Capítulo Três – Reencontrando um velho amigo
Depois de cruzar a porta, Harry começou a andar pela escura rua dos Alfeneiros, sem direção e sem pensar. Só sentia uma raiva imensa dentro de si. E o único pensamento, ou melhor, uma espécie de obsessão que tinha nesse momento era de que precisava ir embora, precisava deixar tudo aquilo para trás. Não importava que não soubesse para onde ir ou o que fazer depois... Não importava que tivesse usado magia fora do período de aulas e que poderia se encrencar com isso, já que bruxos menores de idade como ele não podiam fazer isso. A única coisa que importava era que tinha seu orgulho e que nunca mais colocaria os pés no n.º 4 da rua dos Alfeneiros.
Andou muito, não saberia precisar por quanto tempo, até ficar exausto e parar para um descanso. Depositou tudo o que carregava no chão da calçada e encostou em um muro. A respiração estava arfante, não sabia se pela caminhada que fizera ou pela raiva que estava sentindo. Escorregou pelo muro e sentou no chão, apoiando os braços nos joelhos flexionados. Estava com calor; talvez fosse pelo verão mesmo, mas o mais provável era que fosse por todo o seu corpo estar ardendo de raiva...
Ficou ali por algum tempo, encostado no muro, com seus artefatos de magia espalhados na calçada e Edwiges muito quieta na sua gaiola, sem se atrever a soltar ao menos um pio de indignação; parecia um pouco assustada depois de ver o dono tão nervoso.
E então a razão começou a voltar, e ele se lembrou de que estava sozinho, em uma rua escura e vazia dos trouxas, sem casa e sem ter para onde ir. Um bruxo provavelmente estaria a milhas de distância, ainda mais um bruxo amigo. Se bem que talvez fosse melhor estar sozinho e não encontrar nenhum bruxo mesmo. Seria horrível encontrar Severo Snape por exemplo. Mas seria um rosto conhecido mesmo assim. Descartou esse pensamento; se encontrasse Snape do mesmo lado da calçada, atravessaria na mesma hora.
Vários pensamentos corriam pela sua mente agora. O que Dumbledore diria quando soubesse que ele tinha saído da casa dos tios? Falaria para ele voltar? Não mesmo. Não voltaria, mesmo que fosse Dumbledore pedindo, ou mandando. Não, não se humilharia... Não depois de tudo que aconteceu e do quê descobrira... Jurou a si mesmo que nunca mais voltaria lá. Isso estava fora de cogitação.
Olhou à sua volta e sentiu um peso na consciência ao observar a rua escura. E se algum seguidor de Voldemort o encontrasse ali? Já tinha feito magia sem permissão mesmo, então num caso desses não hesitaria em se defender. Mas... tantas pessoas no mundo da magia se preocupavam com ele e tentavam protegê-lo, enquanto ele estava ali, esperando que alguma coisa acontecesse... O quê Sirius diria?
Sirius Black era seu padrinho. O melhor amigo de seu pai, Sirius também era um condenado fugitivo da justiça bruxa. Era acusado de um crime que não cometera e passara doze anos na prisão de Azkaban, sendo inocente. Harry conhecia Sirius há algum tempo já. Uns dois ou três anos mais ou menos. Mesmo assim, tinha o padrinho como um pai, e sabia que isso era recíproco da parte de Sirius, que o tinha como um filho. E ele ficaria muito preocupado se soubesse que Harry estava agora sozinho em uma rua escura e deserta.
Foi ao lembrar de Sirius que uma idéia lhe passou pela mente como um relâmpago: a primeira vez que vira o padrinho fora numa circunstância parecida com essa... Vira-o em uma rua escura como aquela, na sua forma animaga de um cachorrão preto. E daquela vez... tinha achado um jeito de sair dali e voltar para o mundo dos bruxos... Talvez não fosse o melhor a se fazer, mas ainda assim era melhor do que passar a noite ao relento.
Levantou-se de supetão, o que fez Edwiges soltar um pio, assustada, e se encolher em sua gaiola. Harry olhou para ela e sorriu suavemente, o que a fez parecer um pouco mais aliviada. O rapaz procurou pela varinha entre suas vestes e a encontrou no bolso da calça. Deu um passo em direção à ponta da calçada e esticou a mão da varinha para a noite escura, rezando para que desse certo. Se aquilo não funcionasse, aí é que realmente não teria nenhuma idéia do que fazer.
Mas deu certo. Em uma fração de segundos, viu dois faróis altos aparecerem no breu da noite, e o som de pneus cantando alto no mesmo lugar onde acenara anteriormente. E o que viu ao levantar a cabeça foi um ônibus roxo, de três andares e com letras douradas no pára brisa formando as palavras: "O Nôitibus Andante".
Harry sorriu aliviado ao ver isso. E ficou fitando a porta do veículo, perguntando-se o porquê da demora em abrir. Ouviu duas vozes sussurrando lá dentro que o fizeram ficar um pouco confuso. Uma voz de um jovem discutia com uma voz que parecia ser de um homem idoso. Conseguiu ouvir essas frases:
"Por que me forçou a parar, Lalau? E se for algum... você sabe..."
"Ora, Ernesto, nós estamos aqui para quê, afinal? Estamos trabalhando para atender os clientes, e não para deixá-los plantados nas calçadas!"
"Ah, pois diga na minha cara que não está assustado? Ninguém mais sai na rua nessa época que estamos vivendo!"
"Bem... anh... Não é bem assim..."
"Pois então vá abrir aquela porta e atenda o nosso 'cliente'. Eu não vou ficar aqui para ver isso!"
Harry pôde ouvir passos se distanciando. Um pouco confuso ainda, esperou para ver o que aconteceria a seguir. Depois de quase um minuto, a porta se abriu com arrebatamento e estrondo. Harry quase caiu e deu alguns passos para trás, ficando meio encoberto pelas sombras e meio iluminado pelos faróis do ônibus, enquanto olhava um pouco assustado para um rapaz de vinte e poucos anos, vestido com um uniforme roxo, com grandes orelhas de abano e que apontava uma varinha exatamente para o seu peito.
E então, antes mesmo que Harry pudesse falar alguma coisa, o rapaz disse em altos brados, mas com uma voz que não escondia um pouco de medo:
- Revele-se seja lá quem for! Ou então eu o azararei! E... – ele pareceu pegar fôlego e tentar impor respeito quando continuou: - E não duvide das palavras de Stanislau Shunpike!
Harry ia falar, mas não pôde novamente. O rapaz à sua frente nem lhe deu tempo de se explicar e exclamou:
- Estupefaça!
Faíscas brilhantes saíram da varinha de Lalau, enquanto Harry se jogava no chão para não ser atingido pelo feitiço, que ricocheteou no muro e foi na direção de onde estava Lalau, que soltou um grito de susto e se abaixou, fazendo com que o feitiço entrasse no ônibus. Harry sentiu que seu cotovelo estava doendo muito devido ao choque no chão áspero da calçada e tentou se levantar, mas Lalau o tinha achado no escuro e apontava a varinha para ele, dizendo:
- Não se atreva!
E então, subitamente Harry entendeu. Antes que Lalau lhe lançasse outro feitiço, disse numa voz urgente:
- Eu não sou um Comensal da Morte, eu não vou fazer nada contra você!
- Não mesmo? Como posso acreditar em você? – Lalau hesitou.
Harry se levantou e, ainda alisando o cotovelo machucado, aproximou-se de Lalau, de modo que ficasse iluminado pelas luzes dos faróis e que o outro pudesse vê-lo. Dessa maneira talvez o reconhecesse, mas não tinha muita certeza de que isso fosse acontecer.
Lalau piscou os olhos umas duas vezes para ver melhor e depois arregalou-os ao ver a marca na testa de Harry, que estava à mostra já que seus cabelos ficaram mais desgrenhados depois dele ter-se jogado abruptamente ao chão. Após abrir muito a boca num gesto de profundo espanto, ele exclamou:
- Mas você é... o "Harry-Neville"! Ou melhor, você é Harry Potter!
Harry sentiu uma pontada de insatisfação quando Lalau se referiu a ele dessa maneira. Tinha esquecido que era famoso e do quanto odiava quando as pessoas o olhavam boquiabertos, fitando sua cicatriz, exatamente como Lalau estava fazendo agora.
- Sim... sou eu... – Harry disse um pouco encabulado, mas aliviado de Lalau não mais apontar sua varinha para ele.
- Ora, mas como eu pude não o reconhecer? – Lalau agora sorria e falava em um tom mais descontraído. – Acho que foi a escuridão que me confundiu, sinto muito pela minha falta de educação... É que estamos passando por tempos difíceis e... bem... vamos esquecer isso agora. Você estendeu a mão da varinha, então logicamente quer ir a algum lugar...
- Isso mesmo. – Harry respondeu. – Quanto custa para me levar até... – o rapaz pensou por alguns instantes para onde queria ir. - ... até o Beco Diagonal?
- Quinze sicles. – Lalau respondeu rapidamente e desceu do ônibus, começando a recolher as coisas de Harry do chão.
- Quinze? Mas não eram onze da última vez? – Harry perguntou fazendo um esforço de memória.
- Era. Mas devido a todos esses acontecimentos, os preços de praticamente tudo aumentaram... – Lalau disse, enquanto carregava o malão e a vassoura de Harry para dentro do ônibus. – E é melhor cuidarmos disso no ônibus, ficar na rua desse jeito não é seguro. Você pode trazer a sua coruja para dentro? – ele perguntou já no ônibus.
Harry não teve outra escolha senão pegar a gaiola de Edwiges e entrar, sendo que a porta se fechou magicamente atrás dele. O Nôitibus aparentemente continuava o mesmo: uma meia dúzia de camas estavam dispostas com velas que ardiam em suportes ao lado de cada uma, iluminando as paredes revestidas com painéis de madeira.
Lalau colocou as coisas de Harry numa cama próxima ao banco do motorista, que estava vazio no momento. Depois de fazer isso, ele gritou para o fundo do ônibus, colocando as mãos na cintura:
- Ei, Ernesto! Pode sair daí!
O rosto de um bruxo idoso, que usava óculos de grossas lentes, espiou detrás de uma cortina bem lá no fundo do ônibus e perguntou, ainda um pouco assustado:
- É seguro?
- É claro que sim! – Lalau respondeu com impaciência. – Venha ver quem é o nosso passageiro! Você não vai acreditar!
Ernesto Prang, que era o motorista do Nôitibus, se aproximou um pouco receoso e estacou ao ver Harry, que reparou que a cicatriz ainda estava à mostra e achatou a franja contra a testa. Encabulado, cumprimentou:
- Boa noite.
- B-Boa noite... – Ernesto respondeu com os olhos arregalados.
- Viu, Ernesto? – Lalau começou, um pouco cheio de si. – Eu disse que não tinha problema em parar... Se não fosse por mim, Harry ainda estaria plantado na calçada uma hora dessas...
- É, mas eu vi que você apontou a varinha contra ele cheio de medo! – Ernesto retrucou emburrado, fazendo Lalau corar de vergonha e querer mudar de assunto:
- Bem, mas isso não importa agora! Harry disse que quer ir para o Beco Diagonal!
Ernesto sorriu maliciosamente para Lalau e foi-se sentar no banco do motorista. Lalau fungou aborrecido e sentou na cama que ficava de frente à de Harry.
- É melhor você sentar... – aconselhou.
Harry fez isso e, se não o tivesse feito, seria arremessado para os fundos do ônibus, tal era a velocidade que este adquiriu assim que Ernesto pisou fundo no acelerador. Depois de se endireitar na cama, olhou para Lalau à sua frente e notou que ele parecia esperar alguma coisa. Nesse instante lembrou que ainda não pagara a passagem e abriu o malão, remexendo-o à procura de algum dinheiro. Era difícil, porque estava uma bagunça só. Depois de um tempo, achou umas moedas atulhadas no meio das coisas, que logo entregou a Lalau.
- Mas... por que vocês ficaram com medo de me atender quando eu pedi para o ônibus parar? – Harry perguntou, tentando puxar assunto. Isso abriu uma grande brecha para Lalau, que falava muito.
- Ah... bem, na verdade eu não fiquei com medo, eu só...
- Pára de enrolar o rapaz e fala logo a verdade, Lalau! – Ernesto censurou o outro, enquanto uma árvore se desviava do ônibus. – Não é vergonha nenhuma admitir que se está assustado numa época como a que estamos vivendo...
Lalau suspirou. – Tá bom... É, eu tava assustado mesmo. Mas o Ernesto tava mais! Ah... mas você não sabe mesmo o porquê disso? Você por acaso não leu nada no jornal? – Lalau perguntou para Harry.
- Eu não leio muito jornal enquanto estou com meus tios trouxas, mas... acho que imagino o porquê... – e lembrou com uma reviravolta no estômago dos ataques de Voldemort.
- É, deve ser isso mesmo que você está pensando... – Lalau disse, encostando-se na cama onde estava. – O mundo dos bruxos está um caos completo depois que... bem, depois que todos esses ataques dele começaram... Ninguém mais tem sossego... É muito difícil alguém se aventurar a sair na rua... Quantos dias já fazem que não recebemos nenhum passageiro, Ernesto?
- Três.
- Isso mesmo. Você é o nosso primeiro passageiro em três dias!
Harry sentiu o estômago afundar mais um pouco depois que ouviu isso.
- Mas aconteceu mais algum ataque? Digo, nesses dias recentes?
- Não... pelo menos é o que se sabe... – Lalau respondeu. – Acho que o último foi há uma semana, não foi, Ernesto?
- Mais de uma semana, graças a Deus.
- É... mas a gente sempre fica esperando por mais... Ah, mas vamos mudar de assunto! Se você tem vivido no mundo dos trouxas, Harry, não deve saber da notícia mais quente do momento!
- E qual é?
- Veja por si mesmo. – Lalau disse, entregando um exemplar do Profeta Diário, em uma página já marcada. Harry o pegou e leu a notícia:
Escolhido o novo Ministro da Magia
Em eleições realizadas seguindo o modelo dos trouxas, a comunidade mágica já escolheu o próximo bruxo a ocupar o mais alto cargo do Ministério da Magia. Por uma diferença de apenas noventa e seis votos, quase um empate técnico, o candidato Arthur Weasley venceu o outro candidato favorito, Lúcio Malfoy.
De acordo com as pesquisas, Lúcio Malfoy seria o próximo ministro, tendo uma vantagem bem favorável. "Mas o amanhã é um completo mistério", como afirmou o coordenador das eleições e responsável pela seção de Justiça Bruxa do Ministério, Mundungo Fletcher.
E ele estava certo. Ninguém previu essa vitória de Arthur Weasley, por mais apertada que tenha sido. O novo ministro era responsável pela Seção de Mau Uso dos Artefatos dos Trouxas no Ministério, e foi dele mesmo a sugestão de eleições parecidas com as dos trouxas, já que o conselho dos bruxos que escolhem o sucessor ao cargo estava completamente confuso dessa vez. Proveniente de uma família muito tradicional, Arthur Weasley é pai de sete filhos, dos quais apenas dois ainda estudam na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts e reside em uma casa afastada da movimentação dos grandes centros junto com a esposa e filhos.
O novo ministro terá muito trabalho quando assumir seu cargo. O Ministério está em um completo caos, assim como o mundo da magia depois do retorno avassalador de Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado. Muitos pessimistas apostam que ele não conseguirá se manter no cargo por muito tempo. Arthur Weasley assume o posto na próxima segunda-feira, e não haverá nenhuma cerimônia solene em respeito às recentes mortes ocorridas devido aos ataques de Você-Sabe-Quem.
Harry ficou completamente boquiaberto ao ler essa notícia, e todo o seu mau humor devido à discussão na casa dos Dursleys se dissipou. O Sr. Weasley como novo Ministro da Magia? Isso era uma primeira boa notícia em dias! Ainda ficou fitando o artigo por um tempo, imaginando o quanto a família Weasley estaria feliz nesse momento e como eles mereciam isso. Além de ser um alívio o Sr. Weasley ter vencido Lúcio Malfoy. Mas tudo tem seu lado ruim... – uma vozinha perturbadora invadiu seus pensamentos. - ... com o Sr. Weasley como Ministro, os Weasley corriam mais perigo do que anteriormente... Não, Harry, nem sequer imagine uma coisa dessas!
Tentando desviar esses maus pensamentos e se concentrar nos bons, Harry entregou o jornal para Lalau, perguntando:
- Mas como foi isso?
- Ah, as eleições foram feitas hoje mesmo, e foi uma surpresa tão grande o resultado, que todos os jornais correram para produzirem a edição mais rápida que falasse sobre o assunto. – Lalau respondeu empolgado. – Ninguém imaginava que uma reviravolta dessa fosse acontecer! Lúcio Malfoy estava muito na frente das pesquisas e, mesmo estando em segundo lugar, parecia que Arthur Weasley não teria a menor chance.
- Se quer saber, eu acho que aquele Malfoy controlou todas as pesquisas... – Ernesto comentou enquanto dirigia.
- Pode bem ser...
- Mas como ele fez isso? – Harry perguntou.
- Eu não sei direito, mas Malfoy colocou muito dinheiro nessas eleições, pode muito bem ter... – Lalau pareceu tentar buscar o termo certo. - ... "molhado" a mão de alguém, entende?
- Eu não duvido de nada por parte daquele Lúcio Malfoy... – Ernesto falou. – Mesmo todo mundo negando, eu ainda tenho minhas dúvidas se ele realmente não está envolvido com o lado de lá...
- Essa eu já não acredito muito, Ernesto... Os Malfoy são uma família muito tradicional, não se envolveriam com isso...
- Ah, aí que você se engana, Lalau... A gente nunca tem certeza de quem está ou já foi envolvido com aqueles lados... – Ernesto disse com sabedoria, enquanto Lalau parecia ponderar o que escutava. – Você era muito jovem quando tudo aconteceu da outra vez, Lalau... – e nesse instante Ernesto olhou pelo vidro retrovisor para Harry, enquanto Lalau fazia o mesmo de sua cama. Harry achatou mais a franja e decidiu não comentar que sabia que Malfoy era partidário de Voldemort. – ...mas Lúcio Malfoy chegou a ser acusado de ter-se aliado com Você-Sabe-Quem...
- E como não foi preso? – Lalau perguntou.
- Alegou inocência e comoveu o juiz dizendo que "era um pai de família"... Levou a esposa e o filho ainda bebê na audiência... Além disso, tinha a tradição do nome "Malfoy" para ajudar...
- Mas por que ele estava tão interessado nessas eleições? – Harry perguntou, tentando extrair mais alguma informação que fosse útil.
- Eu acho que ele queria muito ser o próximo Ministro! – Lalau disse. – Ele quase se ofereceu como candidato! E investiu muito nisso tudo!
- Aposto que ficou uma fera quando soube que convidaram Arthur Weasley como candidato também... – Ernesto comentou. – E logo ele ganhou, e olha que ninguém acreditava... Mas foi bem melhor assim.
- Por que tá dizendo isso, Ernesto? Você votou nele?
- É claro que sim, Lalau! Você acha que eu ia votar no Malfoy? Votei no que tinha mais chance de vencê-lo, mesmo que fosse mínima... – Ernesto parou de falar por um segundo e depois perguntou assustado. – Não me diga que você votou no Malfoy, Lalau?
- Eu não! Eu não fui muito com a cara dele... Aí votei no Weasley, ainda mais quando descobri que ele tinha sido indicado como candidato por Alvo Dumbledore...
- Dumbledore o indicou? – Harry questionou, pensando em como não tinha imaginado uma coisa dessas antes. Tinha que ter o dedo de Dumbledore nisso.
- Você não sabia, Harry? – Lalau perguntou. – Puxa, você tem vivido onde todo esse tempo? Foi ele mesmo que o indicou, e a opinião dele pesou. Se bem que, além disso, foi do Weasley a idéia das eleições como as dos trouxas, o que facilitou muito a decisão. Mas acho que se não fosse o Dumbledore ali, Weasley não seria ministro agora...
- A opinião de Dumbledore sempre pesa muito em decisões como essas... – Ernesto disse. – Às vezes acham que ele tá caducando, mas eu duvido. Eu acho que ele sabe muito mais do que fala...
- É, eu também... – Harry falou baixinho para si mesmo, lembrando-se do ano que se passara e de quando descobrira que Dumbledore vira a Profecia Sagrada quinze anos antes.
Nesse instante, Ernesto fincou o pé no freio, e Harry quase saiu pelo vidro da frente. No entanto, Lalau estava sentado calmamente na sua cama como se nada tivesse acontecido. Harry se endireitou e viu pelo vidro da janela que o Nôitibus tinha parado em frente de um bar pequeno de aparência malcuidada, o "Caldeirão Furado", que tinha nos fundos a passagem para o Beco Diagonal.
- Ah, parece que chegamos! – Lalau exclamou, se levantando e pegando o malão de Harry. - Beco Diagonal, não é?
- Exatamente. – Harry respondeu, levantando-se também e pegando a gaiola de Edwiges, que estava tirando uma soneca, e a Firebolt.
Enquanto Lalau abria a porta e descia com o malão de Harry, o rapaz foi até onde estava Ernesto e disse:
- Bem, obrigado, senhor Ernesto.
- Eu é que devo agradecer, rapaz. Afinal, você foi nosso primeiro passageiro em dias!
Harry sorriu e desceu logo do ônibus. Lalau já tinha colocado seu malão no chão.
- Então... tchau, Lalau.
- A gente se vê... – o outro disse, subindo no ônibus. – E desculpa aí pelo jeito que te tratei quando nos encontramos...
- Sem problemas.
- Então, até mais, "Harry-Neville"... – Lalau disse sorrindo.
A porta do ônibus, então, fechou, e o Nôitubus Andante saiu cantando pneus e desapareceu na escuridão da noite. Harry suspirou, se virou e abaixou para pegar o malão no chão com a mão que estava desocupada. Olhou para o Caldeirão Furado e decidiu que o melhor a fazer seria se hospedar ali mesmo, pelo menos durante essa noite.
Harry se aproximou da porta do bar e empurrou-a. Estava apenas encostada. Assim que a porta abriu, um barulhinho baixo de campainha quebrou o silêncio. Entrou e depositou suas coisas no chão, fechando a porta às suas costas. O lugar estava completamente escuro e vazio. O silêncio fazia Harry se sentir um pouco desconfortável. Será que não tinha mesmo ninguém ali?
Um barulho seco de alguém batendo violentamente em algo e uma exclamação de dor interromperam os pensamentos de Harry e o obrigaram a olhar para o local de onde provinham os ruídos. A silhueta de alguém estava parada a um canto, próxima do balcão.
- Quem está aí? – uma voz, que parecia pertencer à silhueta, perguntou.
Harry pensou por um instante. Aquele poderia ser somente o dono do bar-hospedaria, mas... e se não fosse? Será que era seguro dizer seu verdadeiro nome? Ah... toda essa conversa com Lalau e Ernesto no Nôitibus te deixou com medo, Harry Potter? – aquela vozinha chata voltou a importuná-lo. – Claro que não! – Harry respondeu à voz com firmeza. – Mas não precisava dizer quem era, precisava?
- Anh... eu vim me hospedar aqui...
O homem, dono da silhueta, fez um aceno com o que parecia ser sua varinha, e as luzes do bar acenderam. Depois de todo aquele tempo na escuridão, Harry piscou os olhos devido à claridade. E reconheceu o homem parado perto do balcão; estava certo com seu primeiro pensamento: era Tom, o dono do bar-hospedaria, vestido com um camisão de dormir. Ele segurava a varinha e apurava os olhos para tentar reconhecer Harry à porta.
Devagar, e como se estivesse com receio, Tom se aproximou de Harry, que não disse nada, apenas observou o outro vir. Tom olhou para Harry com desconfiança e depois arregalou os olhos com espanto. Com a própria varinha, ele afastou os cabelos de Harry da testa e abriu um sorriso, que ao mesmo tempo revelava alívio e satisfação, quando viu a cicatriz do rapaz.
- Mas eu já sei quem você é! – ele exclamou, abaixando a varinha. – Você é Harry Potter!
Pela segunda vez no dia, e esperando que fosse a última, Harry sentiu aquela pontinha de insatisfação e achatou a franja na testa, um pouco irritado por Tom ter feito aquilo para olhar sua cicatriz. O outro pareceu notar, porque ficou um pouco sem jeito e tentou se desculpar:
- Ah... sinto muito, Sr. Potter... Peço desculpas, mas é que... depois de tudo que anda acontecendo, as pessoas estão atemorizadas e... ninguém mais sai na rua, principalmente numa hora dessas...
- Tudo bem. – Harry respondeu, entendendo as razões de Tom e tentando esquecer a recepção que teve.
Tom guardou a varinha nas vestes e foi até a porta. Mexeu nela e comentou com um suspiro:
- Esqueci de trancar a porta hoje, acho que foi por isso também que me assustei...
- Não tem problema. Mas... o senhor está sozinho aqui?
Tom parecia um pouco envergonhado e chateado quando respondeu para Harry:
- Sim... Faz muito tempo que ninguém vem se hospedar aqui... O bar anda muito vazio, sabe? As pessoas só vêm aqui de vez em quando, somente quando realmente precisam ir ao Beco Diagonal... E às vezes aparece alguém para comer ou beber algo aqui, mas é raro...
Harry não disse nada, apenas sentiu o estômago voltar a afundar mais um pouquinho. Parecia que o mundo da magia tinha mudado muito agora... As pessoas estavam amedrontadas e não confiavam em quase ninguém. As vidas de todos estavam sendo afetadas, será que isso eram os chamados "tempos negros" de que todos falavam?
Tom pareceu reparar o silêncio de Harry, pois disse:
- Parece que o senhor ficou surpreso... Provavelmente passou muito tempo no mundo dos trouxas, ou estou enganado?
Harry saiu de seu estado de estupor mental e voltou com um tranco para a realidade.
- É... verdade... Não imaginava que as coisas estivessem tão ruins assim...
Tom parecia sem saber o que fazer ou dizer e, depois de um tempo, ofereceu:
- O senhor não quer algo para comer?
- Não. – Harry respondeu rápido e depois continuou. – Não, obrigado, eu só gostaria de um quarto para descansar...
- Ah, entendo. – Tom se abaixou e pegou o malão de Harry, enquanto o rapaz se apressava para pegar a vassoura e a gaiola de Edwiges, que dormia alheia a tudo, com a cabeça debaixo da asa. O dono do bar-hospedaria começou a andar, e Harry o seguiu.
- O senhor tem preferência por algum quarto? – Tom perguntou. – Todos estão vagos...
- Não. – o rapaz respondeu, sentindo-se exausto, e completou: - Contanto que tenha uma cama onde eu possa dormir o resto da noite...
- Como o senhor quiser.
Harry seguiu Tom por uma bela escada de madeira até o último andar do local e pararam em frente a uma porta com uma placa de latão de número vinte e sete.
- Este é um dos melhores quartos, Sr. Potter. Pode ficar com ele... – Tom disse e completou com um sorriso ao ver a expressão desconfiada do rosto de Harry. – E não precisa se preocupar, não vou cobrar mais caro por isso...
Tom abriu a porta, e Harry entrou, maravilhado com o quarto que estava vendo. Era bem grande, havia um grande armário de madeira lustrosa do lado oposto ao da porta, e a mobília era de carvalho antigo. A cama parecia muito confortável. Havia uma pequena sacada que estava aberta, fazendo com que o vento entrasse e balançasse suavemente a cortina. Um pequeno banheiro próximo à porta indicava que aquilo não era apenas um quarto e sim uma suíte.
- Espero que goste do quarto, Sr. Potter. É uma maneira de recompensar a maneira como o recebi quando chegou ao bar... – Tom disse, enquanto depositava o malão de Harry ao lado da porta.
- O quarto é muito bom... Mas não vou conseguir pagar por ele, pelo menos por enquanto... Não tenho muito dinheiro comigo... – Harry falou.
- Não se preocupe, eu já disse que não vou cobrar mais pelo quarto. Ninguém mais se hospeda aqui e não terei prejuízo algum se o senhor ficar nesse quarto pelo preço dos outros...
- Bem, então obrigado...
- Não tem de quê. Se precisar de alguma coisa, é só pedir. Boa noite.
- Boa noite. – Harry respondeu, e Tom encostou a porta.
Harry pegou suas coisas e colocou-as próximas à cama. Havia uma escrivaninha de madeira ao lado da sacada, e Harry colocou a gaiola de Edwiges ali. A coruja ainda dormia, talvez estivesse tão cansada quanto o dono. Harry sentou na cama, mas logo se levantou e decidiu tomar um banho. Sentia-se exausto, mas ainda não queria dormir, e talvez um banho pudesse ajudá-lo a ajeitar suas idéias.
Enquanto deixava a água do chuveiro (que era diferente do chuveiro dos trouxas, já que a água parecia jorrar da parede, e Harry não precisou abrir nenhum registro; assim que entrou e pensou em tomar banho, a água começou a jorrar) cair sobre si, molhando primeiro seu rosto e seus cabelos, Harry pensava no que tinha acontecido naquela noite. De olhos fechados, sentindo a água morna escorrer sobre si, pensava em como era estranho que estivesse na casa dos Dursleys algumas horas atrás, vivendo miseravelmente, e agora estivesse tomando banho num dos melhores quartos do Caldeirão Furado, no mundo dos bruxos...
Mas nem tudo era essa maravilha, pensou consigo. Tudo estava completamente diferente desde a última vez em que estivera entre bruxos... Apesar de Voldemort ter ressurgido há mais de um ano, ele não agira com tanta intensidade no ano que se passara... Talvez porque tivesse um objetivo naquele momento: conseguir a Profecia Sagrada para si. Mas ele, Harry, não permitira isso e impedira Voldemort de seu intento. Teve um duelo sangrento com o bruxo das trevas e sentiu a dor de uma perda irreparável: a vida de sua avó, Arabella... mas conseguira impedir Voldemort de ver a profecia e mudar o futuro. E agora, devido a isso, Voldemort parecia furioso e disposto a mudar a vida de todos... e não apenas a de Harry...
Porém, será que o futuro seria assim? As pessoas vivendo fechadas em suas próprias casas, com medo de tudo e de todos? E mesmo assim... ataques acontecendo, inocentes morrendo... O temor se espalhando mais e mais... Que futuro era esse, afinal?
"As trevas dilacerá-lo-ão como espadas
E verá angustiado tantas lágrimas derramadas"
Harry abriu os olhos de repente, ainda sentindo a água escorrer pela sua nuca. Por que lembrara dessa frase da profecia agora? Uma gota d'água caiu bem próxima ao seu olho e escorreu pela sua face. Lágrimas derramadas...
O rapaz saiu do boxe e imediatamente a água parou de jorrar. Enrolou-se em uma toalha, a água ainda pingando de seus cabelos encharcados. Pegou os óculos, que estavam em cima da pia, sem ao menos olhar seu reflexo no espelho. Desde a vez em que vira a si mesmo no Espelho da Verdade, o feitiço que protegia a Profecia Sagrada e assumia a forma do escolhido para vê-la, sentia-se estranho olhando sua imagem no espelho. Saiu do banheiro e sentou-se na beirada da cama com as mãos entre os cabelos. Passou mentalmente a Profecia Sagrada em sua cabeça. Toda pessoa a quem era concedida permissão de ver a profecia, depois de vê-la, tinha-a decorada na mente, mas não conseguia revelar seu conteúdo a ninguém, mesmo que tentasse. A pessoa tinha que descobrir por si mesma o que a profecia significava. Mas, por mais que tentasse, Harry não conseguia entendê-la... Durante todo o tempo que passou na casa dos Dursleys, nas noites em que ficava acordado sem sono, repassava mentalmente as rimas da profecia, mas não conseguira decifrar uma frase sequer... Contudo, um pensamento não lhe saía da cabeça: Dumbledore sabia perfeitamente o significado daquelas palavras... E se ele entendia tudo aquilo, provavelmente sabia o futuro... Será que sabia quem era o herdeiro a quem a profecia se referia também?
Harry se endireitou na cama e olhou para a sacada. A cortina ainda balançava ao sabor do vento... E era possível ver o céu lá fora... as estrelas e a lua, que deixava de ser cheia e passava a ser minguante... Quase pôde ouvir um uivo na noite... mas era só imaginação... A cortina parou de balançar. O vento deixara de soprar.
Naquela manhã de verão, o sol expunha exuberantemente seus raios cintilantes, que penetravam em cada fresta de janela, em cada abertura de uma porta entreaberta. E foi essa mesma luz que incidiu nos olhos fechados de Harry, despertando-o muito mais cedo do que queria. O rapaz colocou o travesseiro em seu rosto, tentando em vão voltar a dormir. Sentia a cabeça doer levemente e o corpo entorpecido, como se tivesse feito muito esforço. Mas nem assim conseguiu retornar ao seu sono. Já estava completamente acordado e de maneira alguma conseguiria adormecer novamente. Tirou o travesseiro do rosto e viu que a luz entrava pela sacada aberta.
- Saco! Esqueci a sacada aberta a noite inteira! – resmungou para si mesmo.
Demorou um pouco para que se situasse e lembrasse que tinha saído da casa dos tios trouxas, e estava, agora, em um quarto alugado do Caldeirão Furado, no mundo dos bruxos. Porém, depois de relembrar o que acontecera na noite anterior, Harry sentou na cama, colocou os óculos e começou a pensar no que faria de agora em diante. Estava de volta ao mundo dos bruxos, em uma época não muito apropriada para isso, porque tudo estava um caos. Além disso, ninguém, exceto os condutores do Nôitibus Andante e o dono do bar-hospedaria, sabiam que ele, Harry, tinha saído da casa dos Dursleys, onde supostamente deveria passar as férias de verão inteiras. E não poderia passar o resto das férias no Beco Diagonal sem ninguém saber que estava ali... Talvez mandasse uma carta para a Gina mais tarde, contando o que acontecera. Sim, era isso que faria.
Tomada essa decisão, Harry levantou da cama e se direcionou até a sacada. Edwiges estava na gaiola, dormindo ainda. Harry já estava encostando a porta da sacada, quando alguma coisa pequena e barulhenta entrou quase batendo na sua cara. A coisa era uma pequenina bola de penas, que voava alegremente pelo quarto, piando ruidosamente, o que fez Edwiges acordar e soltar um pio alto de clara indignação. Enquanto a coisa voava, Harry reconheceu-a como sendo a coruja de estimação de seu amigo Rony, a qual atendia pelo nome de Pichitinho, ou Píchi. A corujinha, que cabia na palma da mão, continuava a voar pelo quarto, batendo nas coisas, e Harry teve que fazer muito esforço para agarrá-la e conseguir fazê-la manter-se quieta por alguns instantes, o suficiente para desamarrar uma carta de suas patas minúsculas. Feito isso, Píchi recomeçou seu vôo pelo quarto, orgulhosa de si mesma por ter feito a entrega à pessoa certa, enquanto Edwiges a observava com um olhar repreendedor.
Harry abriu a carta e reconheceu a letra como sendo a do próprio Rony. Dizia essas palavras:
Caro Harry,
Como você está? Espero que os trouxas não estejam exagerando com você! Estou mandando esta carta para você sob protestos da Gina. Ela bem que queria te mandar uma carta para contar as novidades, mas eu fui mais rápido. Você não se importa, né? Ah, sempre é ela que conta as notícias e já fazia um tempão que eu não te mandava nada! E além disso, eu queria te contar o que está acontecendo por mim mesmo.
Quanto a mim, estou muito bem. Mione já chegou aqui em casa. (nesse instante Harry sorriu. Era óbvio agora porque Rony disse que estava "muito bem". Só podia ser mesmo por causa de Hermione...) Ela chegou há uns dois dias (e está mais bonita do que antes). Tá bom, não ri de mim... mas é verdade! Foi por ela estar aqui que eu pedi "uma folga" para o Fred e o Jorge. Como eu já te disse antes, eu andava ajudando os dois na loja de logros que eles abriram lá em Hogsmeade, mas agora eu mereço aproveitar minha namorada, né? Eles não ligaram e até me agradeceram por ter ajudado durante esse tempo. É, eles estão mudando, você acredita? Agora são bruxos de negócios... como eles mesmo se denominam... Mas continuam colocando sapos explosivos na comida do Percy. Da última vez, minha mãe tinha feito um suflê e eles colocaram, sabe-se lá como, um desses no prato do Percy. O suflê explodiu bem na cara dele e o sujou todinho! É claro que depois minha mãe não deixou por menos (além de sujar a cara do Percy, sujou o terno novo dele também).
Mudando de assunto, tenho uma grande notícia para você. Sei que você aí não tem notícias dos bruxos, então vou te contar a novidade: meu pai é o mais novo Ministro da Magia! A Gina já tinha te contado das eleições, não é? Pois bem, meu pai ganhou daquele nojento do Malfoy. Foi uma festa aqui em casa, você devia ver! Ele assume na Segunda e tomara que se dê bem, porque o Ministério tá uma bagunça! Minha mãe ficou muito feliz, mas preocupada também. Acho que todos nós aqui nos sentimos como ela no final das contas...
Bem, espero que esteja tudo bem aí com você. Queríamos que estivesse aqui com a gente, mas parece que não vai dar. Minha mãe tinha mandado uma carta para o Dumbledore no fim de semana passado, e ela voltou hoje. Ele disse não. Acho que você vai ter mesmo que ficar aí na casa dos trouxas. Sinto muito, Harry. Eu também queria você aqui, seria bem mais divertido todos nós juntos. Nós vamos ao Beco Diagonal fazer as compras da escola na semana que vem, se você quiser, manda a lista do material que a gente compra pra você, já que você não vai poder sair daí...
Vou terminando por aqui. A Mione mandou lembranças, assim como a Gina. Quer dizer, ela não mandou apenas "lembranças", mas eu não quero ficar escrevendo aqui o que ela disse.
Continue mandando cartas. Vejo você no dia 1º de setembro...
Até mais,
Rony
Harry ficou feliz ao ler a carta. Fazia um bom tempo que Rony não lhe mandava nada. Resolveu responder na mesma hora. Pegou pena, tinta e pergaminho no malão, que estava aberto no chão do quarto, com as coisas espalhadas dentro dele. Sentou na escrivaninha onde ficava a gaiola de Edwiges, que estava muito brava porque Píchi tinha pousado no alto da gaiola. Harry escreveu duas cartas, sendo observado pelas corujas. Uma para Rony e Hermione, já que os dois estavam juntos agora, e outra para Gina. Contou resumidamente o que acontecera na casa dos Dursleys e que no momento estava hospedado no Caldeirão Furado. Depois de escrever duas grandes cartas, amarrou uma na pata de Edwiges e outra na de Píchi, dando instruções para que as duas entregassem as cartas na Toca. Edwiges inchou o peito e esticou a pata, querendo mostrar eficiência. Já Píchi ficou voando no mesmo lugar sem parar, e foi depois de muito trabalho que Harry conseguiu amarrar a carta na pata da corujinha e soltar as duas no céu claro e azul.
Depois de despachar as corujas, Harry decidiu trocar de roupa e descer. Mas foi nesse momento que lembrou que não tinha trazido nenhuma roupa extra, a não ser o traje de gala, o uniforme de Hogwarts e os suéters que a Sra. Weasley lhe dera, que não serviam para esse momento. Teve que descer com a mesma roupa que estava, uma camisa velha e grande do tio Válter e as calças largas e rasgadas do Duda. Fez uma nota mental de que precisava comprar roupas urgentemente.
Desceu sentindo o estômago roncar. Trazia no bolso o último ourinho que lhe restava. Também precisa visitar Gringotes, o banco dos bruxos, e pegar um pouco de dinheiro do seu cofre.
Lá embaixo, no bar, Harry viu que poucos bruxos estavam tomando o café da manhã. Apenas uns dois ou três. Uma bruxa velha e com uma berruga bem na ponta do nariz curvo, que se assemelhava muito com aquelas bruxas malvadas das histórias infantis trouxas, estava sentada num canto afastado do bar, ralhando com um gato no seu colo que se recusava a beber o chá no pires. Havia um outro bruxo mal-encarado perto da porta, comendo um pão a grandes dentadas, que olhou feio para Harry quando ele entrou, e se encolheu, dando uma outra dentada funda no pão. Numa mesa distante, havia um bruxo lendo o Profeta Diário, e não era possível ver o seu rosto. Harry só conseguiu divisar os cabelos castanhos-claros do bruxo por detrás das folhas do jornal, os quais eram cheios de fios brancos. Suas roupas eram velhas e surradas.
Harry sentou em um banquinho no balcão do bar, e esperou até que Tom, que lavava a louça, viesse atendê-lo. Enquanto esperava, teve a estranha sensação de que alguém o observava. Olhou para os lados, mas a bruxa continuava a ralhar com o gato e já estava empurrando o chá goela abaixo do animal. O bruxo mal-encarado estava mais preocupado com o seu pão. Mas quando Harry olhou para o bruxo que lia o jornal, surpreendeu-o olhando diretamente para ele, mas não pôde ver o seu rosto, porque ele rapidamente voltou a ler o jornal. Harry achou muito estranho, mas não pôde pensar muito nisso porque Tom já se aproximava dele:
- Bom dia, Sr. Potter. Dormiu bem no quarto que lhe reservei? – ele perguntou, enxugando as mãos em um pano de prato.
- Anh? – Harry retirou sua atenção do bruxo do jornal e olhou para Tom. – Ah, bom dia, Tom. Eu dormi muito bem sim, obrigado.
- Fico satisfeito. E o que vai querer? Pela cara, parece que está com fome...
Harry olhou para as poucas moedas que tinha na mão e depois empurrou-as para Tom no balcão:
- Um copo de leite e um pão com queijo. Espero que isto baste.
- Ah, dá sim. – Tom recolheu as moedas.
- Eu vou ao banco hoje e vou lhe pagar a estada no quarto também. – Harry se apressou em dizer.
- Tudo bem, Sr. Potter. Não há pressa. – Tom disse enquanto preparava o pão que Harry pedira.
Nesse instante, Harry sentiu novamente aquela mesma sensação de estar sendo observado e olhou para o bruxo do jornal. Ele tinha levantado e estava se aproximando agora, mas Harry achou muito estranho como ele estava fazendo isso. Andava com o jornal na frente do rosto. Talvez estivesse só concentrado na leitura mesmo...
- Aqui está, Sr. Potter. – Tom colocou o copo de leite e o prato com o pão na frente de Harry, e voltou aos seus afazeres.
Harry se pôs a comer com vontade. Estava com fome; parecia que toda a agitação da noite anterior só tinha contribuído mais para isso. Enquanto tomava um grande gole de leite, viu pelo canto dos olhos aquele mesmo bruxo sentar ao seu lado, ainda com o jornal na frente do rosto. Desviou o olhar e tomou mais um gole do leite.
- Olá, Harry. – ouviu a voz do bruxo ao seu lado dizer.
O rapaz, intrigado, virou-se para olhá-lo e quase engasgou com o leite ao ver quem era o bruxo. Remo Lupin sorria para ele.
Ele parecia um pouco mais velho do que da última vez que Harry o vira. Tinha mais cabelos brancos pelo menos, apesar de ainda ser um homem jovem. Olheiras profundas davam ao seu rosto uma aparência de doente e cansado. Na verdade, tinha a mesma aparência de quando Harry o encontrara pela primeira vez, três anos atrás. Remo Lupin fora professor em Hogwarts, o melhor que já tivera, na opinião de Harry. Além disso, ele fora um grande amigo de seus pais e de Sirius também. E escondera um segredo durante anos. Era um lobisomem.
- Acho que te surpreendi, Harry...
- Ah... é... – Harry ainda estava boquiaberto e sem entender muito bem as coisas. – Mas... o senhor sabia que eu estava aqui, professor?
- Prefiro que não me chame assim, Harry. Não sou mais seu professor. Pode me chamar de Remo.
- É que eu acho esquisito, profes... – o outro o olhou como se o repreendesse. – Quer dizer, Remo.
- Assim é melhor. – Remo sorriu. – E sobre sua pergunta, Harry, eu não sabia que você estava aqui. Sequer imaginava isso. Foi uma surpresa para mim. Espirrei chá no jornal quando o vi.
Ele mostrou, rindo, o Profeta Diário, manchado de chá bem no meio da página. Harry riu também, mas parou ao ver que a expressão de Lupin estava séria. Ele olhou profundamente para Harry, quando perguntou:
- O que você está fazendo aqui, Harry?
O rapaz suspirou. Já esperava por isso.
- É uma longa história...
Remo olhou para o pão e o leite à frente de Harry e sorriu levemente antes de dizer:
- Se é uma história longa, é melhor você me contar mais tarde. Depois que tiver terminado de comer...
Harry sorriu e voltou a comer. Terminou rapidamente e, logo, os dois já tinham saído do Caldeirão Furado e andavam lado a lado na rua de pedra do Beco Diagonal, que estava muito vazio se comparado com as outras vezes que Harry estivera ali. O rapaz contara a Remo que precisava visitar Gringotes, pois seu dinheiro tinha-se esgotado. Remo concordou em acompanhá-lo. Dessa maneira, podiam conversar no caminho.
E então, Harry contou ao seu ex-professor tudo o que tinha acontecido. Desde a discussão que teve com os tios no n.º 4 da rua dos Alfeneiros, até o momento que chegara ao Caldeirão Furado. Contou também o que descobrira sobre os Dursleys, enquanto Lupin escutava com atenção. Em alguns pontos ele suspirava e desviava o olhar de Harry. Quando o rapaz terminou de relatar os acontecimentos, perguntou por que o ex-professor ficou tão estranho quando contou sobre a história dos Dursleys. Remo suspirou profundamente e respondeu:
- É que... eu já sabia disso, Harry...
- O quê? – Harry ficou um pouco sentido. – Quer dizer que o senhor sabia que a minha tia era uma bruxa e tinha feito um pacto com minha mãe, e não me contou nada?
- Eu sinto muito, Harry. Desculpe. Na verdade, eu e Sirius sabíamos disso desde a época em que aconteceu. Lílian contou tudo para Tiago, é claro, e depois ele nos contou... – o ex-professor olhou para o nada e parecia, naquele instante, mais cansado e triste. – Eu me lembro como se fosse ontem... Quando Tiago soube que Lílian tinha feito esse pacto com a irmã, ele ficou muito bravo... Tiago era muito orgulhoso e não suportava a idéia de ter que aceitar, sob qualquer aspecto, a ajuda dos cunhados... Os seus tios sempre trataram Tiago muito mal. Se bem que eles tratavam do mesmo modo, ou pior, Lílian, que realmente era da família. Toda vez que Lílian e a irmã se encontravam era briga na certa... Mas por algum motivo, Lílian pediu à sua tia que cuidasse de você, caso... bem, você sabe... – Remo olhou bem no fundo dos olhos de Harry. – Lílian sabia muito mais do que aparentava. Ela tinha certeza, certeza absoluta, de que você sobreviveria, Harry. E nunca... Tiago, e muito menos eu ou o Sirius, descobrimos o porquê dessa certeza que Lílian tinha...
Harry desviou o olhar do de Remo e abaixou a cabeça, olhando para o chão e chutando algumas pedras quando elas apareciam na sua frente. Sentiu a cabeça doer mais um pouquinho. Ouviu a voz de Remo ao seu lado.
- Desculpe não ter te contado isso antes, Harry. É que eu nunca achei que fosse muito importante... E tenho certeza de que Sirius pensa como eu. Eu nunca imaginei que os seus tios fossem te contar tudo isso, do jeito que eles são. Eles sempre preferiram morrer a revelar que tinham ligação com magia... E eu nunca pensaria que eles fossem te expulsar da casa deles, mesmo em uma circunstância como essa...
- Eles não me expulsaram de lá, eu quis sair. – Harry disse com um leve quê de irritação na voz.
- Você estava certo do que estava fazendo, Harry? Na hora da raiva, a gente não pensa direito e...
- Eu sei muito bem o que estava fazendo e não vou voltar se é isso que está insinuando! – Harry exclamou mais alto do que de costume e olhou profundamente para os olhos fundos de Remo.
Harry notou que tinha parado no meio da rua de pedra e deveria estar com uma expressão de poucos amigos no rosto, porque Remo fez uma expressão de surpresa ao olhá-lo, para depois mudar para uma de pesar.
- Eu entendo você, Harry... E eu não estou dizendo para você voltar. Nem sonharia em te pedir uma coisa dessas. Eu sei o quanto eles te tratam mal e as poucas vezes em que os vi foram suficientes para que eu soubesse que nenhum Dursley é flor que se cheire... Não estou te repreendendo por ter saído de lá, se é isto que está pensando. Eu só fiquei... assustado... Só de pensar em você andando sozinho por aí... de noite... em uma época como a que estamos vivendo... Você sabe muito bem do que estou falando...
- É claro que eu sei... Como não reparar? Tudo está tão diferente por aqui... – o rapaz olhou para os lados enquanto falava, constatando com pesar as pouquíssimas pessoas que transitavam no beco, que um dia já fora tão movimentado. Algumas lojas estavam fechadas, mesmo já sendo quase nove horas da manhã.
- Eu pensei nisso quando saí de lá... – Harry continuou. – Pensei no Sirius e no quanto ele ficaria preocupado quando soubesse que eu tinha feito o que fiz... E também tem o professor Dumbledore... Eu sei que ele não gostaria de jeito nenhum que eu saísse de lá. A mãe do Rony mandou um monte de cartas para ele... para pedir que eu fosse passar o resto das férias na casa deles, mas não conseguiu nada. O professor estava irredutível, e eu não quero nem pensar no que ele vai achar quando souber que eu não estou mais na casa dos Dursleys...
- Posso afirmar que Dumbledore realmente não queria te ver longe de lá... E tinha bons motivos para isso. Você estava protegido lá, mais protegido do que em qualquer outro lugar...
Harry olhou intrigado para Remo.
- Como assim?
- Acho que Dumbledore não se importará de eu te contar isso... Você já está longe de lá mesmo... – Remo fez uma pausa. – Dumbledore protegeu a casa dos seus tios com um feitiço Fidelis.
- Aquele mesmo que protegeu a mim e aos meus pais quinze anos atrás?
- Exatamente.
- E você sabe quem é o fiel de segredo?
Remo sorriu abertamente e disse apenas uma palavra:
- Sirius.
- O quê?
Agora Remo ria.
- Ele vai ficar maluco quando souber que te contei... Na verdade foi ele mesmo que sugeriu isso a Dumbledore. Sirius ficou realmente preocupado com você depois do que aconteceu no final do seu último ano letivo em Hogwarts... E teve essa idéia de proteger a casa dos seus tios. Para te proteger.
- Então era isso? – Harry riu e depois lembrou de uma coisa que andava perturbando-o. – Falando no Sirius... Você sabe por onde ele anda? Ele não me mandou mais nenhuma carta, e eu não tenho notícias dele desde a última vez em que o vi, em Hogwarts...
Remo abriu e fechou a boca algumas vezes, e fez uma expressão muito perturbada. Parecia sem ação. Olhou para os lados e viu que já tinham chegado ao Gringotes.
- Você não queria ir ao banco, Harry? – perguntou, mas o rapaz percebeu que ele queria mesmo era mudar de assunto.
- Você não respondeu à minha pergunta, Remo.
O bruxo sorriu encabulado e, sem olhar para Harry, disse somente:
- Depois.
