten... não fazia diferença.
Esfregou os braços bufando.As paredes úmidas só iriam piorar o seu resfriado. Certo. Teria que ir procurar uma enfermeira antes que aquilo virasse uma maldita pneumonia. Não que fosse tão ruim. Talvez conseguisse alguns dias de dispensa. Tinha muito mais o que fazer além de ficar vistoriando aquelas malditas salas inúteis. Quem invadiria as salas de treinamento? Não havia nada lá! Apenas algumas carteiras, lousas, e em algumas delas as paredes eram revestidas de espuma. E até onde ele sabia ninguém precisaria invadir uma sala revestida de espuma.
Olhou para os próprios sapatos mergulhado em tédio. Já havia escurecido do lado de fora e ele podia sentir a temperatura baixando rapidamente mesmo dentro do castelo. Esperava que não fosse escalado para o plantão daquela noite. Estavam em pleno inverno! Ele não ficaria sentado naquelas cadeiras desconfortáveis encostadas em paredes frias. Queriam que ele morresse?
Não. Ele não podia morrer. Era importante demais e sabia disso. Era o único capaz de mandar informações para a base, até onde soubesse. Ou será que havia outros espiões e ele nem ao menos sabia disso? Sabia apenas sobre Leonard.
De qualquer maneira. Era melhor ficar de olho aberto e planejar tudo com mais cuidado.
Destrancou a porta da sala de treinamento de armas. Ninguém por ali.
Trancou novamente e saiu pela escada lateral. Pediria para Yvan cobrir o seu
posto. Definitivamente teria de passar pela enfermaria. Seu pulmão! Como
doía!
N/A: Ahá! Agora sim, nossa história começou! Ou... mais ou menos.. hauhauha... Claro, deve ter algumas coisas confusas e tals. E esse definitivamente não eh o cap mais movimentado. Mas... não está tão ruim assim, está? ^^"
