Capítulo Cinco – O julgamento

Era uma sala escura. Um fogo azulado ardia na lareira. As paredes eram gastas e velhas. Tudo estava sujo e empoeirado. Havia um homem, magro e pálido, vestido com roupas negras, que andava de um lado para outro, levantando pequenas nuvens de poeira no seu constante vai e vem. Ele parecia nervoso, mais do que isso, furioso. Foi até uma mesa e pegou um vaso antigo que estava sobre ela. Com fúria, atirou o vaso na parede, que se espatifou em inúmeros cacos. O homem ficou parado, respirando em longos haustos e depois se jogou em uma poltrona de veludo.

- Por que tão nervoso? – uma voz sibilante perguntou. Essa voz pertencia a uma cobra, que começou a dar voltas em torno da poltrona.

- Você sabe o porquê disso, Nagini... – o homem disse com sua voz fria. – Não se faça de desentendida...

- Mas a culpa é minha?

- Sabe que não. E pare de ficar me rodeando. – a cobra parou e olhou de frente para o homem, que olhou-a profundamente. – Volte à sua forma original, Nagini.

A cobra, nesse instante, começou a se transformar. Como o filme de uma árvore em crescimento, do chão brotou a cabeça, depois os ombros, o tronco, os braços e as pernas... E logo uma pessoa estava ali, de pé, mas não era possível identificá-la. Estava encoberta pelas sombras e seu corpo era um mero vulto a mais na sala.

- Por que pediu para eu fazer isso? – a pessoa perguntou com a mesma voz sibilante que a cobra usava, e seu tom com o homem era íntimo, diferente de qualquer outro que falava com ele.

- Porque tenho uma missão para você, e quero te falar isso olhando nos seus olhos. – o homem disse e se levantou, voltando a andar freneticamente pela sala. A pessoa se virou e o acompanhava com os olhos. Ele andou mais um pouco e parou, voltando a olhar para a outra pessoa. Não escondendo a raiva na voz que somente parecia ponderada, prosseguiu:

- Rabicho foi muito descuidado... Deixou-se ser apanhado...

- Eu sempre lhe disse que ele não era de confiança e continuarei a afirmar isso até o fim dos meus dias.

- Eu sei, não precisa ficar me lembrando. Contudo... apesar de ser um completo palerma, e o que é pior, um covarde, ele ajudou quando foi necessário. O fato de ele ser um animago ajudou bastante para que espionasse para mim ano passado...

- Eu também poderia ter feito isso... – a pessoa disse com um quê de irritação na voz, mas o homem pareceu ignorá-la e continuou.

- Mas eu sabia que, mais cedo ou mais tarde, ele seria pego. Aquele que era amigo dele, Sirius Black, vivia rondando, à espreita... – a outra pessoa pareceu ter um súbito arrepio ao ouvir esse nome, mas logo se recompôs. – Além disso, Rabicho era muito descuidado... Por culpa dele tive que mudar o esconderijo de alguns dos meus, ou então os aurores causariam baixas no grupo... Aquele Black descobriu onde estavam e foi correndo contar para Dumbledore...

- Por que não silenciaram Black?

- Ele é muito esguio... Era de alguém como ele que eu precisava, não de um idiota como Rabicho... É uma pena que ele seja tão convicto em seus ideais...

- Mas pelas nossas fontes, Pettigrew não foi pego somente por Black... Alguém ajudou...

- E é isso que mais me incomoda... Teve o dedo daquele moleque... Ele sempre está nos lugares para atrapalhar meus planos! – o homem gritou essa última frase e derrubou no chão mais alguns objetos que estavam sobre a lareira. Com a voz um pouco mais calma, mas ainda com ódio, continuou:

- E o pior, é que ele sabe a profecia... Ele viu! Se ele descobrir o que ela significa...

- Ele não vai descobrir, não se preocupe...

- Eu não tenho tanta certeza, e não ter certeza de algo me incomoda...

- Esqueça isso por enquanto. Qual era a missão que queria que eu fizesse?

- Quero que espione para mim.

- Sob que forma?

- Esta.

- Mas como? Como farei isso?

- Você sabe como. Eu sei que sabe. Use das melhores armas que tiver. Você será meu elo com eles...

- Como quiser, meu...

Muito longe dali, Harry Potter acordou assustado e com sua cicatriz ardendo intensamente.

Harry estava sentado em sua cama. Sua respiração estava arfante, e ele estava molhado de suor, que escorria pelo seu corpo, mas particularmente em sua testa. A cicatriz ardia, queimava... Colocou a mão sobre ela. Não estava sangrando. Pelo menos sabia que ninguém que fosse importante para ele estava ferido...

Deixou-se cair na cama, de costas e com os braços abertos. Ficou olhando para o teto por algum tempo. No peitoril da janela, Edwiges estava empoleirada, dormindo com a pata debaixo da asa. A luz do sol entrava pela janela aberta, iluminando fracamente o quarto e indicando que mais um dia se iniciava.

Fazia três dias que acontecera aquilo tudo no Beco Diagonal. Harry ainda estava na casa de Remo; por mais que os amigos tivessem insistido para que fosse para a Toca, o ex-professor fora irredutível e dissera que Harry tinha que permanecer onde estava. Ordens de Dumbledore.

Harry não tivera muitas notícias de Sirius nesse meio tempo. A única coisa que sabia era que ele estava no Ministério, com aurores vigiando-o, da mesma forma que vigiavam Rabicho. Ainda não tinham resolvido o que fariam com os dois. Isso era preocupante. Mas o Sr. Weasley parecia estar mexendo os pausinhos para ajudar Sirius, como informou a Sra. Weasley em uma carta que mandara para Harry e Remo.

Mas, pelo menos agora, Harry não estava se preocupando com isso. Tinha o sonho para ocupar sua mente. Fazia muito tempo que não tinha nem um sonho como esse, um sonho com Voldemort, no qual sua cicatriz ardesse mais tarde, indicando que era real. Mas o que significava? Os detalhes escapavam de suas lembranças, como água entre os dedos...

- Então é ele? Eu estava certo nas minhas suspeitas...

Era a voz de Remo vinda da sala. Harry se virou na cama, colocou os óculos e começou a espiar pela fresta da porta entreaberta. Da porta de seu quarto, conseguia ver um pedaço da sala. Podia ver Remo sentado em uma das poltronas, mas não era possível ver com quem ele estava falando. Harry só conseguia visualizar um braço coberto por uma manga roxa, que estava apoiado na poltrona que ficava de frente à de Remo.

- Não posso confirmar nada, meus lábios estão selados... Mas... – uma outra voz, que parecia ser de um homem velho, disse.

- O senhor não precisa confirmar, agora eu sei que estava certo.

- Desde quando começou a desconfiar?

- Há muito tempo... Mas só agora eu e Sirius começamos a conversar sobre isso...

- Entendo...

Harry sabia que aquilo não era certo, não devia ficar ouvindo as conversas dos outros, mas não conseguia deixar de prestar atenção às palavras que vinham da sala. Era como se precisasse escutá-las... Estava bem na beirada da cama, tentando escutar...

- E eles sabiam?

- Talvez sim... Tenho quase certeza de que pelo menos ela sabia...

Cataploft. Harry caiu da cama sonoramente. Xingou baixinho, sentindo os joelhos doerem. Edwiges acordou assustada e piou freneticamente.

- O que foi isso?

- Harry? É você?

O rapaz ouviu a voz de Remo chamá-lo e viu que estava num beco sem saída. Não tinha nenhuma opção a não ser ir até a sala e inventar uma desculpa. Não queria que Remo soubesse que ele estava escutando a conversa. Só esperava que conseguisse ser convincente, não era muito bom com mentiras.

- Harry?

- Fui eu sim, Remo! – o rapaz gritou em resposta.

- O que aconteceu?

Harry bagunçou o cabelo o máximo que pôde, mas não precisava muito, ele já era bastante desarrumado. Tirou os óculos e segurou-os na mão, para dar a impressão de que tinha acordado agora mesmo. Abriu a porta e saiu. Já no pequeno corredor, pôde ver os contornos difusos de Remo lá da sala olhando-o com uma expressão confusa no rosto.

- Ah... caí da cama... – o rapaz disse.

- Caiu? Como?

- Anh... me virei demais e acordei no chão... – Harry disse tentando parecer normal e colocou os óculos no rosto.

Remo fez uma expressão divertida e chamou:

- Tudo bem. Venha cá, Harry.

Ele parecia ter engolido a história, e Harry não sabia se sentia feliz ou chateado. Não gostava de enganá-lo... "Você vai longe assim, Harry", disse para si mesmo, sentindo o estômago revirar.

Caminhou até a sala e quase caiu pra trás quando viu quem estava sentado na poltrona que ficava perto da janela: Alvo Dumbledore. Ele parecia mais velho e cansado, mas seus olhos azuis ainda cintilavam por detrás dos óculos de meia lua. Em meio à barba grande e branca, ele sorria.

- Bom dia, Harry. – ele cumprimentou.

- Bom dia... professor... – Harry respondeu boquiaberto.

- Dumbledore veio conversar conosco, Harry. – Remo explicou.

- Comigo também? – o rapaz perguntou sem entender. Pelo que pensara ao ter ouvido parte da conversa dos dois bruxos anteriormente, não parecia que contariam muita coisa a Harry. Como sempre.

- Sim, Harry. – Dumbledore respondeu por Remo. – Tenho assuntos importantes a tratar com vocês dois.

- Você parece meio suado, Harry. – Remo comentou, e o rapaz lembrou do sonho. Será que valia a pena contar para os dois? Mas nem lembrava direito dele...

- Deve ser o calor. – Dumbledore sugeriu. – O tempo anda muito quente...

- Bem... – Harry começou. – Se vocês não se importarem em esperar um pouco, acho que vou tomar um banho...

- O senhor está com pressa? – Remo perguntou ao diretor de Hogwarts.

- Tenho muito tempo. Pode ir, Harry.

- Então, com licença.

Harry se retirou e foi até o seu quarto. Enquanto pegava a toalha e uma roupa limpa, conseguiu ouvir algumas frases dos dois lá na sala. Não pareciam querer esconder o que estavam falando agora, pois não controlavam o tom de voz como antes.

- O senhor já conseguiu algum novo professor de Defesa Contra as Artes das Trevas? – a voz de Remo pôde ser ouvida.

- Poderia ser você... – Dumbledore convidou.

- Não... Eu não... O senhor sabe, os pais dos alunos nunca aceitariam...

- É uma pena. Mas eu recebi uma carta de referência de uma ex-aluna, da turma que se formou na sua época.

Harry saiu do quarto e, antes de entrar no banheiro, ouviu Remo perguntar:

- E eu a conheço?

O rapaz fechou a porta e não conseguiu entender o que Dumbledore respondeu. Mas também não podia abrir a porta de novo, então resolveu tomar logo seu banho. Enquanto fazia isso, tentou puxar na memória as lembranças do sonho que tivera, mas sem sucesso. Desistiu e resolveu esquecer. A cicatriz já tinha parado de doer, o que ajudou para que tirasse isso da cabeça.

Quando saiu do banho, viu que Remo e Dumbledore estavam tomando chá e tendo uma conversa descontraída, o que estranhou. O diretor ria às vezes de algumas coisas. Assim que viu Harry saindo, Remo convidou-o a se juntar com os dois e pediu para que pegasse o resto do seu bolo de aniversário, para comerem. Harry fez isso. Tinha sobrado menos da metade do bolo. O rapaz sempre comia uns três pedaços por dia, porque era um bolo muito gostoso.

Harry levou o bolo e mais alguns pratos até a sala, e colocou-os na mesa de centro. Remo serviu a todos e Harry ficou com o último pedaço, que era o maior, aproveitando para raspar o prato com as migalhas também. Enquanto comiam, Dumbledore disse a Harry:

- Remo me contou as circunstâncias pelas quais você saiu da casa de seus tios...

O rapaz pousou o talher no prato, se sentindo um pouco incomodado. Mas já esperava que o diretor fosse tocar nesse assunto.

- Então acho que eu não preciso explicar nada.

- Presumo que Remo tenha lhe contado o porquê de minha insistência quanto a você ficar lá nessas férias.

- Eu contei sim, Dumbledore.

- É o que eu achava. Harry...

- Eu não vou voltar lá.

Dumbledore suspirou. – Eu entendo. Mas você acha que... talvez... ano que vem...

Harry terminou o pedaço de bolo e colocou-o sobre a mesa. Olhou profundamente para o diretor, como nunca tinha feito antes. Já aceitara muita coisa na vida, e isso não ia mais aceitar. Ao menos dessa vez, tomaria sua própria decisão.

- Professor, eu realmente sinto muito que o senhor tenha se dado ao trabalho de proteger a casa dos meus tios e depois isso não tenha surtido nenhum resultado, já que eu saí de lá. Agradeço sua preocupação comigo, mas eu repito o que disse antes: – Harry respirou fundo e frisou as palavras seguintes: - Não vou voltar lá, nem nesse ano e nem nunca mais.

Dumbledore suspirou mais uma vez, abaixou a cabeça e depois olhou profundamente para Harry como sempre fazia, mas dessa vez não disse nada. Foi Remo quem tomou a palavra:

- Pense bem, Harry. Ano que vem...

- Ano que vem, eu terei dezessete anos e serei maior de idade, pelo pouco que sei. Então, acho que poderei fazer o que quiser. E o que eu quero é ficar o mais longe possível dos Dursleys. Nunca mais eu quero voltar lá. Principalmente depois do que eles me disseram.

- Tudo bem, Harry... – Dumbledore disse cansado. – Se esta é a sua decisão, eu respeitarei. Mas o motivo principal de minha vinda aqui não foi para falar sobre isso.

Tanto o diretor, como Remo terminaram o bolo e depositaram os pratos na mesa. Dumbledore tomou a palavra, enquanto Remo e Harry escutavam atentos.

- Acho que deve estar ansioso para saber por que estou aqui, Harry. – Dumbledore disse, e Harry apenas confirmou com a cabeça. – Remo já sabe um pouco mais que você porque contei a ele quando cheguei hoje cedo. – ele fez uma pausa e depois continuou. – Eu vim aqui para falar de Sirius.

- Como ele está? O senhor falou com ele? – Harry se adiantou, e Dumbledore fez sinal para que tivesse calma.

- Eu o visitei ontem.

- Mas não são permitidas visitas, pelo que sei. – Remo comentou.

- Eu sei disso. Mas eu tive permissão, e logo vocês entenderão o porquê. – Dumbledore respirou fundo e começou a explicar:

- Sirius está bem. Eu conversei com ele e posso afirmar que ele está bastante... animado, digamos. E eu estive conversando muito também com Arthur, e ele sabe que Sirius é inocente... pelas experiências que tivemos todos que passar, já que estamos todos contra o lado negro. Pela posição que ele tem agora como Ministro, ele vai e já está ajudando.

- Isso quer dizer que Sirius ficará livre? – Harry perguntou cheio de esperança.

- Ainda não, Harry. Apesar de muitos acreditarem em Sirius, também há muitos que o temem. Por isso, ele terá que passar por um julgamento. Um julgamento bruxo.

Remo, que estava na ponta da poltrona para ouvir melhor, recostou-se nela e alisou os cabelos, parecendo preocupado. Harry sentiu como alguma coisa muito gelada e indigesta estivesse na boca de seu estômago.

- Mas como é um julgamento bruxo?

- Um pouco diferente de um julgamento trouxa, Harry. – Dumbledore explicou. – Como no dos trouxas, há um juiz, um advogado e um promotor. Mas não é a bancada de jurados, ou melhor, há outros jurados.

- Como assim?

- Os bruxos a que assistem são os jurados. Eles votam e, somente em último caso, ou seja, se houver empate, aí sim a decisão fica pelo juiz.

- Isso quer dizer que... – Harry começou. – Se houverem muitas pessoas contra Sirius, ele será condenado?

- Exatamente. Por isso, é importante que a maior quantidade de aliados nossos esteja presente na audiência, porque eu sei que também haverá muitos aliados do outro lado presentes também.

- Do que o senhor está falando? – Remo, que estava quieto, se manifestou. – Do outro lado? O senhor está falando de Voldemort?

- Sim. Não será apenas Sirius que será julgado nessa audiência. Pedro Pettigrew também será.

- Um julgamento duplo? – Remo perguntou sem entender.

- Isso mesmo. Será assim porque a absolvição de um, resultará na condenação do outro, já que o caso é o mesmo. E como será o julgamento de Pettigrew também, estou certo de que Voldemort não vai desistir tão fácil de perder um servo dessa forma. Será o mesmo do que dar as informações que ele tem de bandeja para nós. Por enquanto, não se pode arrancar nenhuma informação de Pettigrew, pois não há provas concretas de que ele seja culpado. Mas depois, se ele for condenado, aí sim poderão ser usados vários artifícios para fazê-lo revelar segredos de Voldemort, e tenho certeza de que ele vai lutar para que isso não aconteça até o fim, mesmo que seja por baixo dos panos.

- Provavelmente ele arranjará um advogado muito bom para Pedro... – Remo deduziu.

- Já arrumou. Lúcio Malfoy.

Remo riu sem alegria.

- Ele não desiste? Já perdeu as eleições!

- Essa é a chance dele de se firmar entre a sociedade. E temo que, se ele conseguir o que quer, causará uma desconfiança sobre o atual Ministro e, talvez, até ainda cobice o cargo. E pode conseguir. Não podemos esquecer que a diferença nas eleições foi mínima.

- Isso quer dizer que a posição do Sr. Weasley está arriscada?

- Temo que sim, Harry.

- E Malfoy é um ótimo advogado... – Remo lamentou. – Estudou para isso e até trabalhou no ramo por um bom tempo...

- Ele será um adversário de peso.

- Como assim, Dumbledore?

- Além de advogado de Pettigrew, ele agirá como promotor de Sirius.

- E ele nunca gostou de Sirius, desde o tempo de Hogwarts... Pode complicar muito as coisas...

- Mas quem será o advogado de Sirius? – Harry perguntou.

- Eu. – Dumbledore respondeu. – E também serei o promotor de Pettigrew.

- O senhor?

- Então Sirius tem chance. – Remo disse com um sorriso. – E muita.

- Assim espero... – o velhinho de barbas brancas falou, com o ar mais cansado do que nunca. – Eu estudei direito quando era jovem, mas não atuei muito na área. Passei a me interessar mais por Transfiguração e logo passei a dar aulas em Hogwarts... Lúcio Malfoy, apesar de ser muito mais jovem do que eu, tem mais experiência.

- Então foi por isso que o senhor conseguiu visitar Sirius... – Remo comentou. – Como seu advogado, o senhor tem esse direito.

Dumbledore sorriu levemente.

- E eu vim até aqui também justamente para ver o andamento do processo e ter algumas idéias do que fazer. Ainda irei ao Ministério hoje novamente, para obter mais informações. Mas, uma coisa que sei que Sirius vai precisar, serão de testemunhas a seu favor. – ele parou de falar por um instante e olhou de Remo para Harry, para depois sorrir. – E eu já sei de duas testemunhas.

Remo balançou a cabeça como se entendesse e depois falou descrente:

- Esqueça, Dumbledore... Eu não servirei como testemunha. Ninguém acreditará na minha palavra, e o senhor sabe o porquê.

- Aí que você se engana, Remo. Apesar de você ser o que é, eu estou certo de que sua palavra ajudará. Um lobisomem só perde o controle de suas faculdades mentais quando está transformado, e você não estava transformado quando descobriu a história verdadeira de Sirius, três anos atrás. Além disso, você conviveu com Sirius por muitos anos em Hogwarts, e mais do que ninguém, você o conhece.

- Lobisomens são criaturas das trevas... – Remo lamentou tristonho. – Os jurados...

- Os jurados serão persuadidos da verdade, Remo. – Dumbledore afirmou. – Nem todo lobisomem passa para esse lado, e os que passam são só porque perdem a vontade de viver. Você tem como provar que não pertence às trevas. Há provas que digam o contrário? Não. Alguém já foi atacado por você em sua fase ruim? Não.

Remo suspirou e disse apenas um nome.

- Severo Snape.

Dumbledore sorriu abertamente.

- Deixe Severo comigo.

Depois de falar isso, Dumbledore se voltou para Harry e disse:

- Porém, a testemunha chave será você, Harry.

- Eu?

- Mas é claro. Você foi o mais afetado com tudo isso. Você foi o mais traído. A sua palavra, apesar de ser apenas a de um adolescente, terá peso na decisão dos jurados ou do juiz.

- Se o senhor tem tanta certeza... – Remo começou. – Eu farei de tudo para ajudar meu amigo.

Dumbledore acenou com a cabeça e lançou um olhar compreensivo a ele. E então olhou para Harry, que sorriu e disse:

- A única coisa que eu quero agora é que Sirius fique livre. E se a minha ajuda é necessária, farei tudo que puder.

Os dias continuaram a passar lentamente, talvez ainda mais. Harry estava extremamente ansioso com o julgamento do padrinho, que parecia não chegar nunca. Ele fora marcado para o fim do mês, no dia 29 de agosto. Três dias antes do embarque a Hogwarts.

Além da data, Harry não teve muitas notícias a respeito durante todo esse tempo além do que saía nos jornais, que fervilhavam atrás das melhores manchetes sobre o assunto. Até as notícias sobre Voldemort foram deixadas em segundo plano, mas isso se devia também ao fato de que o bruxo das trevas parecia ter parado um pouco com as suas ações. Talvez estivesse mais interessado no julgamento como todos, ainda mais porque um servo seu estava no banco dos réus, junto com Sirius.

Ao mesmo tempo, Dumbledore estava muito misterioso a respeito de suas ações. Nem Harry, e ao que parecia, nem Remo sabiam do andamento das ações do diretor de Hogwarts sobre o caso. O jeito era esperar.

Mas o dia finalmente chegou. Era uma manhã nublada, mas abafada quando Harry acordou naquele dia, e o clima estava tenso. Durante o café, Remo não trocou nenhuma palavra com Harry, além de um "bom dia" muito baixo. Isso não era normal, porque os dois conversavam muito.

Por sua vez, Harry também não estava muito a fim de falar. Sentia como se tivesse comido algo indigesto que ainda não passara direito pela garganta. E seu estômago revirava incomodamente desde que acordara. A única coisa que o aliviava, era que não tivera nenhum sonho real com Voldemort desde o último e, muito menos, nessa madrugada.

Terminado o café, Remo foi até a sala ainda em silêncio e, quando voltou à cozinha, trazia um molho de chaves embrulhado em um lenço. Colocou-os em cima da mesa da cozinha e explicou a Harry:

- Essa é chave de portal que usaremos. Nos levará até a porta do Ministério da Magia, onde será o julgamento.

Harry assentiu com a cabeça, e os dois, ao mesmo tempo, encostaram a ponta dos dedos nas chaves. Assim que fizeram isso, Harry sentiu novamente aquele puxão no umbigo característico, o uivo do vento aos seus ouvidos e o rodopio de cores. E, em poucos segundos, sentiu novamente o chão aos seus pés. Quando deu por si, estava em frente a um grande edifício de vidro escuro, que presumiu ser o do Ministério da Magia. O lugar onde estava localizado era isolado, ou seja, não havia nada a não ser o edifício no lugar, provavelmente para não dar vazão à problemas com trouxas.

Havia muitas pessoas e carros na frente do edifício. Bruxos e bruxas de todos os tipos, desde curiosos, repórteres que se espremiam e se esbarravam atrás da melhor foto e matéria, até bruxos importantes, vestidos em elegantes vestes formais. Harry olhou para si mesmo e se sentiu um pouco envergonhado. Não estava desarrumado, mas também não tão arrumado quanto alguns ali. Vestia uma calça preta social e uma camisa de botões azul escura. E não eram roupas de bruxos, eram de trouxas. Tentou ajeitar o cabelo para melhorar as coisas, mas lembrou que isso era impossível.

- Vamos ter que nos espremer entre os curiosos e os repórteres para passar. – Remo comentou enquanto colocava as chaves enroladas no lenço no bolso e fazia um sinal para que Harry o seguisse.

Existiam muitas pessoas mesmo em frente ao prédio, e Harry pensou que nunca tinha visto tantos bruxos juntos desde a final da Copa Mundial de Quadribol. Remo tentou levar Harry por um caminho longe dos olhares atentos e das câmeras dos repórteres, mas foi impossível. Quando estavam quase na porta de vidro do edifício, uma jornalista, apenas alguns anos mais velha que Harry e que usava grandes óculos fundo de garrafa no rosto, gritou para que todos ouvissem:

- Harry Potter! Harry Potter está aqui! O menino que sobreviveu!

Imediatamente, o rapaz se sentiu não apenas corar, mas seu rosto explodir de vergonha. Deveria estar como um pimentão. Achatou a franja na testa, abaixou a cabeça e tentou seguir Remo, mas esbarrou na jornalista dos óculos. Em questão de segundos, Harry se viu cercado por montes de repórteres e fotógrafos que quase se batiam para conseguir o melhor ângulo do rapaz. Por trás deles, alguns curiosos pulavam para tentar ver melhor.

- Sr. Potter? – a jornalista de óculos empurrou na cara de Harry uma espécie de gravador bizarro. – O que o senhor tem a dizer sobre o julgamento de Sirius Black? Afinal, ele traiu sua família...

Um homem de uns quarenta anos empurrou a outra jornalista e, segurando uma pena de repetição rápida, perguntou:

- E sobre a descoberta de Pedro Pettigrew vivo? Isso é uma reviravolta no caso, não é?

Harry não sabia o que fazer. Para sua sorte, quando um outro jornalista estava empurrando o último e fazendo uma nova pergunta, Remo apareceu, não se sabia de onde, empurrando muitos repórteres enquanto passava:

- Licença, me dêem licença...

Remo conseguiu chegar aonde estava Harry, colocou a mão em seus ombros e disse com a voz firme para os jornalistas:

- O Sr. Potter não vai dar nenhuma declaração nesse momento.

- E quem é o senhor? – aquela jornalista de óculos perguntou num tom desafiador.

- Eu sou o responsável por ele e não vou permitir que ele dê entrevistas!

Remo disse isso num tom tão firme e nervoso, que até Harry ficou um pouco assustado. Não foi preciso falar mais nada. Os repórteres abriram espaço, e os dois puderam passar. Antes de entrarem, porém, tiveram que dizer seus nomes a um bruxo baixinho e magro que estava guardando a entrada com esforço:

- Srs. Remo Lupin e Harry Potter. – Remo informou.

O bruxo consultou uma lista comprida que estava sobre uma prancheta e respondeu com uma voz falha:

- Departamento de Justiça Bruxa, décimo sétimo andar.

Ele abriu a porta de vidro, e Harry e Remo entraram. A sala onde se encontravam era enorme e muito bem decorada; havia alguns sofás vermelhos de veludo, mesas de vidro com vasos antigos, carpetes decorados, lustres de vidro e quadros de bruxos famosos que olhavam com curiosidade para os visitantes que acabavam de chegar. Havia ainda um balcão no fundo da sala, onde uma moça, que parecia ser a recepcionista, lia o "Semanário das Bruxas".

Remo não comentou nada com Harry, e apenas se dirigiu ao fim da sala onde havia uma espécie de elevador. Harry o seguiu, e os dois entraram.

- Décimo sétimo andar. – Remo disse, e o elevador começou a subir rapidamente.

- Isso é como um elevador trouxa? – Harry perguntou quebrando o silêncio.

- Não exatamente. Não tem roldanas, é enfeitiçado. – o outro respondeu e depois voltou ao seu silêncio.

Harry preferiu ficar quieto também. Remo parecia muito concentrado em alguma coisa e, ele mesmo, Harry, também não estava para muita conversa. Estava tenso e parecia que se falasse muito, a coisa indigesta que estava na boca de seu estômago sairia garganta afora.

Depois de pouquíssimo tempo, o elevador parou, e a porta se abriu. Os dois saíram e entraram em uma sala pequena de espera, decorada com móveis em madeira escura. Um bruxo estava anotando alguma coisa em uns papéis e perguntou assim que viu os dois entraram:

- Os senhores vão para o julgamento? – Remo concordou com a cabeça, e o bruxo continuou: - Última sala, no fim do corredor.

Harry e Remo se dirigiram para lá em silêncio. Mesmo nervoso do jeito que estava, Harry não pôde deixar de notar os belos móveis que existiam no corredor e os quadros com molduras em ouro de vários bruxos que ele só vira nas fotos dos livros. Uma das bruxas, muito bonita e com um vestido longo, piscou para ele e sorriu.

Quando chegaram ao fim do corredor, ele se abria e o teto ficava muito mais alto. Havia uma porta grande de carvalho que chegava quase ao teto. Ela estava aberta e dava para uma sala enorme, muito maior do que a da recepção no térreo do prédio. Havia uma série de bancos escalonados, dando uma visão ampla do outro lado da sala, que ficava em um patamar bem mais baixo, e onde estavam localizadas uma mesa grande e alta de madeira, igual àquelas dos trouxas onde os juizes se sentam, com uma mesa mais baixa onde ficam as testemunhas. No centro desse ambiente, estavam duas cadeiras com correntes nos braços, provavelmente onde sentavam os réus. Os bancos escalonados iam descendo e davam em uma espécie de grade que os separava do ambiente principal. Perto das grades, em ambos os lados, estavam duas mesas com cadeiras.

A sala estava cheia de pessoas, que conversavam em vozes baixas. Remo entrou, e Harry o seguiu. Começaram a descer os degraus que ficavam no centro e eram cobertos por um tapete vermelho escuro; Remo olhando para os lados, como se procurasse alguém. Subitamente, Harry ouviu chamarem seu nome. Olhou para os lados pensando que fosse imaginação, mas viu, bem na fileira da frente, do lado esquerdo, uma garota de cabelos castanhos cheios acenando freneticamente para ele. Atrás dela, um rapaz ruivo de sardas também acenava.

- Mione? Rony? – Harry disse para si mesmo não acreditando.

Cutucou Remo à frente, que olhou para onde o rapaz apontava. O bruxo fez uma expressão descrente, mas seguiu com Harry para o lugar onde os amigos estavam sentados. Assim que chegaram, Harry perguntou:

- Não pensava que vocês dois viriam...

- Você nem vai acreditar quando a gente te contar o porquê... – Hermione disse e apontou um lugar ao seu lado, na ponta da fileira, para que o amigo sentasse. Depois dos cumprimentos, Harry se sentou no lugar indicado pela amiga, enquanto Remo sentou do lado esquerdo de Rony.

- Mas por que vocês estão aqui? – Harry perguntou.

- Somos testemunhas também. – Rony disse animado.

- Vocês também? – foi Remo quem perguntou dessa vez, saindo pela primeira vez em muito tempo de seu silêncio.

- Isso mesmo, professor. – Hermione respondeu. – Eu, o Rony e a Sra. Weasley.

- Dumbledore foi em casa falar isso pra gente há poucos dias. – Rony explicou.

- E vocês também são testemunhas, não é? – Hermione perguntou e Harry confirmou.

- Putz... Olha quem tá entrando... – Rony lamentou e apontou para a porta grande de carvalho.

Harry, Hermione e até Remo olharam. Estavam parados à porta, Draco Malfoy e sua mãe, que Harry vira apenas uma vez, na Copa Mundial de Quadribol. Ela ainda tinha aquela expressão de quem sentia um mau cheiro bem debaixo do nariz; se não fosse por isso, poderia ser considerada uma bela mulher. Para infelicidade dos três amigos, Malfoy os vira e se encaminhava para onde estavam sentados.

- Não acredito que ele tá vindo pra cá... – Rony reclamou se virando na cadeira e fazendo uma careta.

Hermione e Harry se viraram também, e o rapaz notou que Remo não tinha se virado e olhava hipnotizado para os dois que vinham. Tinha um brilho um tanto nostálgico no olhar.

- Se você não tivesse ficado olhando, ele não ia nem perceber que a gente tá aqui! – Hermione alfinetou o namorado.

- Nem vem que vocês dois também ficaram olhando!

- Olha só quem está aqui... – Harry ouviu a voz arrastada de Draco Malfoy atrás de si e se virou, com uma expressão de poucos amigos no rosto. Malfoy sorriu e continuou com os olhos faiscando para Harry:

- Mãe, vem cá ver os três paspalhos de Hogwarts! – ele disse isso frisando de propósito a palavra "mãe". – Queria que o meu pai estivesse aqui para ver...

Harry sentiu o sangue subir e já estava pronto para se levantar quando sentiu as duas mãos de Hermione se apoiarem com força em seus ombros. Rony disse com raiva:

- Dá o fora, Malfoy.

Draco ainda ia falar alguma coisa, mas sua mãe o interrompeu, se aproximando:

- Já achei os lugares que seu pai reservou para nós, filho... – ela parou de falar e seu queixo caiu quando viu alguém atrás dos garotos. Até a expressão de mau cheiro debaixo do nariz desapareceu. Harry se virou e viu que Remo levantara e olhava tristemente para a mãe de Draco.

- Como vai, Narcisa? – ele perguntou estendendo a mão.

Ela respirou fundo e apertou a mão de Remo com uma certa relutância e o mesmo brilho nostálgico que ele tinha nos olhos.

- Bem... Remo... E você?

- Muito bem, também.

Eles permaneceram algum tempo com as mãos juntas, se olhando, até que Draco pigarreou. Narcisa Malfoy fez um ruído de susto e soltou rapidamente a mão de Remo.

- Foi... muito bom revê-lo, Remo. – ela gaguejou, mas ainda tentando manter uma postura de altivez. – Mas eu e meu filho precisamos ir. Vamos, Draco.

Ela puxou o filho, ainda olhando para Remo. Draco apenas lançou um olhar de desprezo para Harry, Rony e Hermione, para depois seguir com a mãe. Remo sentou, mas não tirou os olhos da mulher por um instante sequer. Os três amigos se entreolharam. Harry ia perguntar alguma coisa para Remo, mas Hermione o deteve com um olhar.

Remo ficou mais calado nos minutos seguintes e, de vez em quando, ainda lançava algum olhar para o lugar onde estavam Draco Malfoy e sua mãe. Harry, Rony e Hermione acharam esquisito, mas não disseram nada e preferiram conversar sobre outras coisas. Passado algum tempo, entraram o Sr. e a Sra. Weasley. O pai de Rony estava bastante elegante, mas ainda conservava o mesmo jeito simples. A matrona dos Weasleys, como sempre, deu um abraço muito carinhoso em Harry, para depois se sentar junto com o marido do lado de Remo.

Somente depois de muito tempo, as portas se fecharam e parecia que o julgamento iria começar. Por uma porta lateral, entraram vários bruxos em vestes formais, e Harry sentiu um frio de nervosismo na barriga. Entre eles estavam: Alvo Dumbledore, Lúcio Malfoy e mais um homem de cabelos quase inteiramente brancos, que usava vestes totalmente diferentes das outras e muito pomposas; ele sentou no banco do juiz, enquanto que Malfoy sentava na cadeira em frente à mesa do lado direito, e Dumbledore na do lado esquerdo, próximo de onde estavam Harry e os outros. Assim como algumas das vezes que Harry presenciara, o diretor de Hogwarts parecia irradiar aquela antiga aura de poder.

O salão silenciara à entrada dos bruxos. Além deles, entraram também alguns guardas do Ministério, que provavelmente substituíam os dementadores. O velhinho, que era o juiz, tomou um pouco de água em um copo que estava sobre sua mesa e depois bateu três vezes nela com um pequeno martelo de madeira. Ele olhou para as pessoas na sala e começou a falar em um tom solene:

- Senhoras e senhores, estamos todos aqui presentes hoje, vinte e nove de agosto de 1996, quinta-feira, para o julgamento de dois bruxos. O primeiro deles, condenado à prisão perpétua em Azkaban, é acusado dos seguintes crimes: assassinato de treze pessoas quinze anos atrás, aliança ao lado negro e traição à família Potter. Que entre o acusado, Sirius Black.

Da mesma porta pela qual vieram os bruxos anteriormente, Sirius entrou. Estava com a aparência pior do que do último dia em que Harry o viu, e mais abatido. No instante em que ele entrou na sala, ouviu-se um burburinho e muitas pessoas se ajeitaram nas cadeiras para ter uma visão melhor. Os guardas se colocaram em posição, mas não o acompanharam. Sirius andou sozinho até uma das cadeiras que ficavam no centro da sala, à esquerda. Antes de se sentar, Sirius olhou para Harry e sorriu, o que o fez parecer dez anos mais jovem, mesmo estando tão malcuidado. O rapaz retribuiu o sorriso um pouco nervoso; aquilo que estava na boca de seu estômago anteriormente parecia ter finalmente chagado à garganta, e isso só piorou quando Sirius sentou na cadeira, e as correntes envolveram seus braços.

O juiz pigarreou e a sala silenciou imediatamente. Então, ele continuou a falar no mesmo tom solene:

- O segundo bruxo a ser julgado hoje era tido como morto até poucos dias atrás. Foi descoberto, detido e agora é acusado dos seguintes crimes: ter forjado a própria morte, assassinato de doze pessoas quinze anos atrás, aliança ao lado negro e traição à família Potter. Que entre o segundo acusado, Pedro Pettigrew.

Rabicho entrou por aquela mesma porta com um olhar assustado e amedrontado. Vários "ohs" puderam ser ouvidos, seguidos de um burburinho muito maior que o anterior. Todos tinham os olhos fixos em Pettigrew, que parecia ter perdido ainda mais cabelos e todo o peso que lhe restava. A pele estava flácida, como se ele tivesse perdido muito peso em pouco tempo. Ele olhava para todos os lados, e Harry se lembrou da noite na Casa dos Gritos, quando ele fora descoberto. Rabicho fazia a mesma coisa naquela noite, como se procurasse uma saída, uma escapatória.

Ele sentou em uma cadeira no centro da mesa, à direita. As correntes envolveram seus braços como as de Sirius. Rabicho fez uma expressão mais amedrontada ainda e, Harry notou, Sirius tinha um olhar quase assassino para o antigo colega. Olhou para Remo e viu que ele também tinha um olhar muito parecido com o do padrinho. O juiz pediu silêncio e voltou a falar:

- Hoje, esses dois bruxos serão avaliados perante as senhoras e os senhores presentes, os jurados. É importante ressaltar que a absolvição de um, resultará na condenação do outro. Sirius Black será representado por Alvo Dumbledore. – ele apontou para o diretor de Hogwarts, que levantou, fez uma reverência ao juiz e depois aos jurados. Harry pôde ver quando o diretor o olhou diretamente nos olhos, para depois voltar a sentar.

- Por sua vez, Pedro Pettigrew será representado por Lúcio Malfoy. – o juiz prosseguiu e indicou o pai de Draco Malfoy. Lúcio levantou e, como Dumbledore, reverenciou ao juiz e aos jurados. O juiz continuou:

- Eu, Mundungo Fletcher, responsável pelo Departamento de Justiça Bruxa do Ministério da Magia, presidirei a cerimônia. Peço encarecidamente que as senhoras e os senhores avaliem minuciosamente cada depoimento, cada prova, cada palavra proferida nessa sala durante esse julgamento, antes de decidirem. Está aberta a seção. – ele disse e bateu fortemente na mesa com o martelo. Depois fez um gesto a Lúcio Malfoy, que se levantou. – Como o seu cliente ainda não é considerado um criminoso perante os bruxos, o senhor tem a palavra primeiro, Sr. Malfoy.

- Obrigado, meritíssimo. – Lúcio Malfoy disse com uma voz fria e se dirigiu ao centro da sala. Ele olhou para a platéia e começou a falar num tom que escondia uma pontinha de descontentamento, como se, de certa forma, estivesse fazendo aquilo somente por obrigação. – Senhoras e senhores! Peço pela atenção de todos e a compaixão para com o meu cliente. O Sr. Pettigrew está sendo acusado injustamente de todos esses crimes hediondos que o senhor presidente dessa mesa, Sr. Mundungo Fletcher... – ele indicou o juiz e fez uma reverência contida a ele. - ...relatou.

"Quinze anos atrás, quando o mundo bruxo presenciou todos aqueles acontecimentos trágicos e lamentáveis... – Malfoy se referia à morte dos pais de Harry e a sobrevivência dele próprio, derrotando Voldemort. Harry sentiu a falsidade nas palavras ditas por Malfoy naquele instante, e uma onda de raiva contida percorreu-lhe todo o corpo. - ...o Sr. Pettigrew teve participação para com eles, mas não como as pessoas estão interpretando equivocadamente. Meu cliente não foi um traidor, e sim um herói! – Harry teve vontade de vomitar ao ouvir isso. – Pedro Pettigrew defendeu seus amigos e a memória deles, arriscando a própria vida! Ele descobriu que fora Sirius Black o traidor... – ele apontou dramaticamente para Sirius, que parecia ter a mesma sensação de Harry: vontade de vomitar. – ...e, por isso, foi atrás dele, cobrando pela palavra de honra que tinha dado! A palavra de honra de ser fiel aos Potter, de esconder o segredo deles, através do Feitiço Fidelis."

- Quando foi cobrar Black, este, enlouquecido pela queda de seu mestre, tentou matar o Sr. Pettigrew, acabando por assassinar mais doze trouxas que estavam no local. Mas o que ninguém sabia, era que Pedro Pettigrew tinha sido inteligente o suficiente para escapar de seu 'antigo amigo', e se esconder por todos esses anos subseqüentes...

Sirius produziu um som quase ininteligível, achando graça ao ouvir a palavra "inteligente". Ninguém reparou a não ser Harry, portanto, Malfoy prosseguiu:

- O meu cliente se escondeu por anos utilizando sua forma animaga de um rato entre uma família tradicional de bruxos que, por sinal, trata-se da família Weasley, a mesma do nosso Ministro da Magia, o Sr. Arthur Weasley...

Malfoy disse isso com tanto veneno e raiva, que o clima pareceu ficar mais pesado do que antes. Harry viu o Sr. Weasley sorrir, vitorioso.

- E os senhores certamente se perguntam: mas por quê, afinal, Pedro Pettigrew se escondeu durante anos sendo inocente? A resposta é simples: temor. E tenho certeza de que meu cliente não tem vergonha alguma de dizer que sentira medo de se revelar. Se ele é culpado de algo, foi de mandar um dos mais fiéis, dedicados e, devo ressaltar, perigosos, servos do Lord das Trevas para a prisão de Azkaban. Mesmo depois da queda do mal, existiam sim, vários Comensais da Morte espalhados pelo mundo bruxo...

- E você era um deles, não é? – Rony disse em um sussurro quase inaudível ao lado dos amigos. Hermione olhou repreendedoramente para o namorado.

- ...isso era de aterrorizar até o mais corajoso dos bruxos! Comensais atrás de vingança pela queda de Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado... e pela prisão de um dos melhores homens do Lord das Trevas: Sirius Black! Senhores, é algum crime temer pela própria vida? Somos todos bruxos aqui, mas em primeiro lugar, somos humanos. E como humanos, tememos por nós mesmos. Em uma situação como essa, quem iria se arriscar a se revelar e correr o risco de morrer barbaramente? Ninguém faria isso... nem o mais bravo dos homens... Por isso, peço que avaliem com o maior cuidado esse caso delicado... e tomem a decisão mais acertada... e mais coerente.

Harry não pôde deixar de admitir que Malfoy fosse muito habilidoso com as palavras, mesmo que fosse indiscutivelmente cínico. O bruxo tomou fôlego e disse em uma voz mais alta do que anteriormente:

- Chamo como testemunha, a Sra. Madeleine Pettigrew, mãe de Pedro Pettigrew.

Uma senhora idosa, de cabelos muito brancos, lisos e compridos, presos em um coque desajeitado, se levantou no fundo da sala e começou a descer as escadas com uma certa dificuldade. Mesmo sendo mãe de quem era, ela tinha um ar doce e simpático. Ela passou por uma abertura na grade que separava os dois ambientes e se sentou no banco das testemunhas. Antes de começar a falar, o juiz a instruiu de como fazer o juramento de cumprir com a verdade. Depois disso, Malfoy se aproximou dela e começou:

- A senhora poderia me dizer seu nome e ocupação?

- Meu nome é Madeleine Pettigrew. Sou aposentada e dona de casa. – ela respondeu com uma voz fina e falha. Como o filho, ela era baixinha e um pouco gordinha.

- Como era o comportamento de seu filho, durante todos os anos que conviveu com a senhora?

- Pedrinho sempre foi um bom filho. Ajudava-me em tudo que eu necessitava... O pai dele, meu marido, faleceu quando ele ainda tinha apenas três anos, e eu tinha que sustentar a casa e cuidar de tudo sozinha. Mas meu filho, assim que começou a crescer, também passou a me ajudar com os afazeres domésticos quando eu precisava.

- E quando ele entrou em Hogwarts?

- Continuou o mesmo. A única coisa que mudou foi que ele fez amigos. Pedro sempre teve uma certa dificuldade em fazer amizades, mas mesmo assim fez três amigos na escola, e todos eles eram inseparáveis.

- A senhora consegue imaginar seu filho como um Comensal da Morte e traindo seus melhores amigos? Assassinando pessoas de uma maneira tão cruel?

- Não. Não consigo supor algo como isso... Meu filho nunca faria alguma coisa tão horrível como essa...

- Obrigado, Sra. Pettigrew.

Malfoy já ia dispensar sua testemunha quando Dumbledore se levantou e chamou o juiz:

- Meritíssimo!

- Sim, Sr. Dumbledore?

- Peço licença para interrogar a testemunha de meu colega.

- Protesto! – Malfoy se exaltou. – A testemunha é minha, senhor meritíssimo!

- Protesto negado. O Sr. Dumbledore tem toda a liberdade de interrogar suas testemunhas quando lhe convir, Sr. Malfoy, assim como o senhor também terá.

Malfoy bufou e dirigiu-se à sua cadeira para sentar, enquanto Dumbledore se dirigia ao banco de testemunhas com um brilho nos olhos azuis.

- Eu gostaria de lhe fazer apenas uma única pergunta, Sra. Pettigrew. – Dumbledore disse cortesmente, mas ainda irradiando a aura de poder. – A senhora se importa de respondê-la?

- Estou aqui para isso, senhor. – ela respondeu.

- A senhora poderia me responder, com sinceridade, se alguma vez seu filho lhe escondeu algo? Ou mentiu?

A Sra. Pettigrew abriu e fechou a boca várias vezes, surpresa com a pergunta tão direta do diretor de Hogwarts. Ela ficou em silêncio por alguns segundos e depois respondeu, um pouco hesitante:

- Uma vez, uma única vez, eu desconfiei de meu filho... – ela falava com relutância e olhando várias vezes para o filho no banco dos réus. – Pedro tinha quase dezessete anos na época... Ele estava em casa, eram férias de verão... Eu achei estranho ele vir para casa, porque, geralmente, passava as férias com os amigos. Tiago Potter tinha chamado os amigos naquele ano para passarem as férias juntos e, logicamente, tinha chamado meu filho também, mas ele não foi. Uma noite... eu levantei. Estava sem sono e decidi descer para ir à cozinha tomar um copo d'água. Na minha casa, para chegar à cozinha, tem-se que passar necessariamente pela sala. Quando eu estava chegando lá, ouvi a voz de meu filho e o chamei. Ao chegar à sala, eu perguntei para ele o que estava acontecendo, e ele não me explicou direito... – ela parou de falar e olhou aflita para Dumbledore. – Mas isso, provavelmente, era alguma coisa de jovens, não é?

Dumbledore sorriu, mas não respondeu à pergunta da senhora. Apenas disse:

- Muito obrigado, Sra. Pettigrew. Sem mais perguntas. – e voltou para a sua cadeira para sentar-se.

Depois da mãe de Rabicho, houve outras testemunhas chamadas por Malfoy: dois bruxos, que assistiram à cena entre Sirius e Pettigrew, quinze anos antes, quando houve o assassinato dos trouxas; esses bruxos confirmaram a mesma história que era aceita pela comunidade bruxa desde o acontecimento. Além deles, foram chamados também Narcisa Malfoy, que estudou na mesma época que Pettigrew e Sirius em Hogwarts e contou como era o comportamento dos colegas na época; e o diretor de Azkaban, que testemunhou como era o comportamento de Sirius na prisão. Além de defender Pettigrew, Malfoy tomava uma postura ofensiva contra o padrinho de Harry, tentando persuadir os jurados de que ele cometera mesmo tudo pelo qual era acusado.

No entanto, o depoimento que foi a maior surpresa foi mesmo o de Cornélio Fudge, Ex-ministro da Magia; ele apoiava totalmente Pettigrew e era contra, sob todos os aspectos, a Sirius. Contou algumas conversas que teve com o padrinho de Harry enquanto ele estava em Azkaban, mas o que mais impressionou os jurados foi a história que ele contou sobre como Sirius fora quase pego, três anos atrás, em Hogwarts:

- Black, não sei como, enfeitiçou aqueles adolescentes e os fez acreditar naquela história absurda que sustenta até hoje! – Fudge relatou com veemência, referindo-se a Harry, Rony e Hermione.

- Compreendo... – Malfoy disse. – Obrigado, Sr. Fudge. Sem mais perguntas.

Dumbledore, que desde o depoimento da mãe de Pettigrew, apenas observara a tudo com olhos atentos, levantou pela segunda vez e pediu a palavra ao juiz. Malfoy lançou um olhar de desprezo ao oponente, e se sentou. Dumbledore foi até Fudge e perguntou, com os olhos faiscando mais do que nunca:

- Sr. Fudge... Como explica que Sirius Black não tenha matado, não digo todos os envolvidos no acontecimento de três anos atrás, mas, ao menos, Harry Potter, naquele dia?

- Como assim? – Fudge parecia surpreso.

- Pela história que o senhor sustenta, o Sr. Black é um Comensal da Morte. Digamos que se assim fosse; ele perderia uma oportunidade como aquela? Tendo Harry Potter ao alcance de suas mãos mais do que nunca, que convenhamos, todos sabemos que o rapaz sempre fora o maior alvo de Lord Voldemort... – houve um pequeno rebuliço na sala ao ouvir-se o nome do bruxo. - ...desde quinze anos atrás; tendo a chance de matá-lo e ganhar de vez toda a confiança e honrarias de Voldemort se ele retornasse... Por quê, por que ele não teria matado Harry Potter naquele dia? Por que não teria feito isso se era justamente o que se dizia que era seu intuito?

Cornélio Fudge ficou sem palavras. Estava boquiaberto e sem ação. Dumbledore abriu um grande sorriso e insistiu:

- Por quê, Sr. Fudge? O senhor sabe me responder isso?

- Como posso saber o que se passa na cabeça daquele insano? – Fudge explodiu, levantando e encarando Dumbledore olhos nos olhos, tremendo de raiva. – Quer saber, Dumbledore? Acho que ele o enfeitiçou também, como fez com os garotos!

O velhinho de barbas brancas não pronunciou uma palavra sequer, mas seu sorriso vitorioso dizia tudo. Aquilo parecia enfurecer ainda mais Fudge, que estava prestes a pular no pescoço de Dumbledore. O burburinho se formou intensamente na sala, e Mundungo Fletcher bateu com força o martelo na mesa muitas vezes:

- Silêncio! Silêncio no tribunal! – o barulho começou a diminuir, e o juiz se voltou para Fudge:

- O senhor deve se acalmar! Aqui não é lugar para isso, Sr. Fudge! – o ex-ministro pareceu se acalmar um pouco, mas ainda não desviou o olhar furioso que dirigia a Dumbledore. O juiz se voltou para este e perguntou: - O senhor ainda vai continuar com as perguntas?

- Sem mais perguntas, senhor meritíssimo. – Dumbledore respondeu.

- Nesse caso, recesso de quinze minutos! – Mundungo Fletcher informou, batendo o martelo na mesa.

Os bruxos saíram da sala um pouco tumultuosamente. O Sr. Weasley explicou que todos tinham que sair e, então, ele, a esposa, Remo, Rony, Hermione e Harry começaram a sair atrás dos outros. Harry foi o que mais se demorou, porque ficou observando Sirius sair por aquela mesma porta que entrara, ladeado por dois guardas do Ministério. Dumbledore estava bem atrás deles. Talvez fosse conversar com Sirius durante o recesso. Já Malfoy não esperou para sair da sala. Mesmo com dois guardas ladeando Rabicho, o pai de Draco Malfoy falava algumas coisas ao pé do ouvido de Pettigrew.

Durante os quinze minutos que se seguiram, alguns bruxos que estavam na sala se dirigiram a outros andares do Ministério, mas a maioria permaneceu na sala de espera que dava para o elevador. Rony, Hermione, Remo, e o Sr. e a Sra. Weasley conversavam em voz baixa sobre os acontecimentos do julgamento. De vez em quando, algum bruxo vinha e cumprimentava o Sr. Weasley ou lhe perguntava alguma coisa.

Harry estava quieto e não entrava na conversa, a menos que fosse solicitado. Não estava com muita vontade de falar. Até Remo, que antes estivera tão sério, estava mais descontraído agora. Mas Harry não; o rapaz estava se sentindo inquieto, quase preocupado... "Mas que besteira!", repreendeu a si mesmo. Estava preocupado sim. Ficara bastante impressionado com a desenvoltura de Lúcio Malfoy quando falava aos jurados ou interrogava suas testemunhas. Dumbledore tinha razão; Malfoy parecia ser um bom advogado. "Que idiotice, Harry!", repreendeu novamente a si mesmo. Sempre confiara em Dumbledore e não era agora que deixaria de fazê-lo; além disso, ele fora bastante esperto nas perguntas que fizera às testemunhas de Malfoy e, depois do recesso, provavelmente seria a vez das testemunhas de Dumbledore deporem. Seria a sua vez de depor também..., lembrou.

Havia bruxos de diferentes tipos naquela sala onde estava, Harry observou, tentando, com isso, desviar seus pensamentos. E todos eles estavam elegantes e bem vestidos, e tinham ares de importância. Subitamente, Harry bateu o olho em alguém que não esperava ver: estava entrando, nesse mesmo momento, pelo elevador, um bruxo de vestes negras, cabelos sebosos, pele macilenta e nariz anormalmente grande. E Harry o reconheceu na mesma hora: Severo Snape. O professor de Poções estava bem mais pálido do que o habitual e, se isso fosse possível, mais mal-humorado. Por sorte, ele não viu Harry, ou fingiu não vê-lo, passando direto em direção ao corredor. Mas Harry não conseguia parar de pensar no quê Snape estaria fazendo ali. Teria vindo apenas assistir ao julgamento ou algo mais?

Harry desviou o olhar do lugar para onde Snape tinha ido e tentou voltar à sua ocupação de observar os bruxos da sala. Os outros ainda estavam conversando ao seu lado acaloradamente. Diferente de outras vezes, Remo, o Sr. e a Sra. Weasley não se davam ao trabalho de esconder dos garotos o que queriam falar. Rony e Hermione até entravam na conversa e, às vezes, chamavam Harry para falar alguma coisa, mas o rapaz só dizia o estritamente necessário; preferia ficar sozinho com seus pensamentos se fosse possível.

E, enquanto olhava os bruxos, Harry parou ao ver uma mulher, de seus trinta e poucos anos, de cabelos pretos, longos e cacheados, olhos intensamente azuis, lábios finos e rosto pálido. Ela usava um vestido negro e provocante. Mas não era nada disso que inquietava Harry; o caso é que ela o encarava firmemente e não desviara os olhos quando o rapaz notou isso. Pior, ela começou a encará-lo ainda mais, olhando dentro dos olhos dele. Isso incomodava-o, pois logo desviou o olhar, porém ainda sentindo que ela o olhava. Mas não apenas isso, ela parecia analisá-lo ou... ah, não saberia dizer como ela o olhava, só sabia que o incomodava.

- Harry? – alguém o chamou e ele se virou. Era a Sra. Weasley, que tinha um olhar bondoso e preocupado.

- A senhora me chamou?

- Não fui eu... é que a Hermione tinha falado uma coisa para você e parece que você não escutou...

Harry olhou para a amiga, que tinha uma expressão um pouco preocupada no rosto também.

- Desculpe, Mione. O que você tinha dito?

- Você tá estranho, Harry... O que houve? – ela perguntou.

- É, você tá muito quieto... – Rony comentou. – Você não é assim, Harry...

- Não tenho nada. – Harry disse rápido, tentando mudar de assunto e olhando de esguelha para aquela mulher, que ainda continuava a encará-lo.

- Você está preocupado, querido? – a Sra. Weasley perguntou bondosamente.

Harry se virou e viu o Sr. Weasley sorrir quando disse, confiante:

- Não precisa, Harry... Não fique impressionado com a apresentação que Malfoy deu; Dumbledore é tão bom, ou melhor, do que ele.

- O Sr. Weasley está certo, Harry. – Remo disse e sorriu pela primeira vez no dia. – O Sirius tem grandes chances de se sair bem.

Harry forçou um sorriso e, nesse mesmo momento, um sinal bateu, espalhando-se por todo o prédio e anunciando que o julgamento estava por recomeçar. Todos voltaram para a sala grande e se sentaram nos mesmos lugares que ocuparam anteriormente. Os guardas, o juiz, os advogados e os acusados também voltaram aos seus lugares como antes. Harry se sentiu um pouco mais leve ao ver que Sirius tinha uma expressão tranqüila no rosto. Provavelmente, Dumbledore e ele conversaram durante o recesso.

Mundungo Fletcher bateu algumas vezes com o martelo na mesa e logo a sala silenciou. Ele respirou fundo e anunciou:

- Estamos todos de volta para recomeçar o julgamento duplo de Sirius Black e Pedro Pettigrew. O Sr. Lúcio Malfoy já se manifestou e chamou suas testemunhas, portanto agora é a vez do Sr. Alvo Dumbledore. Por favor, Sr. Dumbledore...

O diretor de Hogwarts agradeceu ao juiz e levantou, dirigindo-se ao centro da sala. Todos se ajeitaram nas cadeiras para ouvir melhor quando o respeitado velhinho pigarreou e começou a falar:

- Senhoras... senhores... Estou aqui para representar o Sr. Sirius Black. Como todos sabem, ele foi acusado de vários crimes, citados anteriormente pelo presidente dessa bancada, o Sr. Fletcher. Meu cliente passou doze anos na prisão de Azkaban, e mais três foragido. No entanto, diferente do que muitos dos senhores aqui pensam, ele não é culpado dos crimes pelos quais é acusado. Apenas foi vítima das circunstâncias que o envolveram. Ele é inocente e provarei isso aos senhores.

Assim que Dumbledore terminou de falar, Harry percebeu que ele seguia uma linha totalmente diferente da de Malfoy. Preferia a ação às palavras. Malfoy, antes de iniciar, tinha feito um discurso enorme (e hipócrita, diga-se de passagem) sobre o caso. Já Dumbledore falara pouco e preferira começar logo com os depoimentos. Irradiando a antiga aura de poder e com um leve cintilar nos olhos azuis claros, ele exclamou:

- Chamo para depor minha primeira testemunha, o Sr. Remo Lupin.

Remo se levantou, e vários olhares desconfiados o acompanharam. Ignorando isso, ele caminhou decidido na direção do banco das testemunhas. Depois do juramento, Dumbledore começou a interrogá-lo:

- Por favor, Sr. Lupin, peço que me diga seu nome completo e profissão.

- Meu nome é Remo Leonard Lupin. Atualmente, dou aulas de inglês em uma escola trouxa.

- O senhor poderia me dizer qual sua relação com ambos os acusados?

- No caso de Pedro Pettigrew... – Remo olhou com profundo desprezo para Rabicho, que se encolheu na cadeira. - ...no caso dele, éramos amigos muito próximos em Hogwarts, na época em que estudamos.

- E quanto a Sirius Black?

Remo olhou para Sirius e sorriu levemente.

- Éramos grandes amigos em Hogwarts, na mesma época também.

- E depois de Hogwarts?

- Continuamos amigos. Mesmo que Pedro estivesse mais distante, eu ainda o considerava como meu amigo também. Quanto a Sirius, nossa relação continuou estreita, até o momento em que aconteceu aquela... catástrofe no dia das bruxas. A partir daí, acreditei que Sirius era culpado, como todos, mas mudei de pensamento há três anos, quando descobri a verdade sobre ele.

- Poderia me dizer como foi a circunstância que fez Sirius Black, Pedro Pettigrew e Tiago Potter, tornarem-se animagos ilegais? – Dumbledore perguntou calmamente e com aquele mesmo brilho nos olhos.

Remo respirou fundo e, com um brilho nostálgico no olhar, começou a narrar suas aventuras na época dos Marotos. Tudo o que ele tinha contado naquela noite, três anos atrás, na Casa dos Gritos, ele falou ali. Até com mais riqueza de detalhes do que da outra vez. Todos escutavam atentos à história. Em algumas partes, Remo ficava angustiado, mas em outras, ele sorria ao lembrar de sua juventude e seus amigos. Harry viu Sirius sorrir também em algumas partes. Já Rabicho se revirava incomodado em sua cadeira, como se não achasse uma posição adequada para se sentar. Quando Remo terminou a extensa narrativa, Dumbledore voltou a falar:

- Pelo que o senhor contou, Sr. Lupin, dá a impressão de que o senhor, Sirius Black, Tiago Potter e Pedro Pettigrew eram ótimos amigos, para fazerem o que fizeram juntos...

- E éramos mesmo. Nós quatro éramos inseparáveis. – Remo sorriu. – Duvido que alguém diga que nos vira separados em algum momento naquela época...

Dumbledore sorriu levemente também, mas logo se recompôs:

- E quanto à relação do Sr. Black com Tiago Potter?

Remo deu uma risadinha baixa.

- Eram melhores amigos. Eram tão grudados que até pareciam irmãos. Um preferia enfrentar um trasgo a fazer algo que desagradasse ao outro, e vice-versa. Eu nunca vi os dois brigarem e tenho certeza de que nunca brigaram mesmo. Lembro-me de ter discutido várias vezes com Sirius e Pedro, e algumas vezes com Tiago também. E isso acontecia também em relação a Pedro com Sirius ou Tiago com Pedro, mas nunca, nunca mesmo, Tiago e Sirius brigaram. Os dois tinham uma consideração muito grande entre si, e nenhum dos dois faria algum mal ao outro.

- E como o Sr. Black se relacionava com Lílian Potter?

Remo abriu um imenso sorriso.

- Lily? Chegava a ser engraçado como os dois se tratavam. Brigavam por qualquer porcaria, mas em dois minutos já estavam se falando. O que eles gostavam mesmo era de se provocarem, mas se estimavam muito. Também tinham uma relação muito próxima a de irmãos, mas ao mesmo tempo diferente da de Sirius e Tiago. Eles dois eram irmãos que não brigavam e se davam muito bem. Já com Lily, ela e Sirius eram como aqueles irmãos que vivem brigando, mas não vivem um sem o outro. Os dois tinham temperamentos explosivos, para falar a verdade.

Harry sentiu alguma coisa diferente dentro de si ao ouvir isso. Nunca soubera que sua mãe e Sirius brigavam assim e se davam tão bem ao mesmo tempo. Na verdade, sempre ouvira falar muito a respeito da relação de Sirius com o seu pai, mas nunca com a sua mãe. E era bem diferente imaginar sua mãe com um temperamento "explosivo".

- E isso mudou quando Tiago e Lílian começaram a namorar? – Dumbledore perguntou.

- Não. Apesar de haver momentos óbvios em que não estavam juntos, o relacionamento deles não mudou. Com efeito, se não fosse por Sirius, Tiago e Lílian nunca teriam se casado...

Agora Harry sentiu mais curiosidade do que qualquer outra coisa. A que será que Remo se referia? Tentaria perguntar a ele ou Sirius mais tarde. Isto é, se desse tudo certo...

- E o senhor sabe me dizer como era o relacionamento do Sr. Pettigrew com eles? Tiago e Lílian?

Remo respirou fundo.

- Com Tiago... bem, Pedro e ele eram bons amigos, como todos nós éramos. Eles não tinham, é claro, a mesma relação como a de Tiago e Sirius, mas ainda assim eram amigos muito chegados. Na verdade, Pedro sempre foi considerado por nós como o... "mascote" do grupo. Ele era o menor, o mais... digamos, lento, para entender as coisas... Mas nós todos gostávamos muito dele. O nosso grupo não seria o mesmo se ele não estivesse conosco, como também não seria se eu, Sirius ou Tiago não estivéssemos presentes. Nós nos completávamos. Não seríamos os "Marotos", se não estivéssemos todos juntos e unidos. – Remo olhou para Rabicho, encolhido na sua cadeira, e suspirou. Continuou a falar, mas agora olhando profundamente para o antigo amigo. – Foi uma pena ele não ter entendido isso e... se distanciado... seguido outro caminho... e... feito tudo o que fez...

- Protesto! – Malfoy exclamou, levantando-se. – A testemunha está acusando meu cliente!

Mundungo Fletcher olhou de Malfoy para Remo, e depois voltou ao primeiro.

- Protesto aceito. Sr. Lupin, o senhor deve apenas narrar os fatos.

- Peço desculpas, meritíssimo. – Remo falou. – Eu... me deixei envolver emocionalmente. Não acontecerá de novo.

O juiz acenou afirmativamente, entendendo, e depois mandou Dumbledore prosseguir com as perguntas.

- O senhor me disse apenas como Tiago Potter e Pedro Pettigrew se relacionavam, Sr. Lupin. – Dumbledore começou. – Mas não falou como era o relacionamento do Sr. Pettigrew com Lílian Potter.

- Péssimo. – Remo afirmou categoricamente.

- Como assim? – Dumbledore perguntou intrigado.

- Da pior maneira possível. Lílian não confiava de jeito nenhum em Pedro. Não confiava em absolutamente nada do que ele fizesse ou dissesse, mesmo ele sendo um grande amigo nosso. Ela só era assim com ele. Como já disse, ela gostava muito de Sirius, com Tiago, nem se fala, os dois eram namorados, e eu e ela também éramos muito amigos, tanto que às vezes ela vinha pedir conselhos a mim, ou então eu a ela. Mas ela nunca gostou de Pedro. Desconfiava de tudo que ele fizesse e é claro que ele não gostava disso. Ele também não gostava dela, vivia colocando defeito em todas as atitudes que ela tomava. Isso só piorou quando ela e Tiago começaram a namorar. Pedro a acusava de tê-lo afastado de nós, e isso gerou algumas brigas feias entre ele e Tiago. Porque Tiago não deixava barato o que dissessem sobre Lílian; ele a amava demais para deixar que falassem um "a" dela.

- Mas o senhor disse que ela e o Sr. Black brigavam por qualquer coisa. Tiago Potter deveria se importar com isso também, ou não?

- Era diferente. As brigas de Lílian e Sirius não eram de verdade, eram brigas de criança... Eles apenas se provocavam por besteiras, mas não queriam magoar um ao outro. Tiago entendia isso e até achava graça. Mas com Pedro era diferente... ele e Lílian se detestavam. E isso não era brincadeira, era sério.

- E isso continuou depois de terminarem Hogwarts?

- Continuou e do mesmo jeito. Lembro que Lílian fez cara feia quando teve que cumprimentar Pedro no dia do seu próprio casamento com Tiago. Ela não queria convidá-lo, mas Tiago bateu o pé, e Pedro foi. Lílian ficou ainda mais furiosa porque Pedro se atrasou e só chegou depois que a cerimônia tinha começado.

- E o que o senhor sabe sobre a troca dos fiéis de segredo? A história que o Sr. Black sustenta é que, no último momento, os Potter trocaram de fiel de segredo na hora do feitiço. E que o fiel tornara-se Pedro Pettigrew ao invés de Sirius Black...

- Na época, eu não soube muito bem o que estava acontecendo. A única coisa que eu sabia era que Tiago e Lílian fariam um feitiço Fidelis para se protegerem. Eu imaginava que o fiel seria mesmo Sirius, que era a quem Tiago e Lílian devotavam maior confiança. Nunca imaginei que fosse ser Pedro, principalmente por Lílian sempre ter desconfiado tanto dele desde outros tempos. Eles não me contaram muita coisa na época porque desconfiava-se que houvesse alguém muito próximo aos Potter que levasse informações diretamente a Voldemort. E eu sabia que eles desconfiavam de mim. Tiago e Sirius desconfiavam. Mas Lílian não, ela continuava desconfiando de Pedro.

- Como sabia disso?

- Ela mesma me contou.

- Em que circunstância?

- Um dia eu fui visitá-los, Tiago, Lílian e Harry. Foi antes do feitiço ser feito. Mas Tiago não estava em casa quando cheguei. Estavam presentes apenas Lílian e Harry, que ainda era um bebê. E, enquanto Tiago estava fora, ela me contou muitas coisas.

- O senhor poderia reproduzir o que ela falou?

- Ela me relatou muitos fatos que eu ignorava... Disse que ela e Tiago estavam arrumando as malas para se mudarem, para fugirem. Contou que o senhor, Dumbledore, contou-lhes que Voldemort estava mesmo atrás deles. E ela tinha certeza de que Voldemort não estava interessado nela e Tiago, e sim em Harry. E o mais estranho era que, por algum motivo, ela tinha certeza disso e de que Harry sobreviveria mesmo que Voldemort os encontrasse. Além disso, ela me contou que fariam o feitiço Fidelis. Eu não sabia disso e perguntei se os outros já sabiam, referindo-me à Sirius e Pedro. Ela confirmou e me disse que Tiago e eles não queriam me contar essas coisas. Disse que estavam desconfiando de mim, por eu ser o que sou. Eles nunca se importaram que eu fosse um lobisomem, tanto que se transformaram em animagos por mim. Mas em uma época como aquela, em que se teme a tudo e a todos, era difícil confiar até nas pessoas mais próximas...

"Mas Lily me disse também que não desconfiava de mim, tanto que estava me contando aquelas coisas. Ela ainda não confiava em Pedro, por mais que Tiago o fizesse. E ela me pediu para que não pensasse que ela desconfiava de Pedro porque nunca gostou dele. Não era esse o motivo. O caso era que Pedro estava distante, cheio de segredos... Ele nunca foi muito bom em mentiras, e era quase impossível não perceber que ele escondia alguma coisa de todos nós há muito tempo. Tiago e Sirius não quiseram ver... e tenho que admitir que eu também não quis. Se havia uma coisa que os dois prezavam mais que tudo era amizade. E Pedro era amigo de todos nós há muito tempo para nos trair, era o que eles pensavam e eu também. Quanto a mim, eu sabia que Tiago e Sirius não desconfiariam de mim se eu não fosse um lobisomem... E acho que foi isso que aconteceu mesmo."

- Posso interrompê-lo, Sr. Lupin? – Dumbledore pediu.

- Claro.

- Peço minhas sinceras desculpas ao senhor.

- Por quê?

- Porque fui eu quem advertiu Tiago e Lílian que deveriam desconfiar do senhor. Vejo que Lílian teve uma visão melhor do que a minha sobre o que estava acontecendo...

- Protesto! – Malfoy se levantou novamente. – Dumbledore está falando como se meu cliente fosse culpado! Ele não tem esse direito!

- Protesto negado. – Mundungo Fletcher disse calmamente. – Se o senhor não notou, Sr. Malfoy, o Sr. Dumbledore não estava se referindo ao seu cliente e sim ao Sr. Lupin.

Lúcio Malfoy fez uma cara muito feia e voltou a se sentar. Dumbledore sorriu enigmaticamente, e Harry percebeu que ao menos uma vez Malfoy estava certo. Porque Dumbledore fez uma referência sutil não a Remo, mas a Rabicho...

- Vamos voltar a um passado mais recente agora, Sr. Lupin. – Dumbledore começou. – O senhor poderia me dizer exatamente o que aconteceu três anos atrás, no ano em que Sirius Black fugiu de Azkaban? E como o senhor descobriu que ele era inocente?

Remo, então, começou a contar tudo o que sabia pela sua visão do que acontecera no terceiro ano letivo de Harry em Hogwarts. Contou desde o começo do ano, da fuga de Sirius de Azkaban, até o final, quando todos descobriram a verdade naquela noite na Casa dos Gritos. Quando Remo terminou, Dumbledore fez uma última pergunta:

- E então, depois de ter descoberto tudo isso, o senhor manteve contato com o Sr. Black? Pode me dizer o que ele fazia?

- Sim, eu mantive contato com ele durante todo esse tempo no qual ele esteve escondido. E posso afirmar que Sirius tem sido de grande ajuda no combate a Voldemort, desde seu recente retorno. Além de ajudar nesse sentido, sei que Sirius tem uma relação muito boa com seu afilhado, Harry Potter. E se Sirius fosse mesmo o traidor e comensal que dizem que ele é, como poderia ajudar tanto Harry Potter? Logo Harry Potter? Seria uma incoerência...

Dumbledore sorriu e dispensou Remo. Mas antes que ele se levantasse do banco de testemunhas, Malfoy se levantou de onde estava e disse:

- Peço licença para interrogar Remo Lupin, senhor meritíssimo.

- Pedido concedido. – respondeu Mundungo Fletcher.

Dumbledore se sentou e passou a observar Malfoy dirigir-se a Remo, que mantinha os olhos desafiadoramente em Lúcio Malfoy, que perguntou com uma voz cheia de veneno:

- Gostaria de lhe fazer uma pergunta, Sr. Lupin. Como os jurados poderão confiar em um lobisomem como o senhor? Porque o senhor próprio afirmou isso e é sabido que lobisomens são criaturas malignas...

Remo ia falar alguma coisa, mas Dumbledore foi mais rápido. Parecia estar esperando por esse momento.

- Protesto!

Mundungo Fletcher o olhou intrigado. Malfoy tinha uma expressão quase assassina no rosto.

- Qual sua alegação? – o juiz perguntou.

Dumbledore pegou um livro de capa vermelha que estava sobre sua mesa. Harry estranhamente achou que conhecia aquele livro. Certamente devia tê-lo visto com Hermione...

- Isto é uma crença idealizada de bruxos e trouxas. – Dumbledore falou, levantando e se encaminhando até o juiz, ainda segurando o livro vermelho. – Lobisomens são pessoas normais, a única diferença é que foram vítimas de uma mordida de um outro lobisomem. Mas não é por se transformarem na lua cheia que são necessariamente pessoas ruins por causa disso. E eles têm plena consciência do que fazem quando não estão transformados também. São capazes de pensar e agir seguindo seu próprio caráter como qualquer um nesta sala. – Dumbledore colocou o livro vermelho sobre a bancada do juiz. – Tudo o que falei está explicado detalhadamente neste livro: "Animais fantásticos e seu habitat". Apesar de ser um livro primário, que aliás, faz parte da lista de material de alunos de primeiro ano em Hogwarts, ele pode explicar o que estou falando.

Agora Harry lembrou de onde tinha visto esse livro. Tinha um exemplar dele desde o primeiro ano...

Mundungo Fletcher começou a folhear o livro e leu em voz alta um trecho que explicava exatamente o que Dumbledore tinha dito. Malfoy ficou mais furioso ainda, mas se recompôs e, com um sorriso malicioso, perguntou:

- Mas como pode provar que Remo Lupin não é um lobisomem maligno, Dumbledore?

- Ele deu aulas de Defesa Contra as Artes das Trevas durante um ano inteiro em Hogwarts, de onde sou diretor. Garanto que nenhum aluno ou professor tem algo a reclamar dele. Sei que ele nunca fez mal a ninguém enquanto esteve lá, seja aluno ou professor. Além disso, também sei que ele é um grande aliado no combate contra Voldemort.

- Protesto aceito, Sr. Dumbledore. – Mundungo Fletcher disse. – O senhor tem mais alguma pergunta, Sr. Malfoy?

Malfoy pareceu fazer um grande esforço para engolir as palavras que queria dizer a Dumbledore e tentar parecer calmo.

- Não, senhor meritíssimo. Nenhuma pergunta a mais. – e sentou.

O juiz dispensou Remo, que voltou a se sentar perto de onde Harry estava. Depois de Remo, Dumbledore chamou a Sra. Weasley para depor. Ela contou como encontrou Rabicho, em sua forma de rato, anos atrás. Dumbledore reforçou, de maneira sutil, a incoerência do porquê Pettigrew ter-se escondido em uma família de bruxos, quando poderia ter-se instalado entre trouxas e ter a certeza de que nunca seria descoberto, já que o único provável intuito dele era manter-se incógnito, pelo seu medo de morrer. Mas, em uma família bruxa, teria constantes informações do mundo mágico, o que não acontecia entre os trouxas.

Seguido da Sra. Weasley, foi a vez de Rony sentar no banco das testemunhas. Harry e Hermione ainda lhe desejaram baixinho "boa sorte", mas o amigo não escutou, de tão nervoso que estava. A sorte dele foi que Lúcio Malfoy não o interrogou, assim como também não o fez com a Sra. Weasley. Já Hermione não teve a mesma sorte; depois de Dumbledore interrogá-la sobre o que acontecera no terceiro ano em Hogwarts e os anos que vieram após, Malfoy quis interrogá-la. E ele foi bem duro com a garota. Olhava no fundo dos olhos dela e se apoiava na bancada à frente de Hermione, tentando intimidá-la. A garota estava quase entrando em parafuso quando Dumbledore protestou:

- O Sr. Malfoy está amedrontando minha testemunha, meritíssimo!

Mundungo Fletcher olhou de Dumbledore para Malfoy, que mantinha uma expressão inocente no rosto.

- Protesto negado. – Malfoy sorriu vitorioso, mas o juiz olhou com pena para Hermione, que literalmente tremia. – Mas vá com calma, Sr. Malfoy. Ela é apenas uma adolescente...

A partir daí, Malfoy foi um pouco mais sutil com a moça. Mas logo encerrou suas perguntas, e Dumbledore chamou sua próxima testemunha, que fez Harry quase cair da cadeira ao ouvir o nome. Sirius também quase fez o mesmo quando viu quem era.

- Chamo para dar seu testemunho... – Dumbledore disse. – ...o Sr. Severo Snape.

- O quê? – Harry ouviu Rony incrédulo ao seu lado.

E era exatamente dessa maneira que estavam todos os que conheciam Snape: incrédulos. Hermione tinha os olhos arregalados e a boca aberta. Remo olhava para Snape e coçava os olhos, como se não acreditasse no que via. Sirius parecia extremamente desanimado e olhava Dumbledore não entendendo aonde ele queria chegar com aquilo. E Harry se sentia como o padrinho. Snape e Sirius simplesmente se odiavam, como o professor de Poções iria depor a favor do padrinho de Harry agora?

Snape fez o juramento e sentou no banco, indiferente aos olhares incrédulos que pousavam sobre si, e mais indiferente ainda aos de ódio por parte de Lúcio Malfoy e Pedro Pettigrew. Dumbledore se aproximou dele e fez a pergunta de costume:

- Por favor, Sr. Snape, diga seu nome e ocupação.

- Severo Snape. Leciono Poções em Hogwarts e também sou diretor de uma das Casas de lá, a Sonserina.

- Poderia me dizer de onde conhece os acusados?

- De Hogwarts. Da época em que estudava lá. – Snape dizia tudo maquinalmente, como se estivesse de certa forma ali contra a vontade. Ele estava, como Harry tinha constatado anteriormente, mais mal-humorado do que de costume.

- Qual era sua relação com meu cliente, o Sr. Sirius Black?

- A pior possível.

- Explique-se melhor.

- Nos odiávamos e ainda nos odiamos.

- E há um motivo para isso?

- Primeiro, éramos de Casas tradicionalmente rivais em Hogwarts: eu da Sonserina, e ele da Grifinória. Porém, além disso, eu o acho arrogante, presunçoso e mal-educado. – Snape dizia isso calmamente, como se fosse normal as testemunhas xingarem as pessoas às quais estão depondo a favor.

- E você é um seboso mal-acabado. – Sirius falou numa espécie de rosnado, não se controlando mais.

- Silêncio! – Mundungo Fletcher ordenou. – O senhor não tem direito de se manifestar, Sr. Black!

Sirius fez um gesto indulgente com os ombros e não disse mais nada. O juiz se virou para Snape:

- Não é permitido insultos no tribunal, Sr. Snape!

O professor de Poções fez um ruído impaciente. Dumbledore estranhamente sorria, talvez quase a ponto de rir, e prosseguiu depois, já sério:

- Isso quer dizer que, se o senhor não tinha um bom relacionamento com o Sr. Black, provavelmente não tinha afinidade nenhuma com o Sr. Pettigrew também, assim como com o Srs. Potter e Lupin, já que os quatro eram amigos...

- Obviamente que não. Os quatro eram grifinórios e divertiam-se fazendo piadinhas a meu respeito. Como qualquer sonserino, eu não tinha nenhum tipo de envolvimento com qualquer grifinório... – Snape parou de falar e suspirou. Pela primeira vez, num milésimo de segundo, Harry conseguiu ver sentimento nos olhos do professor. Mas talvez tenha sido só impressão...

- O senhor tem certeza disso? – Dumbledore perguntou perspicazmente, como se já soubesse a resposta.

- Havia uma única exceção... – Snape disse com a cabeça baixa e com a voz ligeiramente trêmula. – Eu... tinha amizade com uma grifinória... que era diferente dos outros... mas prefiro não citar seu nome.

- Eu respeito. – Dumbledore falou. – Mas... o senhor poderia me dizer o que pensa sobre a acusação de que Pedro Pettigrew tenha sido um Comensal da Morte?

- Essa acusação é verdadeira. Pedro Pettigrew não apenas foi um comensal, como ainda é.

Várias exclamações de espanto puderam ser ouvidas na sala. Rabicho se revirava incomodado na cadeira, respirando rápido. Dumbledore perguntou:

- Como o senhor sabe disso?

- Porque fui um Comensal da Morte também.

Agora decididamente o espanto era geral. Uma balbúrdia se formou instantaneamente na sala e Mundungo Fletcher teve que bater muitas vezes na mesa com seu martelo e gritar para pedir silêncio. Lúcio Malfoy parecia soltar faíscas de ódio nos olhos quando olhava para Snape; provavelmente estava encarando o que o outro dissera como mais uma traição a Voldemort e seus servos. Depois de alguns minutos, a sala silenciou, e Dumbledore pôde prosseguir:

- O senhor poderia me explicar melhor sua afirmação, Sr. Snape?

Snape parecia extremamente mal-humorado de ter que falar, mas o fez:

- Há muitos anos, eu fui sim um servo do Lord das Trevas. Mas mudei de lado por motivos pessoais. E passei a fazer um "jogo duplo". Eu espionava Voldemort, fingindo-me de servo. Quando ele caiu, fui julgado em um tribunal fechado e, mesmo tendo sido um comensal, foi-me concedido o direito de continuar em liberdade, com a condição de ajudar novamente se fosse necessário.

- Entendo. – Dumbledore disse, mas como se já soubesse de tudo aquilo que Snape tinha dito. – Mas o senhor pode explicar como tem certeza de que Pedro Pettigrew teve relação com o lado negro?

- Porque simplesmente ele esteve sempre presente em todas as reuniões que Voldemort promovia entre seus servos.

- Se ele sempre esteve lá, como o senhor não desconfiou de que fora ele quem entregara os Potter?

- Porque o Lord tinha um servo secreto, que ninguém sabia quem era e que trazia informações para ele. Quando Voldemort caiu, e todos pensaram que Sirius Black tinha traído os Potter, eu sinceramente pensei que ele fosse o tal servo secreto e que tivesse passado as informações para Voldemort. Nunca imaginei que fosse Pettigrew o responsável. Ele sempre fora um completo inútil, não fazia nada direito.

- Protesto! – Malfoy exclamou.

- Repito que não são permitidos insultos no tribunal, Sr. Snape. – Mundungo Fletcher disse com severidade.

- Sinto muito, meritíssimo, mas estou apenas relatando um fato. Era isso que acontecia. – Snape respondeu indulgente e em tom de sarcasmo. Malfoy ia protestar novamente, mas o juiz o fez parar; até ele parecia interessadíssimo na história de Snape.

- E o senhor tem como provar que Sirius Black não era mesmo o tal servo secreto? – Dumbledore perguntou.

- Há pouco tempo, espionando Voldemort, apesar de não descobrir a identidade do servo, eu descobri que ele, na verdade, era ela; uma mulher. Portanto, é impossível que Black seja o tal servo. – Snape completou com um sorriso irônico e depois continuou. – Além disso, há uma maneira mais prática de provar quem é o comensal e quem não é...

- Como?

- Voldemort reconhece cada servo seu por uma marca que faz neles assim que se tornam comensais. Todo comensal ou ex-comensal tem uma marca tatuada no braço esquerdo, perto do ombro. A Marca Negra.

Dumbledore sorriu, como se tivesse esperado todo o tempo para que chegasse naquele ponto. Malfoy empalideceu mais, se isso era possível, e Pettigrew parecia que estava prestes a molhar suas calças. Dirigindo-se ao juiz, Dumbledore pediu:

- Senhor meritíssimo, o senhor concede-me a permissão de verificar o que o Sr. Snape sugeriu? Nos dois acusados?

Malfoy se levantou e ia protestar, mas Mundungo Fletcher foi mais rápido:

- É justo. Os guardas se encarregarão disso.

Ele deu ordem a dois guardas que se puseram um do lado de Sirius e outro do de Pettigrew. Ao mesmo tempo, eles levantaram as mangas dos dois acusados e foi constatado: Sirius tinha a pele limpa, mas Pettigrew tinha uma marca escura, aquela mesma caveira com a língua de cobra que aparecera no céu do Beco Diagonal alguns dias antes.

A barulheira foi geral. Gritos assustados se fizeram ouvir. Dumbledore sorria, enquanto Snape estava impassível. Mundungo Fletcher estava boquiaberto. Malfoy, da palidez, passou à vermelhidão completa de seu rosto. Pettigrew suava frio. Sirius tinha um sorriso maior que o de qualquer um. Mundungo Fletcher mais uma vez se esforçou para obter silêncio.

- Protesto, meritíssimo! – Malfoy quase gritou, levantando. Seu rosto agora estava muito vermelho, e ele tinha bastante dificuldade para esconder seu nervosismo. – Isso não é uma prova contundente! Como poderemos saber realmente se o que ele diz é verdade? – perguntou, apontando para Snape. - Provavelmente está blefando!

- Qualquer um pode notar que essa marca em Pettigrew é a Marca Negra, a marca de Voldemort... – Snape se intrometeu, parecendo se divertir com a aflição de Malfoy. – Alguma relação Pettigrew deve ter com o Lord, para possuir essa marca...

Snape olhava Malfoy com uma expressão que dizia com todas as letras: "E você sabe muito bem disso, Lúcio". O pai de Draco Malfoy respirava muito rápido e olhava cheio de ódio para Snape. Dumbledore se aproveitou da situação para atacar:

- Essa é somente uma das muitas provas de que Sirius Black é inocente... Mas se os jurados ainda não acreditam, eu poderei mostrar outras... – Dumbledore se virou para o juiz: - Se o meu colega não fará nenhuma pergunta à minha testemunha, eu gostaria de finalizar as perguntas e dispensá-la.

- O senhor não tem nenhuma pergunta, Sr. Malfoy? – Mundungo Fletcher tomou a palavra.

Lúcio Malfoy parecia estar voltando gradualmente à palidez característica dos Malfoy. Mas ainda estava abalado, porque apenas respondeu com um sussurro que não faria perguntas a Snape e voltou a se sentar. Dumbledore dispensou o mestre de Poções, que saiu e sentou em uma das cadeiras bem ao fundo da sala.

Alvo Dumbledore se direcionou ao centro da sala e começou a falar aos jurados, irradiando mais do que nunca a antiga aura de poder. Ele tinha um brilho quase vitorioso nos olhos azuis claros, quando falou:

- Como disse anteriormente, essa foi apenas mais uma prova da inocência de Sirius Black. Contudo, quero reforçar tudo o que foi apresentado neste tribunal chamando minha última, e devo ressaltar, talvez a mais importante, testemunha. Chamo para depor, o senhor Harry Potter.