Capítulo Quatro – Rato e Cão

- Você mora na Londres trouxa?

- Exatamente.

Harry e Remo estavam andando na calçada de uma rua pouco movimentada de Londres quando Remo respondeu à pergunta de Harry. Depois de terem ido ao Gringotes, onde Harry se abasteceu com dinheiro bruxo, os dois voltaram para o Caldeirão Furado. Remo convidou Harry a se hospedar em seu apartamento, que ficava a alguns quarteirões do bar. Tom não ficou muito feliz quando Harry pagou a sua estada e disse que não ficaria mais na hospedaria, que voltaria a ficar vazia.

Assim sendo, os dois estavam agora na Londres trouxa, que era onde Remo morava. Caminhavam pelas ruas do subúrbio. Harry carregava seu malão e a Firebolt, enquanto Remo levava a gaiola vazia de Edwiges. Na verdade, Remo insistira bastante em levar o malão, mas Harry não permitira. O bruxo estava parecendo tão abatido, que o rapaz achara melhor ele mesmo levar o malão.

Enquanto andavam, Remo puxou assunto sobre quadribol, e Harry contou a ele como andavam as coisas com o time da Grifinória. Remo já sabia que Harry era capitão do time (Sirius lhe contara), mas ignorava o fato de que Rony era o goleiro.

- Quer dizer que você o escolheu? Ele deve ter ficado muito feliz, Rony gosta muito de quadribol, não é?

- O Rony é louco por quadribol. Desde que eu o conheço ele é assim... – Harry respondeu. – Mas ele mereceu. Você devia vê-lo jogar, ele realmente era o melhor para a vaga.

- E como o time vai estar esse ano?

- Eu ainda nem sei... Quase o time inteiro terminou Hogwarts ano passado... – Harry informou, um pouco desanimado. – Fred e Jorge, que eram os batedores, e Angelina, Alícia e Katie, que eram as artilheiras... Eu e o Rony estamos sozinhos agora e vamos ter que escolher cinco jogadores para a nova temporada...

- Isso vai ser complicado... E mesmo depois que acharem os jogadores, vai demorar um tempo até se entrosarem...

- E eu já tô até imaginando a professora McGonagall me cobrando para fazer um bom time... E tem que ser um time realmente bom, porque não podemos perder para os sonserinos de jeito nenhum!

- A professora McGonagall sempre foi obcecada por quadribol... – Remo comentou com uma risada, enquanto parava em frente a um prédio meio velho de três andares. – É aqui, Harry.

O rapaz ficou observando o pequeno prédio com uma certa desconfiança. As paredes descascavam, e ele parecia até um pouco torto e prestes a desmoronar. Remo percebeu e disse:

- Não se preocupe. Ele só parece velho, mas não é. Não vai cair. Ele tem essa aparência porque é um prédio onde só vivem bruxos, e é assim para que nenhum trouxa queira entrar.

- Ah...

Remo sorriu e abriu a porta de entrada, que era de uma madeira gasta e com uma espécie de janela de vidro nela. O bruxo entrou, sendo seguido por Harry. Havia uma pequena salinha meio escura, que era iluminada apenas pela luz vacilante que entrava pelo vidro da porta. Havia um pequeno balcão, com uma cadeira atrás dele, onde estava sentado um velho senhor de cabelos brancos, que tinha uma barba rala e grisalha. Usava óculos fundo de garrafa, e estava encostado na cadeira com os pés no balcão, dormindo e roncando sonoramente.

- Ahn... Sr. Walters? – Remo chamou indeciso, encostando no balcão e olhando ansiosamente para o senhor dorminhoco.

Harry assistia curioso às tentativas de Remo de acordar o velhinho. Ele o chamara diversas vezes e até o cutucara. Depois de várias tentativas, Remo gritou bem perto do ouvido do velhinho o nome dele, fazendo-o pular da cadeira de susto e quase cair no chão.

- O senhor está bem? – Remo perguntou se debruçando no balcão.

O velhinho levantou um pouco desajeitadamente e arrumou os óculos que estavam tortos no rosto. Os olhos estavam arregalados e, Harry notou, eram de um azul intenso e brilhante.

- Ah, é você, meu filho? – ele perguntou com uma voz esganiçada. – Como foi de viagem, hein, Sr. Lupin?

- Muito bem... – Remo disse sem jeito. – Desculpe ter acordado o senhor, Sr. Walters, mas é que eu preciso das chaves do meu apartamento que eu deixei com o senhor...

- Chaves? – o velhinho perguntou sem entender e depois de alguns segundos bateu com a mão na testa como se lembrasse. – Ah, sim... as chaves do seu apartamento... Espere só um minutinho que eu já vou pegar, meu filho.

O Sr. Walters se abaixou e ficou um tempo procurando nas suas coisas. Enquanto isso, Remo se virou para olhar Harry, que tinha uma expressão muito confusa no rosto. O ex-professor sorriu e se virou novamente, pois o Sr. Walters tinha achado as chaves.

- Aqui está, Sr. Lupin. – ele disse, entregando um molho de chaves para Remo e, assim que fez isso, reparou que Harry estava ali. O rapaz sorriu para o velhinho e acenou com a cabeça.

- É seu filho, Sr. Lupin? – o velhinho perguntou, ainda fitando Harry.

- Não! – Remo disse rindo. – Eu não tenho filhos, esqueceu, Sr. Walters?

- Ah, é... Que cabeça a minha...

- Harry é filho de um grande amigo meu e vai se hospedar comigo por algum tempo...

- Prazer... – Harry disse estendendo, a mão. O Sr. Walters a apertou cordialmente, fitando o alto da cabeça de Harry, e ele logo achatou a franja na testa.

- Precisa pentear os cabelos, filho... – o velhinho comentou com um sorriso, e Harry suspirou aliviado.

- Bem, acho que nós já vamos subindo, Sr. Walters. – Remo disse.

- Ah, espere, Sr. Lupin!

O velhinho sumiu atrás do balcão e parecia estar procurando alguma coisa. Remo olhou intrigado para Harry, que devolveu o olhar. Depois de alguns segundos, os olhinhos azuis do Sr. Walters reapareceram, e ele segurava uma carta meio suja e amassada na mão.

- Aquele cachorro que às vezes o senhor traz aqui apareceu há uns três dias, Sr. Lupin.

- Cachorro? – Remo perguntou intrigado e depois arregalou os olhos. – Ele apareceu aqui?

- Sim. Ele veio aqui e subiu as escadas correndo. Eu estava... – o velhinho ficou um pouco encabulado e limpou a garganta. - ...tirando um cochilo... e a barulheira que ele fez me acordou... Quando eu levantei, fui ver o que era, então subi até o seu apartamento, e ele tava lá, arranhando a porta, querendo entrar, acho eu... Aí eu falei que o senhor não estava, que tinha ido viajar e acho que ele entendeu... Cachorrinho esperto, o senhor não acha?

- É, ele é bem esperto... – Remo comentou como se quisesse mudar de assunto. – E ele foi embora?

- Ah, foi, mas deixou essa carta aqui. – o velhinho entregou a carta para Remo e continuou. – Ele tava com essa carta na boca e deixou comigo. Acho que é para o senhor...

Remo pegou a carta e a olhou com um ar sério.

- É para mim, sim, Sr. Walters... Obrigado. – disse e se virou em direção às escadas, que ficavam mais no fundo da sala. – Vamos, Harry. Vamos subir.

Harry levantou o malão que tinha colocado no chão e acenou com a cabeça para o Sr. Walters. O velhinho sorriu e ainda ofereceu: "Se você quiser eu te empresto meu pente, filho!"

Remo subia as escadas rapidamente, e Harry tentava segui-lo o mais rápido que conseguia, porque o malão pesava, e o lance de escadas era cansativo. Remo não tirava os olhos do envelope que segurava.

- Essa carta que aquele senhor lá embaixo lhe entregou é de quem eu estou pensando, Remo? – Harry perguntou enquanto subiam o segundo lance de escadas.

- Aquele senhor? – Remo perguntou distraído. – Ah, ele é o zelador do prédio. Ele dorme em serviço, e é um pouco surdo e esquecido, mas é boa gente...

- Eu não tô falando dele. – Harry disse impaciente. – Estou falando de quem mandou essa carta, o cachorro. É Snuffles, não é?

Remo parou no penúltimo degrau e olhou para Harry, e em seguida para o envelope em sua mão. Guardou-o dentro da camisa e disse:

- Sim, é dele, Harry. Mas vamos ver isso depois. Vou te instalar no apartamento primeiro.

Eles subiram mais um lance de escadas e chegaram ao terceiro e último andar. O apartamento de Remo ficava nos fundos. Eles pararam em frente a uma porta arranhada com o número 34 em latão descascado. Remo pegou o molho de chaves que o Sr. Walters tinha lhe dado, escolheu uma, e colocou-a na fechadura. Abriu a porta e entrou. Harry o seguiu.

O que viu a seguir foi uma salinha apertada, mas aconchegante. Tinha alguns móveis em uma madeira antiga e gasta, duas pequenas poltronas arrumadas em torno de uma mesinha de centro. Havia uma estante do outro lado da sala abarrotada de livros, que fariam os olhos de Hermione brilharem com certeza.

Remo depositou a gaiola de Edwiges em cima da mesinha de centro, abriu a janela da sala e depois foi até a escrivaninha; abriu um livro antigo e assoprou o pó dele. Então tirou a carta da camisa e colocou-a no meio do livro, fechando-o e guardando-o no lugar em seguida.

Harry ficou olhando para o bruxo, pensando no porquê dele estar fazendo tanto mistério em relação a Sirius. Será que tinha acontecido alguma coisa a seu padrinho que Remo não queria contar? Porém, os pensamentos do rapaz foram interrompidos pela voz de Remo:

- Não repare na bagunça e na sujeira, Harry. É que já faz uma semana que eu não venho aqui, então as coisas estão um pouco bagunçadas...

- Você viajou durante essa semana?

- Não... Na verdade você teve sorte, Harry. – Remo disse enquanto assoprava a poeira de alguns objetos. – Eu estive fora porque estava na minha semana ruim, que só acabou ontem... Sabe, quando a lua tá cheia...

- Ah... Então é por isso que você tá com essa cara...

- Deu pra reparar? – Remo perguntou, parando de assoprar as coisas e olhando para Harry, enquanto alisava a barba que estava por fazer. – É, acho que eu preciso me ajeitar um pouco mesmo... – ele girou nos calcanhares e pegou a gaiola de Edwiges. – Mas vou te mostrar as acomodações primeiro! Venha comigo, Harry!

Ele seguiu em direção ao pequeno corredor que dava acesso aos outros cômodos, com Harry atrás. Mostrou a cozinha, que ficava ao lado da sala e era talvez um pouco maior que ela. O banheiro ficava de frente ao quarto de Remo, que ele pediu para que Harry não entrasse, alegando que era o lugar mais bagunçado da casa, o que Harry não acreditou muito, porque reparou que, ao contrário do que Remo dizia, tudo era muito organizado.

- E este é o quarto que você vai ficar, Harry.

Ele indicou um quartinho pequeno que tinha apenas uma cama, um armário e um criado-mudo com um abajur em cima. Do lado da cama, havia uma janelinha que estava fechada. Remo depositou a gaiola de Edwiges no alto do armário, atravessou o quarto e abriu a janela, enquanto dizia:

- O quarto não é lá essas coisas, mas você pode ficar à vontade. Não é o que você tinha lá no Caldeirão Furado, mas pelo menos você não tem que pagar... Depois que eu limpar um pouco tudo com um feitiço, você pode guardar as suas coisas no armário.

- Tá ótimo, Remo! – Harry disse com sinceridade enquanto colocava o malão no chão e a Firebolt em cima da cama. – Você não precisa ficar se preocupando...

- Você gostou, então? – o bruxo perguntou ansioso.

- É claro que eu gostei!

Remo sorriu largamente e comentou:

- Quando o Sirius vem pra cá, ele fica nesse quarto. O Bicuço fica num galpão abandonado perto daqui, que nós enfeitiçamos para que ninguém visse... Você tem sorte que o Sirius não tá aqui, porque senão você teria que dormir na sala... O Sirius é muito folgado...

Subitamente ele parou de falar e olhou para Harry, que tinha uma expressão ansiosa no rosto, só esperando o outro se manifestar. Remo suspirou e disse:

- Acho que eu tô te devendo uma explicação, não é?

- Você não precisa ficar me escondendo as coisas... Pode me contar. – Harry falou.

- Você tem razão, Harry. Você não é mais uma criança e tem o direito de saber o que está acontecendo...

Remo pediu para que Harry o acompanhasse e o levou até a cozinha, que tinha uma mesinha para as refeições no centro com duas cadeiras. Harry se sentou e ficou esperando até que o outro terminasse de preparar o chá.

- Você quer saber o que o Sirius anda fazendo, não é? – Remo perguntou, enquanto servia uma xícara cheia de chá para Harry e sentava de frente para ele.

- Tem alguma coisa aí... – Harry disse enquanto adoçava seu chá. – Você tá fazendo mistério em torno disso desde quando a gente se encontrou hoje de manhã.

- Eu achava que ainda não era o momento certo para te contar. O Sirius também disse que não ia te falar nada por enquanto. Pra você não se preocupar e... não criar expectativa...

Remo encheu sua xícara até a boca, adoçou o chá e começou a bebericá-lo.

- Expectativa sobre o quê? – Harry perguntou.

Remo depositou a xícara sobre o pires e olhou para Harry profundamente.

- Eu achei a pista de Rabicho, Harry.

- O quê? – o rapaz quase se engasgou com o chá e também depositou sua xícara no pires. – Como? Onde?

- No Beco Diagonal. Foi há umas duas semanas ou mais. Eu tentei segui-lo, mas não consegui. Então avisei o Sirius, que estava aqui em casa na época e... você sabe como ele é. Foi atrás na mesma hora e não voltou mais.

- Mas ele foi sozinho? O Sirius é maluco por acaso? Rabicho é um Comensal da Morte e um dos mais chegados a Voldemort, eu diria. É capaz de levar Sirius até ele e entregá-lo... como fez com meus pais!

- Você não pode falar muita coisa, Harry. Você não é muito diferente de Sirius, e duvido que não fizesse o mesmo se estivesse numa situação como a dele.

Ao ouvir a frase repreededora de Remo, Harry não disse nada, apenas fez um ruído seco de indignação e se preocupou em tomar mais um pouco de chá.

- Sirius é muito impulsivo e não pensou duas vezes quando soube que Pedro estava por perto. Ele foi atrás dele e nem levou o Bicuço junto. Se tem uma coisa que Sirius não suporta é traição. E foi exatamente isso que Pedro fez... com nós todos... Comigo, com Sirius, com Tiago e Lílian... e com você, é claro. E Sirius tem essa obsessão em pegar Pedro. E além de tudo, se ele conseguir, pode ter a liberdade de volta...

- Eu sei disso. – Harry falou, depositando novamente a xícara no pires. – E quero que Sirius fique livre... e que Rabicho seja pego... Como poderia não querer isso? É por causa dele que os meus pais morreram... Mas o Sirius tá se arriscando! E se ele for pego por Voldemort? Ele está matando tantos... não se importaria de matar Sirius também se a oportunidade aparecesse. Por que o Sirius não pediu ajuda, por que não foi contar a Dumbledore, que podia ajudar a procurar Rabicho?

- Ora, não é muito difícil a resposta, Harry. Sirius quer fazer isso sozinho. É uma questão de honra.

- Por que ele tem quer ser tão orgulhoso? – Harry perguntou irritado. Remo soltou uma gargalhada alta e ressonante.

- Quer mesmo saber? – ele perguntou, agora sério.

- Quero. – Harry afirmou em tom desafiador.

- Por que você não se olha no espelho, Harry, e vê por si mesmo?

Harry abaixou os olhos. Sabia muito bem o que viria depois e não tinha argumentos para isso.

- Você não diz nada porque sabe que é verdade, não é?

O rapaz levantou os olhos e viu Remo à sua frente, com um sorriso vitorioso. Abriu a boca para dizer algo, mas acabou por não dizer nada. Remo levantou a xícara e começou a bebericar o chá, recostando-se na cadeira e olhando para um ponto fixo atrás de Harry.

- Eu sempre fui muito amigo do seu pai e do Sirius, Harry, mas eu nunca tive com nenhum dos dois a mesmo afinidade que eles tinham um pelo outro. Eles eram tão parecidos, Harry, que dava até para pensar que eram irmãos. Os dois eram impulsivos, orgulhosos, inteligentes... Gostavam de viver a vida intensamente, de fazer coisas perigosas... e proibidas. Desprezavam as regras. Eles não pensavam duas vezes em quebrar uma. Eles só iam e faziam o que queriam. E quando queriam. Faziam e aconteciam, como todo mundo dizia. Sirius ainda é assim e nunca vai mudar. Tiago foi assim até o fim, e hoje, eu o vejo em você. Todo mundo diz isso, Harry, porque é a pura verdade. Você é igual ao Tiago, não só na aparência, como no jeito.

- Mas eu não sou o meu pai. – Harry disse com firmeza.

- Eu sei. Você é pior que ele.

Harry olhou intrigado para Remo. Não estava entendendo aonde ele queria chegar falando dessa maneira.

- Pior? Como assim, pior?

- Tudo que eu falei que Tiago era, você é em dobro, Harry. E não estou te censurando por isso, é o seu jeito. Eu sou um pouco assim também, mas não tanto quanto você, Tiago ou Sirius. E eu sei que você está preocupado com Sirius. Eu também estou. Mas não poderia impedi-lo de maneira alguma.

- Sirius nem sabe direito onde Rabicho está... Ele pode ter fugido já... E ele nem pensou em...

- Harry, eu quero que me responda uma pergunta. – Remo o cortou, debruçando-se na mesa e olhando Harry profundamente.

- Que pergunta?

- O que você faria se tivesse a chance de acabar com Voldemort? Nesse instante?

Harry ficou surpreso com a pergunta. Não esperava, nem imaginava algo como isso. Abriu e fechou a boca, e perguntou:

- Por que está perguntando isso?

- Apenas responda, Harry. Esqueça que Voldemort é o maior bruxo das trevas de todos os tempos, que ele é poderoso e que poderia te matar antes que você fizesse alguma coisa para se defender. Se você o tivesse indefeso nas suas mãos, depois de tudo o que ele te fez, responda sem pensar, o que você faria?

- Eu o mataria.

Harry disse isso exatamente como Remo lhe pedira. Sem pensar. Disse somente o primeiro pensamento que veio à sua cabeça e, assim que as palavras saíram de sua boca, sentiu como se algo asqueroso e venenoso estivesse em seu coração. E sentiu um arrependimento tão grande, que o seu peito doía, como se tivesse acabado de praticar o ato que disse que faria. Matar? Era isso mesmo que queria? Se tivesse chance... mataria Voldemort?

Olhou para Remo e viu que ele tinha uma expressão paternal no rosto. Parecia mais cansado, mas escondia um brilho nos olhos fundos, como se a resposta que Harry lhe dera tivesse-lhe revelado algo mais do que diziam as palavras. Harry respirou fundo e abaixou os olhos. Sentiu uma mão em seu ombro e, quando olhou para frente, viu que era a de Remo. Ele tinha um olhar compreensivo.

- Imagino o que deva estar sentindo. Não fique se martirizando, Harry. Não se arrependa de uma coisa que não fez. Duvido que você realmente fizesse o que acabou de dizer. Não é o seu jeito. Você só disse isso porque se lembrou de tudo... porque seu coração se encheu da raiva acumulada durante esses anos... Por isso que eu te disse, hoje de manhã, que é preciso ter certeza do que se quer, porque na hora da raiva, nós dizemos ou fazemos coisas que não faríamos se pensássemos mais um pouco...

Harry respirou fundo e soltou o que estava preso em sua garganta:

- Eu já não sei mais... Nunca pensei assim... Eu já encontrei Voldemort tantas vezes, mas nunca... nunca me passou pela cabeça matá-lo. Mesmo depois de tudo que ele fez... Todas essas vezes eu pensava só em... me defender... escapar... sobreviver. Nunca... matar...

- Eu sei disso, Harry. E sei que não é isso que você realmente quer. Você só falou aquilo porque não pensou direito, falou a primeira coisa que sentiu e, na maioria das vezes, o primeiro sentimento que temos não é o mais verdadeiro. Agora você entende? Foi isso que Sirius sentiu e sentia. Mas como você, ele viu que as coisas não são assim. Você pode até achar que Sirius ter ido atrás de Rabicho foi um ato impensado, mas não foi. Ele pensou muito antes, para que, no momento que tivesse que agir, soubesse exatamente o que queria. Ele pensou, uma coisa que não faz com freqüência...

Remo sorriu abertamente, e Harry não agüentou e sorriu também.

- Há três anos... – Remo continuou sério. - ...eu diria que Sirius realmente queria matar Pedro. E eu não o censuro, porque no momento que eu descobri a verdade, esse foi meu primeiro pensamento também. Mas agora... eu não quero mais isso, e muito menos Sirius. Ele entendeu que não deve fazer justiça com as próprias mãos, e o que ele quer é ser inocentado, e que Pedro seja punido pelo que fez. E ele quer fazer isso sozinho. Não pelos outros. Por ele mesmo. Você consegue entender isso, Harry?

Harry acenou afirmativamente com a cabeça e tomou o último gole de chá, para desfazer o nó que se formara em sua garganta. E então ficou olhando para a borra que se formou no fundo da xícara e girou-a entre os dedos, fazendo com que a borra sempre mudasse de forma. Vários pensamentos corriam velozes pela sua mente, e ele disse em voz alta um deles:

- Às vezes eu fico pensando... como seriam as coisas, que rumo elas tomariam se... se naquela noite que a verdade apareceu, três anos atrás... aquela noite na Casa dos Gritos... Como as coisas seriam se eu não tivesse impedido você e Sirius de matarem Rabicho?

O rapaz colocou definitivamente a xícara no pires, levantou a cabeça e olhou profundamente para o bruxo à sua frente. Estranhamente, ele sorria.

- Eu não posso te dizer que rumo as coisas tomariam, ou o que aconteceria, mas posso te dizer uma coisa, Harry. Obrigado. Se não fosse você, eu seria um assassino hoje, e me arrependeria muito pelo que tivesse feito. Você fez o que achava certo, e não é sua culpa que Pedro fugiu e ajudou Voldemort a ressurgir. Não é sua culpa que Sirius não pôde ser inocentado naquela ocasião. Você fez a sua escolha, e eu sei que aquilo não fui um impulso, foi uma escolha. Matar Pedro seria um impulso. Salvá-lo foi uma escolha. E eu tenho certeza de que foi a escolha certa. Posso não ter razões concretas para acreditar que foi a escolha certa, mas eu sei que foi. E tenho a impressão, ou melhor, a certeza, de que um dia saberemos porque essa foi a escolha correta.

Agora Harry voltou a mexer em sua própria xícara, passando a ponta do dedo anelar sobre a borda dela repetidamente. Ficou absorto fazendo isso e pensando.

"Assim é a magia no que ela tem de mais profundo e impenetrável, Harry. Mas confie em mim... quem sabe um dia você se alegrará por ter salvo a vida de Pettigrew."

Essa frase veio à sua cabeça tão rápido como uma faísca. Quem lhe dissera isso? Pensou por uns instantes e depois lembrou-se: Dumbledore. Ele tinha-lhe dito essas palavras. Será que estava certo? Será que um dia ele, Harry, se alegraria por ter salvo a vida de Pedro Pettigrew? Não, era impossível...

Porém, não era isso que mais estava incomodando Harry. Por mais que Remo tivesse-lhe dito tudo aquilo, por mais que tivesse tentado fazê-lo acreditar que não tinha culpa em ter pensado em... matar Voldemort... ainda assim se sentia culpado... e arrependido. Como pudera pensar uma coisa dessas, mesmo em se tratando de Voldemort? Só se lembrava de ter tido um pensamento desses uma vez: quando descobrira, ou achara que descobrira, que Sirius tinha traído a ele e seus pais. Quando esteve frente a frente com Sirius daquela vez, realmente tivera o desejo de matá-lo. Com as próprias mãos se fosse preciso. E tivera a oportunidade. Mas não o fez. E Harry suspirava aliviado todas as vezes que pensava nisso. Se tivesse feito o que mandavam seus instintos naquela noite... teria se arrependido para a vida inteira...

Mas com Voldemort era diferente. Harry sabia que ele era culpado, que por causa dele não tivera pais e nunca fora feliz de verdade. Ele merecia morrer, mais do que merecia, ele precisava morrer. Se isso não acontecesse, aqueles horrores nunca acabariam. E não somente Harry, como ninguém, seria feliz... Mas será que isso teria que ser feito pelas suas próprias mãos? E se fosse realmente esse o seu destino, será que conseguiria conviver com isso depois? Mas que droga! Por que tudo acontecia com ele? Por que ele precisava ser "Harry Potter" e não apenas "Harry"?

O rapaz ficara tão absorto em seus pensamentos que nem notara que Remo tinha levantado de onde estava, ido até a sala e retornado à cozinha. Quando Harry levantou os olhos e voltou à realidade, viu Remo à sua frente, segurando uma carta aberta nas mãos, e Harry notou, era a carta de Sirius.

- Acho que você precisa ler isso. – Remo disse, entregando a carta para Harry. O rapaz a pegou e leu a letra tremida e corrida de Sirius:

Aluado,

Vim ao seu apartamento te procurar mesmo sabendo que estava em sua semana ruim. Escrevi esta carta para o caso de você não ter-se recuperado ainda. Se estiver lendo-a, é porque as coisas aconteceram desse modo.

Eu consegui. Estou na pista de Pedro. Não vou te contar onde ele está caso esta carta caia em mãos erradas. Já vim entregá-la na sua casa para que isso não acontecesse, mas cuidado nunca é demais em uma época como essa.

Estou muito perto, meu amigo, mais perto do que você possa imaginar. Minhas mãos tremem ao escrever esta carta só de pensar que está surgindo uma chance de sair do martírio em que vivo há quinze anos...

Encontrei mais do que Pedro, encontrei o esconderijo deles. Você sabe do que estou falando. Não encontrei o grande, mas o que achei já será o suficiente para fazer Dumbledore ficar mais satisfeito do que nunca.

Preciso ir, ou perderei a pista. Não se preocupe comigo, estou bem. Cuide do Bicuço para mim.

Um abraço,

Almofadinhas

Harry abaixou a carta na mesa e olhou para Remo. Só conseguiu dizer uma coisa:

- Espero que ele não esteja mentindo e esteja mesmo bem.

Remo sorriu compreensivamente. - É também o que eu espero.

Os dias subseqüentes se arrastaram lentamente. Talvez fosse pela ansiedade de Harry quanto à espera de alguma notícia de Sirius, que nunca chegava. Desde a carta que Remo recebera, não houve mais nenhuma notícia do padrinho. E isso angustiava Harry imensamente. Nas noites, tinha sonhos ruins com o padrinho, como ele sendo encurralado pelos Comensais da Morte, e Voldemort torturando-o depois, rindo com aquela antiga risada fria e sem alegria. Mas Harry sabia que esses sonhos eram apenas fruto de sua imaginação, porque sua cicatriz não doera nenhuma vez. Se isso chegasse a acontecer, aí sim deveria realmente se preocupar, porque os sonhos seriam reais...

Para completar, Edwiges voltou da casa de Rony sem nenhuma resposta. E nos dias que se seguiram, Pichitinho também não apareceu. Até Errol seria bem-vindo... Mas nenhum deles veio. No início, Harry ficou chateado que os amigos e a namorada tivessem se esquecido dele, mas depois começou a ficar preocupado. Nem Gina mandara nada, e ela mandava cartas quase diariamente...

Esquecendo essas coisas, a estada na casa de Remo era muito proveitosa. O ex-professor fazia com que Harry se sentisse muito à vontade. Além disso, os dois saíam às vezes para dar umas voltas pelos lugares tanto bruxos quanto trouxas. Remo ajudou Harry a escolher algumas roupas novas, já que ele não tinha quase nenhuma desde que saíra da casa dos Dursleys. Harry preferiu comprar vestes trouxas, pois se sentia mais à vontade com elas, e jogou fora as roupas velhas dos Dursleys que tinha trazido no corpo. Havia vezes em que Harry se olhava no espelho (voltara a fazer isso depois de um tempo) e imaginava o que Gina diria quando o visse vestindo roupas decentes. Mas depois lembrava que Gina não mandava mais cartas para ele.

Nos momentos em que estava dentro de casa, Harry podia ler quantos livros quisesse. Remo não se importava e lhe disse que até seria bom. Apenas alguns dias que Harry tinha passado com Remo foram suficientes para que percebesse que o ex-professor tinha algumas características muito parecidas com Hermione. Remo às vezes parecia obcecado por estudos. Tinha inúmeros livros didáticos, bruxos e trouxas, que Harry preferia não ler, com exceção dos de quadribol, é claro. Além disso, ele tinha também livros de ficção, de autores bruxos, que interessaram muito a Harry, que nunca lera nenhum livro bruxo desse tipo.

E era exatamente isso que Harry estava fazendo agora: lendo. Era uma manhã quente de verão, e Remo tinha saído logo cedo. Harry estava sozinho em casa e, enquanto esperava Remo voltar, começou a ler um dos livros do bruxo, sentado em uma das poltronas da sala, perto da janela. Edwiges estava empoleirada no braço da poltrona, ao lado dele, e o rapaz a acariciava de vez em quando enquanto lia. Depois de um tempo, alguma coisa entrou voando pela janela aberta, e Harry parou de ler para ver o que era. Uma coruja das torres tinha entrado e pousado no braço da outra poltrona, e olhava para Harry com seus olhinhos escuros. Harry colocou o livro de lado e se levantou, indo desamarrar um pequeno pacote que a coruja trazia em uma pata, e mais duas cartas que estavam na outra. Feito isso, a coruja levantou vôo e saiu pela janela.

O rapaz começou a abrir uma das cartas, sendo observado por Edwiges, e viu que era apenas a carta de Hogwarts, falando das mesmas coisas de sempre. Deixou a carta de lado e abriu a outra. Reconheceu de cara os garranchos de Hagrid e sorriu. O amigo escrevera poucas linhas, mas que significaram muito para Harry:

Olá, Harry. Como você está? Nem vou dizer sobre os trouxas, porque já sei que você não está com eles. É, eu sei que você está na casa do Prof. Lupin. Ele mesmo mandou uma carta para Dumbledore contando e, por sua vez, o diretor contou para mim também. Dumbledore ficou um pouco preocupado quando soube que você saiu da casa dos trouxas, mas se acalmou quando viu que você estava aí com o professor.

Bem, e agora vamos ao que interessa: Feliz Aniversário, Harry! Dezesseis anos não se faz todo dia, então aproveite! Estou mandando um presentinho para você, espero que goste. Talvez adoce sua vida...

Vejo você no dia 1º de setembro.

Um abraço,

Hagrid

Harry sorriu feliz ao ler estas palavras. Esquecera completamente que era o dia de seu aniversário. Já tinha dezesseis anos e nem notara. Rapidamente desembrulhou o pacote que Hagrid tinha mandado e ficou muito alegre com o que viu lá dentro: doces de vários tipos da Dedosdemel. Sapos de chocolate, tortinhas de abóbora, caramelos explosivos, delícias gasosas, chicles de baba-bola, feijõezinhos de todos os sabores... Eram tantos doces que Harry nem sabia por onde começar. Colocou uma gosma verde na boca, que nunca tinha visto na vida, que esticava e tinha gosto de limão, quando a porta abriu. Ainda esticando a gosma na boca, olhou para trás para constatar que Remo tinha chegado. Ele trazia algumas sacolas na mão direita e um pacote grande na mão esquerda. Sorriu ao ver Harry:

- Ah, aí está o aniversariante do dia! – ele disse, enquanto livrava a mão direita das sacolas e da chave, jogando-as na mesa de centro, e depois bagunçava o cabelo já bagunçado do rapaz. – Parabéns, Harry!

- Obrigado, Remo. – o rapaz disse rindo, ainda com a gosma na boca.

- O que é isso? – o outro perguntou, apontando a gosma e o pacote no colo de Harry.

- Doces que o Hagrid me mandou de presente. Quer? – Harry ofereceu, levantando a caixa.

- Agora, não, obrigado. Divirta-se... – Remo disse desconfiado, se virando e dirigindo-se à cozinha enquanto falava. – Isso que você tá comendo vai fazer a tua boca ficar verde o dia inteiro!

- Sério? – Harry perguntou, levantando e colocando a caixa de doces em cima da mesa de centro, junto com as cartas.

O rapaz foi até a cozinha e encostou no batente da porta, ainda puxando a gosma de um lado para o outro. Observou enquanto Remo guardava o pacote grande na geladeira. Apesar de ser um bruxo, Remo possuía muitos objetos trouxas em casa.

- Você vai ter que lavar sua boca com sabão depois, se quiser que a língua volte a ser da cor normal... – Remo disse, ainda tentando arrumar espaço na geladeira. O pacote era muito grande.

Harry tirou a gosma da boca e ficou olhando para ela, toda babada e mastigada.

- Lavar a boca com sabão? Você tá brincando...

Remo começou a rir e fechou a porta da geladeira com o pé.

- Tá bom... Só porque é seu aniversário, não vou te enganar... Não precisa lavar, a língua vai deixar de ser verde depois de alguns minutos.

- Então fico feliz que o meu aniversário é hoje... – Harry disse rindo e foi jogar a gosma no lixo. Já tinha perdido o sabor. – O que era aquilo que você trouxe e guardou na geladeira?

- Nada que te interesse... – Remo falou misterioso e com um sorriso maroto. – Vamos sair?

- Sair? Agora?

- Claro. Você acha que eu vou deixar você ficar em casa no dia do seu aniversário?

- Se é assim... Tudo bem...

- Então vai se trocar.

Harry fez isso e logo estava pronto. Colocou uma calça jeans nova que tinha comprado e uma camisa branca. Guardou o presente de Hagrid no quarto, junto com sua carta. A de Hogwarts colocou no bolso, porque aproveitaria para comprar o material da escola. Enquanto fazia isso, lembrou que, tirando Hagrid, nenhum dos amigos mandara nada... Mas tratou logo de esquecer e, junto com Remo, saiu.

O Sr. Walters estava dormindo novamente na recepção e, dessa vez, Remo não o acordou. Ele disse que Harry deveria decidir aonde iriam, e o rapaz optou por ir ao Beco Diagonal mesmo. Quando chegaram lá, a primeira loja que visitaram – e se demoraram um bom tempo – foi a "Artigos de Qualidade para Quadribol". Não havia nenhuma vassoura nova, a linha das Firebolts iguais às de Harry ainda eram as melhores, mas haviam outros itens interessantes mesmo assim.

O segundo lugar que foram foi a Sorveteria Florean Fortescue, onde Remo insistiu em pagar um sorvete triplo para Harry, como presente de aniversário. Para ele, pediu apenas uma casquinha. Ficaram um bom tempo ali, sentados numa mesa à sombra, conversando, tomando sorvete e observando as pessoas que passavam. Fazia um bom tempo que não havia mais nenhum ataque e, somando isso ao fato de que era um Sábado, havia mais pessoas circulando pelo beco do que costume, fazendo com que ele se assemelhasse aos velhos tempos, mesmo que as pessoas ainda andassem em grupinhos de três ou mais, e não falassem com desconhecidos e conhecidos também.

Remo estava contando mais sobre seu trabalho (ele dava aulas de inglês em uma escola trouxa) quando parou de falar e olhou para algumas pessoas que vinham conversando ruidosamente pela rua de pedra.

- O que foi, Remo?

- Olha para trás de você, Harry. – o outro disse sorrindo.

Harry olhou para trás intrigado e não acreditou no que viu. Quatro pessoas vinham conversando em vozes altas. Um rapaz, alto, ruivo e sardento, uma garota de cabelos castanhos cheios, uma senhora baixinha e ruiva, e uma outra garota, também de cabelos vermelhos, que fez os olhos de Harry brilharem. Reconheceu-os na hora e somente vê-los foi o bastante para Harry abrir um sorriso de orelha a orelha.

- Nós já o procuramos em tudo quanto é canto, mãe! – Rony Weasley dizia impaciente. – Fomos no Caldeirão Furado, na Floreios & Borrões, no Artigos de Qualidade para Quadribol...

- Onde você nos atrasou namorando aquelas vassouras... – Hermione Granger repreendeu o namorado.

- Eu só quis dar uma olhadinha, não foi tanto tempo assim, Mione...

- Mas onde será que esse menino está, meu Deus? – a Sra. Weasley suspirou. – Ele não disse para vocês na carta que estava aqui no beco? – ela perguntou olhando para os filhos.

- Ele disse. Contou que estava no Caldeirão Furado e... – Gina Weasley respondeu, mas parou de falar e de andar assim que viu quem olhava para ela e sorria.

- O que foi, Gina? – Rony perguntou parando também, assim como Hermione e a Sra. Weasley.

- Harry! – a garota gritou e abriu um sorriso enorme, correndo em seguida na direção de Harry. O rapaz levantou e a segurou quando ela pulou em cima dele, quase fazendo os dois caírem. Depois de um tempo em que os dois ficaram abraçados e rindo, eles se distanciaram um pouco para se olharem, e Harry sentiu o coração acelerar ao ver que Gina tinha crescido bastante nesse mês. Seu rosto ficara mais fino e delicado, seus cabelos mais brilhantes e seu corpo mais definido. Gina tinha um sorriso maroto no rosto, e Harry viu que os olhos dela percorreram-no de cima a baixo, para depois piscar para ele, aprovando.

- Onde é que você tava, Harry? – Rony perguntou, dando um abraço em Harry também e batendo em suas costas. O amigo tinha crescido também, estava um pouco mais alto, mas não alcançara Harry, que o tinha passado há algum tempo.

- A gente te procurou em tudo quanto era canto! – Hermione disse rindo com as mãos na cintura, para depois abraçar o amigo também. Como Gina, seu corpo estava mais bem definido, e ela definitivamente não era mais aquela menina que ele e Rony conheceram no Expresso de Hogwarts.

- Ah, que bom que me procuraram... – Harry disse tentando parecer sério, mas seu enorme sorriso o denunciava. – Pensei que tivessem me esquecido.

- Nós nunca iríamos te esquecer, querido. – a Sra. Weasley falou, abraçando Harry maternalmente.

- Queríamos fazer uma surpresa! – Gina disse, colocando as mãos ao redor do pescoço de Harry e dando um beijo em sua nuca, o que fez o rapaz sentir um arrepio na espinha.

- Feliz Aniversário! – Rony, Hermione e Gina gritaram numa única voz.

Harry sorriu mais ainda, se isso era possível. Enquanto isso a Sra. Weasley notou que Remo estava ali e perguntou:

- Então era com o senhor que Harry estava todo esse tempo?

Remo sorriu, levantou e acenou afirmativamente com a cabeça.

- Prof. Lupin? – Hermione perguntou espantada.

- Puxa, professor, mas... o quê...? – Rony estava boquiaberto.

- Encontrei Harry há alguns dias no Caldeirão Furado e o convidei para se hospedar no meu apartamento. Eu moro perto daqui. – Remo explicou.

- Então é por isso que nós não te encontramos no Caldeirão... – Gina comentou olhando para Harry.

- Eu não avisei vocês onde estava porque ainda estava esperando uma resposta das últimas cartas...

- Era uma surpresa, não podíamos mandar nada para você não desconfiar... E não queríamos mentir... – Hermione explicou.

- E foi tudo idéia da Gina. – Rony denunciou.

- Se você disser que ficou chateado, eu vou me sentir culpada, Harry. – Gina disse fazendo uma expressão ansiosa.

- É claro que eu não fiquei chateado, sua boba! Fiquei muito feliz! – Harry falou, passando o braço por trás da garota.

Enquanto os garotos conversavam, Remo e a Sra. Weasley falavam um pouco mais afastados, com expressões sérias. Os quatro se entreolharam, e Rony perguntou:

- Ei, o que vocês tão falando aí?

- Assuntos de adultos! – a Sra. Weasley disse com um tom seco. Já mais amável depois, ela continuou: - Já que vocês se encontraram, por que não dão um passeio pelo beco? Eu e o Prof. Lupin temos assuntos sérios a tratar.

Harry olhou intrigado para Remo, que respondeu com um olhar que dizia com todas as letras que depois ele saberia do quê se tratava. Mas Harry imaginou do que eles conversariam: Voldemort. Tanto Remo, quanto a Sra. Weasley, eram membros de uma organização de aliados contra o bruxo, liderada por Dumbledore. Enquanto Harry pensava nisso, a Sra. Weasley separava um ourinho nas mãos de Rony e Gina, para as despesas.

- Vocês estão com as suas listas de material aí, não é, crianças? – ela perguntou, e Rony, Gina e Hermione assentiram. Rony torcera o nariz ao ouvir a mãe tratá-los dessa maneira. – Então nos encontramos no Caldeirão Furado às quatro e meia, certo?

- Divirtam-se, garotos. – Remo disse sorrindo. Os garotos acenaram em despedida, e ele e a Sra. Weasley começaram a andar pelo beco, conversando aos cochichos.

- Do que será que eles querem tanto falar, hein? – Rony perguntou enquanto os quatro andavam pela rua. Harry e Gina abraçados mais atrás, e Rony e Hermione de mãos dadas à frente.

- É melhor nem pensar nisso senão, nos chatearemos... – Harry disse, e os outros entenderam o que ele queria dizer.

Dessa forma, os quatro garotos começaram a andar pelo beco, conversando sobre outras coisas. Harry contou como tinha encontrado Remo e como estava sendo a estada na casa dele. Já os outros três narraram as novidades. Parecia que o Sr. Weasley não tinha tempo para mais nada; estava tendo muito trabalho no Ministério e quem o ajudava bastante era Percy, que trabalhava muito também. Os gêmeos, por sua vez, continuavam a fazer sucesso em Hogsmeade e também trabalhavam bastante.

Os garotos passearam muito pelo Beco e foram a diversas lojas. As primeiras foram para escolherem os presentes de aniversário de Harry, mesmo que o rapaz insistisse que isso não era necessário. Foram a uma loja de logros, onde Rony comprou muita coisa, tanto para ele, quanto para Harry. Hermione os censurara, mas Rony logo arranjou uma desculpa e disse que Fred e Jorge não conheciam aqueles itens, e que ele, como assistente dos dois, precisava pesquisar artigos novos para a loja dos gêmeos. Gina comprou um porta-retrato em forma de coração e ameaçou, brincando, que daria uns belos beliscões em Harry se o presente não fosse ocupado por aquela foto dos dois que ela lhe dera algum tempo atrás. Hermione comprou para Harry, na Floreios & Borrões, um livro que contava a história de todas as Copas Mundiais de Quadribol.

Ainda na livraria, eles compraram todos os livros que precisariam durante o ano. Havia muitos, mas não tantos quanto os de Gina. A garota ingressaria no quinto ano e prestaria os N.O.M.s, por isso a carga de estudos era bem maior. Depois que compraram e pagaram tudo, os garotos decidiram sair e continuar o passeio. Ainda tinham bastante tempo de sobra até terem que se encontrar com a Sra. Weasley e Remo. Porém, quando já estavam na porta, conversando distraídos, Harry esbarrou violentamente em alguém que entrava.

- Ei, não olha por onde anda, garoto? – era uma garota de uns dezesseis anos, de olhos castanhos escuros, lábios grossos e cabelos longos, negros e cacheados, que ela usava presos desajeitadamente com uma fita. Ela ainda usava uma luva preta na mão direita, mesmo sendo verão.

- Me desculpe. – Harry disse um pouco grosso, pois não gostara nada do tom que ela usara anteriormente.

- Depois que desculpa foi inventada, muita gente deixou de apanhar... – ela retrucou em um tom mais rude do que o anterior.

Harry já ia dizer algo nada gentil, mas Gina foi mais rápida:

- Por que você não dá o fora, Willians?

- E quem é você para dizer o que devo fazer, Weasley?

- Alguém tá te incomodando, Katherine? – um rapaz loiro, com os cabelos colocados para trás com gel e olhos cinzentos e frios, entrou e se dirigiu à garota, que respondeu:

- Eu sei me cuidar sozinha, Draco.

- Malfoy? – Rony perguntou estupefato assim que viu quem era.

Os olhos de Draco Malfoy se estreitaram maliciosamente, e seus lábios finos se encresparam em um sorriso de desprezo.

- Ora, ora... Vejam só quem está aqui... – ele comentou com sua voz arrastada. – O "Trio Maravilha"... Ah, esqueci que não são mais três, são quatro... Tem uma pobretona a mais... – ele disse, dirigindo um olhar de desprezo para Gina.

Harry se colocou na frente da namorada e disse entre os dentes olhando no fundo dos olhos de Malfoy:

- Não quero ouvir uma palavra sequer para Gina vinda de você, Malfoy.

- Ah, que medo, Potter... – ele debochou. – Pois foi você quem começou quando irritou a minha prima.

- Então você é prima do Malfoy, Willians? – Hermione, que até agora estava quieta, se manifestou. – Só podia ser mesmo...

- Puxa, uma coisa que a sabe-tudo não sabia... – a garota disse com um ar de sarcasmo. – Isso é um milagre!

- Olha aqui... – agora era Rony quem estava defendendo sua namorada, mas a garota o interrompeu:

- Ah, eu já tô cheia disso aqui! Pra mim chega!

E ela saiu batendo os pés e ainda dando um esbarrão em Rony. Hermione tinha um olhar assassino no rosto.

- Isso não vai ficar assim, Potter. – Malfoy ameaçou com um dedo em riste para Harry e depois foi atrás da prima.

- Como se eu tivesse medo dele... – Harry disse enquanto, abria a porta e os quatro saíam.

Já na rua, enquanto andavam carregando as compras, Rony fez exatamente a pergunta que Harry queria fazer:

- Quem era aquela nojentinha?

- Willians? – Gina perguntou para confirmar.

- Acho que é ela mesma.

- Vai dizer que você não sabe, Rony? – Hermione perguntou descrente.

- Não, não sei... Você sabe, Harry?

- Não faço a mínima idéia de quem seja...

- Como garotos são distraídos... – Gina comentou.

- Dá pra vocês explicarem, fazendo o favor? – Rony já estava vermelho de nervoso.

- Ela é do nosso ano, Rony, só que da turma da Sonserina, a mesma do Malfoy... – Hermione explicou como se fosse uma matéria difícil de Transfiguração.

- Eu nunca reparei nela... – Harry comentou.

- É que vocês dois estão sempre mais preocupados com brincadeiras do que prestar atenção à aula... – Hermione censurou. – Ela sempre tem aula de Poções e Trato de Criaturas Mágicas com a gente... Se bem que ela é meio quietona mesmo...

- Mas sabe ser intragável quando quer. – Gina completou.

- Isso você tem toda a razão, Gina. – Hermione disse, mostrando a língua. – Eu que o diga... Ela fazia questão de soltar umas indiretinhas muito irritantes para mim, principalmente naquela época que a Rita Skeeter escrevia aqueles artigos para o Semanário das Bruxas...

- Ah, por que a gente não esquece isso e aproveita a tarde? – Rony perguntou, abraçando Hermione pelas costas e fazendo a garota rir encabulada.

Gina olhou muito marotamente para Harry e depois perguntou:

- Anh... Por que a gente não se separa?

- Por quê? – Rony a olhou intrigado. Hermione, ao contrário dele, parecia ter percebido muito bem aonde Gina queria chegar:

- Sim! Vamos nos separar. Eu e o Rony vamos dar umas voltas por aí, e vocês dois vão para aonde quiserem. A gente se encontra no Caldeirão um pouco antes do que a Sra. Weasley marcou, tudo bem?

- Tudo ótimo! – Harry disse entendendo e puxando Gina pela mão. – A gente se vê mais tarde.

Harry e Gina seguiram pelo lado contrário ao de Rony e Hermione, já aproveitando para matar a saudade desde o começo com os primeiros beijos.

- Então não foi só a Mione que entendeu o que eu queria? – Gina perguntou depois de alguns beijos e entre risos.

- Que foi? Tá me chamando de lento, é? É claro que eu entendi... – Harry disse tentando ao mesmo tempo ficar bravo e rir.

- Sabe que você ficou um pedaço de mau caminho nessas roupas novas? – Gina perguntou, acariciando o peito de Harry.

- Quer dizer que você notou?

- E como não poderia? – ela perguntou, beijando-o em seguida.

Os dois caminharam juntos por algum tempo até acharem uma pracinha com algumas árvores. Sentaram na grama e ficaram ali por um bom tempo matando as saudades. Passaram muito tempo ali e só olhavam no relógio muito de vez em quando. O dia estava muito bonito e quente, mas eles estavam na sombra de uma árvore, onde estava mais fresco. Gina estava deitada com a cabeça nas pernas de Harry, enquanto ele acariciava seus cabelos ruivos.

- E aí ela disse que... – Gina estava contando algo que lhe acontecera e parou de falar quando Harry olhou para o céu e sentiu um calafrio. – Que foi, Harry?

- Olha para o céu, Gina. Você não acha que tá meio escuro?

Era verdade. O céu estava sendo encoberto com nuvens negras, e o ar estava mais pesado. Um frio esquisito percorreu a espinha de Harry, fazendo o rapaz tremer por um instante.

- Você tem razão, Harry. – a garota olhou no relógio. – Mas ainda só são três e quinze... Você acha que vai chover?

- Isso não é chuva... Não pode ser...

- Mas então...

Harry fez sinal para que a garota se calasse, e assim ela fez. Ela se sentou e ficou esperando, ansiosa, por uma palavra do namorado. Harry, por sua vez, aguçava os ouvidos. Tinha a impressão de ter ouvido vozes por perto, no meio das árvores da praça. Os dois esperaram ali, por algum tempo, até que ouviram uma voz, muito perto deles, exclamar:

- Morsmordre!

E no mesmo instante, uma luz verde e ofuscante saiu do meio das árvores e irrompeu para o céu, projetando um gigantesco crânio de estrelas de esmeralda, e de sua boca saía uma cobra... A Marca Negra.

Harry levantou rapidamente, puxando Gina pela mão, forçando-a a se levantar também. Já ouviam os gritos que explodiram por todos os lados.

- Vamos embora daqui agora! – Harry exclamou olhando para Gina, que tinha uma expressão desesperada e os lábios tremendo.

Os dois então se viraram, mas pararam quando viram um homem encapuzado se aproximando deles com a varinha apontada. Gina reprimiu um grito de susto. Harry rapidamente se pôs à frente dela e sentiu a respiração arfante da garota às suas costas; ela se agarrava à camisa do namorado, quase arranhando suas costas com as unhas. O bruxo encapuzado ainda apontava a varinha para eles, com a mão direita, que brilhava no escuro; parecia emitir uma luz prateada. Os segundos se arrastavam, e Harry imaginava que nunca conseguiria pegar sua própria varinha a tempo...

- Quem diria, te encontrar aqui, Harry Potter... – o bruxo disse com uma voz fina que lembrava um guincho. E Harry o reconheceu... a mão de prata... sua voz...

- Rabicho...

- Então você me reconheceu? – ele disse, abaixando o capuz e revelando que Harry estava certo. Era ele mesmo. Pedro Pettigrew. Parecia ter ficado mais careca do que da última vez que Harry o vira.

- O que é isso? Mais um ataque de Voldemort? – Harry perguntou tentando ganhar tempo e aproximar sua mão do bolso da calça, onde estava a varinha, sem que o outro percebesse. Gina ainda arfava em suas costas e encostara a cabeça nela.

- Acertou, garoto. E que sorte que você está aqui... Meu mestre vai ficar imensamente feliz quando eu o levar para ele...

Harry riu alto. Alcançara a varinha e a segurara firmemente.

- Só nos seus sonhos, Rabicho...

- Ora seu garoto atrevido... – Rabicho segurou mais firme a varinha e abriu a boca para lançar uma maldição, mas Harry, por uma fração de segundos, foi mais rápido. O rapaz levantou a varinha, apontou-a para o bruxo à sua frente e gritou:

- Expelliarmus!

A varinha de Rabicho voou longe, e ele cambaleou no mesmo lugar, quase caindo. Olhou furiosamente para Harry depois de se recompor rapidamente e levantou a mão prateada, pronto para usá-la, quando alguma coisa grande e preta pulou em cima dele, derrubando-o no chão. Era um cachorro...

Os dois rolaram no chão e depois de muitos arranhões e mordidas, Rabicho conseguiu se desvencilhar e olhar aterrorizado para o cachorro, que estava se transformando... em um homem... que atendia pelo nome de Sirius Black.

Gina gritou e abraçou Harry por trás, apertando tanto suas costelas que chegava a doer. Enquanto isso, o rapaz observava seu padrinho.

Sirius estava com a aparência muito parecida com a que tinha depois que saíra de Azkaban. Os cabelos estavam maiores, desgrenhados e sujos. As roupas esfiapadas. A barba por fazer. Ele estava machucado e sangrava em alguns lugares.

- Sirius... – Rabicho sussurrou já não mais com o ar superior que usara contra Harry.

- Finalmente, Pedro... Há muito tempo que eu estava atrás de você... – Sirius disse com a voz rouca.

- É mesmo? – um sorriso passou pelo rosto de Rabicho. – Pois você nunca vai conseguir o que quer, Sirius...

- É o que você pensa... – um brilho passou pelos olhos escuros de Sirius.

Ele pareceu ter adivinhado o que Rabicho iria fazer, porque os dois, ao mesmo tempo, se transformaram. Sirius, no cão grande e negro; Rabicho, no rato gordo e velho, que atendeu, um dia, pelo nome de Perebas. O rato saiu correndo e guinchando com o cão atrás. Harry teve o impulso de segui-los, mas lembrou que Gina ainda estava ali, agarrada a ele. Foi nesse momento que ouviram uma voz desesperada gritar:

- Gina! Harry!

Era a Sra. Weasley. Ela vinha correndo na direção dos dois e assim que chegou mais perto, Gina se desvencilhou de Harry e abraçou-se à mãe, assustada. Harry ficou sem saber o que fazer; ainda ouviu, distantes, os latidos e guinchos de Sirius e Rabicho. O rapaz olhou para as duas, que retribuíram o olhar, ainda abraçadas. Gina largou a mãe e, com o olhar suplicante, murmurou:

- Não, Harry...

Ele ainda lançou um último olhar para as duas antes de sair correndo. Pôde ouvir Gina gritar seu nome, mas não voltou. Sabia o que tinha que fazer. Precisava ajudar Sirius. Seguia os latidos do próprio padrinho. Correu por entre as ruas de pedra e, foi ao dobrar uma esquina, que viu o cão preto se engalfinhar com o rato, que escorreu pelas suas patas. Eles continuaram a correr, e Harry os seguiu até um bosque muito distante, que ele nunca tinha ido e nem sabia que existia ali.

As árvores eram muito espessas e, enquanto corria, Harry sentiu alguns espinhos pontiagudos roçarem seu rosto e seus braços, rasgando a manga de sua camisa. O rato e o cão se embrenharam no meio das árvores e se engalfinharam novamente quando chegaram a uma pequena clareira.

Harry parou um pouco a corrida e ficou olhando os dois por detrás de uma árvore. Eles voltaram a se transformar em humanos e rolavam pela terra, se batendo. Sirius tinha desvantagem, porque Rabicho usava sua mão de prata para machucá-lo, e ele estava desarmado. Harry levantou sua varinha na altura dos olhos e mirou. Tinha que fazer alguma coisa e tivera uma idéia. Fechou o olho esquerdo para mirar bem em Rabicho. Era difícil, porque os dois não paravam de mudar de posição. Mas a oportunidade apareceu quando Sirius prendeu Rabicho no chão e começou a socá-lo. Rezando para que não errasse, Harry exclamou:

- Estupefaça!

Um jorro de luz flamejante saiu de sua varinha e atingiu Rabicho em cheio, fazendo-o cair inconsciente e bater com a cabeça na terra fofa. Harry somente teve tempo de ver Sirius fazer a expressão mais surpresa do mundo antes que uma meia dúzia de aurores aparatassem ao redor de seu padrinho e o cercassem, apontando as varinhas direto para ele. Harry fez menção de ir lá ajudá-lo, mas uma mão segurou seu braço esquerdo com força. O rapaz se virou para ver quem era e abriu a boca ao ver Remo ali, parado, olhando para ele.

- Sirius... – Harry disse em um sussurro. – Ele foi pego, precisamos ajudá-lo...

- Não adianta, Harry... – o outro respondeu sussurrando. – Temos que ir.

- Não!

- Vai dar tudo certo, Harry. Pedro está lá também!

- Mas...

- Confie em mim, Harry. Segure minha mão. – ele largou o braço de Harry e estendeu a mão para ele.

O rapaz ainda olhou para Sirius. Os aurores tinham-no estuporado também, e o corpo dele estava caído próximo ao de Rabicho. Harry voltou a olhar para Remo, que continuava com a mão estendida.

- Você tem certeza, Remo?

- Confie em mim.

Harry, então segurou a mão de Remo e, no mesmo instante que fez isso, sentiu um tranco e um puxão no umbigo, como se estivesse usando uma Chave de Portal. Em alguns segundos, Harry sentiu novamente o chão aos seus pés e, quando viu, estava na sala de estar do apartamento de Remo. Os dois soltaram as mãos, e Harry encostou na parede. Sentia como se suas energias tivessem sido inteiramente sugadas. Remo não estava muito diferente: ele arfava e encostou-se na parede oposta.

- O que... foi isso? – Harry perguntou.

- Eu aparatei... nós dois, Harry. Mas isso... suga... todas as energias... de quem transporta... e de quem é transportado...

- Graças a Deus, vocês chegaram!

A Sra. Weasley disse isso, saindo da cozinha de Remo e vindo ajudar os dois. Atrás dela vinham Gina, Rony e Hermione, com expressões assustadas. Remo dispensou a ajuda da Sra. Weasley e caiu sentado na primeira poltrona que viu pela frente. A Sra. Weasley ajudou Harry a se sentar na outra poltrona que tinha sobrado. Gina se ajoelhou ao seu lado e passou a mão no seu rosto.

- Está sangrando, Harry... Você está machucado...

- Tudo bem, foi só um espinho...

- Hermione, vá buscar um pano molhado. – a Sra. Weasley ordenou, e a garota foi até a cozinha. – O senhor está bem, professor? – ela perguntou dirigindo-se à Remo.

- Tudo bem, Sra. Weasley... Ainda bem que vocês conseguiram chegar aqui...

- Nós encontramos facilmente... – ela explicou, enquanto Hermione voltava e entregava o pano para Gina, que começou a limpar o rosto de Harry.

- Mas onde o senhor o encontrou, professor? – a Sra. Weasley perguntou.

- No bosque que tem no fim do beco... – Remo respondeu olhando para Harry, que fez com que Gina parasse de limpá-lo e perguntou:

- Por que você não quis ajudar o Sirius naquela hora, Remo?

- Não tínhamos como ajudá-lo naquele momento, Harry, será que você não entende?

- Mas por que vocês estavam sozinhos? – a Sra. Weasley perguntou, tentando mudar o rumo da conversa. – Por que se separaram?

- Por que dois casais se separam, senão para namorar, mãe? – Rony perguntou com sarcasmo.

- Pois não deviam ter feito isso! – ela retrucou olhando feio para o filho. – Deviam ter ficado juntos, era mais seguro. Já foi um grande risco deixá-los desacompanhados de um adulto, eu sabia que não devia ter deixado! Mas seu pai, como sempre, disse que vocês deviam se divertir um pouco e...

- Nós não tínhamos como saber, mãe! – Gina reclamou.

- Tudo bem, não precisamos de mais brigas! – Remo tentou acalmá-los. – O importante é que estão todos aqui... e bem.

- Nem todos. – Harry cortou. – Sirius foi pego. E nós não pudemos ajudá-lo! Você não deixou, Remo!

- Por Merlin, Harry! O que nós poderíamos fazer ali? A nossa palavra de nada adiantaria para ajudar Sirius! Eu sou um lobisomem e ninguém acredita em mim! Você, apesar de ser quem é, ainda é só um garoto de dezesseis anos! Os aurores não iriam nem nos escutar!

Harry abaixou a cabeça.

- Mas... eu estava ali e... não pude ajudá-lo...

- Quem foi que estuporou Pedro? – Remo perguntou, e Harry levantou os olhos espantado.

- Você viu?

- Eu aparatei ali bem na hora que você lançou o feitiço. Harry, você está esquecendo que eles pegaram Pedro também! E Dumbledore tem muitos aliados dentro do Ministério que sabem que Sirius é inocente! Tem o próprio Ministro... – Remo disse e olhou para a Sra. Weasley, que sorriu orgulhosa de seu marido. – Vai dar tudo certo, você vai ver... Agora temos provas da inocência de Sirius, temos Pedro!

- Mas... – Gina começou a falar. – Como assim? Sirius Black é inocente? Do que vocês estão falando?

Harry olhou para a garota e se lembrou que ela não sabia da verdadeira história de Sirius. Virou-se para ver Rony e Hermione, que fizeram um gesto afirmativo, como que incentivando-o a contar a verdade.

- Acho que te devo uma explicação, Gina... – Harry disse, olhando para ela.

Assim sendo, Harry contou tudo o que acontecera em seu terceiro ano, sendo ajudado por Rony, Hermione e Remo. Gina escutava atenta, assim como a Sra. Weasley, que também ignorava grande parte da história. No final da narrativa, Gina tentou animar Harry:

- Se é assim, Harry, você não precisa se preocupar... Se Pettigrew também foi pego, seu padrinho pode ser inocentado!

- Eu espero...

- Isso mesmo. – a Sra. Weasley confirmou. – Eu não entendia muito bem essa história, mas agora deu para perceber que vai dar tudo certo!

Nesse momento, Remo levantou de onde estava e foi até a cozinha. Hermione comentou:

- Mas é uma pena que isso tenha acontecido bem hoje... No dia do seu aniversário...

- Talvez tivesse que acontecer algum dia mesmo... – Harry disse chateado. – Mais cedo, ou mais tarde...

Remo voltou da cozinha, trazendo o pacote grande que escondera de Harry de manhã. Ele colocou o pacote em cima da mesa de centro e disse:

- Hermione tem razão. É uma pena que isso tudo tenha acontecido bem hoje...

- O que é isso? – Rony perguntou olhando o pacote.

- É aquilo que você tava escondendo de mim de manhã, não é?

- Sim, Harry. É o presente de aniversário que o Sirius queria te dar. Antes de ir embora atrás de Pedro, ele deixou o dinheiro comigo e disse para te mandar na casa dos seus tios. Só que você saiu de lá e acabou vindo pra cá... e aí eu comprei hoje de manhã para você. Não queria que você o recebesse assim, nesse clima, mas... acho que continua tendo o mesmo gosto bom...

Harry olhou intrigado para ele e depois para o pacote. Tirou os papéis que o embrulhavam e o que tinha lá dentro era um bolo enorme, todo confeitado, escrito em letras de chocolate "Feliz Aniversário". Harry ficou olhando para o bolo, boquiaberto e depois olhou para Remo.

- Esse é o presente dele para você, Harry... – ele disse. – Aposto que ele não gostaria de saber que estragou, então, é melhor você comer...

Harry sorriu e sentiu o coração mais leve. Era muito bom saber que, mesmo nas circunstâncias em que se encontrava, o padrinho tinha pensado nele. Sirius era mesmo uma pessoa muito especial... Não era à toa que fora o melhor amigo de seus pais e o melhor padrinho que Harry poderia ter. Não só um padrinho... quase um pai...